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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.11 no.3 São Paulo  2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Orientadores das práticas educativas: apresentação de algumas perspectivas teóricas

 

Orientations of instructional practices: presentation of some theoretical perspectives

 

Orientadores de prácticas educativas: presentación de algunas perspectivas teóricas

 

 

Ana Paula Couceiro Figueira

Universidade de Coimbra

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo pretende sensibilizar os leitores para os modelos conceptuais ou sistemas teóricos explicativos, justificativos ou orientadores, das práticas educativas ou de instrução. Iremos, neste contexto, dar conta das leituras de Caverly e Peterson (1996), Ernest (1995), Prawat (1996), Bogus (1995) e Di Vesta (1987) sobre os fundamentos da instrução e sobre a forma como esses autores agrupam as diferentes teorias ou perspectivas sobre o humano, em termos de aquisição do conhecimento, da aprendizagem, do desenvolvimento. Trata-se de um artigo de sistematização teórica, em que se apresentam vários tipos de categorização ou agrupamentos das diferentes formas de ler e pensar o humano, tentando deslindar-se os denominadores comuns e os aspectos distintivos. Destaca-se que os sistemas apresentados radicam as práticas educativas numa determinada orientação filosófica e/ou psicológica, constatando-se a não consensualidade teórica de enquadramento das diversas perspectivas em categorias mais abrangentes.

Palavras-chave: Fundamentos da prática educacional; Modelos teóricos orientadores dos educadores; Formas de análise da prática educativa; Diferentes perspectivas de aprendizagem; Diferentes perspectivas de desenvolvimento.


ABSTRACT


We pretend sensibly the readers for the conceptual models or theoretical systems that justify the instructional practices. In this context, we explained the Caverly and Peterson (1996), Ernest (1995), Prawat (1996), Bogus (1995) and Di Vesta (1987) perspectives about the instructional practices orientations, on the beddings of the instruction, the form as these authors group the different theories or perspectives on the human being, in terms of acquisition of the knowledge, the learning, the development. This is an article of theoretical systematization, where if they present some types of categorization or grouping of the different forms to read and to think the human being, trying to define the common denominators and the distinctive aspects. It is distinguished that the presented systems consolidate practical the educative ones in one determined philosophical and/or psychological orientation, evidencing it not theoretical consensus of framing of the different perspectives in more including categories.

Keywords: Foundations of educational practices; Theoretical models of the educators; Forms of practical analysis; Different perspectives of learning; Different perspectives of development.


RESUMEN

Este artículo presenta a los lectores los modelos o los sistemas conceptuales teóricos orientadores de la práctica o de la instrucción. En este contexto, daremos cuenta de las lecturas de Caverly y Peterson (1996), Ernest (1995), Prawat (1996), Bogus (1995) y Di Vesta (1987), sobre la instrucción y de la forma como estos autores agrupan las diversas teorías o perspectivas en el humano, en términos de adquisición del conocimiento, el aprender, el desarrollo. Es un artículo de sistematización teórica, donde si presentan algunos tipos de categorización o agrupaciones de las diversas formas de leer y de pensar el humano, intentando definir los denominadores comunes y los aspectos distintivos. Es distinguido que los actuales sistemas consolidaron la práctica educativa en una orientación filosófica y/o psicológica determinada, evidenciándolo no consensos teórico en las perspectivas diversas.

Palabras clave: Lechos de práctico el educativo; Modelos teóricos orientadores de los educadores; Formas de análisis de la práctica educativa; Diferentes perspectivas de aprendizaje; Diferentes perspectivas del desarrollo.


 

Introdução

A questão é eterna, actual e continua a merecer resposta(s): "O que se deve esperar de um professor?".

Que seja um transmissor de conhecimentos organizados em módulos linearmente articulados? Um classificador que assegura os diplomas? Um formador capaz de desenvolver projectos e de facilitar a reconstrução crítica do conhecimento? Um especialista apto a gerir fontes diversas de conhecimento e a tomar decisões? Um simples executor de rotinas, programadas por outros? Um investigador que estuda e resolve problemas?
Implícitas nestas representações diversas do professor subsistem concepções antagónicas de escola e de aprendizagem; ocultam-se diferentes teorias do conhecimento (do que deve ser a sua produção e a sua transmissão e a aprendizagem […] (PEREZ, 1988 apud CAVACO, 1993, p. 191).

Parece, pois, consensual (cf. BIDARRA, 1998; BOAVIDA, 1996; BOGUS, 1995; ERNEST, 1995; FESTAS, 1998; FOSNOT, 1996a, 1996b; PHILLIPS, 1997; RAPOSO, 1980, 1995) a ideia de que diferentes perspectivas sobre o conhecimento conduzem e fazem derivar diferentes leituras da aprendizagem, com repercussões ao nível de diferentes tipologias de práticas educativas (cf. GERGEN, 1995). De facto,

[...] uma atitude educativa procura a sua justificação, esta integra-se numa concepção sobre educação, o que pressupõe uma teoria educativa, a qual, por sua vez, só se torna compreensível integrada numa antropologia filosófica que, por sua vez ainda, implica uma cosmovisão ou um sistema teórico (BOAVIDA, 1996, p. 113).

Além disso, "Crenças sobre o conhecimento informam, clarificam, justificam e sustentam as práticas educativas" (GERGEN, 1995, p. 17).

Assim, podemos dizer que diferentes orientações justificam ou racionalizam determinadas práticas educativas.

[...] o ensino efectivo ou eficaz requer uma teoria de aprendizagem, um corpo conceptual relativo às questões da aprendizagem, incluindo as suas crenças ou concepções, requer uma definição de motivação, de memória, de esquecimento, de dificuldade de aprendizagem […] sabemos, porém, que toda e qualquer teoria de aprendizagem pressupõe uma orientação filosófica (SHERMIS, 1967, p. 87).

Muito embora concordemos com Gaspar (1998, p. 348) de que

As teorias psicológicas não nos dizem o que ensinar às crianças, nem a forma mais eficaz de o fazer. Dão-nos as bases e os princípios conceptuais a partir dos quais podemos inferir sobre quais são, de acordo com essas teorias, as práticas mais adequadas. Diferentes teorias dão-nos diferentes respostas e também o mesmo princípio teórico pode ser interpretado e implementado de diferentes formas. Deste modo, as teorias psicológicas podem ser determinantes, quer na definição dos princípios curriculares gerais que servem de contexto para diferentes modelos e práticas curriculares, quer na concepção de um modelo curricular específico, quer ainda na estruturação das actividades concretas de aprendizagem, as quais se originam quer nos princípios gerais e em modelos curriculares específicos, quer em escolhas eclécticas (Schweinhart & Epstein, 1997).

No limite, as orientações e práticas pedagógicas, de instrução, os paradigmas de investigação e os modelos de formação adoptados estão dependentes das perspectivas sobre a natureza do conhecimento, do pensamento e das diferentes teorias da aprendizagem. Ou seja, as orientações metodológicas e curriculares, as práticas, derivam e fundamentam-se, pois, nas teorias da aprendizagem e do desenvolvimento, sendo, então, os seus pilares a filosofia e a psicologia. São essas disciplinas que servem de base às decisões a tomar na definição dos objectivos, na determinação das prioridades educativas, na planificação dos processos de ensino-aprendizagem (desde as actividades às questões de interacção na sala de aula) e dos próprios processos de avaliação (FIGUEIRA, 2007). Funcionam como estruturas conceptuais ou modelos orientadores para as tomadas de decisão curriculares e das práticas de ensino.

Como referem Carroll e Campbell, as nossas acções e práticas reflectem as nossas teorias. Os nossos planos não são, apenas, descrições objectivas da sequência da instrução. Eles reflectem, mesmo que de forma implícita, a teoria de aprendizagem perfilhada. Teorias de aprendizagem e prescrições para a prática andam "de mão dada" (DUFFY; JONASSEN, 1992, p. 2).
 

