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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.13 no.1 São Paulo  2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A interlocução entre aluno-leitor/autor em sala de aula e a mediação do docente universitário

 

The dialogue between student-reader /author in university classroom and teacher mediation

 

La interlocución entre alumno-lector/autor en clase universitaria y la mediación del profesor

 

 

Sandra Patrícia Ataíde Ferreira1; Maria Prescila Tenório Nascimento de Lima1; Fabíola Mônica da Silva Gonçalves2

1 Universidade Federal de Pernambuco, Recife – PE – Brasil
2 Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande – PB – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A leitura é um processo de interação entre leitor, autor e texto que resulta na produção de múltiplos significados. O objetivo do estudo foi investigar as situações de leitura vivenciadas em sala de aula, em contexto universitário, promovidas pelo docente e averiguar as estratégias de mediação geradas pelo docente para favorecer a interlocução aluno-leitor/autor. Para tal, participaram do estudo um professor universitário de curso de formação de professores e sua respectiva turma de licenciaturas diversas. Realizaram-se sete observações dos momentos de discussão de textos em sala de aula, utilizando-se como material para registro o MP4 e caderno de anotação. Os resultados demonstram que: 1. as leituras em pequenos grupos de alunos ocorreriam como possibilitadoras de produção de sentidos; 2. a estratégia de perguntas/respostas foi utilizada como a principal estratégia de mediação docente; 3. as situações didáticas favoreceram a articulação das várias formas de linguagem. Verificou-se que o docente, nos momentos de discussão de texto, negociava os sentidos com os alunos a partir da consideração da intertextualidade e da história de leitura dos alunos-leitores.

Palavras-chave: Leitura, Compreensão textual, Mediação docente, Sala de aula, Ensino superior.


ABSTRACT

Reading is a process of interaction between reader/author/text that results in the production of multiple meanings. The objectives of the study were to assess the reading situations experienced in the classroom in a university context, promoted by the teacher. One professor of the teacher training courses took part in the study, as well as, in the respective group, some of licensure courses and others of the pedagogy course. We had seven observations of text discussion moments in the classroom through audio recordings and notetaking. According to the results: readings in small groups of students occurred in the two classes, the strategy of questions and answers was used in both cases, intertextuality was always present in the words of teachers and learners in the multiple languages were more commonly present in the group of various degrees by the nature of proposed activities. There was a perceived failure to impose the meanings produced by teachers to students; meaning is negotiated in moments of discussion.

Keywords: Reading, Meaning production, Student-reader/author dialogue, Teacher mediation, Higher education.


RESUMEN

La lectura es un proceso de interacción entre lector, autor y texto que resulta en la producción de múltiplos significados. El objetivo del estudio fue investigar las situaciones de lectura vividas en la clase, en el contexto universitario, promovidas por el profesor. Participó del estudio un profesor universitario de curso de formación de profesores y su respectiva clase, una de licenciaturas variadas y otra de pedagogía. Fueron realizadas siete observaciones de los momentos de discusión de textos en clase y para registro se ha utilizado de MP4 y de cuadernos de anotaciones. Los resultados presentan que: 1. las lecturas en pequeños grupos ocurren en las dos clases; 2. la estrategia de preguntas/respuestas fue utilizada por ambos profesores; 3. la intertextualidad estaba siempre presente en las hablas de profesores y alumnos; 4. los múltiplos lenguajes estaban más presentes en el grupo de las licenciaturas variadas debido a la naturaleza de las actividades propuestas. Se ha verificado que los profesores, en los momentos de discusión de textos, negociaban los sentidos con los alumnos.

Palabras clave: Lectura, Producción de sentidos, Interlocución alumno-lector/autor, Mediación del profesor, Enseñanza superior.


 

 

Introdução

É importante que os cursos de formação de professores ofereçam situações variadas de leitura aos profissionais e futuros profissionais de ensino, para considerar o resgate das suas histórias de leituras, como também as relações intertextuais para construção de sentidos do texto (ORLANDI, 2006; FERREIRA; SANTOS, 2010).

