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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.11 no.3 São Paulo  2009

 

ARTIGO ORIGINAL

Desenvolvimento e validade fatorial do Inventário do Clima Familiar (ICF) para adolescentes1

 

Development and factorial validity of Family Climate Inventory (FCI) for adolescents

 

Desarrolloy validez factorial del Inventario del Clima Familiar(ICF) para adolescentes

 

 

Maycoln L. M. Teodoro; Mariana Allgayer; Bruna Land

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Endereço para correspondência

 


RESUMO

O clima familiar refere-se à percepção de diversas características dos relacionamentos intrafamiliares pelos seus membros. A avaliação desse construto pode contribuir para o entendimento tanto teórico quanto clínico da dinâmica familiar. O presente estudo buscou desenvolver e investigar as propriedades psicométricas do inventário do clima familiar (ICF) para adolescentes. Participaram 276 adolescentes com idades entre 12 e 18 anos (média = 13,84, DP = 1,60), oriundos de escolas públicas e particulares. Os participantes responderam a uma versão empírica do ICF (32 itens) que investiga o clima familiar por meio de quatro fatores: coesão, apoio, hierarquia e conflito. Análises fatoriais exploratórias reduziram o número de itens do ICF para 22, com 41,88% de variância explicada. Análises com o alfa de Cronbach mostraram índices de consistência interna satisfatórias. Esses resultados foram apoiados por análises fatoriais confirmatórias posteriores, indicando que o ICF possui propriedades psicométricas adequadas e que pode ser uma importante ferramenta na investigação das relações familiares.

Palavras–chave: Inventário, Relações familiares, Família, Psicometria, Autoavaliação (psicologia).


ABSTRACT

The family climate refers to the perception of several features of family relationships by its members. The evaluation of this construct can contribute as for the theoretical understanding as for clinical comprehension of family dynamics. This study intended to develop and investigate the Family Climate Inventory (FCI) psychometrics properties for teenagers. Participated 276 teenagers with ages between 12 and 18 years from public and private schools. Participants responded to an empirical version of FCI (32 items), which investigated the family climate trough four factors: cohesion, support, hierarchy and conflict. Exploratory factorial analysis reduced the items number of FCI to 22 with 41.88% of explained variance. Analysis with Cronbach’s Alpha showed good internal consistency. These results were supported by confirmatory factorial analysis, indicating that FCI has adequate psychometrics properties and can be an important strategy on family relationships investigations.

Keywords: Inventory, Family relations, Family, Psychometrics, Self assessment (psychology).


RESUMEN

El clima familiar se refiere a percepción de las diversas características de las relaciones intrafamiliar de sus miembros. La evaluación de este constructo puede contribuir tanto a la comprensión teórica cuanto clínica de la dinámica familiar. Este estudio tuvo como objetivo desarrollar y investigar las propiedades psicométricas del inventario del clima familiar (ICF) para adolescentes. Tomaran parte 276 adolescentes de edades comprendidas entre los 12 y los 18 años (media = 13,84, SD = 1,60), de escuelas públicas y privadas. Los participantes responderán una versión empírica del ICF (32 artículos), que investiga el clima familiar a través de cuatro factores: cohesión, apoyo, jerarquía y conflicto. Análisis factorial exploratoria redujo el número de artículos en el ICF a 22 con 41,88% de varianza explicada. Análisis con alpha del Cronbach liberan indexe de coherencia interna adecuadas. Estos resultados fueron apoyados por análisis factoriales confirmatorias, indicando que el ICF tiene adecuadas propiedades psicométricas y puede ser una herramienta importante en la investigación de las relaciones familiares.

Palabras clave: Inventario, Relaciones familiares, Família, Psicometría, Autoevaluación (psicología).


 

 

Introdução

O estudo do sistema familiar vem ganhando importância na medida em que são investigadas suas associações com aspectos emocionais e com a própria saúde biológica do indivíduo (FIESE et al., 2008; FOSCO; GRYCH, 2007; MORRIS et al., 2007; WOOD et al., 2006). Na área da psicologia clínica e do desenvolvimento, algumas características da família, como o clima positivo, são inversamente relacionadas com a intensidade de problemas emocionais e de comportamento em crianças e adolescentes (FINKE et al., 2002; STOCKER et al., 2007; WALSH et al., 2006). Da mesma forma, o clima familiar tem sido considerado em estudos sobre a compreensão do funcionamento de grupos familiares, nos quais há abuso de substâncias psicoativas (HAUGLAND, 2003; PUMAR et al., 1995) ou abusos físicos, psicológicos e sexuais (SVEDIN; BACK; SÖDERBACK, 2002).