Igualmente, Fullat (1992, p. 80) refere que "Em qualquer sistema educacional se encontram valores que guiam a sua prática, de forma a torná-la possível". Assim, é, pois, de supor que, de diferentes teorias, fundamentos filosóficos e/ou psicológicos ou perspectivas, decorram ou derivem diferentes posturas, relativamente aos elementos implicados nas práticas de ensino.
Qual a minha concepção de aprendizagem? O que espero dos alunos? [...] A resposta a estas questões está intimamente relacionada com a forma como se ensina. Os métodos de ensino são adoptados em conformidade com as nossas concepções e expectativas [...] Consoante a resposta, assim, a ilação sobre a teoria de aprendizagem subjacente […] (BIRCH, 1999, p. 4).
[...] as diferenças epistemológicas acarretam consequências significativamente diferentes no processo do design de instrução, ao nível dos nossos objectivos e estratégias (BEDNAR et al., 1992, p. 22).

Todavia, a revisão da literatura confronta-nos com uma panóplia imensa de tipologias de orientações epistemológicas, de categorizações psicopedagógicas, frequentemente não muito coincidentes, pois, enquanto uns autores se fundamentam explicitamente na filosofia, outros privilegiam paradigmas ou orientações psicológicas, como iremos dar conta.

E, pese embora, decorrente deste facto, tenhamos, numa longa e profícua investigação levada a termo (cf. FIGUEIRA, 2001), optado, quer em termos de maiores desenvolvimentos, quer em termos de orientação empírica/conceptual, pela tipologia proposta por Joyce-Moniz (1989) (metametodologias racionalista, positivista e construtivista/criativa), por nos parecer mais aglutinadora, contemplando as grandes linhas orientadoras, as grandes tendências, aonde se inscrevem variadíssimas teorias da aprendizagem com implicações na educação/instrução, neste contexto específico, iremos dar conta, divulgando, fundamentalmente, as perspectivas de Caverly e Peterson (1996), Ernest (1995), Prawat (1996), Bogus (1995) e Di Vesta (1987), por nos parecerem, para além de bem sistematizadas, fundamentadas, eventualmente, menos conhecidas e divulgadas, contrariamente, por exemplo, a perspectiva de Joyce e Weil (1980, 1986) (cf. FIGUEIRA, 2001).

Porém, antes de nos introduzirmos nos referidos modelos, há que referir que é possível encontrar na literatura diferentes tipologias de perspectivas da aprendizagem/do conhecimento, com ressonâncias ao nível do ensino e da instrução, ou seja, teorias de aprendizagem e da instrução, paradigmas/epistemologias da psicologia educacional, ou orientações paradigmáticas do ensino.

Assinalamos algumas de entre elas e, a título ilustrativo, os aspectos que as aproximam e as distinguem.

Assim, por exemplo, enquanto Festas (1998), ao analisar as teorias psicológicas com implicações ao nível da educação – psicopedagogia das aprendizagens escolares –, faz referência a três grandes blocos ou teses – behavioristas, construtivistas ou movimento construtivista (incluindo Piaget, Bruner) e a aprendizagem situada (com base nos trabalhos de Vygotsky, com ênfase nos trabalhos do grupo de Vanderbilt) –, Brooks e Brooks (1993) categorizam as tendências em tradicionais versus construtivistas.

Por seu turno, Cobb (1996) refere-se às tendências comportamentalistas versus perspectivas alternativas e antagónicas, estas com base no construtivismo. No âmbito destas últimas, aborda a teoria cognitiva, que designa por construtivistas cognitivos, e a tendência ou perspectiva sociocultural, designada por construtivismo sociocultural. Assim, enquanto a teoria cognitiva preconiza a construção activa dos sujeitos, com um tipo de construtivismo que realça o individualismo (dando como exemplo a perspectiva cognitiva de Glasersfeld), a perspectiva sociocultural salienta a natureza social e cultural situada da actividade, indo além das análises puramente cognitivas.

Bidarra (1998), aquando da sua leitura sobre o alcance dos contributos da psicologia para a educação, analisa, por um lado, as teorias do desenvolvimento e educação e, por outro, as teorias da aprendizagem e suas repercussões a nível educativo. Assim, adentro das teorias do desenvolvimento, refere a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget, a teoria dialéctica do desenvolvimento de Vygotsky, a teoria do desenvolvimento psicossocial de Erikson e a teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg. Inscritas nas teorias da aprendizagem, regista três blocos maiores: as teorias behavioristas (representadas por Pavlov, Thorndike e Skinner), referindo o papel dos condicionamentos clássico, instrumental e operante; as teorias da aprendizagem social (representadas por Bandura e Meichenbaum), salientando o papel da modelação e observação na aprendizagem auto-regulada; e, por último, as teorias cognitivas da aprendizagem. Nesta subcategoria, inscreve as teorias gestálticas de Wertheimer, Köhler e Koffka, o modelo de processamento de informação de Gagné, as abordagens construtivistas da aprendizagem escolar (Ausubel e a aprendizagen por recepção ou dedutiva e a aprendizagem por descoberta ou indutiva de Bruner) e, ainda, os modelos de aprendizagem escolar de Carroll, Bloom, Walberg e Glaser, e o modelo psicossocial cognitivo de MacMillan (cf. BIDARRA, 1998, p. 15-16).

Cabanach (1996), no seu livro Lecturas de psicologia de la instruccion, aborda três blocos de teorias e modelos de instrução, com fundamentos epistemológicos diferentes, embora todas designadas interaccionistas. Assim, por um lado, são apresentadas as teorias e os modelos de instrução de interacção cognitiva, que contemplam a teoria genético-cognitiva de Piaget, o neopiagetianismo de Case, a teoria de aprendizagem por descoberta de Bruner, a teoria de aprendizagem verbal significativa de Ausubel, a teoria de apresentação de Merrill e a teoria de elaboração de Reigeluth (duas perspectivas complementares), a teoria dos algoritmos de Landa e a teoria da aprendizagem estrutural de Scandura. A comunalidade é colocada na concepção de instrução, sendo esta considerada um intercâmbio de informação entre professores e alunos, destacando-se a interacção entre os conteúdos da instrução e os processos e capacidades cognitivas dos alunos. Por outro lado, apresenta as teorias e os modelos de instrução de interacção social, que abarca a teoria sociocultural de Vygotsky, a teoria de aprendizagem social de Bandura, a teoria de acção tutorial de Collins e o desenho motivacional de Keller. O denominador comum situa-se no enfoque do papel das interacções sociais entre professores e alunos, e entre alunos. Por fim, são apresentadas as teorias e os modelos de instrução de interacção contextual que consideram a instrução o produto da interacção entre os sujeitos, os conteúdos, o contexto físico e as actividades sugeridas. Nesta categoria, aglutinam-se o condicionamento operante de Skinner, a teoria da aprendizagem cumulativa de Gagné e Briggs, o modelo de aprendizagem escolar de Carroll e o modelo de tempo de aprendizagem académico de Berliner, derivado do anterior (cf. CABANACH, 1996).

Birch (1999) apresenta, opondo, as perspectivas clássicas e as perspectivas contemporâneas da aprendizagem. Das perspectivas clássicas, fazem parte as teorias maturacionistas, apresentando, como exemplo, Platão e a sua recollection theory (teoria da reminiscência), que pressupõe o carácter inatista da aprendizagem e do conhecimento, e as teorias pré-behavioristas, tendo como exemplo Locke (século XVII), com a blank tablet theory, que pressupõe o carácter experiencial da aprendizagem. Enquadradas nas perspectivas contemporâneas, surgem as teorias behavioristas, exemplificadas com Skinner, a problem solving theory de Dewey, de orientação cognitiva, e as teorias construtivistas, protagonizadas por Bruner, Piaget.

