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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.12 no.2 São Paulo fev. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Gênero, sexualidade e práticas de prevenção das DST/Aids: produções discursivas de profissionais da saúde da família e de adolescentes do Vale do São Francisco

 

Gender, sexuality and practices for the precention of STD/AIDS: discursive productions of family health care professionals and teenagers of São Francisco River Valley

 

Género, sexualidad y prácticas para la prevención de ETS/SIDA: productions discursives de los profesionales de la salud en la familia y los adolescentes del Valle de San Francisco

 

 

Juliana SampaioI; Leilane Almeida PaixãoII; Paula Matos AndradeII; Tatiany Soares TorresII

I Universidade Federal de Campina Grande
II Universidade Federal do Vale do São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A região do Vale do São Francisco é marcada por valores machistas, que acabam sendo reforçados pelos profissionais de saúde. Ao perpetuarem desigualdades de gênero, esses profissionais põem em risco os adolescentes ante as DST/Aids. Este artigo busca discutir as produções de sentido sobre gênero e sexualidade desses sujeitos e suas implicações para a prevenção das DST/Aids, entre o público adolescente. Como suporte teórico-metodológico, utilizaram-se a abordagem qualitativa em saúde e o construcionismo social. Realizaram-se grupos focais, observações participantes e entrevistas em unidades de saúde da família das cidades de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). Os resultados indicam a necessidade de ações efetivas de educação sexual que orientem os adolescentes, visto que estes mantêm concepções machistas, além de demonstrarem desconhecimento sobre formas de prevenção das DST/Aids. Com relação aos profissionais de saúde, é observada sua expressiva dificuldade em trabalhar a sexualidade na adolescência, sendo primordial repensar o discurso biorreducionista e a educação bancária, como estratégias de enfrentamento das DST/Aids.

Palavras-chave: Gênero, Sexualidade, Adolescentes, Saúde da família, Doenças sexualmente transmissíveis.


ABSTRACT

The region of the Sao Francisco Valley is marked by sexist values that end up being reinforced by health professionals. To perpetuate inequalities of gender, these professionals puts at risk young people in front of the STD/Aids. This article aims to discuss the production of meaning about gender and sexuality of the subject and its implications for the prevention of STD/Aids, with the teen audience. As theoretical and methodological support, we used a qualitative approach in health and social constructionism. Focus groups were conducted, observations and interviews participants in family health units in the cities of Petrolina (PE) and Juazeiro (BA). The results indicate the need for effective action of sex education to guide young people as they remain sexist ideas, and demonstrate knowledge about ways of preventing STD/Aids. With respect to health care professionals, it is observed its significant difficulty in working with sexuality in adolescence, and rethink the discourse bioreducionista primary education and banking, as coping strategies for STD/Aids.

Keywords: Gender, Sexuality, Teenagers, Family health, Sexually transmitted diseases.


RESUMEN

La región del São Francisco está marcada por los valores machistas, que son finalmente reforzada por profesionales de la salud. Para perpetuar las desigualdades de género, estos profesionales ponen los adolescentes en situación de riesgo por delante de las ETS / SIDA. En este artículo se discute la producción de sentido sobre el género y la sexualidad de estas cuestiones y sus implicaciones para la prevención de ETS / SIDA entre el público adolescente. Como un apoyo teórico-metodológico, se utilizó un enfoque cualitativo en la salud y el construccionismo social. Se realizaron grupos focales, observaciones participantes y entrevistas en las unidades de salud de la familia en las ciudades de Petrolina-PE y Juazeiro-BA. Los resultados indican la necesidad de una educación sexual eficaz para orientar a los jóvenes, porque tienen puntos de vista sexista, así como la falta de conocimiento que muestran sobre las formas de prevenir las ETS / SIDA. En lo que respecta a los profesionales de la salud, se observa una dificultad significativa en su trabajo la sexualidad en la adolescencia, y repensar el discurso bioreducionista como estrategias de afrontamiento de las ETS / SIDA.

Palabras clave: Género, Sexualidad, Adolescentes, Salud familiar, Enfermedades de transmisión sexual.


 

 

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo analisar as implicações das produções discursivas de profissionais da atenção básica de saúde e adolescentes, acerca de gênero e sexualidade, para a prevenção das DST/Aida, no semiárido nordestino. O cenário para a realização desta pesquisa é constituído por duas importantes cidades do Vale do São Francisco, a saber, Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). Dados demonstram que o índice de infecção por HIV/Aids é alto nessa região, com uma tendência semelhante ao restante do país de feminização e pauperização da epidemia. É constatado, ainda, que a infecção geralmente se dá no período da adolescência, mesmo entre aqueles que só vêm descobrir sua soropositividade anos mais tarde (PETROLINA, 2006).

