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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.11 no.2 São Paulo Dec. 2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Procedimento de ensino de interações sociais entre jovens com desenvolvimento atípico e seus pares baseado na análise do comportamento

 

Behavior analysis´s procedure to improve social interactions among young developmental disabled students and their peers

 

Un procedimiento basado en el análisis del comportamiento para mejorar las interacciones sociales entre jóvenes con desarrollo atípico y sus pares en la situación escolar

 

 

Andrea Carvalho Pinto Ribela, Priscilla Vilela Nunes dos Reis, Paula Suzana Gioia1

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Entre os déficits comportamentais de indivíduos com desenvolvimento atípico, encontra-se a pouca ocorrência de interações sociais. A análise do comportamento tem se voltado à investigação de procedimentos que promovam aumento dessas interações. A presente pesquisa teve como objetivo a análise de um procedimento para aumentar a ocorrência de interações sociais e melhorar a natureza das interações sociais entre jovens estudantes com desenvolvimento atípico e seus pares. Inicialmente, avaliou-se o repertório inicial de interações sociais dos alunos, durante as aulas de educação física. Posteriormente, houve a formação do professor por meio de reuniões antes das aulas e instruções, dicas orais e feedback imediatamente antes e depois de suas aulas. O professor foi preparado para fazer que todos os alunos participassem de um dos diferentes jogos e aumentassem as ocorrências de interações sociais entre eles. Após essa etapa, os pesquisadores retiraram todas as instruções ao professor para verificar se este mantinha os comportamentos direcionados à melhoria das interações sociais entre seus alunos. Os resultados sugeriram que esse procedimento mostrou-se eficaz para aumentar a quantidade de interações sociais, como também possibilitou melhorar a qualidade das interações sociais.

Palavras-chave: Análise do comportamento, Interação social, Formação de professor, Ambiente escolar, Desenvolvimento atípico.


ABSTRACT

Social interaction has been considered a great problem regarding people who have disabilities. Research for developing procedures to ensure social interactions has been considered important by behavior analysts. This work aims to assess a procedure to increase and develop better social interactions among young developmental disabled students and their peers. First it was carried out by the researchers an initial evaluation of social interactions performed by students on gym classes. After this phase, the couch was trained by researchers how to deal with students through meetings before classes and feedback right before and after classes. The couch was trained to lead all his students to play one of the different games and to increase the occurrences of social interaction with their peers. A final phase was taken without any instruction to gym teacher so that it could be evaluated if teacher’s behaviors toward improving social interactions of his students were maintained. The results suggested that the procedure had been successful to increase amount and improve quality of social interactions among students.

Keywords: Behavior analysis, Social interaction, Teacher instruction, School settings, Development disabilities.


RESUMEN

Entre los déficits de comportamiento en individuos con desarrollo atípico, encontramos la pobreza en las interacciones sociales. El análisis del comportamiento se ha dedicado a la investigación de procedimientos que promocionan aumento de dichas interacciones. La presente pesquisa tuvo como objetivo el análisis de un procedimiento para aumentar y mejorar la interacción social entre estudiantes jóvenes con desarrollo atípico con sus pares. Al principio, se evaluó el repertorio inicial de interacciones sociales de los alumnos en lãs clases de educación física. Luego, se ha formado el profesor por medio de instrucciones, pistas orales y feedback antes y después de las clases. El profesor ha sido preparado para intervenir en las interacciones sociales de los alumnos para asegurar que fueran adecuadas. Después de esa etapa, los investigadores no han brindado al profesor ninguna instrucción más para verificar si seguían con los comportamientos que facilitaban y desarrollaban la interacción social entre sus alumnos. Los resultados sugieren que el procedimiento ha sido eficaz para aumentar y diversificar las interacciones sociales.

Palabras clave: Análisis del comportamiento, Interacción social, Formación de profesor, Ambiente escolar, Discapacidades del desarollo.


 

 

Introdução

A principal característica da análise do comportamento é a concepção de que todo comportamento é único e determinado e mantido por sua história genética e ambiental. Para o homem, o meio ao seu redor, especialmente o social, é fundamental na produção de um amplo repertório comportamental. Um dos pontos importantes de propostas com participantes com desenvolvimento atípico é a avaliação individual ou, melhor dizendo, a avaliação do repertório inicial para que se possam planejar procedimentos de intervenção voltados para cada participante em particular.

Indivíduos com desenvolvimento atípico podem ter déficits comportamentais na área social, principalmente em relação à interação social recíproca. Segundo Nikopoulos e Keenan (2004), crianças com desenvolvimento atípico têm poucas interações sociais e passam mais tempo brincando sozinhas, quando comparadas com seus pares com desenvolvimento típico. De acordo com Petursdottir et al. (2007), um déficit de habilidades sociais está relacionado com rejeição pelos pares e desistência escolar. Esse déficit pode significar poucas interações sociais ou interações sociais curtas. Segundo Castro, Melo e Silvares (2003), interação social mais longa com os pares influencia a formação de um repertório de respostas de adaptação social.

Pesquisas sobre interações sociais mantidas por indivíduos com desenvolvimento atípico (KAMPS et al., 1992; NIKOPOULOS; KEENAN, 2004; LERMAN et al., 2004; PETURSDOTTIR et al., 2007) têm se preocupado em investigar procedimentos que promovam o aumento de interações entre participantes com desenvolvimento atípico e seus pares típicos. Dentre os procedimentos utilizados, podem-se citar a modelação ou a combinação de reforçamento e prompts, o monitoramento de pares e as atividades em grupo. Castro, Melo e Silvares (2003) atentam para a importância de um repertório adequado de interações sociais, uma vez que indivíduos com esse repertório têm maiores chances de produzir consequências sociais reforçadoras.

