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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.12 no.3 São Paulo mar. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação de estresse em policiais militares

 

Stress evaluation in military policemen

 

Evaluación del estrés en la poícia militar

 

 

Marilda Aparecida Dantas; Denilza Vitar Cantarino Brito; Pâmela Batista Rodrigues; Tiago Silvério Maciente

Universidade José do Rosário Vellano

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi verificar o nível de estresse em policiais militares. Para isso, utilizou-se o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL). Foram sujeitos 38 policiais militares, de ambos os sexos, maiores de 18 anos, que estão em atividade, de uma unidade do batalhão no sul de Minas Gerais. Destes, 45% apresentaram estresse em algum nível, com predominância da fase de resistência. Em relação ao gênero, constatou-se que policiais militares do sexo feminino apresentaram mais estresse. Quanto à função, observou-se estresse em policiais da área administrativa. Segundo a idade, o estresse foi identificado com maior concentração entre 25 e 41 anos. Esses profissionais necessitam de maior atenção quanto ao aspecto psicológico, visto que o índice de estresse observado neles foi elevado.

Palavras-chave: Avaliação psicológica; Estresse; Policiais; Segurança pública; Trabalho.


ABSTRACT


This paper’s purpose is to verify the stress level in military policemen. To do this, Symptoms and Stress Inventory for Adults from Lipp (ISSL) data was used. Thirty eight active policemen of both sexes, male and female and over eighteen years old, from a Battalion unit in the south of Minas Gerais, were submitted to the research. Among them, forty five percent presented a certain level of stress, predominating the resistance phase. The Military policemen who presented the highest level of stress according to gender were females; on the other hand, considering duty, we had policemen working with administration activities present the most stress, and according to age, the major concentration of stress was observed in policemen between twenty five and forty one years old. In a psychological aspect, these professionals need more attention considering that the stress level they experience is so high.

Keywords: Psychological assessment; Stress; Policeman; Public security; Work.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue evaluar el nivel de estrés en los agentes de la policía militar, utilizando el Inventario de Síntomas de Estrés para Adultos de Lipp (ISSL). Se realizaron búsquedas en 38 agentes de la policía militar de ambos sexos, mayores de 18 años, que están activos en un Batallón en el sur de Minas Gerais. 45% presentó en algún nivel, con predominio en la fase de resistencia. Los policías que presentaron más tensión según su género eran policías del sexo femenino, según la función, se observó que son policías que ejercen funciones administrativas, y de acuerdo con la edad, se identificó una mayor concentración entre 25 y 41 años. Estos profesionales necesitan más atención en el aspecto psicológico, ya que la tasa de estrés observada entre los agentes es alta.

Palabras clave: Evaluación psicológica; Estrés; Policías; Seguridad pública; Trabajo.


 

 

Introdução

No Brasil, o problema social da violência é algo possível de ser visto claramente a olhos nus. Diariamente, os veículos de comunicação noticiam casos cada vez mais frequentes. Nesse contexto, está o profissional policial militar, que deve, entre suas atribuições, combater a criminalidade e garantir a segurança pública. Segundo Calanzas (2010), muitos desses profissionais, ao ingressarem na carreira, são atraídos pelo status da profissão, pela possibilidade de ascensão e “segurança” do concurso público, porém, com o decorrer do tempo, deparam-se, entre outros aspectos, com a falta de reconhecimento, a percepção de risco e risco real, as perdas de colegas e o sofrimento mental represado pela corporação.

Portanto, a avaliação psicológica nesse contexto parece fundamental, tanto no processo de seleção de pessoal para o trabalho, como sugere o trabalho de Brito e Goulart (2005), quanto no decorrer de sua função. Assim, este trabalho tem como objetivo verificar o nível de estresse em policiais militares, em exercício de sua função, uma vez que o estresse pode afetar a atividade de tais profissionais, e as consequências do comportamento de um policial com estresse estão ligadas diretamente à segurança pública.

