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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.11 no.3 São Paulo  2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Intervenção psicoeducativa para gestantes vivendo com HIV/Aids: uma revisão da literatura

 

Psycho-educative intervention to pregnant women living with HIV/AIDS: a literature review

 

Intervención psico-educativa para mujeres embarazadas que viven con VIH/SIDA: una revisión de la literatura

 

 

Fernanda Torres de CarvalhoI; Evelise Rigoni de FariaI; Tonantzin Ribeiro GonçalvesI; Jenny Milner MoskovicsII; Cesar Augusto PiccininiI

I Universidade Federal do Rio Grande do Sul
II Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A maternidade no contexto do HIV/Aids é marcada pelos desafios do enfrentamento de uma doença crônica e estigmatizante e pelo temor da transmissão materno-infantil do HIV (TMI). Este artigo teve como objetivo revisar a literatura sobre intervenções direcionadas ao contexto de pré-natal de mulheres vivendo com HIV/Aids. Foram revisados fundamentos de intervenções em saúde, nas concepções de educação para saúde e abordagem sistêmica, além de aspectos teóricos e práticos do aconselhamento. Também se realizou uma revisão sobre maternidade nesse contexto, o que possibilitou a identificação de temáticas a serem abordadas em intervenções: a) aspectos físicos e emocionais da gestação no contexto do HIV/Aids; b) parto, puerpério e desenvolvimento inicial do bebê; c) família e rede de apoio social; d) convivendo com o tratamento da mãe e do bebê. Essa revisão permitiu que se criassem subsídios para a construção de uma intervenção psicoeducativa direcionada às gestantes que vivem com HIV/Aids.

Palavras-chave: HIV/Aids; Gestação; Maternidade; Intervenções psicoeducativas; Aconselhamento.


ABSTRACT


Motherhood in HIV/Aids context is marked by challenges of dealing with a chronic and stigmatized disease and by the fear of mother-infant transmission of HIV. This article aimed at review the literature on interventions for pregnant women living with HIV/Aids. We revised fundaments of health interventions, as the Health Education and the Systemic Approach, besides theoretical and practical aspects of counseling. We also revised findings on motherhood in this context, which permitted the identification of themes to be used in the intervention: a) physical and emotional aspects of the pregnancy in the HIV/Aids context; b) delivery, post-partum and initial development of the infant; c) family and social support; d) living with mother and infant treatment. We believe that this review can be the basis of the construction of an intervention designed to pregnant women living with HIV/Aids.

Keywords: HIV/Aids; Pregnancy; Motherhood; Psycho-educative interventions; Counseling.


RESUMEN

La maternidad en el contexto del VIH/Sida es marcada por desafíos del enfrentamiento de una enfermedad crónica y estigmatizadora por el temor de la transmisión materno-infantil del VIH. Este artículo es una revisión de la literatura sobre intervenciones para mujeres embarazadas que viven con VIH/Sida. Fueron revisados fundamentos de intervenciones en salud, según la educación para la salud y el abordaje sistémico, además de aspectos de la consejería. También se revisaron hallados sobre maternidad en este contexto, identificándose para la intervención: aspectos físicos y emocionales del embarazo en el contexto del VIH/Sida; parto, post-parto y desarrollo inicial del bebé; familia y red de apoyo social; viviendo en contacto con el tratamiento de la madre y del bebé. Esta revisión puede servir de base para la construcción de una intervención direccionada a mujeres embarazadas que viven con VIH/Sida.

Palabras clave: VIH/Sida; Embarazo; Maternidad; Intervenciones psico-educativas; Consejería.


 

Introdução

A gestação e a maternidade no contexto do HIV/Aids são marcadas não somente pelos desafios ligados ao enfrentamento de uma doença crônica e estigmatizante como a Aids, mas, principalmente, pelo medo e pela culpa diante da possibilidade de transmitir o vírus para o bebê. Em geral, essa é uma preocupação compartilhada por profissionais de saúde e famílias que convivem com o vírus. A tomada efetiva de atitudes para a prevenção da transmissão materno-infantil (TMI) do HIV depende de muitos fatores que envolvem a equipe de saúde e as famílias acometidas, muitas delas em evidente situação de vulnerabilidade social. Nesse contexto, identifica-se a necessidade de intervenções que ajudem a diminuir as dificuldades e o sofrimento, auxiliando na promoção da saúde dessas pessoas.

No presente artigo, realizou-se uma revisão da literatura sobre intervenções direcionadas ao contexto de pré-natal de mulheres vivendo com HIV/Aids. Discutem-se inicialmente as bases para a escolha de uma modalidade de intervenção para gestantes, bem como para os temas a serem abordados. Além disso, apresentam-se os fundamentos teóricos de intervenções em saúde, com base nas concepções de educação para a saúde e da abordagem sistêmica de saúde. Em seguida, discute-se a aplicação da técnica de aconselhamento como modalidade de intervenção. Por fim, são apresentados temas prioritários para gestantes vivendo com HIV/Aids, que podem ser abordados em uma intervenção psicoeducativa.

