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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.12 no.2 São Paulo fev. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Relação entre objetivos e conflitos psicológicos e suas influências no desempenho de uma nadadora

 

The relationship between sporting goals and psychological confucts and their influence on the performance of a swimmer

 

La relación entre los objetivos y conflictos psicologicos y sus influencias en el desempenho de uma nadadora

 

 

João Carlos Teixeira de Souza BarrosI; Dante de Rose JúniorII

I Universidade Santa Cecília
II Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A definição de objetivos é a principal referência para o desenvolvimento pleno de competidores de natação. Este estudo de caso teve como proposta compreender a influência dos objetivos esportivos nos conflitos emocionais de uma nadadora que, mesmo demonstrando aptidões físicas e técnicas nas sessões de treinamento, não conseguia melhorar os resultados esportivos, passando a apresentar, de forma recorrente por um período de dois anos, comportamento apático no ambiente competitivo. Para a investigação das experiências vivenciadas, foi utilizada a entrevista psicológica com as narrativas submetidas ao método fenomenológico para a interpretação dos dados. A mudança de comportamento e os resultados esportivos da atleta demonstraram que a fenomenologia pode ser utilizada como embasamento metodológico nas intervenções psicológicas no campo esportivo, tanto para um novo significado dos resultados atléticos, na redefinição de novos objetivos, no foco esportivo, na preservação da saúde mental de atletas competidores, como nas pesquisas qualitativas dessas atividades.

Palavras-chave: Objetivos esportivos, Conflitos psicológicos, Pesquisa fenomenológica, Natação, Competição esportiva.


ABSTRACT


Setting goals is the main reference for the full development of competitors swimming. This case study aimed at understanding the influence of sporting goals in the emotional conflicts of an swimmer, even showing physical skills and techniques in training sessions, could not get improvements in sports scores, going forward, on a recurring basis by a period of two years, apathetic behavior in the competitive environment. For the investigation of experiences, it was used the psychological interview with the narratives submitted to the phenomenological method to the interpretation of data. The change in behavior and performance of sports athlete demonstrated that phenomenology can be used as a methodological foundation in psychological interventions in the sports field, both for a new athletic significance of the results in reset new goals focus on sports, preservation of health mental competitive athletes, as well as in qualitative research of these activities.

Keywords: Sports goals, Phsychological conflicts, Phenomelogycal research, Swimming, Sport competition.


RESUMEN

La definición de objectivos és la principal referencia para el desarollo pleno de competidores de natación. Este estudio de caso ha tenido como propuesta comprender la influencia de los objectivos deportivos en los conflitos emocionales de una nadadora que, mismo enseñando disposiciónes fisicas y técnicas en las seciónes de entrenamientos, no ha obtenido mejoras en los resultados deportivos, presentando por lo tanto, de forma recurrente, por uno período de dos años, comportamiento apático en el ambiente de competición. Para la investigación de las experiências que han sido tenidas, ha sido hecha la entrevista psicológica con las narrativas que han sido sometidas al método fenomenológico para la interpretación de los resultados. El cambio de comportamiento y los resultados deportivos del atleta enseñaran que puede utilizarse la fenomenología como basamento metodológico en las intervenciones psicológicas en el terreno del deporto, tanto para el nuevo sentido de los resultados con los atletas, en la redefinición de nuevos objetivos, en el enfoque del deporto, en la preservación de la salud mental de los atletas de competición, así como en los estudios cualitativos en estas actividades.

Palabras clave: Objetivos del deporto, Conflictos psicológicos, Investigación fenomenológica, Natación, Competición deportiva.


 

 

Introdução

Os desempenhos esportivos resultam da soma de fatores muito bem ordenados para que se concretizem como sucesso. As exigências comportamentais e atitudes necessárias para a obtenção de resultados qualitativos no esporte impõem compreensões claras e inequívocas para que os objetivos esportivos se transformem em motivos de ações. Essas providências vão muito além dos desejos isolados que podem encobrir as necessidades reais que auxiliarão no desempenho do atleta. Estipular objetivos esportivos, alguns inconscientes, conforme Weinberg e Gould (2008), que identificarão e impulsionarão o para quê, requer do atleta entendimento claro quanto às suas reais possibilidades de execuções, além da compatibilidade do discurso entre o desejo, as ações e atitudes comportamentais necessários para efetivar os intentos. Os objetivos esportivos, quando definidos dentro da realidade e apreendidos plenamente pelos seus executantes, assumem importantes papéis referenciais e motivacionais nos programas de preparação esportiva (BARROS, 2005).