Valores machistas permeiam as práticas discursivas que ajudam a moldar o comportamento de meninos e meninas em relação à sua sexualidade e às formas de conceber as relações de gênero. A relevância deste estudo sustenta-se, assim, no fato de ainda persistir, na sociedade contemporânea, um conjunto de sentidos que perpetuam as desigualdades de gênero, suscetibilizando os adolescentes (especialmente as meninas) ante, entre outros agravos, às DST/Aids (VILLELA, 1999).

Destaca-se, ainda, que gênero é uma categoria relacional que envolve as construções sociais do que é feminino e do que é masculino. Ela se torna, então, útil para entender a construção das definições dos papéis de homens e mulheres na sociedade e as desigualdades à que ambos estão sujeitos. Considerando os estudos de Citeli (2005), é importante considerar que os indivíduos vivenciam as experiências afetivo-sexuais de diferentes formas, desde as diferenças anatômicas que distinguem os corpos até a construção simbólica sobre eles, dando-lhe materialidade subjetiva. A partir das construções sociais sobre gênero e sexualidade, os indivíduos constroem expectativas e aspirações que dão forma às experiências sexuais vividas.

Percebe-se que os valores que sustem os discursos machistas põem em risco homens e mulheres perante as DST/Aids. Segundo Villela (1999), ao se apropriar de tal discurso machista, a mulher acaba por reprimir sua sexualidade, podendo perder a autonomia sobre o próprio corpo e deixar a decisão do uso do preservativo para o homem, uma vez que não se sente à vontade para negociá-lo.

O uso do preservativo é um comportamento diferente para homens e mulheres. Para o homem, a questão é colocar o preservativo. Para a mulher, a questão é convencer o parceiro a usar a camisinha (Amaro, 1995). Mas como fazer isso se as mulheres não foram criadas para falar de sexo? (GUERRIERO, 2001, p. 171).

 

Villela (1999) ressalta ainda que tais discursos machistas também contribuem para aumentar o risco do homem às DST/Aids, na medida em que relacionam a masculinidade às representações de poder, vigor e autonomia, incompatíveis com a imagem de magreza, debilidade física e submissão associada à Aids. Desse modo, o homem acaba por não associar a doença à sua realidade, mantendo práticas que o suscetibilizam perante às DST/Aids.

A adolescência se constitui como um período ímpar para a construção de novos sentidos sobre gênero e sexualidade. Por isso, faz-se importante entender como os profissionais de saúde, assim como os próprios adolescentes, dão sentido à adolescência e como a relacionam com o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos.

"Adolescências", sexualidade e direitos sexuais e reprodutivos

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), regulamentado pela Lei no 8.069/90 (BRASIL, 1990), defende o direito da criança e do adolescente ao acesso a ações e serviços de saúde de qualidade e específicos às suas demandas, definindo a adolescência como a fase que compreende indivíduos de 12 a 18 anos.

Art. 11. é assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde;

Art. 14. O Sistema único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos (BRASIL, 1990).

 

Já o Ministério da Saúde, que toma como base a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), considera adolescente o indivíduo com idade entre 10 e 19 anos. Ambas as definições são marcadas por critérios biológicos, caracterizando a adolescência como um período comum a todos os sujeitos.

É importante pensar a adolescência com base no contexto sociocultural de cada indivíduo. Segundo Traverso e Pinheiro (2002), a classe social, o grupo, as relações de gênero e outros fatores farão que os indivíduos vivenciem a adolescência de forma bem particular, sendo impossível definir uniformemente tal fase. Essas autoras falam em "adolescências" - no plural - por causa das particularidades na vivência de cada sujeito. Lyra et al. (2002) evidenciam que a adolescência deve estar para além da compreensão de um período intermediário entre a infância e a fase adulta, corroborando a afirmação de Traverso e Pinheiro (2002) quanto à complexidade dessa fase.

Para Caridade (1997), é na adolescência que a sexualidade busca sua afirmação, em diferentes expressões, por meio de jogos de sedução com o outro, experienciando as diversas possibilidades de prazer e a descoberta do corpo. Nessa direção, a sexualidade constitui-se como um elemento que possibilita a estruturação e a construção da identidade sexual do adolescente.

É importante considerar também que os contextos social e cultural, como propõem Carvalho, Salles e Guimarães (2003), constituem-se interventores poderosos na maneira como os adolescentes produzem os sentidos acerca da sexualidade e no modo como irão apropriar-se dos conhecimentos sobre ela e expressá-la em sua cotidianidade. Tal poder reflete-se na capacidade que os meios interacionais têm de estabelecer e reforçar tabus, preconceitos e crenças, que orientam os sentimentos, pensamentos e práticas dos indivíduos. Segundo esses autores, as influências sofridas pelos jovens são produzidas por diversos campos sociointeracionais, como os meios de comunicação, as expressões culturais, a religião, a família, a escola etc.