Dentre as pesquisas citadas, serão destacados alguns trabalhos com procedimentos diversificados e realizados na escola, ambiente de interesse deste estudo. Nikopoulos e Keenan (2004) usaram um procedimento de modelação por vídeo para promover mais interações sociais em crianças com desenvolvimento atípico. O procedimento tinha como objetivo aumentar as interações sociais das crianças por meio da imitação de comportamentos de interação social mostrados em videoteipes a que elas deveriam assistir. Após a realização de uma linha de base múltipla entre participantes, durante a intervenção, cada criança assistia a 35 segundos do vídeo numa sala e era levada para outra sala com os brinquedos, onde se registravam suas interações sociais. Os resultados mostraram que a apresentação do vídeo aumentou as interações sociais e habilidades de brincadeiras recíprocas. Esse aumento também foi verificado na condição de follow-up.

Além do uso de vídeo, os próprios pares em situação real puderam participar para a melhoria de interações sociais de crianças com desenvolvimento atípico. Petursdottir ET al. (2007) avaliaram o efeito de monitoramento de pares durante atividades de leitura, nas interações sociais de crianças com desenvolvimento e seus pares. O participante com desenvolvimento atípico brincava com cada criança típica em atividades como identificação de letras e sons, decodificação e leitura de palavras e frases. Durante a fase em que ocorria o monitoramento do par, alterava-se quem seria o tutor (criança atípica ou típica). O tutor fornecia dicas gestuais ou orais a seu par, elogiava-o a cada 5 a 10 acertos e também corrigia seus erros. O professor fornecia dicas orais para que todos os participantes ficassem sentados, elogiava os comportamentos cooperativos e o engajamento na tarefa e dava pontos que poderiam ser trocados por brindes.

A participação de colegas e do professor para facilitar a ocorrência de interações sociais de crianças com desenvolvimento atípico também foi utilizada por Kamps et al. (1992). Em autistas, esses autores treinaram interações sociais de alto funcionamento em escolas, com a participação de todos os alunos da classe em brincadeiras de grupo.

O estudo foi realizado em uma classe composta por 16 alunos de primeira série (aproximadamente 6 anos de idade). Essa classe foi dividida em quatro grupos. Três deles eram formados por um aluno autista e três colegas típicos. Um quarto grupo não tinha participantes autistas.

Grupos de habilidades sociais consistem, segundo os autores, no treinamento de alunos e seus pares em iniciação, respostas e interações. Iniciação foi definida como comportamento vocal ou motor (por exemplo, dividir, tocar), claramente dirigido ao par, que dá uma dica de resposta social. Respostas foram definidas como comportamento vocal ou motor, reconhecido como uma resposta às iniciações ocorridas até três segundos atrás. Interações foram definidas como comportamentos sociais recíprocos que ocorreram como resultado de uma sequência iniciação-resposta.

Durante a linha de base, que correspondeu a 20 minutos de atividade de brincar, quatro vezes por semana, as crianças tinham que fazer duas atividades lúdicas em grupo. Nenhuma dica era dada durante a linha de base. O delineamento utilizou uma linha de base múltipla entre participantes, e, portanto, o número de sessões realizadas com cada participante foi diferente, variando de 2 a 6 semanas.

Os experimentadores e os professores dividiram-se entre os quatro grupos e realizaram um treino com cada um deles. Cada sessão de treino ocorria nos 10 minutos iniciais da atividade de brincadeiras em grupo.

As habilidades sociais foram treinadas uma a uma, e cada uma delas durou aproximadamente de 2 a 3 semanas. As habilidades sociais selecionadas foram, entre outras: iniciar uma conversa, responder a uma iniciação, conversar, elogiar, dividir, ajudar e pedir ajuda e incluir alguém na atividade. Os pesquisadores mediam, durante a situação de brincadeira, a frequência de comportamentos sociais, a ocorrência da interação social entre os alunos atípicos e os seus pares típicos, e duração dessas interações. Usaram para registro um sistema de código computadorizado.

Após a realização do treino, os grupos foram submetidos a uma situação chamada de feedback. Nessa situação, os professores supervisionavam os alunos durante 20 minutos de brincadeiras livres. Os professores registravam em um caderno, ao longo de amostras de tempo de um minuto, se um determinado aluno estava envolvido em uma interação social. Em caso afirmativo, o professor colocava uma estrela ao lado do nome do aluno. No último mês do ano escolar que correspondeu a um mês após a condição de feedback, o professor mostrava então ao aluno o seu registro uma vez durante a sessão e mais uma vez ao final dela (follow-up).

Os resultados da pesquisa de Kamps et al. (1992) indicaram a ocorrência de mudanças positivas em relação a interações sociais entre os alunos e em relação a comportamentos de habilidades sociais. Com os resultados obtidos, pôde-se concluir que o procedimento de treino conduzido “foi um procedimento viável para aumentar a frequência, ocorrência e duração da interação social de crianças durante a situação de brincadeiras em grupo” (KAMPS et al., 1992, p. 286-287).

Segundo os autores, uma descoberta importante desse trabalho diz respeito ao maior êxito dos grupos quando há maior número de oportunidades para a emissão das habilidades básicas e ênfase em poucos comportamentos, uma vez que alunos têm dificuldade em apresentar habilidades mais complexas como negociação e resolução de problemas.