Considerando a importância das relações familiares para o desenvolvimento de psicopatologias e bem-estar de seus membros, o presente estudo investigou as propriedades psicométricas do inventário do clima familiar (ICF) para adolescentes, que avalia a percepção do clima em quatro diferentes fatores: coesão, apoio, hierarquia e conflito. Na área da pesquisa e intervenção, o clima familiar é um construto amplamente usado na avaliação e na compreensão das relações dentro da família. Sua primeira elaboração ocorreu na década de 1970, por meio da family environment scale (FES) (MOOS, 1974), escala que permite o conhecimento de diferentes aspectos da família, como a qualidade do relacionamento emocional (SCHNEEWIND, 1999).

Segundo Moos e Moss (1994), o ambiente ou clima familiar é definido de acordo com a percepção dos membros sobre os relacionamentos intrafamiliares, o crescimento pessoal, a organização e o controle do sistema. O instrumento original elaborado por Moos (1974) é dividido em três grandes fatores e composto de dez subescalas que descrevem o clima de acordo com a percepção de seus membros. O clima emocional positivo avalia o relacionamento interpessoal por meio das seguintes subescalas: coesão, expressividade e conflito. As subescalas independência, interesses culturais, assertividade, lazer e religião (moral) compõem o clima ativo (crescimento pessoal). O terceiro componente é o clima autoritário-normativo (manutenção do sistema), que avalia o conteúdo relacionado a organização e controle. A FES foi traduzida para o português por Vianna, Silva e Souza-Formigoni (2007), que também investigaram o seu nível de consistência interna. Os escores, medidos pelo alfa de Cronbach, variaram entre 0,61 e 0,78 para as escalas da FES. Segundo as autoras, os índices mais baixos resultaram de diferenças culturais entre os contextos americano e brasileiro.

Nos últimos anos, a avaliação do clima familiar vem sendo realizada por meio de diferentes escalas com diferentes estruturas fatoriais, dependendo dos objetivos da pesquisa e do suporte teórico usado (BJÖRNBERG; NICHOLSON, 2007). As novas formas de elaboração desse construto acabaram por se afastar da concepção original proposta por Moos (1974), criando diferentes medidas. Algumas delas investigam relações específicas na família, como o inventário de relação pais-criança (parent-child relationship inventory – PCRI) por meio dos fatores satisfação com a maternagem e a paternagem, envolvimento, comunicação, limites e autonomia (COFFMAN; GUERIN; GOTTFRIED, 2006). Outros avaliam a família de modo global, dando ênfase às características positivas e negativas do clima, como o questionário de expressividade familiar (family expressiveness questionnaire) (HALBERSTADT, 1986). Outro exemplo de medida global é a escala de clima familiar (the family climate scale) (HANSSON, 1989). Esse inventário é composto por 85 adjetivos, dentre os quais os participantes têm de escolher 15 relacionados à sua família. Os itens selecionados pontuam quatro construtos. O primeiro, coesão, descreve a harmonia, a segurança e o afeto na família. O segundo, distância, refere-se a uma relação fria entre os membros. O terceiro foi chamado de espontaneidade e indica a expressão das emoções. O último construto, caos, relaciona-se à confusão, ansiedade e instabilidade familiar. Kavanagh et al. (1997) também desenvolveram um instrumento para investigação do clima familiar, a family attitude scale, que avalia aspectos emocionais no sistema familiar. Outro instrumento, a escala de clima familiar de Kurdek (family climate inventory) (KURDEK; FINE; SINCLAIR, 1995), descreve a supervisão, a aceitação, a autonomia e o conflito nas relações familiares.

Björnberg e Nicholson (2007) sintetizaram três grandes temas em uma revisão sobre os aspectos teóricos pertencentes às escalas de avaliação do clima familiar. O primeiro foi denominado família como uma unidade de solução de problemas e destaca características como coesão (proximidade emocional) e adaptabilidade (capacidade de mudar as regras internas em relação às mudanças do ambiente) como fatores importantes do sistema familiar. O segundo tema, chamado interação interpessoal e clima social na família, é relacionado a uma atmosfera familiar saudável e afetiva. O último aspecto foi chamado de autoridade e estilos parentais na família e descreve comportamentos como controle, punição e autoridade na relação intergeracional.