Assim, este trabalho é conduzido com base no pressuposto de que há uma história da sexualidade clara e explícita em nossa sociedade, calcada sob rígidos valores morais e éticos, construída e reconstruída a partir de noções, muitas vezes preconceituosas, das relações de gênero.

Nesse sentido, a discussão sobre sexualidade perpassa pela defesa dos direitos sexuais e reprodutivos. Estes se constituem com o objetivo de garantir a igualdade e a liberdade no âmbito da vida reprodutiva e no exercício da sexualidade, sendo expressões de cidadania e da vida democrática (ÁVILA, 2003).

Os direitos sexuais e reprodutivos estão inseridos entre os Direitos Humanos. Em 1994, eles tiveram uma atenção especial na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo. Nesse evento, 179 países, entre eles o Brasil, firmaram acordo, marcando uma nova fase com transformações no âmbito da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, referentes ao bem-estar social, à igualdade de gênero, ao planejamento familiar, entre outras questões (GALVÃO, 1999).

Os direitos sexuais fazem parte dos direitos humanos e inclui [sic] o direito de viver a sexualidade com prazer. O bem-estar sexual requer a liberdade individual e o respeito mútuo nas relações interpessoais. A equidade de gênero não pode ser alcançada sem respeito aos direitos sexuais e, ambos, [sic] são importantes como princípios que fundamentam a luta pela eliminação da violência contra as meninas, adolescentes e mulheres e contra a mutilação genital, o assédio e o abuso sexual, estupro, prostituição, agressões domésticas e escravidão sexual (HERA apud CORRÊA; JANNUZZI; ALVES, 2003, p. 11).

 

No Brasil, as diretrizes dos direitos à saúde sexual e reprodutiva são importantes para a elaboração de ações de promoção da saúde, principalmente para o público adolescente. Para tanto, o Ministério da Saúde propõe o desenvolvimento de atividades educativas, abordando temas como sexualidade e gênero, que proporcionem uma maior eficácia nas ações de prevenção das DST/Aids (BRASIL, 2006).

Cabe à Estratégia Saúde da Família (ESF), como espaço de promoção da saúde, garantir os direitos sexuais e reprodutivos de todos os seus usuários, inclusive dos adolescentes, por meio de uma política de atenção à saúde sexual e reprodutiva. Essa política deve ser direcionada ao enfrentamento dos problemas sociais relacionados às DST e à gravidez não planejada entre os adolescentes. Tais ações de saúde precisam trabalhar para além da normatização de condutas e práticas sexuais, devendo visar à discussão das relações de gênero, sexualidade e adolescência.

Portanto, compreender as produções discursivas dos profissionais da saúde da família e dos adolescentes atendidos por estes é o primeiro passo para promover a construção de novos sentidos acerca de gênero e sexualidade, e, assim, garantir os direitos sexuais e reprodutivos dessa população.

 

Metodologia

Para a realização dos intentos da pesquisa, foi utilizada a abordagem qualitativa em saúde, buscando trabalhar com o universo de significados produzidos no campo da saúde.

A abordagem metodológica ora assumida privilegia as práticas discursivas na análise das significações do cotidiano, sendo relevante para o estudo das produções sociais, as quais são predominantemente complexas e com forte carga subjetiva (SPINK; MEDRADO, 1999). Segundo Spink e Medrado (1999, p. 55), as pessoas estão naturalmente envolvidas em interações sociais, nas quais há sempre "trocas simbólicas, interpessoais e intersubjetivas". Os autores dizem ainda que, nas interações cotidianas, os indivíduos atribuem sentido às suas experiências com base nos repertórios interpretativos de que dispõem.

Para a coleta dos dados, foi utilizada uma triangulação metodológica (NEVES, 1996; DESLANDES; ASSIS, 2002) que se configurou pelo desenvolvimento de observações participantes, entrevistas semidirigidas e grupos focais, buscando obter maior riqueza de dados e validade da análise.

Realizaram-se 1.024 horas de observação participante das atividades cotidianas de oito unidades de saúde da família, contemplando quatro distritos sanitários de cada um dos municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). As observações foram realizadas em visitas de quatro horas semanais, durante 16 semanas, por meio do acompanhamento das atividades dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares e agentes comunitários de saúde), tanto na unidade (em ambulatórios, sala de vacina e sala de espera) quanto em visitas domiciliares. Registraram-se informações sobre a estrutura e dinâmica das unidades de saúde, assim como falas dos profissionais e usuários que ocorriam nas atividades cotidianas dos serviços. Todas as observações foram registradas em diários de campo.