O estresse é definido por Lipp (2004) como um estado de tensão que causa uma ruptura no equilíbrio interno do organismo. Quando o estresse ocorre, o equilíbrio (homeostase) é quebrado, e não há mais entrosamento entre os vários órgãos do corpo. Alguns órgãos precisam trabalhar mais e outros menos, para poderem lidar com o problema, causando o estresse inicial. Como, por natureza, o organismo tem o impulso de buscar o equilíbrio, automaticamente é feito um esforço para restabelecer a homeostase interior. Quando consegue restabelecer a ordem interior, o estresse é eliminado, e o organismo recupera-se e volta ao seu estado normal. A volta ao equilíbrio pode ocorrer pelo término da fonte de estresse ou quando se aprende a lidar com ela adequadamente, mesmo em sua presença. Porém, nem sempre a volta ao equilíbrio pelo organismo ocorre de forma satisfatória.

O impacto do trabalho na saúde das pessoas tem sido foco de diversos autores. Em estudo sobre a organização do trabalho, Dejours (2007) aborda questões relacionadas à carga física e mental que circula nesse contexto. De acordo com esse autor, quando o peso psíquico do trabalho se eleva, torna-se fonte de tensão e desprazer, convergindo em fadiga, astenia e outras patologias. Como exemplo dessa situação, o estudo de Carvalho et al. (2008) com policiais militares retratou a prevalência de bruxismo e estresse nessa população, e os resultados sugeriram um possível papel do estresse emocional como fator predisponente do bruxismo. A prevalência de bruxismo nos 81 policiais militares que participaram da pesquisa foi de 33,3%, e observou-se estresse emocional em 13,6% dos policiais militares, dos quais mais da metade (63,6%) relatou ranger os dentes durante o sono e/ou vigília. Assim, constatou-se que, entre os policiais com estresse, 81,8% apresentaram bruxismo. A prevalência de estresse em indivíduos com bruxismo foi significativamente maior em relação aos indivíduos sem bruxismo.

O estudo de Minayo, Souza e Constantino (2007), com base em uma pesquisa maior, investigou características socioeconômicas, qualidade de vida, condições de trabalho e de saúde de policiais militares e civis do Estado do Rio de Janeiro. Ficou evidenciado que os policiais são as maiores vítimas do desempenho de suas atividades, sobretudo os militares e aqueles de ambas as corporações que exercem funções operacionais. Diferentes variáveis se associaram à vivência de risco nas duas corporações, destacando-se as condições de trabalho, em especial, o exercício de outras atividades no período legal de descanso. Na finalização, o estudo apontou os conflitos enfrentados pelos policiais em sua atividade profissional como causadores de grande sofrimento mental.

A pesquisa permite constatar que a falta de perspectiva global do processo de trabalho das duas corporações conduz a uma atitude imediatista, reativa e excessivamente focada nos aspectos operativos, provocando grande sofrimento mental aos policiais.

Em suma, inferiu-se que os policiais, sobretudo os operacionais civis e militares, vivenciam um conflito entre o enfrentamento desejado pela instituição, que ressalta os atributos e as marcas da masculinidade, e os sentimentos de medo da morte, justificados pelas situações de risco reais e imaginárias a que estão submetidos (MINAYO; SOUZA; CONSTANTINO, 2007, p. 11).

Silveira et al. (2005) compararam, em dois grupos de policiais civis, os níveis da síndrome de burnout, uma patologia relacionada ao trabalho, caracterizada por fatores de exaustão e esgotamento, que representam uma resposta aos estressores laborais crônicos. Os grupos foram divididos de acordo com a área de atuação de seus integrantes: policiais envolvidos em atividades externas (35) e policiais envolvidos em atividades internas (25). Foi utilizada a versão em português do Maslach Burnout Inventory (MBI), composto pelos fatores denominados esgotamento emocional, realização e despersonalização. De acordo com os dados obtidos, por meio do teste t de Student, constatou-se que não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos avaliados, quando se considerou o escore total ou cada um dos três fatores mensurados separadamente. Esse resultado sugeriu que o burnout pode estar mais relacionado com fatores organizacionais do que com o tipo de atividade desenvolvida.