Quanto aos procedimentos de treino de habilidades sociais no Brasil, Del Prette et al. (2006) fizeram uma análise dos estudos sobre habilidades sociais publicados em periódicos nacionais de psicologia envolvendo diferentes abordagens, até o ano de 2004. O resultado dessa análise mostrou a deficiência no campo de estudo das habilidades sociais no Brasil, principalmente em relação a relatos de pesquisa aplicada com crianças e jovens, embora os dados indiquem uma tendência recente a um crescimento de publicações sobre o tema no Brasil (DEL PRETTE et al., 2006, p. 39): "pouco se conhece sobre o repertório de habilidades sociais de [...] populações com necessidades educativas especiais (por exemplo, com deficiência visual, auditiva, mental ou motora)".

Ainda segundo Del Prette et al. (2006, p. 39), há uma lacuna nos estudos de intervenção com referência à fase de seguimento (follow-up) e quanto à generalização, "sugerindo a necessidade de maior investimento na investigação da validade social dos procedimentos utilizados e dos seus efeitos, a médio e longo prazo". Garantir que os produtos obtidos em pesquisas sejam de alcance maior que o período investigado é fundamentalmente importante para a generalidade de toda pesquisa aplicada (BAER; WOLF; RISLEY, 1968).

Uma vez que a adesão às políticas públicas de inclusão de alunos com necessidades especiais passou a ser exigida das escolas em geral e, especialmente, das públicas, seria importante que o ambiente escolar também fosse palco de estudos com crianças e jovens pertencentes a essa população. Dois objetivos poderiam ser atingidos com pesquisas desse tipo no ambiente escolar: o objetivo proposto pelo próprio estudo e o de responder a uma demanda social, exigência de uma pesquisa aplicada, o que, por sua vez, daria subsídios para a extensão ou generalidade dos resultados (BAER; WOLF; RISLEY, 1968). Segundo as escolas, pertencem ao grupo de alunos com "necessidades especiais& aqueles que apresentarem qualquer tipo de disfunção, locomotora (cadeirante), sensorial (cego, surdo) e/ou cognitiva (atraso na aprendizagem devido a diferentes "diagnósticos", hiperatividade, autismo e desordens de seu espectro, dislexia, síndromes, como Down2 e Moebius, ou sequelas de outras síndromes que produziram atraso no desenvolvimento). Uma vez que o grupo com atraso cognitivo apresenta atraso no seu desenvolvimento e, portanto, na sua aprendizagem decorrente de fatores orgânicos, trataremos esse grupo como indivíduos com desenvolvimento atípico.

A síndrome de Down é responsável por 15% dos portadores de retardo mental que frequentam instituições para crianças especiais3. A inclusão desses indivíduos na escola regular mereceria estudos, como já salientado, para avaliarmos os efeitos dessa inclusão. Supostamente essa inclusão promoveria maior possibilidade de interação entre eles e os indivíduos com desenvolvimento típico, tornando a diferença aceitável socialmente. No entanto, muitas pesquisas apontam que isso não tem ocorrido e que instrumentos que avaliem essas interações seriam muito importantes nesse contexto (ROJAS, 2006-2007). Por causa dessa carência de estudos em ambientes inclusivos, Rojas (2006-2007) construiu uma categorização das interações sociais ocorridas com dois alunos com diagnóstico de síndrome de Down4 de uma escola pública. Com base nessa categorização, observou durante 6 meses esses alunos na aula de educação física e no horário de recreio (que incluía a situação de merenda escolar) de uma escola pública de São Paulo. Antes de iniciar a avaliação de sua folha de registro e durante as observações iniciais para preparar essa folha, Rojas (2006-2007) constatou que esses alunos não interagiam adequadamente com os seus colegas. No intervalo, sentavam-se sozinhos e não conversavam ou estabeleciam outro tipo de interação com os colegas. Durante as aulas de Educação de Física, muitas vezes ficavam sentados na arquibancada sozinhos ou mesmo jogando sozinhos ou com pouca interação quando com outras pessoas. Os resultados mostraram que a folha de registro foi um instrumento útil para registro de interações sociais nesse ambiente. Também foi possível identificar que as interações sociais entre atípicos e típicos ocorrem infrequentemente, têm duração curta e não são diversificadas (ROJAS, 2006-2007).

Rojas (2006-2007) também constatou que não ocorria nenhuma sequência de interação entre os alunos atípicos. Ficou claro que, em muitos momentos, eles mesmos se isolam e evitam estabelecer contatos com os outros. Mas a situação é mais complexa, porque não é apenas por conta de seu comportamento que as interações são escassas, uma vez que os outros alunos também não buscam contato com eles. Apesar de muitas vezes os alunos com desenvolvimento atípico observados não responderem a iniciações de outros colegas, mais frequente era o número de vezes que os alunos atípicos tentavam estabelecer uma interação, mas não obtinham respostas diversificadas.

De acordo com Mantoan e Prieto (2006), um dos desafios para que a educação seja direito de todos é não permitir que ela seja traduzida apenas como cumprimento da obrigação de matricular e manter os alunos com desenvolvimento atípico em classes comuns, o que pode resultar em rejeição e dificuldade de estudar com alunos com desenvolvimento típico. Dessa forma, é necessário que um maior investimento na qualidade do ensino seja constante.

Considerando as propostas de pesquisas para aumentar a ocorrência de interações sociais e a necessidade de investigação de procedimentos que sirvam às escolas brasileiras (DEL PRETTE et al., 2006), o objetivo da presente pesquisa foi a construção, aplicação e análise de um procedimento de treino de interação social, em uma escola pública brasileira, entre jovens com desenvolvimento atípico e seus pares, com base em Kamps et al. (1992).

