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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.11 no.2 São Paulo dez. 2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Atenção concentrada e memória: evidências de validade entre instrumentos no contexto da psicologia do trânsito

 

Concentrated attention and memory: validity evidences between instruments in the psychologist traffic context

 

Atención concentrada y memoria: evidencias de validez entre instrumentos en el contexto de la psicología del tránsito

 

 

Fabián Javier Marín Rueda

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo da pesquisa foi verificar evidências de validade para o Teste de Atenção Concentrada (Teaco-FF) em relação ao Teste Pictórico de Memória (Tepic-M). Participaram 207 pessoas da cidade de Aracaju, sendo 118 estudantes de uma universidade particular e 89 pessoas que passaram pelo processo de renovação, mudança ou adição da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A idade variou de 18 a 58 anos, e, em relação ao sexo, 66 foram homens e 141 mulheres. Os instrumentos foram aplicados de forma coletiva nos estudantes universitários, e individualmente no caso da avaliação psicológica pericial. Os resultados mostraram correlações positivas e significativas entre as pontuações de ambos os testes, o que forneceu a evidência de validade para o Teaco-FF. Sugerem-se outros estudos dentro do contexto do trânsito, como uma forma de aprimorar e aprofundar as informações da área.

Palavras-chave: Psicologia do trânsito, Atenção, Memória, Evidências de validade, Avaliação psicológica.


ABSTRACT

This research aimed at verifying validity evidences to Teste de Atenção Concentrada (Teaco-FF), related to Teste Pictórico de Memória (Tepic-M). 207 people from Aracaju participated, so that 118 were students from a private university and 89 went through a renovation process, changed or first obtained their driver’s license. Age ranged from 18 to 58 years old, and as to sex, 66 were men and 141 were women. The instruments were collectively applied to undergraduates, and individually applied to the participants going through specialized psychological assessment. Results have revealed significant positive correlations between punctuations on both tests, which provided validity evidences to Teaco-FF. Further studies are suggested on traffic context, as a way to improve and examine the information on the area carefully.

Keywords: Traffic psychology, Attention, Memory, Validity evidences, Psychological assessment.


RESUMEN

El objetivo de esta investigación fue verificar evidencias de validez para el Teste de Atenção Concentrada (Teaco-FF) en relación al Teste Pictórico de Memória (Tepic-M). Participaron 207 personas de la ciudad de Aracaju, siendo 118 estudiantes de una universidad particular y 89 personas que pasaron por el proceso de renovación, cambio o adhesión de La Libreta de Chofer. La edad varió de 18 a 58 años, y en relación al sexo, 66 fueron hombres y 141 fueron mujeres. Los instrumentos fueron aplicados de forma colectiva en los Estudiantes universitarios, e individualmente en el caso de la evaluación psicológica para la Libreta de Chofer. Los resultados mostraron correlaciones positivas y significativas entre las puntuaciones de los dos testes, lo que forneció evidencia de validez para el Teaco-FF. Se sugieren otros estudios dentro del contexto del tránsito, como una forma de mejorar y profundizar las informaciones del área.

Palabras clave: Psicología del tránsito, Atención, Memoria, Evidencias de validez, Evaluación psicológica.


 

 

Introdução

O trânsito pode ser definido como "o conjunto de deslocamentos de pessoas e veículos nas vias públicas, dentro de um sistema convencional de normas, que têm por fim assegurar a integridade de seus participantes" (ROZESTRATEN, 1988, p. 4). Duas décadas antes de Rozestraten (1988), Arrudão (1996) já tinha definido o trânsito como o deslocamento de pessoas pelas vias de circulação. Segundo essa definição, tráfego é diferente de trânsito, pois o deslocamento é realizado em missão de transporte. Pode-se ainda fazer referência à definição de Vasconcelos (1998), que afirmou que o trânsito seria uma disputa pelo espaço físico resultante, na realidade, da disputa pelo tempo e pelo acesso aos equipamentos urbanos. Seria uma "negociação" constante, coletiva e conflitiva, pelo espaço. Por fim, segundo o Código de Trânsito Brasileiro (1997), capítulo I, artigo 1°, § 1°: "Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga". Dessa forma, quando se fala em trânsito, deve-se considerar a grande quantidade de fatores e variáveis intervenientes nesse sistema.