Rosseti et al. (2008) realizaram uma pesquisa a fim de verificar níveis de estresse e sintomatologia presentes em servidores públicos da Polícia Federal de São Paulo. Participaram da investigação 250 sujeitos que responderam ao Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos (ISSL). Observou-se que os resultados indicaram um índice maior de estresse na fase da resistência, em que a pessoa automaticamente tenta lidar com os estressores de modo a manter sua homeostase interna. Entretanto, se os fatores estressantes persistirem em frequência ou intensidade, haverá uma quebra e a pessoa passará para a fase de quase exaustão.

A pesquisa realizada por Costa et al. (2007) objetivou diagnosticar a ocorrência e a fase de estresse em policiais militares da cidade de Natal, em que se utilizou do Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de Lipp. A análise dos resultados concluiu que o estresse ocorreu entre policiais militares, em todos os postos hierárquicos, com destaque para oficiais superiores e intermediários e para cabos e soldados. A sintomatologia de estresse se manifestou, principalmente, por meio de sintomas psicológicos, com baixos níveis de sintomas físicos e com predominância na fase de resistência. A proporção de policiais sem sintomas de estresse foi de 52,6%, enquanto 47,4% apresentaram sintomatologia. Dos 47,4% com estresse, 3,4% encontravam-se na fase de alerta, 39,8%, na fase de resistência, 3,8%, na fase de quase exaustão e 0,4%, na fase de exaustão. Sintomas psicológicos foram registrados em 76,0% dos policiais com estresse, e sintomas físicos, em 24,0%. Das variáveis investigadas, a única que apresentou relação com estresse foi o sexo, sendo as mulheres as mais afetadas. Os níveis de estresse de sintomas não indicaram, necessariamente, a presença de um quadro de fadiga crítico (fase de exaustão), apontando a ausência de um risco ocupacional eminente. Dessa forma, é possível uma ação preventiva por parte da organização militar.

Outro estudo sobre a temática foi o de Portela e Bughay Filho (2007), que identificou e comparou o nível e a manifestação de estresse entre policiais militares ativos e sedentários, bem como suas causas e reações. A população investigada foi composta por policiais militares do sexo masculino, com graduação de soldados e cabos do efetivo da 2ª Companhia Independente de Polícia Militar do Município de União da Vitória – PR, independentemente da idade e do tempo de serviço. A amostra probabilística intencional contou com 20 policiais militares investigados no mês de novembro de 2005. Concluiu-se que o nível de estresse apresentado pelos dois grupos foi considerado elevado. Porém, os sedentários apresentaram uma média maior, em comparação com outro grupo, totalizando 38,8 pontos na “escala de estresse percebido”, enquanto os ativos obtiveram uma média de 33,5 pontos, o que pode indicar que estes últimos conseguem melhor autocontrole do estresse. Como principais causas do estresse, os policiais indicaram a defasagem e o arrocho salarial, além de muita pressão. As principais reações foram insônia, conformismo, apatia, agressividade, mau humor e dores de cabeça. Assim, é possível afirmar que os ativos se percebem menos estressados, o que pode indicar o efeito positivo da atividade física no controle do estresse.

O exercício da profissão de policial ou de guarda municipal leva esses indivíduos a enfrentar diariamente contingências de muito desgaste psicológico, pois precisam estar sempre prontos para proteger a sociedade, atentos para perceber qualquer situação de perigo e agir de forma preventiva, sem que haja perda do controle da situação. Muniz, Primi e Miguel (2007) investigaram as relações entre inteligência emocional e estresse. A inteligência emocional pode ser compreendida como a capacidade de perceber, compreender e controlar as emoções, o que pode propiciar melhor manejo do estresse, a fim de administrá-lo de maneira adaptável para si e para o meio em que as pessoas vivem. Participaram 24 guardas municipais, que responderam aos instrumentos de Mayer-Salovey-Caruso Emotional Intelligence Test V2.0 (MSCEIT) e Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de Lipp (ISSL). Os resultados obtidos demonstraram que não houve correlação significativa entre estresse e o escore geral da inteligência emocional. No entanto, quando se analisaram os escores nas tarefas que compõem o instrumento da inteligência emocional, constatou-se que o grupo que apresentou estresse demonstrou escores mais elevados nas tarefas “Sensações” e “Relações Emocionais”, ou seja, de modo geral, parece que os indivíduos estressados são mais suscetíveis a experimentar emoções com menos interferência do raciocínio.