 

Educação para a saúde e a abordagem sistêmica

A educação para a saúde constitui-se em uma abordagem que visa à modificação de comportamentos, em prol da aquisição ou manutenção de hábitos saudáveis de vida (COSTA; LÓPEZ, 2005). Além disso, nessa perspectiva, valoriza-se o desenvolvimento de habilidades para a utilização dos serviços de saúde e a tomada de decisões no nível individual e/ou coletivo, objetivando a melhora dos estados de saúde. Dessa forma, a promoção de saúde é considerada um processo no qual se busca incentivar a pessoa a adquirir um maior controle sobre os determinantes de sua própria saúde. Isso implica trabalhar com as pessoas e não sobre elas, reforçando sua participação na definição de seus próprios problemas, bem como na tomada de decisões.

A abordagem sistêmica de saúde corrobora essas proposições, na medida em que concebe o ser humano como em constante relação com seu contexto social, considerando a interação pessoa-contexto como central (MINUCHIN; FISHMAN, 1990). Desde meados da década de 1990, tem se desenvolvido uma vertente intitulada terapia familiar médica que está associada com o que autores chamam de modelo psicoeducativo (ANDERSON; REISS; HOGARTY, 1996; NICHOLS; SCHWARTZ, 1998). Trata-se de uma área destinada ao atendimento de famílias com problemas crônicos, tais como esquizofrenia, câncer, diabetes, infecção por HIV/Aids, dependência química, entre outros. O pressuposto principal é que a doença afeta distintos sistemas simultaneamente: biológico, psicológico, social e interpessoal. Nesse caso, o atendimento deve ser interdisciplinar, tendo como premissa a ênfase nos aspectos positivos da família e na transmissão de informações.

O modelo psicoeducativo foi desenvolvido inicialmente para o atendimento a famílias que conviviam com a esquizofrenia (ANDERSON; REISS; HOGARTY, 1986). Esse modelo de atendimento tem sido oferecido em forma de programas educativos, de apoio e orientação terapêutica às famílias, com o objetivo de melhorar as habilidades de enfrentamento, acelerar a reabilitação e, com isso, diminuir o estresse familiar. Busca-se identificar e enfatizar os pontos fortes das famílias, compartilhando com elas as informações existentes sobre a doença que as afeta.

Considerando o contexto de saúde pública, faz-se, muitas vezes, necessária uma adaptação da prática do atendimento psicológico, tendo em vista a demanda de atendimento do maior número possível de pessoas em um período reduzido de tempo, mantendo-se a qualidade da atenção. Moré e Macedo (2006) ressaltaram que, nesse contexto, os atendimentos com foco sistêmico devem priorizar: a) estratégias que integrem as necessidades das pessoas e as construções teóricas da psicologia; b) a minimização da assimetria na relação de ajuda; c) a redução do estresse individual e social a partir do aumento da informação.

No contexto de infecção por HIV/Aids, é preciso considerar o impacto gerado por esse diagnóstico e a necessidade do estabelecimento de estratégias de enfrentamento por parte de toda a família. Assim, acredita-se que intervenções planejadas com base no aporte teórico sistêmico, tendo, de forma complementar, os pressupostos de educação para a saúde, podem ser de grande valia às famílias. Com essa abordagem, busca-se, ainda, a efetivação da prevenção primária e secundária por meio de soluções particularizadas e coerentes com os valores e estilos de vida específicos de cada pessoa, visando à transformação de hábitos e à adesão a comportamentos mais saudáveis.

 

Aconselhamento em HIV/Aids como modalidade de intervenção

Uma importante estratégia de intervenção em âmbitos primário e secundário no contexto de HIV/Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST) tem sido o aconselhamento, abordagem bastante utilizada em muitos países. A abordagem do aconselhamento psicológico teve sua origem no início do século XX e objetiva auxiliar na resolução de problemas, na tomada de decisões e no planejamento de vida (BLOCHER, 2000a). Outra característica fundamental é sua atenção prioritária ao potencial de desenvolvimento pessoal do indivíduo e aos seus recursos adaptativos, em lugar do foco na identificação de sintomas e déficits a serem superados (SUPER, 1980). De certa forma, o aconselhamento psicológico assemelha-se à psicoterapia. Contudo, diferencia-se desta por ser mais focal e menos direcionado a mudanças de personalidade. Dessa forma, o aconselhamento presta-se à modalidade preventiva de intervenção, na medida em que não parte, necessariamente, de um problema psicológico instalado (BLOCHER, 2000a). Em razão disso, ele tem sido utilizado em programas educativos em dependência química, DST/Aids, orientação profissional, genética, entre outros (BLOCHER, 2000b).