Mas, se atentarmos em Boavida (1986), vemos que se refere às perspectivas tradicionais (racionalistas e behavioristas) versus perspectivas modernas (cognitivistas e construtivistas). Todavia, Jonassen (1991) aborda esta temática em termos de teses behavioristas (objectivismo) versus teses construtivistas/cognitivas, e Lefrancois (1988) em termos de teorias behavioristas versus teorias cognitivas da aprendizagem.

Fullat (1983, 1992), por seu turno, numa fundamentação claramente radicada na filosofia ou nas antropologias filosóficas, apresenta oito grandes opções teleológicas, teorias ou correntes pedagógicas, com repercussões ao nível do processo educativo: tradicional, marxista, libertária, antiautoritária, activa, tecnológica, existencialista e personalista (ver Quadro 1). Teorias ou correntes perfiladas em duas principais formas de entender a educação, a maneira essencial ou "pedagogias da essência", com enfoque no intelectualismo, no conservadorismo e no autoritarismo, e a forma existencial ou "pedagogias da existência", apoiadas no empirismo, no positivismo e no pragmatismo, estas opções são filiadas em duas antropologias filosóficas maiores: as filosofias naturalistas ou "filosofias do sentido", e as filosofias artificialistas ou "filosofias do sem-sentido" (ver Quadro 1).


De outro modo, Strauss (1993) apresenta sete teorias da aprendizagem e do desenvolvimento, pertinentes na orientação e fundamentação dos investigadores e dos educadores:

• o nativismo, ou teoria radicada na tradição filosófica racionalista, exemplificado por Fodor, protagonista do nativismo radical, e por Karmiloff-Smith;
• o behaviorismo, representado por Bijou, Baer e Skinner, considerados comportamentalistas radicais;
• o estruturalismo, representado por Piaget;
• o processamento da informação, exemplificado por Newell e Simon;
• as teorias ingénuas (naives), protagonizadas por Carey, que, grosso modo, consideram que as crianças formam conceitos numa vasta gama de domínios, com qualidades se
melhantes às teorias científicas, e que a aprendizagem se processa por via da instrução, conducente ao desenvolvimento;
• as teorias sociohistóricas, representadas por Vygotsky; e
• as teorias intersticiais, protagonizadas, por exemplo, por Case e Feldman.

A perspectiva de Case é considerada uma teoria neo-piagetiana, apoiada no estruturalismo, o que pressupõe um desenvolvimento sequencial, e nas orientações de processamento da informação. A teoria de Feldman é traduzida como uma teoria intersticial do desenvolvimento não universal, apoiada quer no estruturalismo quer nas orientações sócio-históricas.

Todavia, é possível encontrar, ainda, outros agrupamentos, que nos parecem bastante bem sistematizados, tais como as perspectivas de Elias e Merriam1 (1984, 1995), Caverly e Peterson (1996), Ernest (1995), Prawat (1996), Bogus (1995), Di Vesta (1987), Rojas (1998), Joyce e Weil (1980, 1986) e Reynolds, Sinatra e Jetton (1996) (cf. FIGUEIRA, 2001), das quais, algumas, cumprindo a proposta inicial, iremos dar conta.

 

Quanto a perspectiva de Caverly e Peterson (1996)

Caverly e Peterson (1996) consideram que as práticas pedagógicas, no limite, representam diferentes orientações filosóficas e decorrem delas (ver Quadro 2). Ou seja, as diferentes epistemologias filosóficas têm implicações nas interpretações psicológicas, relativamente à aquisição do conhecimento e à aprendizagem, e nas teorias educativas, isto é, no como os professores ensinam e como os alunos aprendem. Assim, cada uma destas perspectivas auxilia na definição, ou determina mesmo, as práticas da instrução (educativas).

Na perspectiva de Caverly e Peterson (1996) e também de Di Vesta (1987, p. 206), até ao final do século XIX, foram as orientações filosóficas, o racionalismo, o empirismo e a fenomenologia, que se debruçaram sobre as questões do conhecimento e da mente. Todavia, a partir dos finais do século XIX, emergem as perspectivas psicológicas, explicativas da aprendizagem (interpretações psicológicas da aprendizagem e do conhecimento), originárias e derivadas das diferentes opções filosóficas (CAVERLY; PETERSON, 1996, p. 2). Num e noutro momento, são os fundamentos filosóficos ou psicológicos que orientam e sustentam as práticas educativas (cf. CAVERLY; PETERSON, 1996).

Deste modo, decorrentes das três posições filosóficas apontadas, emergem três perspectivas psicológicas distintas: o construtivismo radical, o behaviorismo e o processamento de informação, e o construtivismo social ou orientado, moderado (CAVERLY; PETERSON, 1996, p. 2) (ver Quadro 2).

Como podemos constatar pelo Quadro 2, emergente da epistemologia racionalista é apontado o construtivismo radical. Do empirismo, emergem as teorias psicológicas behavioristas e, num tempo mais recente, a perspectiva de processamento da informação. Por fim, da orientação fenomenológica advém o construtivismo social.

Referem, ainda, Caverly e Peterson (1996, p. 2) que, à imagem do que acontece com as orientações filosóficas, as posturas psicológicas adoptadas não podem ser consideradas correctas ou incorrectas. Antes, a opção depende de uma escolha cognitiva, de aceitação ou de rejeição.

Do mesmo modo, ao nível pedagógico, educativo, são derivadas e apresentadas algumas implicações e implementações (ver Quadro 2). Assim, do racionalismo, ou melhor, do radical construtivismo, emergem, enfatizando-se, a aprendizagem por descoberta (discovery learning) e a aprendizagem por questionamento não orientado (unguided inquiry). E, a este propósito, os autores referem que a interpretação/adaptação do racionalismo ao nível pedagógico foi inicialmente utilizado/aplicado na educação de crianças muito pequenas (pré-escolar), fundamentalmente, com Montessori e, igualmente, ao nível da instrução de matemática, ao nível mais elevado. Do empirismo e do processamento da informação, enfoca-se a transmissão de conhecimentos e de skills (transmission/skills). Da fenomenologia (phenomenologicalism) e do construtivismo social (construtivismo moderado, contextualizado, situado – guided constructivism), o construtivismo ou globalismo (whole language/constructivist) (CAVERLY; PETERSON, 1996, p. 3). A título de nota, referem estes autores que, embora com bases ancestrais, só muito recentemente se assiste à implementação das filosofias fenomenológicas nas práticas educativas (ver Quadro 2).

Tendo como assunção que nenhuma das orientações filosóficas e psicológicas apresentadas são certas ou erradas, também nenhuma prática educativa o pode ser (CAVERLY; PETERSON, 1996, p. 2). Porém, embora assumindo uma postura compreensiva e relativista, estes autores alertam para a necessidade de uma filiação ideológica, para a necessidade de uma opção por uma determinada orientação, com vista a uma prática educativa coerente, ao invés da adopção de posturas eclécticas. É que "Uma prática coerente é preferível a uma combinação ecléctica de boas práticas" (CAVERLY; PETERSON, 1996, p. 1).

Seja qual for a opção filosófica, o importante é que as práticas de ensino traduzam o comprometimento às interpretações psicológicas da filosofia educacional escolhida. Só, assim, pode acontecer desenvolvimento na educação (CAVERLY; PETERSON, 1996, p. 3).

 

Quanto à perspectiva de Ernest (1995)

Fundamentalmente e ultimamente o aspecto mais importante para qualquer paradigma educacional são as implicações para a prática, isto é, as implicações pedagógicas ou pedagogia (entendida como teoria das técnicas para atingir os objectivos, objectivos de comunicação ou transmissão de conhecimentos seleccionados ou experiências aos alunos, de forma consistente e consonante com esses valores (ERNEST, 1995, p. 484).