Este estudo de caso clínico teve como proposta identificar a relação entre os objetivos esportivos e os conflitos psicológicos e suas influências no desempenho de uma nadadora.

Quadro clínico do problema

Pertencente a uma instituição esportiva com representatividade nacional, a nadadora, aos 16 anos e com mais de seis de práticas competitivas, após expressivo resultado em um evento internacional, passou a apresentar comportamento apático sem motivos aparentes em importantes competições, para as quais dizia direcionar seus objetivos esportivos. Com resultados competitivos aquém dos desempenhos técnicos e físicos aferidos nas sessões de treinamento e incompatíveis com o seu histórico de performances, a nadadora, após dois anos dentro desse quadro recorrente, seguindo orientação do seu treinador, procurou apoio psicológico, trazendo a queixa: "estou muito confusa... sinto medos... e nada tem dado certo nesses últimos tempos... não consigo entender o que acontece na hora de competir... nunca senti isso" [sic]. Não desempenhar como nos treinamentos implicou que a nadadora saísse do grupo principal de atletas da sua instituição, acentuando consideravelmente os níveis de ansiedade pré-competitiva. Os conflitos psicológicos se evidenciaram no momento em que a atleta passou a demonstrar medo competitivo nos principais eventos e para onde dizia focar os seus objetivos esportivos. Com a piora constante dos resultados, a nadadora relatou ter dificuldade para dormir às vésperas das competições, além de irritabilidade, retraimento social e desmotivação.

No campo esportivo, muitas das experiências relacionadas aos objetivos possuem conteúdos subjetivos no seu contexto. O anseio de atingir as primeiras colocações, quebrar recordes ou mesmo o medo de não conseguir tais proezas são manifestações psicológicas, cujas instâncias ante os desejos podem determinar comportamento esportivo em diferentes formas, tais como a postura ofensiva ou defensiva. Para Weinberg e Gould (2008), o processo dinâmico do ambiente esportivo, caracterizado por permanente evolução, torna a visão do sujeito, tanto em relação ao mundo como a si próprio, num ponto crítico no momento em que essa plasticidade pode ser atribuída também aos objetivos esportivos. Assim como o indivíduo que, para Critelli (1996), justifica-se em razão de a vida humana estar sempre em constante deslocamento, também os objetivos esportivos apresentam características mutantes na medida em que as vivências vão moldando os caminhos em direção as realidades do possível. Para Frost (1971), a conduta e causada e direcionada por combinações de motivos e emoções que podem ser internos, externos, genéticos, ambientais, conscientes, inconscientes, alguns individuais e outros sociais. De acordo com Ferreira (1996), deve-se observar como o sujeito percebe o mundo e, a medida que torna conscientes suas experiências, delega a essas mesmas experiências importantes e relevantes papéis nesse processo investigativo. Sob esse enfoque, os objetivos esportivos como referenciais dos propósitos atléticos assumem também importante representação manifesta dos conteúdos psicológicos dos executantes, sejam eles conscientes ou não.

A abordagem fenomenológico-existencial neste estudo psicológico de caso clínico segue os conceitos da fenomenologia derivados da filosofia de Edmond Husserl (1859-1938), que se refere a uma teoria do conhecimento, cujo método e a redução do dado a sua essência (eidetikos), de onde Heidegger (1889.1976) erigiu sua analítica existencial. A transposição para a psicologia seguiu as orientações de Forghieri (1993, p. 58):

[...] ao fazer a transposição do método fenomenológico, do campo da Filosofia para o da Psicologia, o objetivo inicial de chegar à essência do próprio conhecimento passa a ser o de procurar captar o sentido ou o significado da vivência para a pessoa em determinadas situações por ela experienciadas em seu existir cotidiano.

 

É justamente a fenomenologia hursseliana direcionando a pesquisa fenomenológica para o desvelamento de como as coisas se mostram a consciência do indivíduo (HUSSERL, 1990) e que, conforme Roehe (2006, p. 156), "num esforço metodológico tenta-se entender: o ser humano olha o olhar e revela-o para si próprio como um ver que da algo de si para o que é visto". Para Araújo (2007), no modelo fenomenológico, psicólogo e cliente estabelecem uma relação de cooperação na qual ambos aprendem e compreendem o sentido da existência. Ainda conforme a autora, diagnóstico e intervenção ocorrem dentro de um processo simultâneo e se complementam.