No Brasil, o aconselhamento tem sido utilizado em situações de testagem para HIV e outras DST, no formato de aconselhamento pré-teste e pós-teste. Nesse sentido, o aconselhamento é orientado a pessoas que buscam serviços de saúde e que apresentam alguma situação de risco para DST/HIV/Aids. De acordo com os pressupostos do Ministério da Saúde (BRASIL, 1998, 2003), o aconselhamento, de forma geral, envolve um processo de escuta ativa, individualizada e centrada no cliente. O aconselhamento preconiza o estabelecimento de uma relação de confiança, a fim de fortalecer o indivíduo como sujeito de sua própria saúde e transformação, baseando-se em três componentes: a) o apoio educativo, pautado na transmissão de informações e esclarecimento de dúvidas; b) o apoio emocional, oferecido a partir de uma escuta sensível e uma postura acolhedora; e, c) a avaliação de riscos, que propicia a reflexão sobre atitudes e valores, e a elaboração de estratégias de redução dos riscos (BRASIL, 1998).

Ressalta-se, ainda, que o aconselhamento não deve ser focalizado exclusivamente em ações de prevenção primária. Gerbert et al. (2006) salientaram a predominância de campanhas voltadas exclusivamente à prevenção primária do HIV sobre aquelas que se direcionam aos já portadores da infecção. Em alguns casos, o discurso da prevenção secundária pode ser tomado de forma negativa por profissionais e pacientes, sendo entendido como uma forma de culpabilização, estigmatização e invasão da privacidade. De fato, a relação de confiança entre o profissional e o paciente pode ficar abalada se este entender que o profissional está mais interessado na prevenção da infecção de terceiros do que na saúde e no bem-estar do paciente. É importante, na concepção desses autores, que a abordagem do risco seja centrada na mudança de comportamentos e na redução de danos em prol da saúde e proteção do próprio paciente, e não na possibilidade de que ele transmita o HIV a outras pessoas.

Em busca do enfrentamento da epidemia, e tomando por base as proposições da Organização Mundial de Saúde, Carvalho (1999) recomenda que o aconselhamento deva fazer parte de todas as estratégias de prevenção da infecção pelo HIV. As intervenções devem ter três objetivos principais: a) a prevenção primária, para a diminuição do número de pessoas infectadas pelo HIV/Aids; b) o controle da epidemia, com intervenções em nível de prevenção secundária; e, c) oferecimento de apoio psicológico às pessoas afetadas pelo HIV/Aids, auxiliando-as em suas necessidades emocionais e nas consequências psicossociais da infecção. O foco em prevenção secundária e em apoio deve prever ações para modular o impacto psicológico do diagnóstico e os sentimentos ligados à infecção, ao tratamento e às mudanças de estilo de vida necessárias. Além disso, as ações devem visar à qualidade de vida e propiciar aos indivíduos o reconhecimento de suas próprias capacidades na tomada de decisões.

Com base em sua experiência clínica e na literatura na área, Hoffman (1996) desenvolveu um modelo de avaliação e aconselhamento no contexto do HIV/Aids, visando à adaptação psicológica à doença, baseado em quatro dimensões. A primeira diz respeito ao impacto do HIV/Aids sobre a pessoa vivendo com o vírus, que considera o estigma social, a cronicidade e o curso progressivo da doença, além de aspectos específicos relacionados ao momento de vida em que ocorre a infecção. A segunda se refere ao apoio social e envolveria as influências da doença sobre as relações interpessoais e as redes sociais, bem como os seus efeitos moderadores sobre as reações psicológicas ao HIV/Aids. A terceira dimensão está relacionada à situação única de vida da pessoa vivendo com HIV/Aids, com destaque para forma de infecção, estágio da doença e aceitação emocional do diagnóstico, além das percepções individuais sobre a situação que afetarão o ajustamento à infecção. Por fim, a quarta dimensão se refere às características de personalidade e sociodemográficas e ao estilo de vida que são fundamentais na adaptação à doença e podem indicar aspectos prioritários de intervenção.

Especificamente quanto às gestantes vivendo com HIV/Aids, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a) destaca seis pontos a serem considerados durante o aconselhamento: 1. explicações sobre aspectos de saúde da mãe e do bebê; 2. explicações sobre as formas de TMI; 3. explicações sobre as formas de prevenção da TMI; 4. oferecimento de apoio emocional específico; 5. informações sobre o processo de soroconversão do recém-nascido; e 6. definição dos serviços de assistência para encaminhamento.

Em Porto Alegre, Preussler (2005) desenvolveu uma pesquisa qualitativa junto a um grupo de gestantes num serviço de atendimento especializado em DST/Aids, que se constituiu num espaço coletivo de cuidado especial e humanizado para as participantes, com destaque para as trocas de informação e de experiências, que contribuiu para a mudança de atitudes e para a diminuição dos riscos de TMI. Fora do contexto brasileiro, pode-se citar uma colaboração tailandesa (THE BANGKOK COLLABORATIVE PERINATAL HIV TRANSMISSION STUDY GROUP, 1999) que desenvolveu um guia de aconselhamento para gestantes e mães vivendo com HIV/Aids, quando foram também destacados outros aspectos importantes no aconselhamento, tais como: a testagem dos parceiros e a revelação de diagnóstico para eles; os cuidados relativos ao trabalho de parto e parto; o manejo da alimentação pela fórmula láctea e da administração de antirretroviral ao filho; e o planejamento de aspectos do futuro da criança.