Ernest (1995), no quadro da epistemologia da psicologia educacional, apresenta sete diferentes paradigmas: 1. o empirismo tradicional (paradigma que inclui as abordagens behavioristas e racionalistas tradicionais); 2. a teoria do processamento da informação (onde se incluem a psicologia de Ausubel e a de Anderson, por exemplo) (ERNEST, 1995, p. 468); 3. o construtivismo2 trivial; 4. a cognição sociocultural; 5. o construtivismo radical (cf., igualmente, GLASERSFELD, 1995a, 1995b); 6. o construtivismo social (estes quatro últimos aglutinados, em virtude das suas similitudes3 e compatibilidades (cf. ERNEST, 1995; CANAVARRO, 1997, 1998)); 7. o construcionismo social. Trata-se de paradigmas apresentados sob a forma de metáforas, em que se considera que um paradigma de investigação educacional apresenta algumas características, ou seja, é composto por alguns elementos: uma ontologia, uma epistemologia, uma metodologia e uma pedagogia.

• Ontologia é "a teoria da existência do mundo e dos seres que o povoam".
• Epistemologia é "(a) a teoria da natureza, génese e garantia do conhecimento subjectivo, incluindo a teoria da aprendizagem individual; (b) a teoria da natureza, génese e garantia do conhecimento (compreendido como conhecimento humano convencional ou partilhado), e, igualmente, como teoria da verdade".
• Metodologia é "a teoria dos métodos e técnicas apropriados e válidos para criar e validar o conhecimento, de acordo com a epistemologia".
• Pedagogia é entendida como "a teoria do ensino – os meios que facilitam a aprendizagem, de acordo com a epistemologia" (ERNEST, 1995, p. 465-466).

Deste modo, o empirismo tradicional é apresentado sob a forma de metáfora da mente como tabula rasa, o espelho que passivamente reflecte a realidade, a natureza. Nesta perspectiva, a aprendizagem é um processo de recepção/absorção passiva da informação, sendo o conhecimento obtido de forma independente de quem o constrói. O ensino é mera transmissão, com pretensão que os alunos memorizem, reproduzam e apliquem os conhecimentos ou comportamentos recebidos. Este paradigma inclui as abordagens behavioristas e racionalistas tradicionais, sendo a base histórica de desenvolvimento dos paradigmas subsequentes (ERNEST, 1995, p. 467).

Na teoria do processamento da informação, incluem-se a psicologia de Ausubel e a de Anderson, por exemplo (cf. ERNEST, 1995, p. 468), sendo a metáfora adoptada a do cérebro ou da mente como um computador.

Apesar de ainda fundamentado numa epistemologia objectivista, reconhece que conhecer envolve um processamento mental activo, individual e baseado no conhecimento previamente adquirido. A aprendizagem constitui-se num processo mais activo, não sendo, apenas, recepção passiva da informação, incluindo a selecção, processamento e assimilação de informação de acordo com o estado mental do indivíduo, mas ainda encarado numa perspectiva racionalista (CANAVARRO, 1998, p. 194).
Na perspectiva de Ernest (1995), poderá ser entendida como uma forma simples de construtivismo, revelando um corte com a metáfora empiricista tradicional de que a mente é passiva, reconhecendo que o conhecimento envolve um processamento mental activo, é uma actividade do indivíduo e baseia-se (ancora-se), ou constrói-se, em conhecimentos prévios. O conhecimento não é passivamente recebido, mas construído activamente. A aprendizagem não é uma absorção passiva de informação, é um processo interactivo, que envolve a selecção, o processamento e a assimilação de informação, dependendo do estádio de desenvolvimento do sujeito (according to the state of mind of the learner) (cf. ERNEST, 1995). Porém, porque admite que algum conhecimento aprendido pelos sujeitos é informação absorvida do exterior, não construída, contraria os princípios de Glasersfeld, deixando de se poder inserir na categoria das perspectivas construtivistas (cf. ERNEST, 1995).

Perspectivado com a metáfora da mente como um computador soft, o construtivismo trivial é a combinação da teoria de processamento da informação com o princípio de que todo o conhecimento é construído pelo sujeito, que a compreensão depende dos conhecimentos prévios necessários, eles próprios construídos e não recebidos intactos pela memória (cf. ERNEST, 1995, p. 469-470). Articula, pois, o princípio de que todo o conhecimento é construído pelo sujeito com a existência de uma realidade objectiva ou conhecimentos objectivos.

Quanto à cognição sociocultural, Ernest (1995, p. 471-472) refere que este paradigma pode ser entendido a partir da metáfora da mente como um jogador estratégico (mind as game player and strategist). Todavia, admite, igualmente, o papel da interacção social e dos contextos socioculturais como fundamentais na construção do conhecimento e da aprendizagem – aprendizagem situada (cf. COGNITION AND TECHNOLOGY GROUP AT VANDERBILT UNIVERSITY, 1992).

Da metáfora, retira-se, precisamente, que para jogar é necessário, pelo menos, um jogador que tome a iniciativa e outro que devolva respostas, pressupondo a existência de acções orientadas, com objectivos, sendo esta a grande inovação e o factor distintivo, relativamente à perspectiva anterior. Esta filiação é consonante com os princípios vygotskianos, que combina um tipo de aquisição de conhecimento top-down, ou aquisição de conhecimento cultural via professor, com um tipo bottom-up, ou aquisição de conhecimento individual, construído pelo próprio sujeito (ERNEST, 1995).

No construtivismo radical (cf. Glasersfeld, seu principal representante), e, igualmente, referido por muitos autores, por construtivismo cognitivo, na linha piagetiana (cf. FOSNOT, 1996a), considera-se que "[…] todo o conhecimento é construído pelo indivíduo com base nos seus próprios processos cognitivos, de forma dialéctica com o seu próprio mundo experiencial" (ERNEST, 1995, p. 474). A ênfase é colocada, pois, nos processos mentais dos sujeitos e na forma como constroem o conhecimento..

De facto, Cobb (1996) refere que a linhagem intelectual dos construtivistas cognitivos reside na epistemologia genética de Piaget, na etnometodologia (MEHAN; WOOD, 1975 apud COBB, 1996, p. 63) ou no interaccionismo simbólico (BLUMER, 1969 apud COBB, 1996). Igualmente, o desenvolvimento efectuado por Glasersfeld apela para as variantes psicológicas do desenvolvimento, ou seja, dá prioridade à actividade individual sensório-motora e conceptual dos sujeitos, analisando o pensamento em termos de processos conceptuais localizados no indivíduo, incorporando os conceitos de assimilação4 e acomodação5, abstracção empírica6 e abstracção reflexiva (cf. FOSNOT, 1996a). E, ainda, à imagem dos construtivistas cognitivos, considera que o desenvolvimento comanda a aprendizagem (cf. FOSNOT, 1996a).

Na perspectiva de Glasersfeld (1988 apud GERGEN, 1995, p. 28): "O conhecimento não é passivamente recebido, nem através dos sentidos nem por qualquer outra forma de comunicação. Antes, é activamente construído pelo sujeito cogniscivo". Reconhece-se que o conhecimento é activo, que é individual e pessoal, e que se baseia e assenta em conhecimentos prévios, igualmente, construídos (WOOD; COBB; YACKEL, 1995 apud WOOD, 1995).

É atribuída uma maior importância ao processo de estruturação cognitiva individual, enfoque na construção do sujeito, ênfase e atenção focalizada nas acções de construção individual dos sujeitos (cf. RICHARDS, 1995). Grosso modo, enfatiza o papel do indivíduo, descurando o papel do grupo, residindo a sua maior preocupação na qualidade da actividade interpretativa individual e no desenvolvimento de formas de saber. Por estas razões, é considerada uma perspectiva de carácter individualista ou solipsista, uma perspectiva "centrada na mente" (mind centered), ou endogénica (na tipologia de Gergen) (cf. RICHARDS, 1995, p. 59).