Com base no contato com as unidades, foram realizados 36 grupos focais, envolvendo 360 adolescentes nelas cadastrados, divididos em grupos por sexo e faixa etária (grupos de 12 a 15 anos e de 16 a 20 anos). Como o contato com os adolescentes realizou-se via equipes de saúde, não foi possível garantir grande adesão deles em todos os serviços. Essa dificuldade se deu, principalmente, porque os adolescentes não se mostravam interessados pelo convite das equipes de saúde e porque muitos pais não permitiam sua participação em grupos focais que tratariam do tema sexualidade. Com isso, a composição dos grupos focais variou entre 4 e 15 participantes. Cada grupo focal teve dois moderadores (membros do grupo de pesquisa), que, por meio dinâmicas de grupo, buscaram provocar conversas entre os adolescentes sobre temas como: adolescência, gênero, sexualidade, prevenção da gravidez e DST/Aids e o serviço de saúde. Cada reunião de grupo durou em média de uma hora e meia a duas horas, e todas as produções discursivas foram gravadas e posteriormente transcritas.

Finalmente, aplicaram-se 74 entrevistas semidirigidas com os profissionais (5 médicos, 9 enfermeiros, 11 técnicos de enfermagem, 9 recepcionistas e 40 agentes comunitários de saúde) das oito unidades de saúde da família acompanhadas, já que nem todas as equipes de saúde estavam completas e nem todos os profissionais se mostraram disponíveis em participar do estudo. As entrevistas versaram sobre os temas: adolescência, gênero, sexualidade, prevenção da gravidez e DST/Aids e o serviço de saúde, sendo todas gravadas e posteriormente transcritas.

O trabalho foi aprovado por um comitê de ética em pesquisa com seres humanos, e coletaram-se carta de anuência das secretarias de saúde e termos de consentimento livre e esclarecido de todos os sujeitos envolvidos (no caso dos adolescentes menores de 18 anos, os termos foram concedidos por seus representantes legais).

Na análise dos dados, buscou-se evidenciar as produções discursivas dos sujeitos envolvidos. No caso dos grupos focais, cada grupo foi considerado uma produção coletiva única, tendo em vista que os sentidos se deram nas trocas dialógicas e não em falas individuais. Para a análise das observações participantes, os diários de campo da equipe de pesquisa foram considerados também narrativas produzidas sobre os acontecimentos cotidianos das unidades de saúde.

Todos os discursos produzidos nos grupos focais, nos diários de campo e nas entrevistas foram tratados com base na análise de conteúdo temática, proposta por Bardin (1994), e agrupados em categorias construídas em função dos sentidos e significados construídos pelos sujeitos sobre as temáticas levantadas durante o estudo. O estabelecimento das categorias obedeceu à lógica discursiva, sendo menos relevante a frequência das falas individuais, em relação aos sentidos que emergiam nas trocas discursivas entre os participantes, que estruturaram o discurso coletivamente produzido.

Assim, buscou-se evidenciar os discursos construídos pelos profissionais da saúde da família e adolescentes sobre sexualidade e adolescência, na perspectiva de gênero, a fim de identificar as implicações dessas narrativas para a prevenção das DST/Aids no contexto do semiárido nordestino.

 

Resultados e discussão

A irresponsabilidade da adolescência: discursos dos profissionais como barreiras para o acesso às ações de saúde

Ao serem analisadas as falas produzidas, considerando tanto as entrevistas com os profissionais de saúde quanto os registros das observações participantes que evidenciaram falas cotidianas dos profissionais, pode-se observar que, no interior do sertão nordestino, região do Vale do São Francisco, o discurso hegemônico sobre a adolescência, para ambos os sexos, perpassa pela compreensão desta como uma fase comum a todos os indivíduos, que se inicia, principalmente, com as mudanças no corpo e no comportamento. A adolescência é ainda compreendida como um período de crises, que se configuram como riscos, já que os indivíduos passam a ter condutas irresponsáveis e inconsequentes.

Esse dado corrobora as constatações de LYRA et al. (2002), quando estes afirmam que a adolescência tem sido caracterizada como uma fase importante, tanto por uma perspectiva mais biológica, vivenciada por todos os indivíduos e antecedente à vida adulta, como por um fenômeno psicossocial, caracterizado como uma fase construída com base no contexto social do sujeito. De acordo com esses autores, perpassam, no cotidiano da atual sociedade, narrativas sobre a adolescência como um período de crises, desordens e irresponsabilidades, sendo a gravidez na adolescência e o risco de contrair o HIV os principais exemplos dessa irresponsabilidade, percebida como um problema social a ser combatido.

Eu acho assim que o adolescente é uma fase muito complicada, vamos usar este termo [...] porque é a fase onde a pessoa está passando da fase da infância pra fase adulta, e no momento da adolescência a pessoa ainda não tem aquela identidade formada, você não sabe direito quem é, e o que você quer, o que é melhor pra sua vida. às vezes você está assim naquela fase de não saber direito, e você se deixa influenciar muito por tudo de bonito que você vê (Agente comunitário de saúde).