Nesse contexto, a psicologia do trânsito apresenta-se como uma forma de estudar de uma maneira concreta as variáveis psicológicas que poderiam influenciar o modo de os motoristas se comportarem e de que forma esse comportamento poderia levá-los a envolver-se em acidentes de trânsito (AT) ou colocar-se em situações de risco. Para Shinar (1978), a psicologia do trânsito teria como objetivo a busca de referências mais concretas sobre as variáveis psicológicas que influenciariam a maneira como o motorista se comporta no ambiente do trânsito e de que forma isso poderia levá-lo a se envolver em situações de risco e/ou em AT. Segundo Rozestraten (1988, p. 9), a psicologia aplicada ao trânsito poderia ser definida como

[...] uma área da psicologia que estuda, através de métodos científicos válidos, os comportamentos humanos no trânsito e os fatores e processos externos e internos, conscientes e inconscientes que os provocam ou os alteram.

Ainda, o autor coloca que seria "o estudo dos comportamentos-deslocamentos no trânsito e de suas causas" (ROZESTRATEN, 1988, p. 9).

Para Lim, Sayed e Navin (2004), o ambiente do motorista seria muito complexo, e o fato de cometer ações e tomar decisões contraditórias poderia, muitas vezes, trazer prejuízos muito sérios e, em muitos casos, até fatais. Para os autores, o papel principal do psicólogo do trânsito seria minimizar a ocorrência de tais eventos contraditórios, promovendo e facilitando ações para a segurança e eficiência dos motoristas e pedestres inseridos no ambiente do trânsito. Eles acrescentam que, em razão do grande número de fatores que influenciam o comportamento do motorista, promover essas ações se torna muito difícil, e existiria uma necessidade de aumentar a compreensão da população de uma forma geral sobre a relação existente entre o motorista e o comportamento motriz, para, dessa forma utilizar, essa compreensão na prática. Quanto a esse aspecto, Pachini e Wagner (2006) apontaram que o conhecimento produzido no Brasil sobre o trânsito foi muito pouco explorado pela comunidade científica e que os estudos existentes apresentam bases teóricas e metodológicas múltiplas e pouco definidas, tornando difícil a compreensão da população sobre o que seria a psicologia do trânsito e qual o papel do psicólogo nesse contexto.

Já para Blasco (1994), a avaliação psicológica no trânsito permitiria viabilizar essa proposta, realizando a perícia nos candidatos a motorista que preencheriam os requisitos necessários para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Nesse sentido, Wahlberg (2003) aponta que, durante décadas, pesquisadores do trânsito veem tentado identificar os fatores psicológicos que poderiam ser causa dos AT. Porém, até o momento parece não haver um consenso em relação a essa questão, o que, segundo o autor, muitas vezes levaria a certo individualismo nos métodos escolhidos para avaliar o candidato a condutor.

No Brasil, algumas das críticas feitas à avaliação psicológica realizada no contexto do trânsito devem ser destacadas. Dentre elas, encontra-se a falta de padronização de instrumentos utilizados (MÉA; ILHA, 2003). Ainda, outra crítica comumente feita refere-se à falta de continuidade da avaliação, uma vez que ela é realizada apenas uma vez (quando a pessoa vai tentar obter a sua primeira CNH), sem levar em conta as mudanças ocorridas nas pessoas com o passar do tempo.

Nesse contexto, Lamounier e Rueda (2005a) realizaram um levantamento com 783 pessoas, das quais 401 pleiteavam a CNH pela primeira vez e 382 realizavam a renovação da carteira de habilitação. Os participantes foram questionados em relação a três aspectos: se consideravam a avaliação psicológica importante para o contexto do trânsito, se entendiam que tal processo auxiliaria a diminuir o índice de AT e se seria importante que a avaliação psicológica fosse realizada com maior periodicidade. Os resultados dessa pesquisa revelaram que a maior parte da amostra se mostrou a favor da avaliação psicológica no trânsito, e todas as questões pesquisadas apresentaram altas porcentagens de respostas afirmativas.