As características principais dos aspectos teóricos do clima familiar descritas em Björnberg e Nicholson (2007) podem ser encontradas em uma primeira versão do inventário do clima familiar (ALLGAYER et al., 2006). Nesse estudo, o ICF foi elaborado com 37 itens distribuídos em cinco fatores (conflito, hierarquia, apoio, coesão e comunicação). Análises fatoriais exploratórias reduziram o número de itens para 26, com 62,72% da variância explicada que foi distribuída nos cinco fatores. Em uma investigação posterior, Teodoro, Allgayer e Land (2007) reduziram o número de itens do ICF para 22, distribuídos em quatro fatores (conflito, hierarquia, apoio e coesão). O fator comunicação foi excluído, já que não se diferenciava das dimensões coesão e apoio.

No Brasil, existem poucas escalas adaptadas e validadas para a avaliação do funcionamento familiar. Por causa dessa carência e considerando a importância de elaborar instrumentos dentro da nossa realidade cultural para auxilio na avaliação psicológica (cf. ARAÚJO, 2007), esta pesquisa tem como objetivo principal analisar algumas propriedades psicométricas do inventário do clima familiar (ICF). Dessa forma, pretende-se investigar tanto a estrutura fatorial quanto os escores de consistência interna do ICF, além de explorar as diferenças da percepção do clima familiar em relação a gênero, idade e tipo de escola (pública e particular) frequentada pelos adolescentes.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 276 adolescentes de três escolas do interior do Rio Grande do Sul. Desse total, 118 estudantes (42,8%) frequentavam o ensino público e 158 (57,2%), o particular. A amostra foi composta por 171 participantes do sexo feminino (62%) e 105 do sexo masculino (38%). A idade variou de 12 a 18 anos (média = 13,84, DP = 1,60).

Construção dos itens do inventário do clima familiar (ICF)2

Considerando as características teóricas do clima familiar descritas em Björnberg e Nicholson (2007) e os resultados encontrados em Teodoro, Allgayer e Land (2007), foi elaborada uma nova versão do ICF com 32 itens. A construção das frases baseou-se tanto em instrumentos internacionais como o family climate inventory (KURDEK; FINE; SINCLAIR, 1995) e a family adaptability and cohesion evaluation scale (OLSON; PORTNER; LAVEE, 1985) quanto nas concepções teóricas dos fatores-alvo (coesão, apoio, hierarquia e conflito), descritos em Teodoro, Allgayer e Land (2007). A definição operacional dos construtos foi embasada em estudos nacionais e internacionais (GEHRING, 1998; KURDEK; FINE; SINCLAIR, 1995; TEODORO, 2005, 2006; WOOD, 1985). O construto conflito está relacionado a uma relação agressiva, crítica e conflituosa entre os membros da família (por exemplo: "Os conflitos são comuns" e "As pessoas criticam umas às outras com frequência"). O fator hierarquia investiga uma diferenciação clara de poder dentro da família, na qual as pessoas mais velhas possuem mais influência nas decisões. Representa o nível de poder e de controle dentro do sistema (por exemplo: "É comum que algumas pessoas proíbam outras de fazerem determinadas coisas sem explicar o porquê" e "Uns mandam, outros obedecem"). A dimensão apoio contém itens que descrevem o suporte material e emocional recebido dentro da família (por exemplo: "Procuramos ajudar as pessoas da nossa família quando percebemos que estão com problemas" e "Quando alguém está doente, as outras cuidam dela"). Finalmente, a coesão foi definida como o vínculo emocional entre os membros da família (por exemplo: "As pessoas sentem-se felizes quando toda a família está reunida" e "As pessoas gostam de passear e fazer coisas juntas").

Procedimentos

O contato com os adolescentes foi feito por meio de visitas à sala de aula dentro das escolas. Os pesquisadores explicaram o conteúdo do estudo e deixaram claro que a identificação dos participantes seria mantida em sigilo. Os alunos interessados levaram para casa uma carta explicando os objetivos da pesquisa e um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que deveria ser assinado pelos pais ou responsáveis. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Processo no 06/032). Os dados foram coletados coletivamente na própria sala de aula dos alunos. O tempo de aplicação durava aproximadamente 20 minutos.