Neste contexto, a aprendizagem é entendida como auto-organização, considerando-se que se aprende a partir das experiências sensoriais com os objectos, das acções e operações conceptuais e, igualmente, a partir das abstracções reflexivas das interpretações das actividades dos outros e das interacções sociais. Para os autores filiados nesta linha de pensamento, os alunos aprendem através de uma sequência uniforme de reorganizações internas, cada vez mais integradas (cf. PRAWAT; FLODEN, 1994), enfatizando-se a individualidade e idiossincrasia das representações do sujeito. Aprendemos a partir da nossa própria experiência de contacto com os objectos, das nossas acções e operações conceptuais e também a partir de abstracções reflexivas, derivadas da nossa interpretação das acções dos outros e das nossas interacções sociais (cf. WOOD; COBB; YACKEL, 1995 apud WOOD, 1995).

Em termos de intervenção pedagógica, a ênfase é colocada nas construções individuais, nos processos individuais de construção do conhecimento. Todavia, Duit (1995) refere que, para além das cognições, esta perspectiva, e as práticas ou pedagogia dela decorrentes, deve ter em consideração outras concepções e crenças dos indivíduos, ou seja, o metaconhecimento ou filosofia pessoal, visão da aprendizagem e as suas atitudes.

Neste sentido, podemos afirmar que:

O construtivismo radical tem vindo a evoluir no sentido de valorizar as questões sociais, a dimensão social do conhecimento e da aprendizagem, aspectos que aproximam esta posição do construtivismo social, facto que alguns autores aventam como indicador duma dificuldade gradual em se distinguirem estas abordagens no quadro actual do paradigma construtivista (CANAVARRO, 1997, p. 66).

E ainda:

Steffe (1995) partilha desta opinião, adiantando [...] que não existe nada nos fundamentos construtivistas que iniba uma visão interaccionista onde a linguagem assuma um papel de destaque, de mediador, e onde o conceito de acomodação ou de construção seja considerado um produto da interacção indivíduo-meio (sociedade) e indivíduo-indivíduo (consigo próprio), mantendo-se o enfoque no plano psicológico e no plano sociológico, sem supressão de nenhum deles (CANAVARRO, 1997, p. 66-67).

No que concerne ao construtivismo social: “[...] perspectiva o indivíduo em interacção constante com o meio, estando, sistematicamente, interconectados”. (ERNEST; 1995, p. 479). Segundo esta orientação, o conhecimento (human subjects) constrói-se por via das interacções sócias e dos processos individuais. Nesta linha, não existe uma visão dicotómica entre a mente e o mundo. Ernest (1995, p. 480) metaforiza esta orientação como pessoas em diálogo (persons in conversation), pessoas em significativas interacções linguísticas e extra(meta)linguísticas e dialécticas.

Grosso modo, e ao invés do construtivismo radical, esta leitura enfatiza, primordialmente, o papel do grupo, privilegia as acções do grupo (group conversation), enfoca as interacções dos sujeitos, relegando para segundo plano o papel do indivíduo (cf. RICHARDS, 1995). A mente é entendida como fazendo parte integrante de um contexto mais vasto (ERNEST, 1995, p. 480), a construção social de significado.

É uma perspectiva que destaca, pois, os efeitos socioculturais na aprendizagem, sendo esta motor de desenvolvimento, ou seja, a ênfase é colocada na importância do contexto na aprendizagem (cf. WERTSCH; TOMA, 1995). Segundo Ernest (1995, p. 159): “[...] ‘é o meio sociocultural que medeia a acção’. A máxima desta orientação é que o funcionamento mental é situado em contextos culturais, históricos e institucionais”, isto é, os processos mentais são definidos, têm a sua origem e desenvolvem-se em contextos socioculturais, o que remete para as dimensões sociais e culturais do conhecimento (cf. KONOLD, 1995).

Largamente inspirada nos trabalhos de Vygotsky, Davydov, Leont’ev e Galperin (cf. FOSNOT, 1996a, 1996b), é uma tendência que salienta a natureza social e culturalmente situada da actividade. Perspectiva que reflecte uma crescente desilusão com o realce individualista da psicologia vigente, valorizando e ligando actividade a participação em práticas culturalmente organizadas. Tomam o indivíduo-em-acção-social como a sua unidade de análise, vendo o aluno a apropriar-se das contribuições do professor (cf. FOSNOT, 1996a, 1996b).

Na perspectiva de Fosnot (1996a), esta tipologia de construtivismo corresponde às teorias socioculturais, baseadas na filosofia de Dewey (cf. PRAWAT; FOLDEN, 1994), nos trabalhos de Vygotsky, Leont’ev e Luria. São perspectivas que apelam mais para as variantes interaccionistas, sendo consensual a ideia (comum a todas as perspectivas sociais construtivistas) que o conhecimento é um produto social, em que a actividade do sujeito é influenciada por factores culturais e históricos, reconhecendo-se o carácter contextual da aquisição do conhecimento, ou seja, a natureza situada do conhecimento e da aprendizagem. Uma perspectiva considerada “centrada no mundo” (world centered), ou exogénica, na tipologia de Gergen (cf. RICHARDS, 1995, p. 59).

Todavia, como já havíamos referido, dadas as similitudes e compatibilidades entre estes quatro paradigmas (construtivismo trivial, cognição sociocultural, construtivismo radical e construtivismo social), Ernest (1995) considera-os de forma aglutinada (cf., igualmente, CANAVARRO, 1997, 1998). Para Ernest (1995), o denominador comum das diferentes formas de construtivismo pode ser resumido através da metáfora da carpintaria ou arquitectura, ou mesmo trabalho de construção, pois remete para a construção das estruturas a partir de peças preexistentes. Esta metáfora descreve a compreensão como a construção das estruturas mentais.

Em jeito de síntese, resta, assim, para o paradigma construtivista, uma

[...] concepção do conhecimento construído pelo sujeito [...]. O construtivismo faz apelo a uma ideia de conhecimento construído pelo sujeito, necessariamente subjectivo, com viabilidade em termos da relação sujeito-mundo, negligenciando como finalidade a realidade e a verdade enquanto conceitos objectivos. Aceita a realidade como uma construção colectiva, a partir da rede de relações em que assentamos a nossa forma de relação com o mundo e que julgamos ser adoptada e válida também para os outros (CANAVARRO, 1998, p. 195).
O enfoque dos construtivistas está na mente, na capacidade cognitiva do sujeito, não descurando, no entanto, a importância das relações sociais (valor dos aspectos sociais) na formação do conhecimento e da aprendizagem. Para Shotter (1995), os construtivistas colocam a tónica nos processos mentais, “[...] sendo as realidades individualmente construídas idênticas aos mundos experienciais, construídos biologicamente pelas operações mentais de que dispomos e aplicadas às situações a partir da nossa acção prática sobre elas” (CANAVARRO, 1998, p. 199).

Por último, e com cariz distintivo, é apresentado o construcionismo social.

Nesta perspectiva, a mente é entendida como uma dimensão social introjectada, em que o mental se evidencia nas realizações sociais: “A metáfora da mente é a de diálogo ou drama, em que os sujeitos são os actores com cenas a representar no drama” (ERNEST, 1995, p. 481).

Segundo esta leitura, o processo de acomodação, aparentemente, não tem lugar (cf. STEFFE, 1995, p. 490). Adentro das orientações construtivas, o construcionismo social é a única que não admite a subjectividade do significado linguístico, rejeitando de todo esta hipótese. O significado é encontrado através da coordenação de esforços entre duas ou mais pessoas (cf. STEFFE, 1995, p. 490). Conhecemos, somente, através das interacções sociais, focalizando-se, pois, a atenção na comunicação interactiva (STEFFE, 1995). Nesta linha, o conhecimento constitui-se como uma organização de potenciais interacções (STEFFE, 1995, p. 497). É socialmente construído, através de processos sociais, como a comunicação e o conflito, em que os sujeitos criam significações que são partilhadas (cf. GERGEN, 1985). Todavia, é uma perspectiva relativista, não universalista, pois, “Ao contrário dos universalistas, o construcionismo social acredita que o conhecimento não é nem transhistórico nem transcultural. Contrariamente, é relativo, porque dependente dos contextos sociais e linguísticos. (GERGEN, 1985, p. 2). Os construcionistas realçam, assim, o mundo, a sociedade e a cultura, na formação do conhecimento e da aprendizagem, não obliterando, contudo, o papel do sujeito. Ou seja, o construcionismo social representa uma forma particular de fenomenologia social relacionada com uma concepção estrutural da sociedade (cf. GERGEN, 1995).