[...] eles bebem, pegam o carro, eles fumam, eles passam a noite inteira, eles transam, eles acham que não existe DST, eles acham que não tem um poste ou um sinal vermelho... Eles fazem tudo isso e morrem, mas sempre na expectativa de que nunca vão morrer, que nada de mau vai acontecer a eles. Eles mentem para os pais, vão para uma festa, pulam um muro, porque sempre acham que nada de mau vai acontecer a eles. Adolescência é isso, é aventura! (Enfermeira).

 

O fato de esses profissionais de saúde compreenderem a adolescência como um período de crises e de práticas inconsequentes repercute diretamente em suas ações. São comuns relatos de que o trabalho de prevenção com os adolescentes é em vão, pois estes, mesmo bem informados, tendem a não manter um comportamento preventivo.

[...] eu acho que a maioria vive sem responsabilidade, são altamente irresponsáveis e a gente por mais que oriente... [...] E aquelas que ainda têm uma preocupaçãozinha, a preocupação maior é com a gravidez, nem tanto com a doença. Mas, assim, é muito pouco. Eu não acho que tem tanta responsabilidade, não [...] (Enfermeira).

 

A análise dos discursos produzidos evidencia uma hegemonia quanto ao fato de que os profissionais acreditam que os adolescentes têm informação sobre contracepção e prevenção das DST/Aids. Segundo esses profissionais, as informações seriam obtidas principalmente por meio da mídia, das campanhas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde e nas escolas.

Entretanto, o que se observou nos grupos focais com os adolescentes foi o frequente desconhecimento de moças e rapazes sobre as doenças sexualmente transmissíveis e de suas possíveis formas de prevenção.

A nega vai, chama a pessoa pra transar, isso principalmente no brega, né? [...] quando a pessoa tá lá no brega, come as pessoas sem camisinha, aí a nega tem espermatozoide com aquela doença, aí o cabra fica com essa doença até morrer [...] (Adolescente, sexo masculino).

[o anticoncepcional] creio eu que evita doenças e a gravidez (Adolescente, sexo feminino, 16 anos).

As construções discursivas dos profissionais têm impacto direto na relação que estabelecem com os adolescentes. Para estes últimos, um dos fatores que dificultam o trabalho de orientação e prevenção é o precário vínculo entre eles e os profissionais de saúde.

Segundo Campos (2003), o vínculo é uma relação de afeto e confiança de mão dupla: os usuários precisam acreditar que os profissionais podem ajudá-los em seus problemas de saúde, e a equipe, por sua vez, deve perceber o indivíduo como sujeito autônomo capaz de suprimir suas necessidades de saúde, por meio de um apoio externo. Portanto, as práticas de promoção à saúde devem ser construídas com os usuários do serviço e não impostas a eles.

Os repertórios que sustentam a imagem inconsequente do adolescente inviabilizam, dessa forma, a construção de vínculo entre profissional e adolescente, que, por sua vez, sabe que não é percebido como um sujeito que pode assumir sua vida de forma autônoma. Destaca-se ainda que tais discursos têm impacto direto na construção da identidade desses adolescentes que, de alguma forma, buscam atender ao que lhe é atribuído.

Em relação à passagem adulta, os profissionais de saúde veem as adolescentes grávidas ou mães como "mulheres", considerando a maternidade um fato que as faria "perder" sua adolescência.

[...] o adolescente que a gente tem contato... é com o pessoal que [...] já tiveram filhos, né? [...] Então o contato com o adolescente que a gente tem, talvez ele esteja sendo tardio demais, porque não está prevenindo a gravidez, não tá prevenindo o contato sexual cedo demais, eles têm um contato sexual um pouco cedo (Enfermeira).

 

Nas observações participantes da dinâmica de funcionamento dos serviços, os registros dos diários de campo evidenciam pouca presença dos adolescentes nas unidades, e principalmente a ausência, em todos os serviços de saúde pesquisados, de trabalhos direcionados ao público adolescente. O atendimento aos adolescentes encontra-se diluído nas atividades direcionadas às crianças, aos adultos e às mulheres, em especial às gestantes. Dessa maneira, não são consideradas e trabalhadas as especificidades próprias da adolescência. Esse fato é preocupante na medida em que não é oferecido um espaço de diálogo, em que os adolescentes possam falar, e serem orientados, sobre suas experiências, dúvidas, medos e desejos.

Cano, Ferriani e Gomes (2000) destacam que a adolescência é um período crucial na vida do homem. Segundo esses autores, as transformações ocorridas nessa fase, como a perda do corpo e da identidade infantil, levam o adolescente a ter uma nova relação com o mundo. Com isso, é importante pensar em espaços em que esse adolescente possa esclarecer suas dúvidas e falar de suas angústias, num processo dialógico que possibilite a construção de sentidos para sua experiência.

Diante do exposto, percebe-se que a cidadania dos adolescentes é desconsiderada e que não se observam as exigências do ECA quanto ao acesso desse público a ações de saúde específicas que considere, entre outras questões, as iniquidades de gênero.