Em um estudo que envolveu a observação de 118 atendimentos de aconselhamento a mães vivendo com a infecção, realizados por profissionais em centros brasileiros de atenção especializada em HIV/Aids, foi identificada adequação geral quanto à qualidade da comunicação e às habilidades dessa prática (REA; SANTOS; SANCHEZ-MORENO, 2007). O estudo revelou que, em geral, as perguntas das mães eram respondidas pelos profissionais e que estes mantinham contato olho a olho com as pacientes durante grande parte do tempo e as encorajavam a falar.

Em famílias que convivem com o HIV/Aids, seja pela infecção dos genitores, seja pela infecção da criança, tendem a ocorrer uma sobrecarga e um sofrimento emocional relacionados à doença (ANTLE et al., 2001; GONÇALVES; PICCININI, 2007). Diante disso, é fundamental que as mães e também os pais recebam aconselhamento a respeito dos cuidados de saúde necessários em relação a si, quanto à TMI e quanto aos cuidados dos filhos. Dessa forma, a aquisição de conhecimentos a respeito do HIV/Aids, juntamente com o apoio psicológico, pode proporcionar mudanças das práticas de risco, tomada de consciência sobre as responsabilidades individuais e coletivas, e estratégias para lidar com conflitos decorrentes da infecção (GRIMBERG, 2002; HOFFMAN, 1996).

Temas prioritários em uma intervenção para gestantes no contexto do HIV/Aids

As observações anteriormente apresentadas destacam aspectos importantes a serem considerados na elaboração de uma intervenção voltada a pessoas vivendo com HIV/Aids, em especial gestantes. A partir desses conceitos-chave e de achados empíricos relatados na literatura, buscou-se compreender a realidade específica da maternidade no contexto de infecção por HIV/Aids, com base em estudos recentes realizados com mulheres e gestantes. Para isso, foram previamente selecionados, com base nos pressupostos teóricos apresentados, possíveis temas a serem incluídos em uma intervenção psicoeducativa que possa ser realizada durante o pré-natal de gestantes vivendo com HIV/Aids.

 

Aspectos físicos e emocionais da gestação no contexto da infecção pelo HIV/Aids

Desde a instituição da obrigatoriedade da notificação da infecção pelo HIV/Aids em gestantes pelo Ministério da Saúde, em 2000, já foram notificados 36.326 casos (BRASIL, 2007). No entanto, um estudo de prevalência do HIV indicou estimativas de que apenas metade dos casos esperados da infecção entre gestantes em 2004 havia sido notificada (SZWARCWALD; SOUZA-JR, 2006). Juntos, esses dados indicam a necessidade de ampliação da testagem anti-HIV no pré-natal, assim como a importância do atendimento especializado para as gestantes vivendo com HIV/Aids, o que contribuirá para diminuir as taxas de TMI. Durante o acompanhamento pré-natal, recomenda-se conduta de aconselhamento, a fim de incentivar a gestante a realizar a testagem voluntária para o HIV (SERRUYA; CECATTI; LAGO, 2004). Quando se identifica a infecção, a gestante precisa ser informada sobre a profilaxia da prevenção da TMI, com o propósito de favorecer sua adesão ao processo de prevenção.

A transmissão pode acontecer durante a gestação, o trabalho de parto, o parto e a amamentação (BRASIL, 2006a). A transmissão no período gestacional aumenta de acordo com algumas variáveis, tais como estado nutricional e de saúde da mãe, incluindo a carga viral. A taxa de TMI do HIV/Aids, sem nenhuma intervenção, situa-se em torno de 25% (CONNOR, 1994). Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a), a maior parte dos casos de TMI (65%) ocorre durante o trabalho de parto e parto, e 35% ocorrem intraútero. Fatores como o prolongamento do tempo de ruptura de membranas amnióticas e a carga viral elevada associam-se ao aumento do risco de infecção do bebê durante o trabalho de parto e o parto. Por fim, o aleitamento materno é considerado um risco adicional de TMI, uma vez que o leite da mãe vivendo com HIV/Aids é um líquido corpóreo onde se encontra o vírus (COUTSOUDIS, 2005; KOURTIS et al., 2003).

Diante disso, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a) recomenda que as gestantes recebam terapia antirretroviral (Tarv) a partir da 14a semana gestacional e realizem diversos exames pré-natais. O uso da Tarv tem resultado em baixas taxas de TMI, quando associada a uma boa adesão ao tratamento, mesmo que o início da ingestão ocorra no terceiro trimestre gestacional ou até mesmo durante o trabalho de parto. É importante destacar que a Tarv na gestação é peculiar, ou seja, mesmo que a mulher não tenha a indicação de tratamento anteriormente, é recomendado que ela tome a medicação durante a gestação. Caso a mulher já tenha realizado algum tipo de tratamento antes da gravidez, o médico deve fazer uma reavaliação, a fim de evitar a TMI e suspender, se necessário, os antirretrovirais que sejam teratogênicos. A Tarv pode reduzir a carga viral da mulher a níveis indetectáveis e, em conjunto com as demais medidas profiláticas, diminuir a taxa de TMI para menos de 3% (BRASIL, 2006a), podendo chegar a 1% (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS, 2004).