Assim, segundo o paradigma construcionista:

[...] a interdependência é um conceito fundamental. A ideologia dominante das tradições epistemológicas clássicas vê-se sub-rogada por uma ideologia colectivista, onde a interacção social, a cultura,a comunicação e a linguagem assumem um papel crucial na explicação de questões como o conhecimento e o comportamento. [...] a interdependência social permite a atribuição de sentido à linguagem. Esta posição apresenta similitudes com a de Vigotski, porque salienta a preponderância do colectivo sobre o individual e entende a racionalidade individual como um produto do social. [...] de acordo com este paradigma, o locus do conhecimento muda-se da mente para a linguagem (CANAVARRO, 1998, p. 197).

Os construcionistas consideram que

[...] todos e quaisquer processos mentais de construção (partindo do pressuposto da sua existência) reflectirão, mesmo a nível estrutural, aspectos negociados histórica e socialmente por uma dada comunidade. [...] a realidade é constituída pelas pessoas através da forma como estas falam na sua comunicação quotidiana umas com as outras. A comunicação, e não a representação mental, assume um papel central constituindo a parte fulcral da nossa aprendizagem da realidade. A realidade que os construcionistas atribuem às representações mentais é qualquer coisa socialmente conseguida e as referências a estas como entidades reais mais não significam que referências a entidades retórica e textualmente construídas dentro duma comunidade e dentro duma tradição social (CANAVARRO, 1998, p. 199).

Ernest (1995, p. 481), embora considere que é uma perspectiva similar ao construtivismo social, diferencia-a por enfatizar o social, as relações humanas, sociais, em detrimento do individual.

[...] existem diferenças significativas [...] [no construcionismo] existe um fluxo contínuo de comunicação entre as pessoas que lhes possibilita a sua existência enquanto pessoas comuns num dado contexto, socialmente construído e linguisticamente sustentado, dentro do qual o que se diz ou do que se fala assume um valor factual e um valor constitutivo do mundo em que se vive (CANAVARRO, 1998, p. 199; cf., igualmente, CONFREY, 1995, p. 185).

Deste modo, podem diferenciar-se, pois, enquanto o paradigma construtivista assume uma concepção endogénica do conhecimento, sobrevalorizando os processos mentais individuais e a forma como o indivíduo constrói o conhecimento do mundo exterior, remetendo aspectos como a comunicação e a cultura para a acção do sujeito cogniscivo, a perspectiva construcionista assume uma posição mais exogénica, ao sobrevalorizar o papel do mundo externo na construção do conhecimento (cf. CANAVARRO, 1997, 1998; GERGEN, 1995).

De realçar, ainda, que, embora distintos, os paradigmas construtivistas e o construcionista apresentam denominadores comuns. Assim, para Gergen (1995), quer o construcionismo quer o construtivismo partilham a crítica ao paradigma empirista de criação do conhecimento, “[...] colocando em causa a ideia da mente como o reflexo do mundo exterior e do conhecimento como algo construído através de uma observação objectiva, desapaixonada” (CANAVARRO, 1997, p. 53).

De igual modo, Confrey (1995), ao sugerir uma teoria integrativa das três perspectivas construtivismo radical, sociocultural e social discute, também, a compatibilidade entre as abordagens construtivistas e as abordagens socioculturais ou construcionistas. Assim, Confrey (1995), embora saliente que a grande divergência entre as três perspectivas é o enfoque, maior ou menor, colocado ou no sujeito ou no social, refere ser razoável a posição em que as tradições sociais construtivistas reconheçam as interacções entre a interacção social e a actividade cognitiva. Aliás, tanto os teóricos socioculturais como os cognitivistas destacam o papel fundamental que a actividade desempenha na aprendizagem e no desenvolvimento (cf. FOSNOT, 1996a). Por seu turno, na teoria sociocultural, como a de Vygotsky (cf. STEFFE, 1995), a aprendizagem é entendida como um processo de colaboração cultural dinâmica (dynamic cultural apprenticeship), um processo de internalização dinâmica de comportamentos socialmente partilhados. Porém, a internalização não é uma mera transmissão e recepção de conhecimentos sociais. Envolve a construção de significados, a partir das interacções sociais (STEFFE, 1995, p. 507). A este propósito, Confrey (1995) aventa que um paradigma que integre concepções construtivistas e construcionistas deve reconhecer que os desenvolvimentos individual e social se influenciam mutuamente, devendo equilibrar a importância atribuída a cada um deles (cf., igualmente, CANAVARRO, 1997, p. 65; 1998, p. 202). Confrey (1995) considera que as “aparentes” divergências existentes entre as duas grandes categorias podem ser ultrapassadas com a integração de algumas ideias de Vygotsky (dimensão social) no paradigma construtivista, a saber: “A importância da participação social em contextos diferenciados [...] como factor crucial de aprendizagem e de conhecimento [...] e o conceito de zona de desenvolvimento próximo [...]” (CANAVARRO, 1998, p. 201)..

Ainda, no que concerne às comunalidades das duas perspectivas, ou o diálogo existente entre o construcionismo social e o radical, nas palavras de Shotter (1995, p. 41), todas as leituras, desde o construtivismo social, construcionismo social, construtivismo radical, construtivismo de processamento de informação (information-processing constructivism) e sistemas cibernéticos às perspectivas do desenvolvimento sociocultural (sociocultural developmental), têm um número significativo de aspectos em comum. Assim, consideram que:

a) Os estudos devem focalizar-se nas “actividades” e não nas “coisas” e “substâncias”. Não qualquer tipo de actividades, mas actividades criativas, formativas ou actividades construtivas de auto-reprodução, auto-manutenção ou do tipo reflexivo (cf. SHOTTER, 1995, p. 41).

b) No processo de crescimento ou desenvolvimento do conhecimento, “fazer” (making) é mais importante que “descobrir” (finding), sendo os processos criativos (criar de forma activa) mais importantes que os processos de descoberta (descobrir de forma passiva) (cf. SHOTTER, 1995, p. 41).

c) Não faz sentido falar-se de conhecimento como realidade absoluta realidade externa, independente, ao sujeito, pois, de facto, o mundo externo não existe (cf. SHOTTER, 1995, p. 41), ou seja,

Negam a existência de um mundo exterior, na concepção clássica dum mundo objectivo que existe para além de quem o observa e consideram que o conhecimento se faz em contacto com o mundo, através da nossa actividade de relação, sendo fundamentais, no quadro dessa interacção, aspectos como o significado ou a atribuição de sentido [...] (CANAVARRO, 1998, p. 198; cf., igualmente, CONFREY, 1995, p. 185).
c) As representações mentais são o tema central dos construtivistas.

Igualmente, Steffe (1995) refere que não se pode falar em leituras opostas, quando uma perspectiva enfatiza a construção e a outra a interacção, pois estes dois conceitos não são antitéticos. Para o autor, construção envolve, sempre, interacção, seja de que tipo for (consigo mesmo ou com os outros). Para Steffe (1995, p. 512), “To say learning is interactive as well as constructive (Cobb, 1990)”. Ou seja, ao invés de perspectivas opostas, Cobb (1996, p. 74) sugere que as pensemos complementares, “[...] é como se uma das perspectivas constituísse o pano de fundo em que a outra se evidencia”.