Segundo Lamounier e Rueda (2005a), a avaliação pericial, seja para obtenção seja para renovação da CNH, tem como premissa atuar de forma preventiva, com o objetivo de diminuir a probabilidade de os motoristas e/ou terceiros se envolverem em situações de risco. Ainda, Lamounier e Rueda (2005b) ressaltaram que os profissionais dessa área não têm como objetivo diminuir, de fato, os acidentes de trânsito, assim como também não se pode afirmar que a pessoa aprovada na avaliação psicológica pericial não irá se envolver em tais acidentes. O que pode ser afirmado é que os psicólogos do trânsito visam avaliar se a pessoa que quer dirigir um veículo automotor apresenta quesitos adequados para isso.

A Resolução n° 12/2000 do Conselho Federal de Psicologia (2000) estabeleceu que, para avaliar o perfil psicológico do candidato à CNH e do condutor de veículos automotores, deveriam ser considerados os níveis intelectual, de atenção, psicomotor e psicofísico, e a personalidade. Nesse sentido, de acordo com Brickenkamp (2004), a investigação dos processos básicos se faz necessária, entendendo por processos básicos a atenção, a concentração, a memória e o controle emocional. Dessa forma, como não existe, nem no Brasil nem no exterior, uma definição clara sobre o perfil necessário para exercer a função de motorista, os construtos atenção e memória seriam importantes para tal atividade.

Nesse sentido, Treat et al. (1977) assinalaram a importância das capacidades intelectuais, tais como atenção, memória e inteligência, como condições essenciais que poderiam afetar as fases dos processos psicológicos envolvidos no comportamento do trânsito. Esses autores acrescentam que outras condições constituídas por estados emocionais de diversos tipos poderiam estar presentes, como raiva, estresse, ansiedade, agressividade, pressa, angústia etc.

Para Lim, Sayed e Navin (2004), os dois processos mais importantes da atenção visual seriam a seleção do estímulo e o tempo de reconhecimento e processamento da informação. Ainda para os autores, a relevância desses dois processos no trânsito poderia ser resumida em duas perguntas:

  • Que fator faria um motorista olhar um objeto em particular ou prestar atenção nele?

  • Que fator determinaria a duração do tempo de visão do motorista para um objeto determinado?
  • Para tentar responder às questões referentes a como avaliar esses aspectos no contexto do trânsito, muitos autores se preocuparam em estudar possíveis baterias de testes. Nesse sentido, para Szlyk et al. (2002), alguns testes neuropsicológicos, como o Mini- Mental State Examination (MMSE), poderiam ser úteis para predizer o desempenho dos motoristas em simuladores de trânsito. Segundo tais autores, uma prova de direção num simulador de Atari apresentou correlações significativas com o desempenho na direção em estrada. Sugeriram ainda que testes neuropsicológicos poderiam ser aplicados na hora de decidir se uma pessoa estaria habilitada ou não a dirigir um veículo automotor.

    Segundo Adler, Rottunda e Dysken (2005), não há um consenso em relação a uma bateria de testes psicológicos específica para predizer a capacidade para dirigir. Os autores salientaram que pesquisas mostraram que alguns domínios cognitivos específicos apresentariam uma maior correlação com a atividade de dirigir do que outros. Ainda, Reger et al. (2004) realizaram uma metanálise das baterias psicológicas relacionadas à habilidade de dirigir em pessoas com demência. Os pesquisadores concluíram que, quando considerada a bateria psicológica como um todo, ela não apresenta correlação com a habilidade. Porém, quando áreas específicas são avaliadas de forma separada, como a percepção visual e a atenção, as correlações com habilidade e desempenho motriz aumentariam. Adler, Rottunda e Dysken (2005), Fitten et al. (1995), Reger et al. (2004) e Bieliauskas et al. (1998) recomendaram que qualquer avaliação para dirigir veículos automotores incluísse medidas que fornecessem informações sobre habilidade visoespacial, atenção, tempo de reação e memória.