 

Método

Participaram desta pesquisa dois alunos matriculados na oitava série do ensino fundamental, ambos com 18 anos e do sexo masculino. Os alunos G. e D. foram diagnosticados como portadores de síndrome de Down. Em observações anteriores à pesquisa, constatou-se que não interagiam adequadamente com os seus colegas. Também foram observados dois alunos com desenvolvimento típico, indicados pelo professor como socialmente habilidosos na interação com seus colegas.

O trabalho foi realizado no pátio da escola onde ocorrem as atividades de educação física e as atividades de recreio, que incluem a merenda escolar. A equipe escolar autorizou a realização do trabalho e assinou o termo de consentimento eticamente exigido.

O projeto foi aprovado sob o Protocolo n° 082/2007.

Utilizou-se o material próprio das aulas de educação física: rede de vôlei, bolas específicas de cada modalidade, jogo de damas, cestas de basquete e medalhas de premiação (solicitadas pelas pesquisadoras).

O procedimento foi dividido em quatro fases:

  • Fase 1: Construção da folha de registro

  • a) Contato com a situação: em um período de dois meses, duas vezes por semana, as pesquisadoras observavam as aulas de educação física das oitavas séries e a situação de recreio para avaliar as ocorrências dos diferentes tipos de interação social apontadas por Rojas (2006-2007). Dessas observações, mantiveram-se algumas definições, outras foram reformuladas, e elaboraram-se novos tipos de interação social. Os tipos de interação utilizados foram os seguintes:

  • Pedir uma informação (PI): fazer uma pergunta (a uma ou mais pessoas próximas ou a quem tenha que se dirigir) sobre determinado assunto ou aspecto que o respondente desconheça. Resposta vocal ou não vocal. Exemplos: "Algum professor faltou hoje?" e "Quando é a festa?" (GOLDSTEIN et al., 1992).

  • Pedir permissão (PP): fazer uma requisição (a uma ou mais pessoas próximas ou a quem tenha que se dirigir) cuja resposta autorize a fazer algo. Resposta vocal ou não vocal. Exemplo: "Posso sentar com vocês?" (GOLDSTEIN et al., 1992).
  • Pedir ajuda (PA): Fazer uma requisição (a uma ou mais pessoas próximas ou a quem tenha que se dirigir) com a finalidade de realizar uma tarefa cooperativamente. Resposta vocal ou não vocal. Exemplo: “Alguém pode me ajudar a carregar essas bolas?” (KAMPS et al., 1992).
  • Oferecer ajuda (OA): auxiliar (uma ou mais pessoas próximas ou a quem tenha que se dirigir) na realização de uma tarefa. Resposta vocal ou não vocal. Exemplo: pegar o material de alguém que caiu (KAMPS et al., 1992).
  • Dar uma instrução (DI): fazer uma descrição (a uma ou mais pessoas próximas ou a quem tenha que se dirigir) de elementos de uma contingência cujo objetivo é evitar uma conseqüência aversiva para quem segue a instrução. Resposta vocal ou não vocal. Exemplo: "Você precisa jogar a bola mais para cima, para acertar" (DUGAN et al., 1995).
  • Pedir um objeto/material (PO): fazer uma requisição (a uma ou mais pessoas próximas ou a quem tenha que se dirigir) de um objeto que esteja à vista ou não. Resposta vocal ou não vocal. Exemplo: "Passe-me a bola?" (KAMPS et al., 1992).
  • Oferecer objeto/material (OO): oferecer (a uma ou mais pessoas próximas ou a quem tenha que se dirigir) um objeto que esteja à vista ou não. Resposta vocal ou não vocal. Exemplo: "Você quer um chocolate?" (KAMPS et al., 1992).
  • Cumprimentar/despedir-se (C/D): responder (a uma ou mais pessoas próximas ou a quem tenha que se dirigir) de forma vocal ou não a um cumprimento ou despedida. Exemplo: acenar, "Oi", "Tchau".
  • Chamar (C): solicitar a atenção (a uma ou mais pessoas, próximas ou a quem tenha que se dirigir) de forma vocal ou gestual. Exemplo: "João!!"; fazer sinal de chamar alguém com a mão.
  • Apresentar-se (A): apresentar informações (a uma ou mais pessoas, próximas ou a quem tenha que se dirigir) ao seu respeito em situações em que isso se faça necessário. Exemplo: "Meu nome é Pedro" (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2004).

  • Convidar alguém para atividade (CA): tentar incluir (uma ou mais pessoas próximas ou alguém a quem tenha que se dirigir) em uma atividade. Exemplos: "Quer jogar xadrez?" e "Venha jogar com a gente" (KAMPS et al., 1992).
  • Fazer elogios (FE): indicar que uma ou mais pessoas, próximas ou a quem tenha que se dirigir, fez/fizeram algo que lhe agradou. Resposta vocal ou não vocal. Exemplos: "Muito bem" e "Foi ótimo" (DUGAN et al., 1995).
  • Agir como um torcedor (AT): dar respostas de incentivo, alegria ou desagrado (a uma ou mais pessoas próximas ou a quem tenha que se dirigir) às pessoas que estão participando de alguma atividade. Resposta vocal ou não vocal. Exemplos: "Isso, vai, vai, vai" e "Ah, não, não perde a bola" (DUGAN et al., 1995).
  • Manter diálogo (MD): manter uma cadeia de interação após a primeira sequência interação/resposta por pelo menos 3 segundos (KAMPS et al., 1992).
  • Fazer um comentário (FC): resposta que não seja direta a uma iniciação anterior ou que ocorra pelo menos 5 segundos depois de uma verbalização anterior. Exemplo: "Eu gosto de basquete" (PIERCE; SCHREIBMAN, 1997).
  • b) Definição do período de observação: a aula de educação física durava 45 minutos, e os alunos se espalhavam por diferentes locais do pátio. Portanto, para que todos fossem observados durante a aula, adotou-se um registro de tempo: cada aluno foi observado a cada 5 minutos. Assim, havia 9 períodos de observação, e registrava-se, a cada 5 minutos, a primeira ocorrência de interação ou iniciação social do aluno randomicamente selecionado para o início da observação.