Análise dos dados

As análises dos dados foram realizadas em três etapas. A primeira foi a análise fatorial exploratória, na qual se utilizou o método dos eixos principais e rotação Oblimin (BORTZ, 1993). Para a seleção do número de fatores, consideraram-se os quatro construtos desenvolvidos teoricamente. Entretanto, os resultados do método de Kaiser e do gráfico de sedimentação também foram analisados para auxiliar na decisão do número de fatores selecionados na interpretação dos resultados (BORTZ, 1993). A exclusão de itens da versão do ICF com 32 itens seguiu os critérios de baixa carga fatorial (< 0,30) e baixa comunalidade (< 0,30). A análise de consistência interna foi investigada pelo alfa de Cronbach, e as associações entre os fatores foram calculadas pela correlação de Pearson. Na segunda etapa, realizou-se uma análise fatorial confirmatória com método de estimação Maximum Likelihood, utilizado para investigar a adequação do modelo teórico aos dados empíricos (BYRNE, 1989). Foram selecionados quatro indicadores de adequação do modelo para analisar os resultados (cf. BYRNE, 1989). O primeiro é a razão X²/gl, para o qual valores inferiores a cinco podem ser interpretados como um indicativo de que o modelo teórico se ajusta aos dados. O segundo e terceiro índices são os Goodness-of-Fit Index (GFI) e o Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI), que devem ter escores iguais ou superiores a 0,90, e o último é o Root Mean Square Error Approximation (RMSEA), que deve ter valores inferiores a 0,10 para a aceitação do modelo; os escores abaixo de 0,05 indicam ótimos ajustes. Todas essas medidas avaliam tanto a adequação do modelo teórico aos dados quanto a proporção de variância-covariância explicada. A terceira parte das análises constituiu-se de estatísticas de diferenças em gênero, idade e tipo de escola (pública e privada) com relação ao clima familiar, examinadas pelo teste t e pela correlação de Pearson. As análises estatísticas foram realizadas no programa estatístico SPSS versão 16 e Lisrel 8.8.

 

Resultados

Análises fatoriais exploratórias do inventário do clima familiar (ICF)

A versão preliminar do ICF continha 32 itens divididos teoricamente em quatro fatores. As análises fatoriais exploratórias para essa versão foram realizadas com o método dos eixos principais e rotação Oblimin. Resultados iniciais sugeriram, como base nas baixas cargas fatoriais e comunalidade (< 0,30), a retirada de 10 itens. Para cada item retirado, foi realizada uma nova análise fatorial com os itens restantes. O número de fator escolhido foi sempre o de quatro, por causa da elaboração teórica do instrumento. Entretanto, esse valor foi confirmado tanto pelo gráfico de sedimentação quanto pelo método de Kaiser (autovalor > 1) para todas as análises. A versão final do ICF possui 22 itens e pode ser visualizada na Tabela 1.

 

Tabela 1. Cargas fatoriais, variância explicada e alfas de Cronbach para os escores do inventário do clima damiliar (ICF) (n = 276)

O resultado da análise fatorial exploratória da versão final do ICF com 22 itens distribuídos em quatro fatores possui índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) superior a 0,80 e teste de esfericidade de Bartlett significativo (X2 1996,33; gl = 231, p < 0,001), indicando uma adequação dos dados ao modelo teórico selecionado. Uma análise semântica dos itens selecionados e apresentados na Tabela 1 aponta claramente para a identificação dos fatores teóricos esperados. O primeiro, conflito, contém seis itens e corresponde a 29,93% da variância da escala. O segundo, hierarquia, também possui seis itens e explica 10,05% da variância. O terceiro, apoio, explica 3,90% da variância total da escala e contém cinco itens. O fator coesão possui cinco itens e explica 3,00% da variância. Juntos, os quatro fatores explicaram 41,88% da variância total.

As análises de consistência interna dos fatores foram realizadas com o alfa de Cronbach (ver Tabela 1). A dimensão conflito apresentou um escore de 0,84, enquanto hierarquia obteve 0,72. O fator apoio teve um alfa de 0,71, e coesão, 0,82. O alfa total do inventário do clima familiar foi calculado invertendo-se os escores dos fatores conflito e hierarquia. O resultado foi de 0,86. A decisão em inverter os escores de hierarquia e conflito foi baseada na matriz de correlação de Pearson entre os fatores (ver Tabela 2).