O período da gestação, envolto em complexas tarefas psicológicas para os pais e de readaptação na rotina e nos papéis dentro da família, muitas vezes torna-se o momento em que algumas mulheres descobrem-se infectadas pelo HIV/Aids (CHEN et al., 2001; MAGALHÃES et al., 2002). Em nível nacional, ainda há muitas carências do sistema de saúde quanto a uma cobertura mais efetiva para detecção do HIV/Aids durante o acompanhamento pré-natal. Apesar do aumento progressivo na cobertura de testagem no pré-natal, a realização de aconselhamento pré-teste durante esse período tem demonstrado níveis ainda muito insatisfatórios (MISUTA et al., 2008). Isso implica que muitas mães recebam o diagnóstico durante a gestação sem o devido amparo. Por si só, a notícia da infecção durante a gravidez tem sido associada a um impacto psicológico bastante intenso (KWALOMBOTA, 2002; VARGA; SHERMAN; JONES, 2005). Em outros casos, a gestação exige que algumas mães que já se sabiam infectadas se defrontem de modo mais ativo com a doença, até então evitada, além de revelar o diagnóstico para o parceiro e para a família. Muitas vezes, a infecção não havia sido revelada para a família, e a gravidez pode colocar em xeque a manutenção desse segredo. Isso traz novas angústias para o portador, já que o segredo em torno da infecção pelo HIV/Aids está comumente relacionado ao medo de enfrentar o estigma da doença e consequente impacto na vida social (BLACK, 1994).

Intensos sentimentos de culpa e medo têm sido relatados ao longo do processo psicológico da gravidez em mulheres vivendo com HIV/Aids, trazendo consigo sofrimento psíquico importante (D’AURIA; CHRISTIAN; MILES, 2006; CARVALHO; PICCININI, 2006; FARIA, 2008; GONÇALVES; PICCININI, 2007). Carvalho e Piccinini (2006) identificaram a existência de ambivalências e paradoxos peculiares ao momento da gravidez em mulheres vivendo com HIV/Aids. Desse modo, a culpa por colocar o filho em risco e o medo de infectá-lo e de que ele venha a falecer em consequência da infecção contrastam-se com a concepção idealizada da maternidade, que coloca a mulher como aquela que tem o poder de gerar a vida, conquistando, desse modo, uma importante função social. Consequentemente, tanto a gestação quanto o período pós-parto são permeados pela incerteza quanto ao diagnóstico do filho, quando se exacerbam as preocupações e ansiedades com relação à saúde da criança (GONÇALVES; PICCININI, 2008; SHANNON; KENNEDY; HUMPHREYS, 2008).

Nesse contexto, a maternidade na presença do HIV/Aids pode, por vezes, redimensionar positivamente a vida da mulher. Estudos têm indicado que a maternidade permanece numa posição privilegiada para as gestantes e mães vivendo com HIV/Aids, sendo muitas vezes mais valorizada do que a soropositividade (CARVALHO; PICCININI, 2006; FARIA, 2008; GONÇALVES; PICCININI, 2008; SILVA, 2003). Essas pesquisas destacam que a gestação em mulheres vivendo com HIV/Aids pode, inclusive, promover o seu reposicionamento perante a doença e a própria vida, já que elas precisam assumir a doença e proceder ao tratamento profilático em favor dos filhos. Por vezes, o bebê torna-se para a mãe uma importante fonte de apoio e a esperança de continuar vivendo e cuidando da própria saúde (CASTRO, 2001; D’AURIA; CHRISTIAN; MILES, 2006).

Parto, puerpério e desenvolvimento inicial do bebê

Além dos procedimentos durante a gestação, existem diversas especificidades, no momento do parto, para a prevenção da TMI. No trabalho de parto, recomenda-se evitar a ruptura de membranas por mais de quatro horas até que a parturiente inicie o recebimento de antirretroviral sob a forma intravenosa (BRASIL, 2006a). Além disso, é importante que o antirretroviral seja injetado por no mínimo três horas até o período expulsivo do bebê. Para mulheres com carga viral acima de 1.000 cópias por mm3, recomenda-se a realização de cesariana eletiva. Nos casos em que a carga viral esteja abaixo desse limite, a decisão quanto à via de parto se dá por indicação obstétrica. Após o nascimento, o bebê deve receber antirretroviral sob a forma de xarope já durante as primeiras seis horas após o nascimento (até no máximo 48 horas) e até 42 dias de vida (BRASIL, 2006a). Na maternidade, aconselham-se o não aleitamento no peito, que envolve o enfaixamento dos seios após o parto, e o uso de medicações para inibir a produção de leite. Nessa situação, o governo brasileiro oferece fórmula láctea para alimentação durante os seis primeiros meses de vida da criança.