    Foi considerado como iniciação social qualquer comportamento vocal ou motor, claramente direcionado a um par, que não respondesse a seu interlocutor. Interação social foi identificada como uma sequência iniciação-resposta, com a ocorrência da resposta do par até 3 segundos depois da iniciação (KAMPS et al., 1992).

    c) Fidedignidade entre observadores: para a realização do teste de fidedignidade, foram realizadas três observações com registros cursivos. Os registros foram trocados entre as observadoras de maneira que um mesmo registro era categorizado pelas duas observadoras, sem que tivessem contato com a categorização feita pela colega. Para o cálculo de fidedignidade, somavam-se todos os comportamentos de iniciação ou de interação social observados, tanto aqueles registrados da mesma forma por ambas as pesquisadoras (concordância) quanto aqueles em que apenas uma das pesquisadoras registrou (discordâncias). O número de concordâncias era dividido pelo número de concordâncias mais discordâncias. O resultado obtido, por meio de tal cálculo ao ser multiplicado por 100, corresponderia à porcentagem de concordância entre observadores. A concordância (fidedignidade) entre as pesquisadoras foi de 87%.

  • Fase 2: Avaliação inicial

  • Na fase de avaliação do repertório inicial das iniciações e interações sociais, as pesquisadoras observaram as aulas de educação física e o recreio, sem dar nenhuma instrução para o professor ou para os alunos sobre como deveriam agir. A observação durante o recreio teve como objetivo verificar se haveria mudanças das interações sociais em outras situações que não as aulas de educação física.

    Foram realizadas 8 sessões de avaliação inicial durante a aula de educação física com o aluno D. e 10 sessões de linha de base com o aluno G. A avaliação inicial foi encerrada quando cada aluno manteve o número de ocorrências de iniciações ou interações sociais estável em três sessões.

  • Fase 3: Preparação do professor

  • O professor não foi informado que as pesquisadoras estavam interessadas nas interações sociais de seus dois alunos atípicos. Ele foi informado que a proposta de “melhorar a interação social” durante suas aulas destinava-se a todos os seus alunos.

    Realizaram-se reuniões extra-aulas com o professor nas quais este era orientado a observar, organizar e consequenciar adequadamente os alunos quando ocorressem interações sociais entre os alunos. Primeiramente, o professor deveria dar instruções e dicas para os alunos de forma que nenhum ficasse fora das atividades propostas e se envolvessem em algum jogo em que tivesse bom desempenho. Uma vez que as aulas de educação física não tinham como objetivo o ensino de técnicas esportivas, o professor deveria organizar sua aula, de forma que propusesse atividades diferentes, em diferentes locais do pátio, para que todos pudessem estar envolvidos simultaneamente. O professor também deveria elogiar, parabenizar, quando o aluno envolvia um colega que estava isolado da aula. O professor também foi instruído a constantemente dar feedback (elogios) aos alunos quando estivessem interagindo "positivamente" com seus colegas de grupo e a orientar os diferentes grupos esportivos (vôlei, futebol, bola ao cesto, damas, pingue-pongue) nas diversas regras de cada modalidade.

    Concomitantemente às reuniões extra-aulas, após as aulas observadas, as pesquisadoras forneceram feedbacks para o comportamento do professor em relação aos alunos, com elogios e descrições de comportamentos de alunos ou do próprio professor: "Que bom que você convidou D. para participar do jogo de vôlei. Ele passou a aula inteira jogando com os colegas!".

    O professor considerou importante, para manter a motivação dos alunos durante as aulas, planejar, com o auxílio das pesquisadoras, uma competição interclasses que recebeu o nome "Desafio esportivo entre as oitavas", cuja realização, na última semana de aula, fez parte da situação de avaliação final.

    Os alunos de cada classe foram divididos em grupos, de acordo com as modalidades esportivas escolhidas. Cada grupo deveria treinar a modalidade para competir durante o "Desafio". Os treinos das diferentes modalidades ocorriam simultaneamente.

    Foram realizadas seis observações da série na qual estava matriculado o aluno G. e três da série de D. A proximidade do final do ano letivo e as faltas dos alunos não permitiram a realização de mais observações.

  • Fase 4: Avaliação do repertório final

  • Na fase de avaliação do repertório final das iniciações e interações sociais, as pesquisadoras observaram a situação do desafio esportivo e a de recreio desses dias em que aconteceu o desafio esportivo, sem dar nenhuma instrução para o professor ou para os alunos sobre como deveriam agir.

    Foram realizadas seis observações para a avaliação do repertório final durante o desafio esportivo com o aluno D. e seis com G.

     

    Resultados

    Para verificar se o procedimento permitiu a ocorrência no aumento das interações sociais entre os participantes com desenvolvimento atípico e seus pares, serão analisados primeiramente os resultados obtidos na situação de aula de educação física com as iniciações sociais. Ou seja, serão apresentados separadamente, por participante, os resultados que se referem ao início de uma interação, mas que não obtiveram resposta dos colegas ou do professor.