 

Tabela 2. Matriz de correlação de Pearson entre os fatores do inventário do clima familiar (ICF) (n = 276)

 

Todas as associações entre os fatores do inventário do clima familiar foram significativas. Conflito correlacionou-se positivamente com hierarquia (r = 0,50) e negativamente com apoio (r = -0,31) e coesão (r = -0,42). O construto hierarquia apresentou correlações negativas com apoio (r = -0,16) e coesão (r = -0,16). Finalmente, coesão correlacionou-se positivamente com apoio (r = 0,53).

Análise fatorial confirmatória do inventário do clima familiar (ICF)

Com base nos resultados encontrados nas análises fatoriais exploratórias, procedeu-se à análise confirmatória do ICF. Foram criados quatro construtos latentes, representando os quatro fatores teóricos estudados (conflito, hierarquia, apoio e coesão). Cada item foi alocado ao seu respectivo fator, conforme resultado descrito na Tabela 1.

O modelo da análise fatorial confirmatória apresentou um X2 = 335,79 (gl = 183), com uma razão X2/gl de 1,83. O RMSEA foi de 0,05, e o GFI e AGFI tiveram escores de 0,90 e 0,87 respectivamente. Além desses índices, todas as estimativas de regressão entre os itens e os construtos latentes, os erros das variáveis observadas e as correlações entre os fatores foram significativos. Desse modo, o modelo final com quatro fatores foi satisfatório e adequado aos dados empíricos.

Diferença de gênero, idade e escola de origem no clima familiar

Após a definição do modelo fatorial final do ICF, calcularam-se as médias, o desvio-padrão, os percentis 25, 50 e 75 para cada fator e a escala total (ver Tabela 3). O valor total do clima familiar compreende o somatório dos fatores apoio e coesão (clima positivo) com os pontos invertidos dos fatores conflito e hierarquia (clima negativo). No intuito de equilibrar o peso dos fatores coesão e apoio (cinco itens cada) com os de conflito e hierarquia (seis itens cada) na soma total do ICF, multiplicou-se o total do clima positivo por 1,2.

Não foi encontrada nenhuma diferença significativa nas comparações realizadas entre os escores do ICF e o gênero do participante com o teste t. Análises com a correlação de Pearson também não apontaram nenhuma relação significativa entre a idade do participante e os fatores do clima familiar.

As análises com o teste t para amostras independentes entre a escola de origem e o clima familiar estão descritas na Tabela 3. Os alunos das escolas públicas apresentaram um escore significativamente maior para os construtos coesão, hierarquia e clima familiar total do que os alunos da escola privada. Não foi encontrada nenhuma diferença entre as escolas para os fatores conflito e apoio.

 

Tabela 3. Média, desvio–padrão e percentis dos escores do inventário do clima familiar para a escola pública (n = 118) e privada (n = 158)

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi desenvolver e investigar algumas propriedades psicométricas do inventário do clima familiar (ICF). Considerando a importância das relações familiares para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, faz-se necessária a elaboração de instrumentos que estejam de acordo com padrões culturais brasileiros.

Os resultados das análises fatoriais exploratórias do presente estudo vão ao encontro daqueles encontrados em Teodoro, Allgayer e Land (2007). Desse modo, a estrutura fatorial mais adequada para explicar os dados empíricos foi o modelo composto pelos fatores coesão, apoio, hierarquia e conflito. A porcentagem de variância explicada, a magnitude das cargas fatoriais dos itens e sua distribuição entre os fatores sugerem bons indícios de validade fatorial do ICF. Da mesma maneira, os alfas de Cronbach indicaram boa consistência interna tanto para os fatores quanto para a escala total. Tendo em vista esses resultados, considera-se que foi apropriada a estratégia de exclusão de itens utilizada no processo de análise fatorial, assim como a seleção de um modelo teórico de quatro fatores.