"Adolescência?! Que bicho é esse?": sentidos produzidos pelos adolescentes

Em relação à produção discursiva dos adolescentes, a análise dos dados evidencia um discurso hegemônico, em que se constata que essa fase é um período de dúvidas e incertezas, uma fase de procura por iguais, desapego dos pais e despertar para a sexualidade.

Eu deixei minhas brincadeiras de lado, só queria saber de curtir, de paquerar, de namorar, essas coisas. [...] só queria estar no grupinho de gente adolescente (Adolescente, sexo feminino, 17 anos).

 

Eles ainda destacam as transformações biológicas como marco principal do início da adolescência, relatando mudanças significativas no corpo, como, no caso dos meninos, o crescimento da barba e, nas meninas, o aumento dos seios. Além disso, a independência financeira e o casamento são fatores reconhecidos pelos adolescentes como determinantes para a passagem rumo à vida adulta.

Um monte de mudança, de novidade, a gente fala diferente, meu peito começou a crescer, cabelo saiu nas minhas partes, mau cheiro na axila, vontade de namorar desde os onze anos até hoje (Adolescente, sexo feminino, 16 anos).

 

Entretanto, eles se referem, sobretudo, a mudanças de comportamento, evidenciando que a adolescência extrapola as transformações biológicas (LYRA et al., 2002).

[...] quando eu era pequeno, não pensava em namorada muito não... [Pensava em] brincar. O cara vai assim crescendo, desistindo das brincadeiras, quer ser homem já (Adolescente, sexo masculino, 18 anos).

 

Tais transformações afetivo-comportamentais são, por sua vez, vivenciadas de formas diferentes entre meninos e meninas. Essas diferenças, apontadas tanto nos discursos dos adolescentes quanto dos profissionais, marcam a determinação do gênero na forma de compreender e experienciar a adolescência e a sexualidade, influenciando as diferentes exposições às DST/Aids e à gravidez não planejada.

Gênero e sexualidade na adolescência: olhares interpretativos dos profissionais de saúde e dos adolescentes

Quanto às produções de sentido dos adolescentes e dos profissionais de saúde acerca das relações de gênero e sexualidade, as falas coletadas, tanto nas entrevistas quanto nos grupos focais, e as observações participantes organizam um discurso que mantém valores que demarcam bem as diferenças entre o feminino e o masculino.

Foi relatado por tais sujeitos que o adolescente do sexo masculino possui maior liberdade para expressar a própria sexualidade, bem como para discutir sobre sexo. Já às meninas cabe, segundo um modelo de feminilidade ressaltado por Azevedo (2002), a manutenção de posições de fragilidade e quietude, no que tange à expressão da sexualidade.

De acordo com esse autor, essa imagem é cobrada das adolescentes por seus próprios pais, que, de certo modo, também compartilham a concepção de que as mulheres devem ser reprimidas e passivas. Isso pôde ser observado na resistência dos pais em permitir a participação das adolescentes nos grupos focais, ao saberem que seria abordado o tema sexualidade. Os adolescentes, de ambos os sexos, admitiram que os pais são mais permissivos quando se trata da sexualidade dos filhos. Concordaram que, enquanto a menina é malvista quando expressa sua sexualidade, cobra-se do menino a manutenção de tal conduta, sendo positivamente reforçado ao manifestá-la.

Foi possível perceber que os valores machistas recaem com veemência sobre as adolescentes. Falar de sexo abertamente, masturbar-se e procurar por parceiros sexuais são exemplos de condutas pouco aceitas socialmente para elas, mas legitimadas para os adolescentes do sexo masculino. Segundo Villela (1999, p. 203), "as restrições em relação ao sexo, para as mulheres, e a permissividade, para os homens, persistem enquanto realidade concreta da vida e no imaginário de muitas pessoas".

[...] Se um homem chegar no meio de um bocado de mulher e pegar elas todinha, ninguém vai falar... Sabe de que é que ele vai ter a fama? De garanhão! E a mulher? Vai mulherzinha no meio de uma rodada de homem e fica com todos os homens pra você ver o nome que ela vai tomar no meio da rua... Todo mundo vai passar e vai dizer bem assim: "Ali é uma rapariga que fica com todo mundo! é uma cachorra! Já peguei, já peguei, já peguei!" (Adolescente, sexo feminino, 17 anos).

 

Analisando as repercussões desses repertórios linguísticos para a exposição das mulheres às DST/Aids, Villela (1999) alerta que as mulheres acreditam que devem deixar os homens dominarem as relações afetivo-sexuais. Essa postura perante o parceiro inviabiliza a negociação do preservativo. Nesse sentido, algumas adolescentes relatam que não exigem o uso do preservativo, com a justificativa de que seus parceiros se previnem nos relacionamentos extraconjugais.