De acordo com o exposto, o principal objetivo deste trabalho é apresentar os resultados da análise descritiva de acordo com o autorrelato dos sujeitos quanto ao estresse e em relação ao nível e à fase de estresse em policiais militares. Apresenta-se ainda a distribuição de frequência do estresse de acordo com gênero, idade e função dos policiais. Após tal verificação, sugerem-se meios para prevenir o estresse nessa profissão e modos de amenizá-lo.

 

Método

Sujeitos

Foram pesquisados 38 policiais militares, de ambos os sexos, maiores de 18 anos, que estão em atividade, de um contingente total de 140 militares da Companhia da Polícia Militar de uma cidade localizada no sul de Minas Gerais. Não puderam participar da pesquisa policiais que estavam afastados momentaneamente da atividade, bem como os aposentados. A amostra foi não aleatória e por conveniência.

Dos sujeitos pesquisados, 13% são do sexo feminino (n = 5) e 87%, do sexo masculino (n = 33), com idade mínima de 22 anos e máxima de 50 anos (idade média de 34,89 anos), com escolaridade variando entre ensino fundamental (3%, n = 1), ensino médio (76%, n = 29), ensino superior (18%, n = 7) e pós-graduação (3%, n = 1). Desses policiais, 16% exercem funções administrativas (n = 6), e 84%, funções operacionais (n = 32).

Material

Utilizou-se o Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de Lipp (ISSL), que avalia se há ou não estresse, bem como seu nível, por meio de um modelo de quatro fases, denominadas alerta, resistência, quase exaustão e exaustão, apontando a predominância de sintomas físicos ou psicológicos, ou ambos.

As fases do estresse são descritas da seguinte forma:

• Na fase de alerta, o organismo é exposto a uma situação de tensão e se prepara para a ação. Algumas reações presentes são taquicardia, tensão muscular e sudorese. Se o agente estressor não é excluído, o organismo passa ao estágio de resistência.

• Na fase de resistência, o sujeito, automaticamente, utiliza energia adaptativa para se reequilibrar. Quando consegue, os sinais iniciais (das reações bioquímicas) desaparecem e o indivíduo tem a impressão de que melhorou, porém a sensação de desgaste generalizado, sem causa aparente, e as dificuldades com a memória ocorrem nesse estágio, mas, muitas vezes, não são identificadas pelo indivíduo em situações de estresse excessivo.

• Na fase de quase exaustão, o organismo está enfraquecido e não consegue se adaptar ou resistir ao estressor. Nesse estágio, as doenças começam a aparecer, como herpes simples, psoríase, picos de hipertensão e diabetes.

• Na fase de exaustão, a exaustão psicológica e a física se manifestam, e, em alguns casos, a morte pode ocorrer. As doenças aparecem frequentemente tanto em nível psicológico, em forma de depressão, ansiedade aguda, inabilidade de tomar decisões, vontade de fugir de tudo, como também em nível físico, com alterações orgânicas, hipertensão arterial essencial, úlcera gástrica, psoríase, vitiligo e diabetes.

No ISSL, há instrução sobre o questionário e o preenchimento dos dados de caracterização do sujeito, como sexo, idade, local de trabalho, função exercida e escolaridade. O inventário contém também um total de 53 questões fechadas, divididas em três quadros, sobre os sintomas físicos (34 itens) e psicológicos (19 itens).