O parto tem sido mencionado como motivo de grande preocupação para as gestantes em situação de HIV/Aids (CARVALHO; PICCININI, 2006). De acordo com Carvalho e Piccinini (2006), o desconhecimento sobre como se efetuam as medidas profiláticas durante o trabalho de parto pode gerar intensa ansiedade e fantasias entre as gestantes. Além disso, as gestantes sabem que o parto é um momento crucial para impedir a TMI, o que contribui para o aumento de tensão e sentimentos de medo. Nesse sentido, fica clara a necessidade de ações que visem informar e apoiar as gestantes no que diz respeito aos procedimentos durante o trabalho de parto e o próprio parto.

No que se refere ao desenvolvimento inicial do bebê, o estudo de Gonçalves e Piccinini (2008) investigou a experiência da maternidade de seis mães brasileiras vivendo com HIV/Aids aos três meses de vida do(a) filho(a). As mães relataram fortes preocupações, culpa e medo pela possível infecção do filho, e também conflitos familiares, restrições socioeconômicas e problemas em sua rede de apoio, o que exigia grande esforço emocional e gerava sofrimento psíquico. Os relatos de algumas mães evidenciaram ainda a falta de informações sobre aspectos da profilaxia da TMI, o que gerava grande ansiedade. Em estudo semelhante, Faria (2008) investigou qualitativamente a relação de cinco díades brasileiras mãe-bebê em situação de infecção materna pelo HIV/Aids, desde a gestação até o terceiro mês de vida do bebê. Os achados também revelaram preocupações com possível infecção do bebê, medo do preconceito e frustração pela não amamentação. No entanto, prevaleceram entre as mães satisfações com a maternidade, com as interações mãe-bebê e o desenvolvimento infantil, demonstrando que o HIV/Aids não tem necessariamente um impacto negativo para a qualidade da relação mãe-bebê, principalmente quando há presença de apoio familiar, relacionamento positivo com a figura materna e acesso a um tratamento especializado.

Na verdade, em famílias com crianças infectadas pelo HIV/Aids, os pais podem vivenciar sentimentos de perda e luto antecipado, por acreditarem que o desfecho final de uma doença crônica é a morte e, com isso, experimentam forte sobrecarrega emocional e sofrimento (ANTLE et al., 2001). Considerando a interação entre pais e filhos, Schuster et al. (2005) realizaram um estudo com famílias norte-americanas, em que os pais viviam com HIV/Aids. Os resultados revelaram que 48% dos pais temiam contrair alguma doença oportunista de seus filhos, e 36% tinham medo de transmitir o HIV para as crianças, dos quais 28% evitavam algum tipo de interação física com os filhos por esse motivo. No que diz respeito aos filhos não portadores do HIV/Aids, estudos demonstraram que a maior sobrecarga para as famílias afetadas pela infecção situa-se em torno da revelação de seu diagnóstico para os filhos, quando estes atingem idade em que já podem compreender a situação (NELMS, 2005). A revelação da doença dos pais aos filhos desafia a manutenção do segredo sobre a infecção e pode reacender ressentimentos, culpa e raiva relacionados com a história da infecção na família, podendo, ainda, trazer à tona situações dolorosas, como histórias de uso de drogas e relações extraconjugais. Acrescenta-se ainda o desejo dos pais de proteger os filhos do estigma, da possibilidade de sua perda e do isolamento social.

Ao mesmo tempo, a parentalidade também é apontada como fonte de alegria e gratificação para pais vivendo com HIV/Aids, trazendo-lhes um novo sentido e tornando o convívio em família algo muito precioso (SHERR; BARRY, 2004; LOON, 2000). Antle et al. (2001) indicaram que, apesar dos altos níveis de estresse e sobrecarga emocional evidenciados entre os pais de crianças com doenças crônicas – incluindo a infecção pelo HIV/Aids –, muitos pais conseguiam se adaptar a complexas rotinas de tratamento e fornecer um ambiente feliz e seguro para os filhos. Segundo esses autores, muitas vezes, essa tarefa era facilitada pela ressignificação positiva que a parentalidade propiciava.

Família e rede de apoio social

Como já destacado, a maternidade no contexto do HIV/Aids implica uma série de cuidados e procedimentos específicos. A realização da profilaxia da TMI do HIV soma-se às complexas tarefas psicológicas das gestantes e à readaptação na rotina e nos papéis dentro da família. Toda a sobrecarga psicológica é agravada pelo estigma social e pela discriminação historicamente associada à epidemia, que a relaciona à degradação física e moral e contribui para o isolamento e a exclusão social dos portadores (CARVALHO; PICCININI, 2008; OLIVEIRA et al. 2004; REGATTO; ASSMAR, 2004). Ao mesmo tempo, também está associada a dificuldades emocionais, familiares, sociais e econômicas (GONÇALVES; PICCININI, 2007). Entre mulheres em idade reprodutiva, muitas vezes estão presentes pouco apoio social, depressão, violência, uso de drogas, dificuldade de negociar práticas sexuais seguras e de anticoncepção, baixa escolaridade e dependência financeira (MELLINS et al., 2000; ETHIER et al., 2002; GONÇALVES; PICCININI, 2008; PRAÇA; GUALDA, 2003). Diante de tantas ameaças, comumente associadas a contextos sociais pobres e com violência, a necessidade de tratamento de cuidados com a saúde, bem como do risco de adoecer por Aids, pode ficar minimizada.