Tais diferenças se deflagram também nos comportamentos dos adolescentes nos grupos focais, demonstrando a internalização de valores discriminatórios. Enquanto os meninos falavam abertamente sobre os mais variados temas (sexo, masturbação etc.), demonstrando grande desprendimento e interesse, as meninas apresentavam comportamentos mais recatados, imbuídos de pudor e constrangimento em relação aos assuntos tratados.

Por baixo, eu nunca se olhei não [...] pra que ver aquela coisa feia? [...] é bonitinho quando é novinho, depois nasce aqueles cabelos pretos... Deus me livre! [...] quando eu vejo aquela coisa feia olhando pra mim... (Adolescente, sexo feminino, 16 anos).

 

Com base na fala da adolescente, é possível evidenciar não apenas o desconhecimento do próprio corpo, mas também a desvalorização dele. Em várias ocasiões nos grupos focais, as adolescentes relataram o receio em olhar sua própria genitália e em falar sobre suas práticas masturbatórias. O corpo torna-se, assim, algo que não pode ser visto ou tocado e, portanto, deve ser negado. Essa dificuldade ante o próprio corpo e o prazer sexual evidencia mais uma das repercussões dos discursos machistas, já que tal autonomia não é permitida às mulheres.

é interessante observar que o machismo parece estar mais presente no discurso das meninas do que no dos meninos. São elas que enfatizam a importância da manutenção da virgindade (e/ou simplesmente do cuidado que se deve ter para não ficarem "faladas"), do sexo praticado com amor (sob a justificativa de que é "feio" praticá-lo sem sentimento) e até mesmo da prática sexual basicamente voltada para a reprodução. E, ainda, são elas quem mais reprimem a própria sexualidade, seguindo ditames impostos pela sociedade, os quais são questionados pelos próprios rapazes.

[as adolescentes] são muito preconceituosas. [...] Sei lá, elas nem se masturbam [...]. Elas se sentem perder a virgindade só por causa da masturbação! Aí dificulta mais na hora de uma relação... [risos] [...] Porque, oh, sem masturbação, sem ela descobrir o próprio corpo, na hora que a pessoa for fazer relação com ela, ela pode achar uma chatice, porque ela não vai saber do que ela gosta, como ela quer que a pessoa faça, aí fica mais... tudo é em cima do homem (Adolescente, sexo masculino, 17 anos).

 

Também é frequente no discurso das adolescentes a noção do "amor romântico", associada às práticas afetivo-sexuais. Para elas, os homens fazem sexo exclusivamente por prazer, enquanto as mulheres fazem por "sentimento".

Eu acho que o homem, principalmente na adolescência, só quer sentir prazer, e a mulher não, é mais aquele lado carinhoso, e tal, não sei o quê... [...] parte mais pro lado sentimental (Adolescente, sexo feminino, 18 anos).

 

O discurso romântico expõe as adolescentes às DST/Aids, uma vez que justifica o abandono do uso da camisinha, mesmo em relações recentes e pouco estáveis. Do mesmo modo, os rapazes privilegiam o uso do preservativo quando se relacionam sexualmente com garotas desconhecidas, julgando desnecessário utilizá-lo com suas namoradas ou esposas.

As produções discursivas sobre amor romântico, fidelidade e monogamia parecem expor adolescentes e adultos, de ambos os sexos, às DST/Aids. A prevenção no casamento (e geralmente também no namoro) se restringe ao uso de anticoncepcionais, para evitar a gravidez. O preservativo é apenas recomendado, em casos de DST, durante o tratamento do casal.

As ações de planejamento familiar, que na melhor das hipóteses tratam de planejamento reprodutivo, são espaços preconizados pelo Ministério da Saúde como ideais para a discussão sobre gênero e sexualidade. Entretanto, estas se restringem à prescrição e distribuição de pílulas anticoncepcionais, privilegiando apenas a prevenção da gravidez.

Essa realidade pode ser compreendida como resquícios ainda das políticas de controle da natalidade dos anos 1960, que, com base na teoria neomaltusiana e sob a égide de uma sociedade produtivista, procuravam conter o aumento populacional, como forma de evitar a desaceleração econômica (GALVÃO; DÍAZ, 1999).

O direcionamento das práticas de saúde para a prescrição de medicamentos, em detrimento da criação de espaços dialógicos que problematizem as relações sociais de desigualdade e opressão, marca o modelo bioreducionista e "curativista", centrado na doença (SILVA; LIMA, 2005), antagônico à proposta da promoção da saúde preconizada para a atenção básica.

De acordo com Sampaio (2006), os profissionais consideram a sexualidade com base em sua dimensão biológica. Assim, são atribuídas à mulher funções reprodutivas que reduzem a feminilidade à maternidade, desconsiderando suas vivências afetivo-sexuais e principalmente seu desejo sexual, tornando este um privilégio masculino (VILLELA, 1999).