O primeiro quadro, composto por 12 itens, refere-se aos sintomas físicos e 3 psicológicos que a pessoa tenha experimentado nas últimas 24 horas. O segundo, composto por 10 sintomas físicos e 5 psicológicos, está relacionado aos sintomas experimentados na última semana. E o terceiro quadro, composto por 12 sintomas físicos e 11 psicológicos, refere-se a sintomas experimentados no último mês. Alguns dos sintomas que aparecem no quadro 1 voltam a aparecer no quadro 3, diferenciando-se quanto à intensidade diferente e seriedade.

Procedimento

Após a submissão e aprovação do projeto de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas) (Parecer de Aprovação no 102/2009), os pesquisadores fizeram contato com o responsável pela unidade militar, a fim de apresentar o projeto e o agendamento da coleta de dados. O inventário foi aplicado pelos pesquisadores no Batalhão da Polícia Militar, localizado em uma cidade do sul de Minas Gerais, durante o período de expediente, em dia e horário predefinido, de acordo com a disponibilidade da instituição. Os sujeitos foram convidados a participar voluntariamente
da pesquisa e informados de que se tratava de uma investigação acadêmica, sem qualquer efeito avaliativo individual e/ou institucional, e que as respostas eram anônimas e confidenciais. Após lerem e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em duas vias (uma ficou com o pesquisador e a outra com o sujeito), foi entregue o instrumento para o preenchimento.

O instrumento é autoexplicativo, e a coleta de dados foi realizada em uma única sessão. Para o preenchimento do questionário, não houve tempo-limite, porém a média de tempo foi realizada em 20 minutos. Em seguida, os policiais entregaram o inventário respondido aos pesquisadores.

Os dados foram analisados de acordo com a estatística descritiva, em que se identificaram as frequências de estresse e seus respectivos níveis, conforme os objetivos apontados. A seguir, são apresentados os achados da presente pesquisa.

Resultados e discussão

Os resultados encontrados foram analisados de acordo com a análise descritiva e serão apresentados de acordo com a distribuição de frequência e porcentagem, sob diferentes recortes, tais como os que apresentaram e não apresentaram estresse (Tabela 1), as diferentes fases do estresse (Tabela 2), o tipo de sintoma (Tabela 3), o estresse por gênero (Tabela 4), por função (Tabela 5) e idade. Optou-se por apresentar os resultados e discuti-los à luz de diversas pesquisas sobre o referido tema.

 

A Tabela 1 apresenta os resultados gerais da avaliação, com a indicação de policiais com e sem estresse. Notou-se que quase metade (44,7%) foi identificada com alguma sintomatologia de estresse. Não é difícil compreender esse quadro, pois, segundo Calanzas (2010), o risco de morte entre policias militares é maior que entre os agentes dos outros órgãos de segurança, tais como Guarda Municipal e Polícia Civil. Souza e Minayo (2005) também apontaram outras dificuldades enfrentadas por policiais, como combate à criminalidade, acidentes de trânsito e agressões, em que a percepção de risco de morte é iminente. O índice de estresse encontrado sugere uma atenção maior quanto a esses profissionais, de modo que se compreendam suas necessidades perante as demandas de trabalho e possíveis intervenções.

Além das dificuldades diretas do trabalho, o policial militar enfrenta outros aspectos referentes à sua instituição. Assim, Silva e Vieira (2008) buscaram contextualizar a profissão do policial militar quanto à organização do trabalho ante as demandas da sociedade atual, de modo a identificar as repercussões desse modelo na saúde dos policiais militares. Esses autores apontaram outros aspectos que refletem na saúde mental desses profissionais, tais como a hierarquia e a disciplina, pilares que tornam a organização policial complexa. A forma como todos esses fatores se conjugam, seja a organização, seja a precarização do trabalho, pode trazer implicações danosas à saúde mental do policial, o que pode ser justificado pelo alto número de licenças médicas advindas dessa população.