    Por sua vez, Stradling et al. (1998) também afirmaram que o ato de dirigir estaria diretamente relacionado às habilidades motoras, ao conhecimento de normas e regras e, principalmente, às habilidades cognitivas. Os autores salientaram que a falta de atenção seria uma das causas principais dos acidentes de trânsito. Ainda, afirmaram que, quando essa desatenção encontra-se aliada a fatores como velocidade excessiva ou falta de habilidade na direção, os riscos para o ambiente do trânsito seriam incalculáveis. Nesse sentido, autores como Elander, West e French (1993) apontaram que um desempenho ruim em testes que avaliam percepção do perigo, atenção e memória estaria relacionado significativamente aos índices de acidente em estrada.

    Ainda, para Van Zomeren, Brouwer e Minderhoud (1987), Rothke (1989) e Schanke e Sundet (2000), os testes psicológicos que envolvam a atenção concentrada e a dividida, a velocidade de processamento de informações, a memória e a habilidade percepto-motora seriam ferramentas extremamente úteis na avaliação psicológica para obtenção da carteira de habilitação.

    Se, por um lado, verifica-se que a literatura aponta a atenção e a memória como possíveis determinantes para o envolvimento em AT, por outro, os estudos que procuram relacionar ambos os construtos no ambiente do trânsito são escassos. Nesse sentido, nesta pesquisa serão estudados dois instrumentos, um que se propõe a avaliar a atenção concentrada e outro que pretende mensurar a memória de curto prazo – o Teste de Atenção Concentrada (Teaco-FF) (RUEDA; SISTO, 2008) e o Teste Pictórico de Memória (Tepic- M) (RUEDA; SISTO, 2007) –, com o objetivo de verificar evidências de validade para instrumentos que avaliam construtos utilizados no contexto da avaliação psicológica pericial para obtenção da CNH.

     

    Método

    Participantes

    Participaram da pesquisa 207 pessoas do Estado de Sergipe, sendo 118 (57%) estudantes de uma universidade particular e 89 (43%) indivíduos que passaram pelo processo de renovação, mudança ou adição da CNH, com escolaridade variando de ensino fundamental incompleto até ensino superior completo. A idade variou de 18 a 58 anos (M =23,08, DP =5,41). Quanto ao sexo, 66 (31,9%) eram homens e 141 (68,1%) mulheres.

    Instrumentos

    Teste de Atenção Concentrada (Teaco-FF)

    O Teaco-FF (RUEDA; SISTO, 2008) foi desenvolvido com o objetivo de avaliar a capacidade de atenção concentrada em pessoas que procuraram a avaliação psicológica pericial para obtenção da CNH, e fornece uma medida da atenção concentrada da pessoa que pode ser obtida pelo resultado dos estímulos que a pessoa deveria marcar e marcou subtraído dos erros mais as omissões. O instrumento possui 500 estímulos distribuídos em 20 colunas com 25 estímulos cada. Do total, 180 são estímulos-alvo, e cada coluna contém 9 alvos e 16 estímulos distratores. O tempo de aplicação é de 4 minutos.

    Quanto às evidências de validade do instrumento, foi estudada evidência de validade desenvolvimental, pelo funcionamento diferencial do item, com o Teste de Atenção Concentrada (AC) (CAMBRAIA, 2003), com os Testes de Atenção Sustentada e Dividida (AS e AD) (SISTO et al., 2006), com o Teste Conciso de Raciocínio (TCR) (SISTO, 2006) e com a Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho (Event) (SISTO et al., 2007). Os índices de precisão do instrumento foram considerados excelentes pelos autores, variando de 0,89 a 0,99.

    Teste Pictórico de Memória (Tepic-M)

    O Tepic-M (RUEDA; SISTO, 2007) avalia a capacidade do indivíduo em recuperar uma informação num curto período de tempo. É composto por uma figura com vários desenhos e detalhes que podem ser agrupados em três categorias: itens que pertencem e podem ser encontrados na categoria Água (como peixe e jet-ski), itens referentes à categoria Céu (pássaro, sol, balão, entre outros) e itens que podem ser localizados na categoria Terra (barraca, casa, árvore, por exemplo). Para responder ao teste, a pessoa deve visualizar a figura durante um minuto e, em seguida, lembrar a maior quantidade de desenhos e detalhes possíveis, e escrevê-los na folha de resposta do teste, num tempo de dois minutos.