Tais perspectivas não podem ser entendidas como antitéticas, pois

O biológico e o social não são nem passíveis de separação nem antitéticos nem alternativos, mas sim complementares. Todos eles causas do comportamento de organismos, no sentido temporal, ao qual deveremos restringir o termo causa. São simultaneamente sociais e biológicos, já que todos eles são passíveis de análise a muitos níveis. Nem todos os fenómenos humanos são “causas” desses fenómenos mas meras “descrições” deles em níveis específicos, em particular as linguagens científicas (LEWONTIN; ROSE; KAMIN, 1984, p. 282 apud FOSNOT, 1996a, p. 45).

Com base na perspectiva de Cobb, Yakel e Wood, esta noção também se aplica à cognição:

Não podemos compreender a estrutura cognitiva de um indivíduo sem o observar a interagir num contexto, no seio de uma cultura. Mas também não podemos entender cultura como uma entidade isolada que afecta a estrutura, dado que todo o conhecimento no seio da cultura é apenas, para citar a terminologia de Cobb, “tomada-como-partilhada” (taken-as-shared) (Cobb; Yackel; Wood, 1992 apud Fosnot, 1996a, p. 45).
A sociedade não pensa; só os indivíduos é que pensam. Assim, a relação entre indivíduo e sociedade, à semelhança da relação entre organismo e meio, é uma relação dialéctica. Não se trata apenas do facto da sociedade ser o meio ambiente do indivíduo e, por isso, perturbar e ser perturbada pelo indivíduo [...] (Lewontin; Rose; Kamin, 1984, p. 282 apud Fosnot, 1996a, p. 45).

Ernest (1995, p. 484) termina a descrição e análise dos sete paradigmas dizendo que, embora distintos, virtualmente, todos podem ser adoptados e entendidos como variações do construtivismo radical.

Por seu turno, Prawat (1996, p. 219-222), no seu artigo relativo às perspectivas construtivistas modernas e pós-modernas, realiza um outro tipo de agrupamento, inscrevendo, por exemplo, ao contrário de Ernest (1995), as teorias de processamento de informação nas perspectivas construtivistas modernas, à imagem da perspectiva construtivista radical, reiterando-se, assim, a constatação da não consensualidade teórica de enquadramento das diversas perspectivas em categorias mais abrangentes.

Este autor apresenta-nos as várias versões do construtivismo, partindo das suas origens filosóficas, situando-as nas teorias construtivistas modernas e nas teorias construtivistas pós-modernas.

Genericamente, enquanto as teorias modernas se podem caracterizar por um construtivismo dilemático mente-mundo, as teorias pós-modernas evidenciam uma refutação clara ao mentalismo, criando uma solução para o dilema mente-mundo.

Assim, nas versões modernas, consideradas perspectivas e epistemologias racionalistas tradicionais e realistas, Prawat (1996) inscreve o construtivismo radical e as teorias de processamento de informação. No construtivismo radical, protagonizado por Glasersfeld, Steffe, Confrey, baseado na teoria piagetiana dos esquemas (as teorias do schema), a ênfase na aquisição do conhecimento é colocada no papel e na actividade do sujeito, nas suas experiências subjectivas, em que se apela para as capacidades auto-regulatórias intrínsecas aos sujeitos, ou valorização do papel da mente (noção, claramente, racionalista) (cf., igualmente, PRAWAT; FLODEN, 1994, p. 39). Por seu turno, a teoria de processamento da informação7 é considerada a antítese epistemológica do racionalismo ou construtivismo mente-mundo, perspectiva que irá valorizar e representar o pólo mundo no processo mente-mundo construtivista. Sob esta leitura, “As estruturas internas do sujeito são consideradas válidas, na justa medida em que são importantes na orientação do sujeito nos seus contactos com o meio” (PRAWAT, 1996, p. 216). Neste sentido, o elemento construtivista advém, apenas, do facto de “[...] os sujeitos extraírem a estrutura através de um processo de acumulação e análise dos dados” (PRAWAT, 1996, p. 216). É que, “Na teoria de processamento de informação, a actividade mental realiza-se da periferia para o centro, isto é, de fora para dentro” (PRAWAT; FLODEN, 1994, p. 39).

As perspectivas construtivistas pós-modernas ou construtivistas sociais, todas representando alternativas às perspectivas e epistemologias racionalistas tradicionais e realistas (as teorias do schema e as de processamento de informação), constituem-se como um corte com as perspectivas modernas tradicionais, quer na filosofia, quer na psicologia, rejeitando a noção de que o foco do conhecimento está no indivíduo. Neste sentido, sendo a ênfase colocada no papel do meio, o conhecimento é uma construção social, “uma propriedade colectivamente organizada”.

Adentro destas, encontram-se a teoria sociocultural (ou construtivismo sociocultural), representada por John-Steiner e Mahn (ver Figura 1), o interaccionismo simbólico, representado por Cobb e Yackel (ver Figura 2), o construcionismo social ou construtivismo social psicológico (cf. GERGEN, 1995) (ver Figura 3) e o construtivismo social baseado na “solução criativa” para o dilema mente-mundo de Dewey (Dewey’s creative solution to the mind-world dilemma) (ver Figura 4).

No que concerne à teoria sociocultural ou ao construtivismo sociocultural, o conhecimento é perspectivado enquanto constructo social, “propriedade de colectividades organizadas” (PRAWAT, 1996, p. 217), um processo de construção social, dependente da interacção diática. Enfatiza-se o papel dos instrumentos culturais, como mecanismos de aculturação dos indivíduos à sociedade. Instrumentos culturais aprendidos, que passam a ser extensões do próprio sujeito, sendo partilhados por grupos sociais. “Colocando a ênfase, fundamentalmente, no indivíduo, os artefactos fazem parte do puzzle” (PRAWAT, 1996, p. 217) (ver Figura 1), processando-se a aprendizagem de fora para dentro, isto é, uma perspectiva outside-in da aprendizagem.

A Figura 1 representa os indivíduos e os artefactos (constituintes do colectivo), envolvidos numa tarefa ou nas actividades socioculturais específicas (círculo menor). Os objectos e acontecimentos do mundo real não exercem influência directa no colectivo, embora sejam considerados importantes. Esta actividade sociocultural é orientada por objectivos, e os dados instrumentais são importantes na estruturação e restruturação da actividade (cf. PRAWAT, 1996, p. 219).

 

Sob a perspectiva do interaccionismo simbólico, o conhecimento é um produto social que ocorre no processo interactivo de pessoas. Embora, francamente, constrangido pelo social, denuncia-se um componente, marcadamente, individual, uma maior autonomia do sujeito na construção das acções e significados pessoais (PRAWAT, 1996, p. 220) (ver Figura 2).

Os sujeitos envolvidos numa actividade social não internalizam, apenas o significado que foi socialmente construído. Eles próprios constroem a actividade, traduzindo o significado do nível social para um nível pessoal. Daí que, mesmo partilhando a actividade com parceiros de uma mesma comunidade, todos sejamos diferentes, pensemos diferentemente (PRAWAT, 1996, p. 220) (ver Figura 2). Perfilhando, igualmente, uma perspectiva de aprendizagem de dentro para fora, ou inside-out, pode, por estas duas razões, e de alguma forma, segundo Prawat (1996), ser compatível com o construtivismo radical.

 

 

 

Os artefactos são produtos socialmente construídos, todavia, no caso do interaccionismo simbólico, tais artefactos não são extensões do indivíduo. Ao invés, fazem parte dos objectos do mundo, ao qual o sujeito responde. Assim, os indivíduos, enquanto co-participantes em actividades sociais, podem desenvolver algumas perspectivas comuns, partilhando códigos. Evidenciando as diferenças qualitativas dos indivíduos, o enfoque situa-se na aculturação, que reflecte a relação dialéctica entre os elementos do grupo.

Todavia, e ainda segundo Prawat (1996), é de referir que estas duas orientações (construtivismo sociocultural e interaccionismo simbólico), se bem que distintas, ultrapassam o dilema mente-mundo, enfatizando o papel mediador da sociedade.