Como indicado anteriormente, o ISSL classifica o estresse em diferentes fases. Assim, de acordo com a fase em que os sujeitos se enquadram, a saúde deles pode ficar comprometida. Como demonstra a Tabela 2, a fase de maior frequência está relacionada à resistência. Esse dado corrobora os achados de Muniz, Primi e Miguel (2007), Costa et al. (2007), Rosseti et al. (2008) e Lipp (2009): dos sujeitos que apresentaram estresse, a maioria também estava no nível da resistência. Essa fase é caracterizada quando o sujeito, automaticamente, utiliza sua energia adaptativa para se reequilibrar, porém a sensação de desgaste generalizado, sem causa aparente, e as dificuldades com a memória ocorrem nesse estágio, mas, muitas vezes, não são identificadas pelo indivíduo em situações de estresse excessivo. Como o próprio nome indica, a fase de resistência parece ser um momento em que o sujeito, ante as fontes estressoras, tenta resistir para manter-se equilibrado, porém o desgaste do organismo ocorre, trazendo algum tipo de prejuízo. A identificação de estresse nessa fase pode indicar um sinal para que alguma intervenção seja feita, a fim de que o indivíduo não avance para as fases seguintes, que são mais danosas à saúde.

 

 

Na fase de alerta, 17,6% sujeitos foram identificados. Embora tal fase seja amena em comparação com as demais, os resultados indicaram ainda, de alguma forma, a presença de estresse. Além desses achados, devem-se também considerar aqueles sujeitos classificados em diferentes fases do estresse (quase exaustão e exaustão) que, mesmo sendo em uma proporção menor, apresentaram um agravamento do quadro. Se o estresse não for tratado, outras patologias poderão se instalar de forma irreversível (WANG, 2010).

A Tabela 3 apresenta a distribuição de frequências quanto aos tipos de sintomas de estresse. Observou-se que a predominância da sintomatologia foi de sintomas físicos (64,7%, n = 11) sobre a de sintomas psicológicos (29,4%, n = 5), e apenas 5,9% tiveram ambos (n = 1). Esses dados divergem daqueles encontrados por Costa et al. (2007), Rosseti et al. (2008) e Lipp (2009), nos quais a prevalência de sintomas em policiais militares foi em sintomas psicológicos. Vale ressaltar que, embora a constatação de estresse tenha sido observada em profissionais da mesma classe, a forma como cada um expressa seu desequilíbrio pode variar, inclusive em função de estratégias de enfrentamento que desenvolvem e conseguem aplicar, mas principalmente quanto ao manejo de sintomas (COLETA; COLETA, 2008).

 

 

A Tabela 4 indica a distribuição de frequência dos resultados de estresse por gênero. Aparentemente, os homens apresentaram maior sintomatologia de estresse, porém vale considerar um outro recorte desses dados, pois o total de policiais do sexo feminino pesquisado foi (n = 5) e do sexo masculino (n = 33). Nota-se que as 3 mulheres com estresse representam 60% desse universo, ao passo que os homens representam 42% do montante de 33 policiais do sexo masculino. Embora o número de mulheres da amostra seja relativamente pequeno quando comparado ao de homens, vale ressaltar que a 5 mulheres pesquisadas representam 41,6% de mulheres da população pesquisadas, ou seja, o total de mulheres desse batalhão são 12. Esses achados convergem com o estudo de Rosseti et al. (2008) e Lipp (2009) que investigaram estresse. Esses autores também identificaram uma proporção maior de estresse em mulheres quando comparadas com os homens.

 

 

Moraes et al. (2001) também investigaram estresse e qualidade de vida em policiais e encontraram um índice elevado em mulheres. Esses autores argumentam que tal profissão caracteriza-se predominantemente pelo universo masculino, o que pode exigir mais das mulheres quanto ao reconhecimento de seu trabalho, tornando-as mais vulneráveis ao estresse. Além disso, o estilo de vida composto por jornadas duplas de trabalho e outras responsabilidades pode implicar tal resultado.