    Os resultados apresentados no Gráfico 1 indicam que as ocorrências de iniciações entre G. e seus pares e com o professor/funcionários (que poderiam ser no máximo 9), durante as três fases do procedimento, mantiveram-se entre 1 e 2 na maioria das aulas. Durante a fase de preparação do professor, houve um pequeno aumento no número das iniciações (2) em uma sessão, seguido de uma ausência deste comportamento nas duas últimas aulas (sessões 14 e 15). Durante a avaliação final, a ocorrência de iniciações é inconstante, oscilando entre 2 e nenhum comportamento de iniciação social. Não houve variação significativa de iniciação social antes e depois da intervenção do professor.

     

    Gráfico 1. Número de ocorrências de iniciações sociais de G. por aula, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    Em relação ao participante D., os resultados do Gráfico 2 mostram o número de iniciações sociais com seus pares com desenvolvimento típico e com professores ou funcionários da escola. Pode-se notar que não houve ocorrências de iniciações sociais entre D. e professor e funcionários em nenhuma das fases da pesquisa. Em relação a iniciações de D. com os alunos, há variação no número de ocorrências na avaliação inicial. Na fase de preparação do professor, as iniciações de D. com os alunos com desenvolvimento típico aumentam para 6 na sessão 8, mas esse número cai para 2, voltando ao mesmo número de ocorrências durante a fase de avaliação inicial. Durante o "Desafio esportivo" (avaliação final), não houve ocorrências de iniciação entre D. e os outros alunos na sessão 12. No entanto, há um aumento de ocorrências na sessão 13 (6 ocorrências), que cai nas duas sessões posteriores para 1 e aumenta para 3 na última sessão.

     

    Gráfico 2. Número de ocorrências de iniciações sociais de D. por aula, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    Quanto às interações sociais – aquelas em que há a iniciação e uma resposta do ouvinte a essa iniciação –, será analisado se elas se alteraram com a implantação do treino dessas interações. Para essa análise, é necessário observar os resultados representados nos gráficos 3 e 4. Pode-se observar, por meio da leitura do Gráfico 3, que houve uma diminuição das interações sociais entre G. e professores e funcionários devido à preparação do professor, e, simultaneamente, houve um aumento nas interações sociais entre G. e seus pares com desenvolvimento típico. Ou seja, G. deixa de interagir com professor e passa a fazê-lo com seus colegas.

     

    Gráfico 3. Número de ocorrências de interações sociais de G. por aula, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    O Gráfico 4 representa os resultados das interações sociais entre D. e colegas com desenvolvimento típico e entre D. e professores/funcionários. Nota-se que na aula 13 ocorreu o maior número de interação entre D. e professores/funcionários. Esse número diminuiu durante as aulas 15 e 16, e no término da coleta nenhuma interação social entre G. e professores/funcionários ocorreu.

    Quanto às interações entre D. e seus colegas, nota-se que, na fase de avaliação inicial, o número de ocorrências foi gradativamente diminuindo ao longo das diferentes aulas, chegando a nenhuma ocorrência nas três últimas aulas dessa fase. Durante a preparação do professor, há 2 ocorrências de interação com os colegas, e, na última aula dessa fase, não ocorre nenhum comportamento-alvo. O número de ocorrências aumenta apenas nas últimas quatro aulas, quando estava em vigor o treino feito pelo professor nos comportamentos dos alunos, mas sem a interferência das pesquisadoras durante a fase de avaliação final. Nessa fase, há uma queda no número de interações apenas na aula 13 (por causa da ausência do participante em maior parte do tempo dessa aula), mas as interações voltam a ocorrer nas três últimas aulas, terminando na aula 16, com o maior número de ocorrências (6) de interações entre D. e colegas.

    Pode-se inferir, portanto, comparando-se os resultados das fases inicial e final, que a preparação do professor para intervir e treinar as interações sociais entre seus alunos produziu um aumento no número de interações dos dois participantes com seus pares.

    A presente pesquisa objetivou também verificar se os efeitos da intervenção ocorrida nas aulas de educação física se estenderiam (generalização) para outras situações, no caso, durante o recreio. Nessa situação, o professor não está presente, mas sempre há funcionários durante o período.

     

    Gráfico 4. Número de ocorrências de interações sociais de D. por aula, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    A leitura dos resultados apresentados nos gráficos 5 e 6 mostra as ocorrências de iniciações sociais de G. e D. durante o recreio nas fases de avaliação inicial e avaliação final. Uma vez que o recreio durava apenas 20 minutos, poderiam ocorrer, no máximo, 4 iniciações (ou interações) sociais.

    Observa-se na Gráfico 5 que não ocorreram iniciações entre G. e funcionários em qualquer das duas fases, e houve apenas uma ocorrência de iniciação entre G. e seus colegas na avaliação final (sessão 4).

    O Gráfico 6 apresenta os resultados de D. nas duas fases. Esses resultados mostram que não ocorreram comportamentos de iniciação social entre D. e funcionários durante toda a situação de recreio. Uma iniciação social entre D. e os outros alunos ocorreu na segunda sessão (avaliação inicial) e na sessão 4 (avaliação final).

    Os dados mostrados nos gráficos 7 e 8 representam os resultados obtidos pelos alunos D. e G. quanto ao comportamento de interação social com professores e seus pares durante todas as fases do recreio. Durante a avaliação inicial, G. interagiu uma vez com professores ou funcionários em duas sessões (2 e 3) e nenhuma vez na primeira sessão. Na fase de avaliação final, não houve interação entre eles.