    Quanto às propriedades psicométricas do teste, no manual são relatados estudos de evidências de validade pelo processo de resposta, funcionamento diferencial do item, evidência de validade relativa ao desenvolvimento, com o Teste Conciso de Raciocínio (SISTO, 2006), assim como análise dos itens pelo modelo Rasch. Quanto aos índices de precisão, eles foram considerados satisfatórios, variando de 0,63 a 0,74.

    Procedimentos

    Após assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos respondentes, os instrumentos foram aplicados de forma coletiva no caso dos estudantes universitários, e de forma individual nos casos em que a aplicação ocorreu na avaliação psicológica pericial para CNH. A aplicação não excedeu a 25 pessoas por grupo.

    Em ambos os instrumentos, a aplicação ocorreu seguindo as orientações dos seus respectivos manuais. No caso do Teaco-FF, a instrução dada foi:

    Este é um teste de atenção. No verso desta folha há várias linhas com desenhos. Vocês deverão assinalar com uma linha todos os desenhos que forem iguais ao modelo abaixo, ou seja, uma cruz com quatro pontos em sua volta. Comece de cima para baixo e volte de baixo para cima de forma contínua. Caso erre, circule e assinale o item correto. Você terá 4 minutos para realizar o teste. Lembre-se de que este é um teste de atenção. Portanto, concentre-se e procure manter seu ritmo de trabalho. Evite se distrair com outras coisas e fique calmo, pois será avaliada a sua concentração.

    No Tepic-M, esta foi a instrução:

    Este é um teste de memória. Será projetado na lousa quadro com vários desenhos e detalhes. Vocês terão um minuto para olhar e memorizá- los. Vou pedir para vocês não falarem nem escreverem nada. Apenas olhem o quadro e tentem memorizar a maior quantidade de desenhos e detalhes que conseguirem.

    Dada a instrução, projetou-se a transparência. As pessoas poderiam fazer nenhuma anotação. Após 1 minuto, desligou-se o retroprojetor. Feito isso, foi dito:

    Agora quero que peguem a folha e escrevam a maior quantidade de desenhos e detalhes que conseguirem. Vocês terão dois minutos para isso.

    Destaca-se que o tempo total de aplicação foi de aproximadamente 15 minutos por sala.

     

    Resultados

    As estatísticas descritivas de ambos os instrumentos mostraram que, no caso do Teaco- FF, a pontuação média foi 105,91, com um desvio padrão de 34,91. A pontuação mínima foi 12 e a máxima 178. Esses dados podem s er observados no Gráfico 1.

    Gráfico 1. Frequência das pontuações no Teaco-FF

    Ainda, pode ser verificado que a concentração de pontos ficou entre 80 e 145 (68,5%). Quanto às estatísticas descritivas do Tepic-M, a pontuação geral do teste variou de 6 a 25 pontos, com uma média de 15,08 (DP =3,72). A informação de cada agrupamento e do teste como um todo pode ser observada no Gráfico 2.

    Assim como na pontuação total do teste, verificou-se que em nenhuma das categorias foi alcançada a pontuação máxima possível, qual seja, 16 pontos na Água, 17 no Céu e 22 na Terra. No caso da Água, a pontuação variou de 0 a 9 (M =3,14, DP =1,89), enquanto no Céu variou de 1 a 10 (M =5,57, DP =1,685). Por fim, na categoria Terra, a média de pontos foi 6,36, com um desvio padrão de 2,24, sendo a pontuação mínima 1 e a máxima 15.

    Gráfico 2. Frequência das pontuações nas categorias e na pontuação total do Tepic-M

    Em seguida, foi realizada uma correlação de Pearson, adotando como nível de significância 0,05, para verificar possíveis relações entre ambos os instrumentos. Para isso, calcularam-se tais coeficientes em função do sexo das pessoas, de forma geral, assim como também levando em consideração se elas possuíam ou não CNH. Os resultados dessa análise podem ser observados na Tabela 1.