A Tabela 5 apresenta os resultados quanto ao estresse, de acordo com o tipo de função exercida pelos policiais. Esses dados indicam que, mesmo sendo todos policiais, o contexto de atividade que exercem pode impactar de alguma forma no desencadear dos sintomas de estresse. Os policiais operacionais são aqueles que exercem suas funções diretamente em confronto com as possíveis demandas, enquanto os administrativos exercem trabalhos burocráticos. Observou-se que os policiais operacionais apresentaram maior índice de estresse, provavelmente pela condição que enfrentam no seu dia a dia de trabalho.

 

 

Com relação aos policiais militares pesquisados que apresentam estresse, a idade variou entre 25 e 41 anos. Outro estudo que buscou investigar a faixa de etária de maior ocorrência de estresse foi o de Rossetti et al. (2008), que também utilizou o ISSL. Embora esse estudo tenha sido realizado com 250 servidores públicos da Polícia Federal, os resultados indicaram que a faixa etária maior de estresse foi com grupo de 20 a 30 anos. Com base nesse resultado, pode-se inferir que sujeitos mais velhos e consequentemente mais experientes podem ter um repertório mais variado para enfretamento de agentes estressores.

Considerações finais

Os objetivos da presente pesquisa foram alcançados conforme a apresentação dos resultados. Os achados indicados contribuíram para fortalecer a necessidade de uma atenção especial para a população estudada.

Com relação a alguns dados da amostra, vale destacar que policiais militares do sexo feminino apresentaram maior índice de estresse do que os do sexo masculino, assim como policiais militares que exercem funções administrativas apresentaram níveis mais elevados de estresse e possível propensão a ele. Os dados obtidos não são generalizáveis, porém apresentam indicativos importantes para uma aproximação com a demanda, com vistas a propor melhorias no contexto de trabalho, bem como investigar outras amostras dessa população.

Embora a pesquisa tenha sido realizada com apenas 38 policiais, o que pode ser uma limitação deste estudo, os resultados indicaram que a profissão policial militar necessita de maior atenção quanto ao aspecto psicológico, visto que o índice de policiais com estresse foi elevado. Segundo o Conselho Federal de Psicologia (2009), a população de policiais civis e militares faz uso de tranquilizantes diária ou semanalmente, um número quase seis vezes maior que a média da população nacional. Tal situação pode estar relacionada à natureza e às condições do trabalho, uma vez que há uma inferência de que o uso das substâncias eram utilizadas após a jornada de trabalho. Portanto, esses profissionais parecem mais propensos a desenvolver outras patologias psicológicas, o que confirma a necessidade de um trabalho preventivo e paliativo.

Apesar de o estresse ser quase sempre reversível, é preciso formular tratamentos ou ações preventivas, considerando o que estressa o policial e como reduzir ou eliminar os estressores. Além disso, devem-se adotar tratamentos capazes de aumentar a resistência desses profissionais e aliviar os sintomas presentes no momento. Recomendam-se, ainda, formas de minimizar os efeitos do estresse, como alimentação equilibrada (para repor os nutrientes que são gastos nos momentos de maior estresse), relaxamentos (exercícios de respiração profunda, relaxamento muscular, música, filmes, leitura etc.), exercício físico, entre outras, como acompanhamento psicológico individual e, consequentemente, estratégias de enfrentamento para manter a estabilidade emocional dos policiais, atitude positiva perante o trabalho, de forma a gerar qualidade de vida.

Sugerem-se novos estudos sobre o tema, incluindo a investigação de outros aspectos psicológicos em policias, visto que o estresse pode afetar as atividades e a saúde mental de tais profissionais.

Referências

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Endereço para correspondência

Contato
Marilda Aparecida Dantas
Rua Agostinho Rossi, 139
Pq. Bela Vista – Pedreira – SP
CEP 13920-000

e-mail: marildapsi@uol.com.br

Tramitação
Recebido em março de 2009
Aceito em junho de 2010