 

Método

Após transcrição das gravações que ocorreram ao longo do que Amatuzzi (2009) denomina relação dialógica, os conteúdos deste estudo foram orientados pelos procedimentos metodológicos descritos por Giorgi (1985, 1997), que divide a análise em: 1. leitura das narrativas obtidas nos encontros para a apreensão do todo, 2. interpretação dos conteúdos narrados para a formatação das unidades de significados objetivando a compreensão dos fenômenos estudados pelo pesquisador, 3. transcrição das unidades de significados pesquisados em linguagem psicológica e 4. síntese específica das narrativas diretamente relacionadas aos fenômenos estudados. Os conteúdos específicos estão contextualizados no todo narrado de onde foram retiradas as unidades de significado. A leitura pormenorizada das narrativas permitiu identificar os trechos mais significativos que apontaram para as questões que envolviam a queixa inicial. Os conteúdos foram organizados em grupos categorizados em unidades de significados, possibilitando, assim, uma aproximação dos sentidos relatados (MARTINS; BICUDO, 1994; AMATUZZI, 1996, 2009; HOLANDA, 2002, 2006). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética conforme parecer CEP 00205 EEFE/USP nº 06012005.

Organização interpretativa e discussão

A análise das transcrições resultou em um total de 187 unidades de significado e 11 categorias convergentes das questões relacionadas com o objetivo da pesquisa. As categorias foram nominadas em: “Projeção ao passado”, “Ansiedade”, “Automatismo”, “Frustração e autoestima”, “Aspectos psicossomáticos”, “Negação e conflitos”, “Aspectos depressivos”, “Dúvidas e insegurança”, “Conscientização e clareza”, “Euforia e despedida” e “Redimensionamento”, permitindo, assim, uma melhor compreensão dos conteúdos referentes às questões, neste estudo, voltadas ao esporte, conforme Becker (2009). O Quadro 1 reúne as frases mais significativas relacionadas ao escopo da pesquisa. Elas representam três momentos distintos ocorridos no processo. As primeiras entrevistas (A) em que a nadadora perpassava suas vivências esportivas e pessoais, o segundo momento (B) em que as entrevistas ganharam consistência com narrativas acrescidas por detalhes vivenciais da trajetória esportiva e, por último, (C) os conteúdos da fase de mais consistência tanto na riqueza de detalhes como nos aspectos de apreensão e compreensão referentes ao fenômeno pesquisado. No Quadro 1, estão representados alguns conteúdos referentes aos três momentos da pesquisa.

 

 

 

 

 

Redução e interpretação psicológica

A transcrição das unidades de significados pesquisadas em linguagem psicológica tem por objetivo aproximar os conteúdos selecionados da realidade psicológica do narrador ante o fenômeno pesquisado (GIORGI, 1985, 1994, 1997). A redução fenomenológica procura estabelecer uma descrição conceitual rica da experiência, em que o pesquisador vai ao encontro do fenômeno, conforme Groenewald (2004). Para Boemer (1994) e Feijoo (2002), o pensamento expresso em palavras pode ser um pensamento situado e preso nas amarras das existências vividas cujas mensagens podem ser implícitas e explícitas, verbais, não verbais e contraditórias. Ferreira (2009) observa que o fundamental para a fenomenologia é descrever o que se mostra à consciência. Para essa autora, o método que garante essa experiência é a epoché, ou seja, a redução fenomenológica. Para Forghieri (1993), a redução fenomenológica acontece como um processo dinâmico que leva o pesquisador a se envolver com a vivência investigada. A redução consiste em destacar as unidades de significado e reagrupar os constitutivos relevantes para se chegar a uma análise da estrutura do fenômeno, determinando, assim, as estruturas da experiência descrita (HILL; GAUER; GOMES, 1998; ESPÓSITO, 1993). A pesquisa fenomenológica está dirigida para significados, ou seja, “para expressões claras sobre as percepções que o sujeito tem daquilo que está sendo pesquisado, as quais são expressas pelo próprio sujeito que as percebe” (MARTINS; BICUDO, 1994, p. 93). O Quadro 2 compreende as reduções consideradas essenciais para a interpretação e apreensão dos sentidos verbais e não verbais referentes à vida esportiva da nadadora e foco da pesquisa.

 

 

 

 