    Quanto às interações entre G. e seus pares, nota-se uma mudança no número de ocorrências nas diferentes fases. Na fase de avaliação final, houve 3 ocorrências (sessão 4). Na última aula, G. atingiu o número máximo de ocorrências possíveis de interação social com seus pares. Isso significa que, após a preparação do professor e treino para intervir nas interações sociais dos alunos, G. e D. passaram a interagir em todos os momentos, o que não ocorria na fase de avaliação inicial.

     

    Gráfico 5. Número de ocorrências de iniciações sociais de G. por sessão de recreio, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    Gráfico 6. Número de ocorrências de iniciações sociais de D. por sessão de recreio, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    Gráfico 7. Número de ocorrências de interações sociais de G. por sessão de recreio, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    Na fase de avaliação inicial, D. interagiu socialmente duas vezes com professores ou funcionários: uma na primeira sessão e outra na terceira. Após a preparação do professor para intervir nas interações sociais dos alunos, percebe-se que as interações entre D. e seus colegas com desenvolvimento típico aumentaram. Assim como G., D. passou a responder em todos os períodos das sessões durante a avaliação final, fato que não ocorria antes.

    Esses dados sugerem que os efeitos do treino do professor se estenderam para uma situação em que ele não estava presente, ou seja, ocorreu generalização entre as diferentes situações. Pode-se dizer, portanto, que a interação social de D. e G. dependia da presença de colegas onde quer que eles estivessem e não estava confinada apenas à situação em que havia a presença do professor/funcionário.

    Adicionalmente aos resultados pretendidos, pôde-se averiguar se houve alterações na natureza das interações sociais ocorridas. Para essa avaliação, faz-se necessária a leitura dos gráficos 9 e 10

    Os resultados apresentados nos gráficos 9 e 10 indicam mudanças na qualidade das interações na avaliação final em comparação com as fases de preparação do professor e avaliação inicial. Foram registradas as ocorrências das seguintes interações sociais: pedir informação, pedir permissão, pedir ajuda, oferecer ajuda, dar instrução, oferecer objeto/material, cumprimentar/despedir-se, chamar, apresentar-se, convidar para atividade, fazer elogio, agir como torcedor, manter diálogo, fazer comentário.

     

    Gráfico 8. Número de ocorrências de interações sociais de D. por sessão de recreio, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    O Gráfico 9 indica as interações sociais do participante G. durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final.

    Pode-se observar que não houve aumento da variabilidade da natureza das interações de G. nas diferentes fases da pesquisa. As únicas categorias que não ocorreram na avaliação inicial mas estiveram presentes nas fases de preparação do professor e avaliação final foram: pedir objeto/material e pedir ajuda. Foi observado um aumento de ocorrências de interações sociais de natureza manter diálogo (5 na avaliação inicial e 20 na preparação do professor e em avaliação final), o que indica que o tempo de engajamento de G. nas interações sociais aumentou.

    Pode-se notar que, durante a avaliação inicial, a maioria das interações de D. tinha como função pedir informação, cumprimentar e oferecer objeto. Foram registradas interações sociais de 7 naturezas diferentes, num máximo de 15 naturezas possíveis.

    Nos períodos de preparação do professor e avaliação final, percebe-se que há um aumento na diferenciação das interações sociais entre D. e seus pares. Das 15 diferentes categorias que indicam a natureza da interação, apenas 2 não ocorreram durante essas fases: pedir ajuda e apresentar-se.

    Dessa forma, pode-se concluir que houve um aumento tanto na quantidade quanto na qualidade das interações sociais dos participantes. Além disso, pode-se também observar um aumento na duração das interações sociais, indicado pelo aumento de ocorrências de interações da natureza manter diálogo.

     

    Gráfico 9. Número de ocorrências de interações sociais de G. de cada natureza, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    Gráfico 10. Número de ocorrências de interações sociais de D. de cada natureza, durante as fases de avaliação inicial, preparação do professor e avaliação final

     

    Discussão

    O trabalho em ambientes naturais deve contar sempre com dificuldades que estão fora do controle do pesquisador, tais como pouco tempo para coleta, dificuldade de aderência à pesquisa por parte da equipe escolar e atrasos da escola no cumprimento das solicitações. Mesmo com essas dificuldades, o procedimento apresentou vantagens metodológicas importantes.

    Os resultados obtidos indicaram que o procedimento trouxe diferentes benefícios para a avaliação de interações sociais dos participantes na escola: 1. permitiu uma forma de registro que diferenciou iniciação de interação, 2. garantiu o registro do número de ocorrências dos comportamentos-alvo nas diferentes fases, 3. possibilitou a identificação da natureza dos comportamentos nas duas fases e 4. permitiu identificar diferentemente as ocorrências de iniciações e de interações entre sujeitos.

    Pode-se dizer também que as classes comportamentais descritas no presente trabalho mostraram-se eficientes e suficientes para a avaliação de repertório inicial e final pretendido.

    Os dados do presente estudo indicaram a eficácia do instrumento de avaliação, tanto em relação à precisão que oferece ao registro de ocorrências de iniciações/interações sociais na fase de avaliação inicial e final de repertório, quanto à possibilidade de se analisar a ocorrência de interações de diferentes naturezas.

    Tal achado vai ao encontro da afirmação de Lerman et al. (2004) quanto à importância de uma avaliação de repertório inicial capaz de permitir a identificação de comportamentos específicos (de naturezas diferentes) que devem ser ensinados.

    Também se constatou a eficácia da preparação do professor para a melhoria das interações sociais entre os alunos com desenvolvimento atípico e seus pares. Isso talvez seja devido ao fato de que o professor deveria elogiar diferencialmente as ocorrências ou não de interações sociais e dar dicas (prompts) aos alunos para que se envolvessem em interações com seus colegas. Segundo Lerman et al. (2004), o reforçamento diferencial para respostas corretas pode produzir rápido aprendizado, principalmente se combinado com prompts, pois essas duas condições produzem rápido aumento no desempenho de qualquer habilidade que precise ser melhorada.