    Tabela 1. Coeficientes de correlação de Pearson (r) e níveis de significância (p) entre Teaco-FF e Tepic-M

    Pela Tabela 1, verifica-se que, das 20 correlações possíveis, 18 apresentaram resultados estatisticamente significativos. Apenas o agrupamento Terra do Tepic-M no sexo feminino e nos sujeitos que não possuíam CNH não se correlacionou com o Teaco-FF. Ainda, pode ser observado que, no agrupamento Água, as cinco correlações foram de magnitude baixa. Das três correlações com dados significativos no agrupamento Terra, uma apresentou magnitude considerada nula (amostra geral) e duas magnitudes baixas. Já no caso do Céu, quatro correlações foram de magnitude baixa e uma apresentou uma magnitude moderada, qual seja, para os possuidores de CNH. Por fim, no caso das pontuações totais de ambos os testes, três correlações foram de magnitude baixa e duas moderadas (no caso do sexo masculino e das pessoas com CNH). Deve ser destacado que as maiores correlações foram observadas nas pessoas que possuíam CNH, ou seja, na população de motoristas. Todas as correlações que apresentaram resultados significativos foram positivas, o que indica que ao aumento da atenção concentrada corresponde um aumento da memória de curto prazo.

    A continuação foi realizada com a mesma análise, mas controlando o efeito da idade. Os resultados estão na Tabela 2.

    Tabela 2. Coeficientes de correlação parcial (r) e níveis de significância (p) entre Teaco-FF e Tepic-M, com controle de idade

     

    Quando controlado o efeito da idade por meio da correlação parcial, percebeu-se que, de forma geral, os resultados não sofreram grandes modificações, uma vez que a tendência e a magnitude das correlações mantiveram-se praticamente estáveis. Dessa forma, interpretou-se que a relação existente entre a memória de curto prazo avaliada pelo Tepic-M e a atenção concentrada avaliada pelo Teaco-FF não sofreria a influência da idade.

    Por fim, com o intuito de verificar qual seria a correlação entre o Teaco-FF e cada agrupamento do Tepic-M, caso cada um deles tivesse a extensão do teste como um todo (55 itens), foi utilizada a fórmula de profecia Spearman-Brown, considerando cada sexo e se as pessoas possuíam CNH ou não, de forma separada. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 3.

     

    Tabela 3. Coeficientes de correlação da profecia Spearman-Brown em cada agrupamento do Tepic-M

     

    Como pode ser observado na Tabela 3, quando se corrigiram os valores pela fórmula Spearman-Brown, a correlação média para o sexo masculino foi de 0,61. Já para o sexo feminino, a correlação média foi de 0,48. Por sua vez, para as pessoas com CNH, a correlação média foi de 0,63, e, para as pessoas sem CNH, de 0,34. Por fim, para a amostra total, a correlação média foi de 0,49. Esses dados poderiam estar indicando que a soma das partes (Água, Terra e Céu) é diferente do todo (Tepic-M), o que vai ao encontro do proposto por Rueda e Sisto (2007) ao verificarem que o processo de resposta no TEPIC-M é diferente em função de cada um dos seus agrupamentos. Pela análise da profecia Spearman-Brown, verificou-se um aumento considerável dos coeficientes, o que indicaria a existência de uma maior relação entre atenção concentrada e a memória de curto prazo da que foi verificada pela análise das tabelas 1 e 2.

     

    Discussão

    A proposta deste estudo teve como base alguns aspectos assinalados na literatura, como a Resolução n° 12/2000 do Conselho Federal de Psicologia (2000) que estabelece que deve ser avaliado, dentre outros construtos, a atenção, como uma forma de determinar o perfil psicológico das pessoas que pretendem dirigir veículos automotores. Ainda, há autores como Brickenkamp (2004) e Treat et al. (1977) que apontam a importância de se avaliarem as capacidades intelectuais, como atenção, memória e inteligência.