Síntese das unidades significativas

O ambiente esportivo da alta competição possibilita incomensuráveis possibilidades de leituras, tantas quantas são as variáveis componentes que marcam essas atividades num ambiente de alta ansiedade e consequente proporcional de estresse (DE ROSE JR.; DESCHAMPS; KORSAKAS, 2001; GONÇALVES; BELO, 2007). A nadadora, quando assumiu a posição de destaque, vivenciou intensamente o principal momento dos esportistas, quando nas vitórias. Centro das atenções, a atleta estabeleceu uma forte relação de afeto com o seu principal resultado esportivo. A marca obtida possibilitou convocações para o selecionado nacional, ganhos materiais e financeiros, além do destaque nos seus grupos sociais, principalmente no familiar. Embora verbalizasse intencionar como objetivos esportivos novos desempenhos técnicos quando questionada pelos seus pares, a nadadora apresentava um discurso contraditório que indicava aprisionamento em uma única vivência de sucesso, usando frases como: “eu quero voltar a fazer os mesmos resultados que eu fiz naquela competição”. Narrativas como essas apontam para a tentativa de reprodução de desempenho. As atitudes se voltavam para o evento do qual não queria se despedir com o foco de execução direcionado para a reprodução de vivências passadas. Não havia abertura para novos projetos. O receio de perder levou a nadadora a uma posição defensiva, evidenciando níveis de ansiedade pré-competitivos que foram descritos como: "às vezes, no bloco de partida, me da um branco... no aquecimento eu me sinto bem... mas na hora de nadar eu não sei o que acontece... não sinto o meu corpo". Heidegger (2009, §30, p. 199-208) analisa o medo como o afeto no qual o Dasein foge de si, do seu próprio ser e decai no impessoal. O homem de vida impessoal está perdido, deteriorado em meio à massa, repetindo comportamentos. Essas ocorrências demonstram a interferência psicológica resultante da ansiedade pré-competitiva fora de controle, inferindo nos aspectos técnicos, e que, como resultante, automatizava os movimentos, conforme um dos relatos: "e tudo meio automático... parece que eu não estou ali [...]". Para Roman e Savoia (2003, p. 15),

[...] a ansiedade e a tensão desestruturam a precisão, pois as vias neurais são ocupadas pelos impulsos de alerta do sistema de luta e fuga. Esse mecanismo interfere diretamente no processo coordenativo que regula a precisão dos movimentos.

 

Como desenvolveu uma compreensão em que correlacionava o resultado esportivo de destaque as atenções afetivas de todos a sua volta, a nadadora passou a interpretar a derrota como ameaça a própria existência (esportiva), resultando em perda da autoestima, expressada, por vezes, como: "não e bom ver as adversárias batendo os meus recordes... me sinto triste o tempo todo... finjo que estou bem... e uma tristeza muito grande... acho que não tenho mais valor [...]". Nesse processo, algumas sensações resultantes do ambiente competitivo se expressaram em formas psicossomáticas, demonstrando o estresse psicológico desenvolvido pela nadadora quando narrava situações como: "é sempre a mesma coisa... mal-estar... o peito aperta... sinto um aperto no peito que não sei explicar... a angústia me tira as forças [...]". Em situações recorrentes, o medo competitivo se estabeleceu, gerando dúvidas e insegurança, sensações não vivenciadas pela atleta quando tinha o foco direcionado para motivos de execução das quais não duvidava ser competente. Essa posição fica evidente quando a nadadora cita: "eu não consigo reagir... acho que não consigo mais ser outra vez [...]". Para Sodelli (2010, p. 638), "a ameaça do não ser (a morte) e a fonte da angústia primordial do Dasein, a qual vivenciamos por meio do confronto entre a necessidade de realização das nossas potencialidades e o perigo de não ser capaz de realizá-las". Para Heidegger (2001, p. 141),

Na medida em que a nadadora ia se apropriando dos conteúdos expostos nas suas reaproximações históricas esportivas, ela mencionava situações que evidenciavam um movimento direcionado à compreensão da forma como passou a se relacionar com a natação. Narrativas como “é muito bom estar em evidência... na hora de competir é a cabeça que não vai [...]" demonstravam a abertura para a compreensão. A partir desses momentos, o enfoque referente aos objetivos esportivos migrou de foco que até então era direcionado para os resultados. De ponto de chegada, os objetivos esportivos se posicionaram como ponto de partida. O comportamento esportivo e as atitudes competitivas se estreitaram em direção ao discurso de compreensão entre o que era narrado e a forma como a nadadora executava as suas provas competitivas. Para Galli (2009, p. 61), "a abordagem fenomenológica opera a partir da compreensão do mundo como o indivíduo se instalou na estrutura do ser no mundo". Como não interrompeu as atuações ao longo do processo, a nadadora ia descrevendo as suas atuações, principalmente no que se referia a forma de posicionar o seu foco competitivo. A compatibilidade entre o que era expresso como objetivos esportivos e as ações necessárias para atingir as metas tornou-se mais clara à medida que a atleta relatava as suas atuações. Narrativas como "ás pessoas não entendem como e duro... estou insegura... antes não me sentia assim... consigo treinar bem... não consigo competir... antes não acontecia [...]" foram cedendo lugar para expressões do tipo: "eu vinha competindo com muita pressão... era terrível... muita cobrança... minha principalmente... o pior é que eu não percebia". Embora os atletas devam ser preparados, principalmente os jovens, para quando ascenderem em destaques, as experiências são intransferíveis. Necessitando de vivências para se efetivarem, as experiências são lidas nas individualidades. Isso significa, conforme Dartigues (1973, p. 24), que a "consciência é sempre consciência de alguma coisa". Nas frases "fazia um tempo que eu não me sentia dessa forma legal... acho que estou entendendo melhor as coisas [...]", a nadadora demonstrou considerável nível de compreensão da sua história recente e retomada do foco para as suas competências tanto atléticas como pessoais. Por meio dessas experiências, como objeto, espera-se que surja a compreensão. Para Roger e Kinget (1975), a experiência e composta de conteúdos gerados pelos acontecimentos tanto de ordem consciente como de fenômenos inconscientes, em que, no ambiente esportivo, a competição e os seus resultados - vencer ou perder - são acompanhados por distintas variedades e intensidades emocionais que se sobrepõem permanentemente. O que se convencionou chamar de "objetivos como ponto de partida" teve como intenção direcionar a atleta para uma reflexão referencial de que os propósitos esportivos vão se amoldando no momento em que os atletas vão evoluindo e que, em tais circunstâncias, as atitudes e os comportamentos também se adaptam para determinar as ações.