    A implementação do procedimento só foi possível por meio da participação efetiva do professor. De acordo com Castro, Melo e Silvares (2003), é importante o engajamento de pais e professores em procedimentos que visem à melhoria das interações sociais entre alunos, por causa de sua influência no processo de socialização dos alunos.

    Outra contribuição advinda deste estudo refere-se aos benefícios do ensino de interações sociais como parte das atividades escolares de todas as classes de uma mesma série, em vez de limitar a instrução apenas aos estudantes com desenvolvimento atípico ou usar procedimento que envolva poucos pares de alunos (KAMPS et al., 1992). Embora o foco da presente pesquisa tenha sido apenas os dois participantes com desenvolvimento atípico, o professor foi orientado a administrar o procedimento a todos os alunos das oitavas séries. Duas vantagens adicionais decorreram do “ensino” com esse tipo de estratégia de aula para o professor: além de servir como modelo para futuras aulas do professor, este não teve que dividir seu tempo entre um procedimento de aula e outro para os alunos com dificuldades interacionais.

    Os resultados do presente estudo indicaram também uma maior diferenciação do tipo de interação social entre os alunos, indo ao encontro do estudo de Kamps et al. (1992), que observaram um aumento no número de habilidades sociais ocorridas, além do aumento da duração das interações (que pôde ser observada na presente pesquisa por meio do aumento de ocorrências da categoria manter diálogo). De acordo com Castro, Melo e Silvares (2003), o aumento da variabilidade na ocorrência de interações pode significar que os alunos aumentaram as chances de acesso e produção de consequências sociais reforçadoras.

    Deve ser considerada a contribuição dos resultados advindos da coleta em situação de recreio que serviu para apontar a possibilidade de generalização da interação social em outro contexto (outras aulas que não educação física, por exemplo). Diversos estudos (PETURSDOTTIR et al., 2007; LERMAN et al., 2004; DEL PRETTE et al., 2006; KAMPS et al., 1992) explicitaram a necessidade de intervenções que planejassem situações nas quais pudesse ocorrer generalização.

    Como a fase de avaliação final coincidiu com o fim do ano letivo, não foi possível a realização da fase de seguimento ou follow-up, sugerida por diversos autores, por permitir avaliar a durabilidade dos efeitos da intervenção (DEL PRETTE et al., 2006; NIKOPOULOS; KEENAN, 2004; KAMPS et al., 1992).

     

    Conclusão

    Os resultados obtidos no presente estudo apontam para a importância de trabalhos que envolvam a preparação de professores para a melhoria das interações sociais entre alunos com desenvolvimento atípico e seus pares. Somado a isso, vale ressaltar a importância de envolver no procedimento estratégias que facilitem a adesão do professor, como as que foram usadas nesta pesquisa: a) não foi necessário que o professor preparasse diferentes tipos de aula para alunos típicos e atípicos; b) as estratégias de aula podem servir como modelo para outras aulas do professor em diferentes contextos.

    Apesar dos limites encontrados no desenvolvimento de pesquisas em ambiente natural, especialmente por causa da impossibilidade de controle experimental completo, elas se mostram de fundamental importância para o desenvolvimento de intervenções eficazes.

    Estudos futuros em ambientes naturais, como o aqui proposto, devem considerar a importância da realização da fase de follow-up, considerando as possíveis dificuldades da escola pública e planejando um período mais longo para o desenvolvimento da pesquisa. A realização dessa fase aumenta a possibilidade de identificar a permanência dos efeitos da aplicação do procedimento.

    Pode-se concluir, por fim, que o instrumento de avaliação desenvolvido no presente estudo mostrou-se eficiente na medida em que ofereceu precisão no registro de interações/ iniciações em diferentes fases, além de identificar a ocorrência de interações de diferentes naturezas, o que, com certeza, contribui para a inclusão social da população-alvo deste estudo.

     

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    Endereço para correspondência
    Paula Suzana Gioia
    Rua Monte Alegre, 986
    Perdizes – São Paulo – SP
    CEP 05014-901
    e-mail: gioia@terra.com.br

    Tramitação
    Recebido em novembro de 2008
    Aceito em setembro de 2009

     

     

    1 O artigo é proveniente de uma pesquisa de iniciação científica financiada pelo CNPq sob orientação da Profa. Paula Suzana Gioia.
    2 As principais características da síndrome de Down são: retardo mental, anomalia cardíaca, baixa estatura, olhos com fendas palpebrais oblíquas, perfil achatado e prega única na palma da mão.
    3 Informação disponível em: <HTTP://www.brasilescola.com/doencas/sindrome-de-down.htm>.
    4 O aluno D. tem 20 anos e seu diagnóstico é de deficiência mental leve. Apresenta o tímpano direito com perfuração e sintomas que remetem a uma anóxia de parto. Segundo os professores, ele está alfabetizado, mas a pesquisadora observou informalmente que ele apenas copia a lousa durante as aulas, não sendo possível responder se ele tem ou não compreensão do que escreve. O aluno G. também de 20 é portador de síndrome de Down leve, usa óculos, fazia estágio não remunerado numa pizzaria uma vez por semana, além de teatro e futebol. Tem dificuldades no programa de inclusão porque, segundo ele, “Ninguém o aceita”. Estão alfabetizados e, segundo os professores, conseguem trabalhar da mesma forma que os colegas com desenvolvimento típico da mesma classe.

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