Por exemplo, mulheres vivendo com HIV/Aids geralmente se tornam cuidadoras de seus companheiros quando estes adoecem (VERMELHO; BARBOSA; NOGUEIRA, 1999). Entretanto, ao lidarem com a própria infecção, elas tendem a se isolar, evitam pedir ajuda e, por vezes, se afastam dos seus empregos, o que demonstra o forte impacto em suas relações. De forma geral, os indivíduos infectados apresentam crenças quanto à sua infecção e muitas vezes acreditam que, se revelarem seu diagnóstico, não serão mais aceitos pela família, que ficarão sós e abandonados e que serão motivo de vergonha para os seus familiares (REMOR, 1999). Bennetts et al. (1999) salientam que a manutenção do segredo a respeito da infecção pode contribuir para que as mulheres não procurem fontes de apoio social e permaneçam isoladas. Nesse sentido, eles sugerem que essas mulheres seriam beneficiadas por intervenções de aconselhamento que as ajudem a lidar com os sentimentos de vergonha e isolamento, e a decidir sobre a revelação do diagnóstico para a família.

Nesse contexto, a família é a principal fonte de apoio emocional e financeiro para o indivíduo doente, e as relações familiares precisam mobilizar-se em torno da situação (KNAUTH, 1995). Assim, o apoio de familiares e amigos se constitui em um fator importante no enfrentamento positivo da doença, podendo tornar a revelação do diagnóstico mais fácil (KALICHMAN et al., 2003; MOSKOVICS, 2008). Corroborando essa ideia, em um estudo de Remor (2002), que entrevistou 80 homens e mulheres espanhóis vivendo com HIV/Aids, aqueles que apresentavam maior apoio social tiveram menores índices de ansiedade e depressão, e, ainda, melhor qualidade de vida. Esse autor mencionou o apoio social como fator atenuador do impacto negativo da infecção, considerando esse apoio um recurso capaz de auxiliar na adaptação ao processo de doença. Ainda nessa direção, o estudo de Serovich et al. (2001), com 24 mulheres norte-americanas vivendo com HIV/Aids, revelou que, embora o apoio de amigos fosse mais acessível para elas, somente a percepção de apoio familiar esteve associada com menores níveis de depressão e sentimentos de solidão. Com base nessas evidências, constata-se que a família e o apoio social são temas centrais na vida das pessoas vivendo com HIV/Aids, seja durante a revelação do diagnóstico, seja no apoio ao tratamento, seja no apoio emocional. Em especial, a resposta da família à infecção parece ser fundamental para o bem-estar e a saúde mental do indivíduo infectado.

Convivendo com o tratamento para HIV/Aids da mãe e do bebê

A infecção pelo HIV/Aids requer acompanhamento de saúde sistemático (BRASIL, 2006b). Mesmo pessoas que não receberam diagnóstico de Aids devem realizar exames periódicos – aproximadamente a cada 4 meses – para avaliar as condições imunológicas e a carga viral no sangue. Com o aparecimento de doenças oportunistas e/ou debilidade importante do sistema imunológico, inicia-se a utilização de Tarv. Essa terapia pode incluir a ingestão de vários comprimidos ao dia, que devem ser tomados em horários fixos. Além disso, é necessário que o paciente tenha boa alimentação para que a eficácia das drogas seja mais abrangente. A eficácia da Tarv exige um alto nível de adesão, e o paciente deve cumprir rigorosamente a prescrição do tratamento em, no mínimo, 95% das doses (BRASIL, 2006b).

Quanto às gestantes vivendo com HIV/Aids, a gestação pode ocorrer durante a fase assintomática da infecção, ou após o diagnóstico de Aids, em que já esteja presente a utilização da Tarv. De modo geral, as gestantes tendem a seguir os procedimentos de prevenção da TMI, apresentando níveis de adesão bastante altos. No puerpério, recomenda-se a retomada do tratamento regular pela mãe para controle do HIV/Aids, mantendo a Tarv ou suspendendo-a, conforme suas condições clínicas. No entanto, muitas vezes, as mulheres não retomam o seu tratamento após o parto (BRASIL, 2006a). Assim, no Brasil, a adesão ao tratamento de mães após o nascimento de seus bebês tem sido objeto de grande preocupação. Um estudo norte-americano que acompanhou mães vivendo com HIV/Aids na gestação e no pós-parto também verificou altas taxas de abandono do próprio tratamento no pós-parto (ICKOVICS et al., 2002).

Nesse sentido, alguns aspectos têm sido associados à baixa adesão dessas mães, como a presença de atitudes discriminatórias, culpabilizantes e moralistas por parte dos profissionais, ser mais pobre, mais jovem e morar em cidades menores (LINDAU et al., 2006; MOSKOVICS, 2008), o que pode dificultar que as portadoras do HIV/Aids atuem em benefício da sua própria saúde (CARVALHO; PICCININI, 2008). Muitas vezes, elas tendem a pensar em cuidar de si mesmas só depois de cuidar da família (MOSKOVICS, 2008).