A nadadora retornou progressivamente ao primeiro grupo da natação nacional, assim como ao seu lugar de destaque na equipe à qual pertencia. Percebemos o processo como um todo quando ela expressou frases como: “eu vou lá para competir... determinada a competir... é cada momento... sem angústia... estou noutra... eu sempre estava ali... mas eu não percebia”. Para a fenomenologia, os fenômenos ocorrem em um segmento temporal que delimita uma determinada situação vivenciada num determinado momento e cujos acontecimentos que compõem esses quadros suscitam aspectos conscientes ou inconscientes no sujeito da ação. González (1999) observa que a qualidade dos fenômenos não surge de imediato à experiência nem são construídos por indução. Essa complexidade justifica as afirmações de Aranha e Martins (1993), de que, segundo a fenomenologia, o objeto não existe em si, mas existe para um sujeito, e este atribui significados àquele.

 

Conclusões

Este estudo demonstrou que não basta somente desejar o resultado positivo, que no ambiente esportivo do alto desempenho e representado pelas vitorias e pelos seus consequentes benefícios. E preciso que a clareza daquilo que se objetiva se efetive como possibilidade motivacional e que a atitude necessária para o desenvolvimento do projeto tome sempre forma como ponto de partida. Despedir-se dos resultados esportivos não significa abandoná-los. Com diferentes lumes, as narrativas foram acompanhadas de alegrias e angustias que demonstravam o custo emocional envolvido em um novo significado para as situações que aprisionam não somente o atleta, mas também o ser humano. Os atletas não perdem essa situação primeira, por mais campeões que possam estar. Os resultados que, ao mesmo tempo alçavam a nadadora as posições de destaques, aprisionavam-na. Essas relações efetivas demonstram como os aspectos psicológicos relacionados aos resultados esportivos podem interferir na formatação de novas propostas que impulsionam a essas mesmas práticas. Para esses momentos de transições, constantes no ambiente competitivo, os atletas necessitam de um olhar mais próximo dos especialistas que os cercam, pois muitas questões que envolvem as propostas esportivas não se configuram de forma consciente, conforme Weinberg e Gould (2008). Este estudo também procurou pela aproximação do esporte a prática de uma psicologia fenomenológica no contexto humanista que, conforme Amatuzzi (2009), pudesse elucidar o vivido via considerações das experiências da nadadora e, assim, possibilitasse tanto a compreensão teórica da abordagem fenomenológica como permitisse a nadadora e aos pesquisadores compreender o fenômeno instalado naquele momento de vida da atleta. Completam ainda esse raciocínio Mattar e Sá (2008, p. 201): "não e a fenomenologia enquanto corrente ou abordagem filosófica ou psicológica instituída, mas enquanto possibilidade humana de experiência". Nesse sentido, a fenomenologia mostrou-se viável tanto para esta pesquisa como um possível caminho auxiliar na ampliação da escuta psicológica da relação consciência-objeto dos competidores esportivos.

 

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Endereço para correspondência

João Carlos Teixeira de Souza Barros
Av. Dino Bueno 106 ap. 44 – Ponta da Praia
Santos - SP
CEP 11035-351
e-mail: jbarros@unisanta.br

Tramitação
Recebido em fevereiro de 2009
Aceito em abril de 2010