Foi observado ainda um discurso dos profissionais de saúde, no que tange à sexualidade, que perpetua relações moralizadoras e de controle. Em várias ocasiões registradas tanto nas observações cotidianas das atividades do serviço quanto em entrevistas, foram evidenciadas falas de profissionais defendendo que o início das práticas sexuais deve ser postergado, pois consideram que os adolescentes não têm maturidade suficiente para vivenciá-las, tampouco responsabilidade para evitar a gravidez ou DST. Essas narrativas sobre os usuários/adolescentes impossibilitam o reconhecimento destes como sujeitos capazes de assumir o cuidado de sua saúde. Essa deslegitimação sustenta relações de tutela e infantilização, que inviabilizam a cogestão (CAMPOS, 2003) dos processos de atenção/ cuidado com a saúde.

Villela (1999) e Paiva (2006) corroboram esses dados ao afirmarem que as práticas de saúde são constantemente orientadas pela compreensão da sexualidade na adolescência como algo a ser controlado, domesticado, devendo-se retardar ao máximo as primeiras práticas sexuais. Tais posturas dificultam o estabelecimento de vínculos de confiança entre profissionais e adolescentes, interferindo no acesso dos adolescentes às ações de saúde e repercutindo na incidência de doenças sexualmente transmissíveis nessa população (TAQUETTE; VILHENA; PAULA, 2004).

Os dados evidenciam ainda que a sexualidade é pouco discutida tanto nas unidades de saúde quanto nos espaços familiares. Caridade (1997, p. 63) explicita essa questão:

[...] adultos receiam fornecer estas informações, supondo que elas acordem precocemente o desejo. [...] é um equívoco a reparar, porque é o desejo amordaçado, não legitimado, que perturba, que perverte.

 

Nesse sentido, é frequente a cautela em trabalhar o tema sexualidade, justamente pela concepção de que as discussões sobre práticas afetivo-sexuais incitam os adolescentes ao início da vida sexual. Isso pôde ser bastante observado no discurso de algumas adolescentes e profissionais de saúde, e no comportamento dos pais, no período de formação dos grupos focais.

Tais restrições têm repercussões nas práticas dos profissionais, em especial nas ações de educação em saúde. Nesses momentos, observa-se a dificuldade em transcender o campo da informação, em direção ao estabelecimento de trocas dialógicas para a construção de conhecimentos compartilhados.

Eu lhe digo, eu não me sinto preparada para trabalhar com sexualidade, eu me sinto preparada para passar informações, aí eu me sinto [...]. Pelo visto, não é só o fator biológico, nem de saúde, existem milhões de fatores envolvidos nisso aí... Então nesse outros fatores realmente não me sinto preparada [...] (Enfermeira).

 

Segundo Paiva (2000), ao se tratar de sexualidade, não é possível tomar a educação como um simples ato de depositar informação. De acordo com Parker (2000), é necessário que os jovens possam falar em nome próprio, expressando com suas próprias palavras, gestos, sentidos e significados suas próprias realidades. Para tanto, é imprescindível que os profissionais permitam a distribuição do poder do discurso, abrindo mão de suas próprias verdades e possibilitando a construção coletiva.

 

Considerações finais

Diante do exposto, as narrativas sobre adolescência, sexualidade e gênero que estruturam os discursos hegemônicos reproduzidos tanto pelos profissionais de saúde quanto pelos adolescentes da região do semiárido nordestino parecem dificultar aos adolescentes a vivência de sua sexualidade de forma autônoma e segura.

Para fazer frente a tal realidade, o presente estudo lança alguns desafios para o reordenamento das práticas de saúde, no sentido de implementar uma política de atenção integral ao adolescente que contemple a promoção de sua saúde sexual e reprodutiva.

Compreende-se, assim, ser preciso romper com a educação bancária (FREIRE, 2001) que apenas deposita conhecimento, incapaz de formar sujeitos com autonomia em suas experiências afetivo-sexuais (PAIVA, 2000). Sugere-se que espaços de conversação sejam criados, com o intuito de propiciar a produção de novos sentidos acerca das relações de gênero e sexualidade, buscando problematizar questões rotineiras e naturalizadas, que reforçam as desigualdades entre homens e mulheres e aumentam o risco das infecções por DST/Aids.

Como aponta Ayres (2001), é preciso que os profissionais fomentem, como sujeitos cuidadores, o vínculo baseado no diálogo e no respeito mútuo. Dessa forma, poderá ser estimulada a autonomia do sujeito e não somente a construção de práticas numa interação com o outro como mero objeto, no qual se pode intervir de modo normativo e tecnicista. Aposta-se, assim, na construção de vínculos afetivos, que dão suporte a relações de cuidado, como um importante recurso operacional para a promoção da saúde.

 

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Endereço para correspondência

Contato
Juliana Sampaio
Av. Juvêncio Arruda, 795 - Bodocongó
Campina Grande - PB
CEP 58430-800
e-mail: julianasmp@hotmail.com

Tramitação
Recebido em agosto de 2009
Aceito em novembro de 2009