Em um estudo com gestantes brasileiras, Moskovics (2008) identificou que as condições de atendimento exercem papel fundamental na adesão ao tratamento no contexto do HIV/Aids. Consideraram-se aspectos institucionais favoráveis para a adesão: a integralidade, multidisciplinaridade e intersetorialidade da atenção, quantidade e qualidade de informações acessíveis, assim como a oportunidade de interação com outras gestantes. Por sua vez, a falta de acolhimento e aconselhamento e o preconceito dos próprios profissionais de saúde nesses serviços foram identificados como desfavoráveis. No pós-parto, podem-se mencionar ainda as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em aderir a práticas sexuais seguras. Esse aspecto é preocupante, já que se sabe que as mulheres tendem a não aderir à prevenção sexual com parceiros fixos (GIACOMOZZI; CAMARGO, 2004), e comportamentos sexuais de risco podem ter consequências sérias para a saúde dessas mulheres, como possível reinfecção pelo HIV, agravamento do quadro imunológico e infecção por outras DST (WEINHARDT et al., 2004; WOLF et al., 2003).

Enfim, aderir ao tratamento implica uma ampla mudança de hábitos na vida da mulher, principalmente com a chegada de um filho. São necessários cuidados com a própria saúde e com a do bebê. No caso da maternidade, este pode ser um momento oportuno para a reflexão sobre o futuro, na medida em esta tende a despertar o senso de responsabilidade pelo bebê e, com isso, uma maior motivação para a manutenção da própria saúde (CARVALHO; PICCININI, 2006).

 

Considerações finais

Tendo em vista que a gestação, o parto e os primeiros meses após o nascimento do bebê se constituem em um importante momento de transição e adaptação à maternidade, fica evidente que a infecção pelo HIV/Aids pode trazer importantes impactos psicológicos para ambos os genitores. Por mais que estejam disponíveis tratamentos medicamentosos que ajudam a manter a saúde física das mães, existe a necessidade de adaptações emocionais e mudanças de comportamentos, para que seja possível tanto a prevenção da TMI como a prevenção de agravos advindos de uma infecção já instalada. Dentre as dificuldades que frequentemente acometem essas mães, destacam-se sentimentos de culpa e medo quanto à possibilidade de infecção do bebê, instabilidade das relações familiares e conjugais, ansiedade e desinformação quanto a alguns procedimentos da profilaxia da TMI, além das dificuldades para a manutenção do próprio tratamento após o parto, a revelação do diagnóstico ao parceiro ou a outros familiares que pudessem ser fontes de apoio.

Considerando-se as lacunas na literatura, no que diz respeito a intervenções voltadas para as necessidades específicas das gestantes vivendo com HIV/Aids, os achados relatados neste artigo reforçam a importância de iniciativas nesse sentido. Assim, no presente artigo, foram identificados diversos temas que podem subsidiar a construção de uma intervenção direcionada ao contexto de pré-natal de mulheres vivendo com HIV/Aids. Buscaram-se as bases para a escolha de uma modalidade de intervenção, bem como para os temas a serem abordados. Nesse sentido, identificou-se a educação para a saúde, articulada com os pressupostos da abordagem sistêmica, como bases teóricas propícias para subsidiar intervenções nessa área, em particular por destacar as potencialidades da família, por contemplar as dimensões física, psicológica, social e interpessoal, e por ter um caráter psicoeducativo. Além disso, tal intervenção voltada para gestantes atenderia ao formato de aconselhamento, amplamente utilizado na área de HIV/Aids e recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil, em que se oferecem, a partir da escuta ativa, a avaliação de riscos e o apoio educativo e emocional. Por fim, essa modalidade pode ser facilmente adaptável à realidade dos serviços de pré-natal, sendo de curta duração, focalizada na problemática específica vivenciada pelas famílias que precisam realizar a profilaxia da TMI do HIV.

Em consonância com essas proposições, o presente artigo também destacou diversos temas a serem abordados em uma intervenção com as gestantes, com base na revisão da literatura recente. Assim, identificam-se como importantes vários aspectos relacionadas à gestação (em seus aspectos físicos e emocionais), ao parto, ao puerpério e ao desenvolvimento inicial do bebê, além de aspectos relacionados à família, tais como apoio social e convivência com os tratamentos necessários à mulher e ao bebê. Acredita-se que abordar essas temáticas durante a gestação seja de fundamental importância para diminuir o impacto do HIV/Aids nas famílias, ajudando as gestantes que vivem com HIV/Aids a lidar com o tratamento e suas repercussões sociais e familiares. Atuando tanto sobre questões práticas e informativas associadas à gestação no contexto do HIV/Aids, bem como nos seus aspectos emocionais, sugere-se que a elaboração de uma intervenção possa auxiliar as gestantes no enfrentamento da infecção, na redução do sofrimento psíquico diante das tarefas próprias da maternidade e no processo de diagnóstico e de cuidado do filho após o nascimento.

 

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Fernanda Torres de Carvalho
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Tramitação
Recebido em maio de 2009
Aceito em setembro de 2009