Os resultados da análise fatorial confirmatória do ICF também apoiaram a estrutura para quatro fatores, apresentando relações significativas entre as variáveis observadas e latentes. Da mesma forma, foram encontradas correlações entre todos os fatores. Tendo a direção das correlações (ver Tabela 2), optou-se por inverter os resultados obtidos em conflito e hierarquia e somá-los aos valores de coesão e apoio para a confecção da variável clima familiar total. Dessa maneira, o ICF poderia ser compreendido como possuindo um polo de clima familiar positivo (coesão e apoio) e outro negativo (conflito e hierarquia).

Análises entre os fatores do ICF com o sexo e a idade dos participantes não mostraram resultados significativos. Essa ausência de significância de relações familiares com o gênero e a idade do participante foi também encontrada no estudo de Baptista et al. (2009), que investigaram a percepção de afetividade e conflito familiar em universitários. Dentre os fatores que compõem o ICF, chama atenção a ausência de correlação entre idade e conflito. Existem indícios de aumento de conflitos familiares durante a adolescência, principalmente relacionados a um aumento de tomada de decisões mais independentes pelos jovens (SMETANA, 1991). Em um estudo longitudinal, Herrenkohl et al. (2009) encontraram um aumento de conflito familiar localizado entre as faixas etárias dos 14 aos 18 anos. As diferenças entre os resultados do presente estudo e os do grupo de Herrenkohl et al. (2009) podem se dever tanto ao seu caráter longitudinal quanto ao instrumento utilizado para a coleta dos dados. Tendo em vista que estudos longitudinais produzem resultados mais confiáveis para a investigação de aspectos ligados ao desenvolvimento, sugerem-se novas pesquisas que acompanhem a evolução do conflito em amostras brasileiras.

As diferenças encontradas entre participantes de escolas públicas e privadas nos fatores coesão e hierarquia podem estar relacionadas a uma diferença socioeconômica da amostra, advinda do perfil de estudantes dessas respectivas instituições. Oswald (2002), utilizando-se do teste do sistema familiar, encontrou um menor índice de coesão em famílias vivendo em favelas de Belo Horizonte. No entanto, uma explicação socioeconômica para as diferenças de coesão e hierarquia entre escolas públicas e particulares encontradas no presente estudo deve ser feita com cuidado, já que não foram utilizados instrumentos para investigar o nível socioeconômico dos participantes desta amostra.

A construção de escalas do clima familiar vem sendo feita por meio da utilização de diversos construtos teóricos na literatura internacional, como coesão, conflito, apoio e comunicação (cf. BJÖRNBERG; NICHOLSON, 2007). Essa diversidade de construtos acaba dificultando uma comparação entre os resultados de diferentes estudos, já que a definição de clima familiar fica muito restrita à medida utilizada. No entanto, essa mesma diversidade acaba sendo justificada pelas especificidades culturais, que acabam dificultando a adaptação de instrumentos estrangeiros. Espera-se, assim, que o inventário do clima familiar (ICF) possa ser uma ferramenta para pesquisadores e, no futuro, clínicos que desejem investigar o sistema familiar.

 

Considerações finais

O desenvolvimento de instrumentos com bons índices de fidedignidade e validade é parte importante no aperfeiçoamento teórico clínico de qualquer ramo científico. Especialmente na área da psicologia da família, existe uma carência de escalas e testes que possibilitem ao pesquisador e clínico avaliar o sistema familiar. Este estudo buscou contribuir para o desenvolvimento e a investigação das propriedades psicométricas do inventário do clima familiar. Os resultados mostraram índices satisfatórios de validade fatorial e fidedignidade do instrumento.

Desse modo, o inventário do clima familiar surge como uma nova possibilidade de avaliação da família. Em razão do baixo número de itens, o ICF possui preenchimento rápido e simples, fornecendo uma visão geral do sistema familiar com relação ao clima positivo e negativo. No intuito de avaliar outras propriedades do instrumento, sugerem-se pesquisas que investiguem tanto a estabilidade temporal do instrumento quanto a sua associação com outros construtos psicológicos a fim de investigar características de sua validade convergente.

 

Referências

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Endereço para correspondência

Contato
Maycoln L. M. Teodoro
Av. Unisinos, 950 – Cristo Rei
São Leopoldo – RS
CEP 93022–000
e-mail: mteodoro@hotmail.com

Tramitação
Recebido em julho de 2009
Aceito em dezembro de 2009

 

 

1Pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2Interessados na versão final do ICF deverão entrar em contato com o primeiro autor.