    Nesse sentido, o objetivo foi verificar a relação existente entre o construto da atenção concentrada, avaliado pelo Teaco-FF (RUEDA; SISTO, 2008), e o construto da memória de curto prazo, mensurado por meio do Tepic-M (RUEDA; SISTO, 2007), numa população de estudantes universitários e de motoristas. Dessa forma, poderiam ser fornecidas evidências de validade para que esses instrumentos possam ser utilizados como uma ferramenta a mais quando se realiza a avaliação psicológica pericial no contexto do trânsito.

    Os resultados da pesquisa evidenciaram a existência de correlações positivas e de magnitudes nulas, baixas e moderadas quando comparado o Teaco-FF com os agrupamentos Água, Céu e Terra do Tepic-M. Por sua vez, nas pontuações totais de ambos os testes, as magnitudes das correlações foram baixas e moderadas, variando de 0,26 a 0,53. Ao controlar o efeito da idade, tanto a tendência quanto a magnitude das correlações se mantiveram praticamente estáveis, evidenciando, dessa forma, que a relação entre os construtos existiria independentemente da variável em questão.

    Com base nisso, concluiu-se que evidência de validade entre ambos os testes foi verificada. Além disso, se fosse considerado que parte dos participantes eram candidatos à CNH e que algumas pessoas já possuíam a carteira, essas evidências poderiam ser relacionadas ao contexto do trânsito.

    Vale ressaltar que, quando se aprofundaram as análises com o intuito de verificar qual a correlação entre o Teaco-FF e os agrupamentos do Tepic-M, foi utilizada a fórmula de profecia Spearman-Brown, tendo como pressuposto que cada agrupamento teria a extensão do teste como um todo (55 itens). Esse estudo mostrou comunalidades de aproximadamente 20%, o que, de fato, parece indicar a existência de uma relação considerável entre atenção concentrada e memória de curto prazo.

    Deve-se destacar ainda a afirmação de Adler, Rottunda e Dysken (2005) referente à falta de consenso quanto a uma possível bateria de testes para predizer uma boa capacidade para dirigir veículos automotores. Além disso, Adler, Rottunda e Dysken (2005), Fitten et al. (1995), Reger et al. (2004) e Bieliauskas et al. (1998) afirmam que qualquer avaliação com essa finalidade deveria incluir informações sobre atenção e memória. Com base nisso, pode-se dizer que estudos que objetivem aprofundar essa temática deveriam ser realizados com maior frequência. Isso vai ao encontro do apontamento de autores como Stradling et al. (1998) que salientam a importância e a necessidade desses estudos, com vistas a uma melhor e mais adequada mensuração das habilidades cognitivas para o correto e seguro ato de dirigir.

    Por fim, quando se consideram a falta de padronização dos instrumentos utilizados no contexto do trânsito no Brasil, conforme apontado por Méa e Ilha (2003), e a grande importância atribuída pela população à atividade do psicólogo nesse contexto, como apontado por Lamounier e Rueda (2005a), este estudo pode ser compreendido como uma contribuição para tentar criar as ferramentas para que uma uniformidade nessa avaliação comece a ser estabelecida.

     

    Conclusão

    Com base no que foi apresentado ao longo da pesquisa, é necessário ressaltar a necessidade de estudos que aprofundem e complementem esse tipo de investigação. De fato, investigações que forneçam dados referentes a instrumentos de medida em contextos específicos, como o trânsito, são bem-vindas e só contribuirão para o compromisso do psicólogo com a avaliação psicológica realizada no Brasil.

    Por fim, algumas limitações referentes ao estudo devem ser apontadas. A maior parte da amostra era de estudantes universitários, e a quantidade de indivíduos que estavam passando pelo processo de avaliação para CNH era menor, o que não permitiu que a amostra pudesse ser considerada homogênea. Esse tipo de variável deveria ser mais bem controlado em futuros estudos. Ainda, a amostra em questão pode ser considerada restrita, e estudos que trabalhem com amostras representativas de populações maiores também devem ser realizados.

     

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    Endereço para correspondência
    Fabián Javier Marín Rueda
    Rua Benedito da Silveira Chrispin, 190
    Jardim Ipê – Itatiba – SP
    CEP 13256-510
    e-mail: marinfabian@yahoo.com.br

    Tramitação
    Recebido em abril de 2009
    Aceito em setembro de 2009

     

     

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