Segundo a leitura do construcionismo social ou social psicológico, o conhecimento é linguagem ou, de outra forma, “situações temporárias no espaço dialógico” (PRAWAT, 1996, p. 221). Neste sentido, para esta orientação, o pilar do pensamento, o ponto de partida, não é o sujeito ou o mundo exterior, situa-se, sim, na linguagem (ver Figura 3): “Individuals as well objects and events in the world exist within a cocoon of language” (PRAWAT, 1996, p. 222).

Tudo radica e se apoia na linguagem, desde os sujeitos, os objectos, os acontecimentos, pois tudo no mundo é linguístico, quer as experiências, quer o comportamento, partilhadas e sujeitas, obviamente, a múltiplas interpretações.

Para Prawat (1996, p. 223), esta teoria abole, completamente, o dilema mente-mundo: “A mente, enquanto entidade fundamental para a compreensão é supérflua, pois toda a compreensão é linguística. O mundo, enquanto realidade externa, é, igualmente, supérfluo. O mundo é, do mesmo modo, linguagem [...].

 

 

 

Por último, a quarta versão do construtivismo social, baseada nas ideias de Dewey, ultrapassa, de todo, o dilema mente-mundo, salientando o papel, proeminente, quer do social, quer do indivíduo no desenvolvimento dos significados (cf. PRAWAT, 1996). Nesta linha de pensamento, as concepções socialmente apreendidas, as ideias, servem de mediadores, antecipações, quer aos cenários públicos, quer aos privados (ver Figura 4).

As ideias são instrumentos de transacção, necessários ao processo de conhecimento, conhecimento entendido como um processo de transacção com o meio (PRAWAT, 1996, p. 223).

 

 

 

Finalmente, Bogus (1995) e Di Vesta (1987), com perspectivas partilhadas e de uma forma simplista, referem que as concepções sobre o conhecimento dos educadores e dos psicólogos têm sido influenciadas, fundamentalmente, por duas correntes filosóficas: o empirismo (a base do behaviorismo) e o racionalismo (base das teses cognitivistas, iniciadas por Jean Piaget: as construtivistas e as de processamento de informação).

À imagem de muitos outros autores, também Bogus e Di Vesta consideram que

As práticas dos educadores são, claramente, influenciadas pela forma como estes pensam e sentem, ou seja, dependem, em larga medida, da sua teoria ou concepção do conhecimento. São estas orientações, estas teorias, que ditam como agir. Daí que, diferentes perspectivas conduzem, naturalmente, a posturas e a resultados diversificados (DI VESTA, 1987, p. 204).

Breves notas finais

Tal como pudemos constatar ao longo desta reflexão, os sistemas propostos por Caverly e Peterson (1996), Ernest (1995), Prawat (1996), Bogus (1995) e Di Vesta (1987), embora diferentes, com aspectos distintos, mas, igualmente, com algumas regularidades, surgem-nos bastante estruturados, sistemáticos, de leitura substancialmente holística e, mesmo pensados, eventualmente, como datados, são, ainda, de grande acuidade e actualidade, não sendo, como aliás já tivemos ensejo de referir, os únicos sistemas conceptuais abrangentes disponíveis (cf. FIGUEIRA, 2001).

Os vários tipos de categorização, sistemas ou agrupamentos das diferentes formas de ler e pensar o humano apresentados radicam as práticas educativas numa determinada orientação filosófica e/ou psicológica, constatando-se a não consensualidade teórica de enquadramento das diversas perspectivas em categorias mais abrangentes. Verifica-se não dissonância ao nível dos conteúdos, antes, divergência ao nível das designações, razão porque, sem perder de vista as especificidades, ao tentar optar por categorias maiores, recomendemos a categorização aventada por Joyce-Moniz (1989 apud FIGUEIRA, 2001, 2007.

 

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Endereço para correspondência

Ana Paula Couceiro Figueira
Rua do Colegio Novo - apartado 6.153
Coimbra - Portugal
CEP 3001-802
e-mail: apcouceiro@fpce.uc.pt

Tramitação
Recebido em dezembro de 2008
Aceito em setembro de 2009

 

 

1 Texto em fase de publicação, sob o título Fundamentos da instrução. Breve revisão com enfoque na perspectiva de Elias e Merriam (1984, 1995).
2 A este propósito, Fosnot (1996a, p. 44) refere que, no âmbito desta grande categoria, o construtivismo, podemos encontrar duas subcategorias maiores, o construtivismo cognitivo e o construtivismo sociocultural, se atendermos ao seguinte critério: [...] se o social ou o cognitivo são encarados como figura de primeiro plano ou como pano de fundo”. São duas tendências ou perspectivas (cognitivas e socioculturais) que parecem entrar em conflito directo, com os seus apoiantes a reivindicarem hegemonia para a sua opinião do que significa saber e aprender. Isto é, a questão de saber se os processos sociais e culturais têm primazia sobre os processos individuais ou vice-versa. Assim, enquanto os teóricos cognitivistas analisam o pensamento em termos de processos conceptuais localizados no indivíduo, apelando mais para as variantes psicológicas do desenvolvimento, os socioculturais tomam o indivíduo-em-acção-social como a sua unidade de análise, apelando mais para as variantes interaccionistas (MINICK, 1989 apud COBB, 1996, p. 62).
3 Será, mesmo, curioso atentar no próprio título do artigo The one and the many, questionando-se, pela análise das comunalidades e diferenças. Será o construtivismo uma ou várias escolas de pensamento? (cf. ERNEST, 1995).
4 Assimilação, entendida como as modificações do meio, dos objectos, por acção dos sujeitos, pelo schème, aquando das interacções. Modificações que o sujeito introduz no meio, ou seja, incorporação de novos objectos e experiências a esquemas já existentes. Refere-se, essencialmente, ao polo do sujeito.
5 Acomodação designa as modificações que o mundo impõe ao sujeito, aos seus esquemas, para os tornar mais adaptados ao meio sobre o qual eles se exercem. Ou seja, modificações da acção do sujeito em função das propriedades do meio. Refere-se, pois, ao polo do objecto. São transformações dos esquemas, como resultado de novas experiências. São modificações impostas pelo meio. É um termo com correspondência à auto-regulação, significando as modificações ocorridas na organização das estruturas dos sujeitos, aquando das interacções com os seus meios, interno (individual with him or herself) e/externo (individual-environment interaction) (cf. STEFFE, 1995).
6 Genericamente, abstracção, em sentido piagetiano, significa o mecanismo tido para aquisição de novos conhecimentos, podendo ser de dois tipos, caso se trate de conhecimentos exógenos (isto é, informações retiradas dos objectos ou do meio) ou conhecimentos endógenos (isto é, informações que o sujeito retira das suas próprias acções sobre os objectos). O primeiro tipo é designado abstracção simples ou empírica, a que permite a leitura da experiência e que intervém na formação dos conhecimentos físicos ou empíricos. O segundo é designado abstracção reflexiva, conducente à formação dos conhecimentos lógico-matemáticos. Assim, a abstracção empírica dá origem à construção de uma (que pode ser nova) propriedade de um objecto físico, ou seja, resulta na emergência de novas propriedades físicas, ocorrendo nas ocasiões em que o indivíduo toma parte numa prática cultural, frequentemente, quando interage com os outros (cf. FOSNOT, 1996a). Por abstracção reflexiva, entende-se: “O processo de construção de conceitos implica uma abstracção reflexiva” (COBB, 1996, p. 70). Este tipo de abstracção é utilizado para explicar o processo através do qual as acções são reificadas e se tornam objectos mentais que podem, eles próprios, ser alvo de actuação (STARD, 1991; THOMPSON, 1994 apud COBB, 1996, p. 70).
7 Todavia, Marshall (1996) discorda, absolutamente, desta posição, considerando que esta perspectiva coloca a tónica nos processos cognitivos, dando uma importância mínima aos factores sociais e contextuais.