Assim, assume-se, com base em uma perspectiva da análise de discurso de vertente francesa, a leitura como constitutiva de sujeitos e de sentidos, e, portanto, como processo de interlocução entre "leitor e autor via texto" (FERREIRA; DIAS, 2004, p. 339), em que cada interlocutor produzirá sentidos de acordo com suas histórias de leituras em um movimento de tensão entre paráfrase, "processo que permite a produção do mesmo sentido sob várias de suas formas [...]", e polissemia, processo responsável pela multiplicidade de sentidos (ORLANDI, 2006, p. 20).

Portanto, a produção de sentidos é entendida como algo que ocorre não abstratamente, "mas em condições determinadas, cuja especificidade está em serem sócio-históricas" (ORLANDI, 2006, p. 101), o que significa dizer que os sujeitos envolvidos na atividade de leitura produzem sentidos com base na posição social que ocupam e com uma direção histórica determinada, em um confronto de forças, que lhes impõe limites.

Como processo de interação entre interlocutores reais e virtuais, a leitura demanda um processo de negociação de sentidos que, em sala de aula, envolve a mediação docente, compreendida, de acordo com a epistemologia materialista-dialética de Vygotsky (1984), como atividade mediada indireta, tipicamente humana, que favorece a internalização, neste caso, de ferramentas psicológicas de leitura.

Alguns fatores influenciam a compreensão textual: o conhecimento prévio com que o leitor aborda o texto, pois sem o seu engajamento é impossível compreendê-lo (KLEIMAN, 1997); a presença da intertextualidade, já que todos os textos comungam com o sentido de outros textos (MARCUSCHI, 2008); os objetivos e as motivações com que o leitor recepciona o texto (SOLÉ, 1998); e o processo de inferenciação que se caracteriza como processo cognitivo que garante a organização dos sentidos no intercruzamento de informações do texto, do contexto imediato e mediato, e das relações de sentidos de diferentes textos, favorecendo o surgimento de novas intuições ou conclusões (DELL’ISOLA, 2001; MARCUSCHI, 2008).

Além disso, considera-se que a vivência com múltiplas formas de linguagem verbal e não verbal, como o cinema, a música, a pintura e o teatro, constitui um elemento imprescindível para a produção de sentidos, bem como o convívio e a utilização de diversos gêneros textuais, já que, segundo Marcuschi (2008), é impossível se comunicar verbalmente sem a utilização deles.

Considerando que a leitura não é um fenômeno linear, mas contínuo que se dá por meio de múltiplas práticas, é pertinente pensar que, em qualquer momento, dadas as necessárias condições, o iletrado, entendido como aquele afastado das redes de comunicação escrita (FOUCAMBERT, 1994) e de outras manifestações de linguagens, pode se tornar letrado, podendo a universidade e/ou outros espaços de profissionalização surgirem como a principal e primeira possibilidade de letramento para uma dada pessoa. Isso porque essas instituições podem promover o seu contato com distintas formas de linguagens, como também com diferentes experiências e práticas de leitura mediadas por leitores mais maduros e competentes.

Entretanto, no Brasil, os estudos sobre a leitura de textos escritos por universitários, no âmbito da psicologia cognitiva, têm-se voltado, em geral, para a investigação da relação entre compreensão textual e desempenho acadêmico de alunos de diferentes áreas do conhecimento (OLIVEIRA; SANTOS; PRIMI, 2003; SAMPAIO; SANTOS, 2002), em situação experimental, desconsiderando os contextos e as práticas de leitura vivenciadas por eles nesse tipo de instituição de ensino.

Oliveira, Santos e Primi (2003), por exemplo, fizeram uma pesquisa em que buscaram verificar se havia relação entre a compreensão em leitura e desempenho acadêmico de estudantes das áreas de ciências exatas, humanas e biológicas. O estudo foi feito com 412 universitários, dos cursos de Matemática, Letras, Psicologia e Odontologia, e os resultados confirmaram uma relação significativa entre os dois aspectos investigados. Diante disso, os autores enfatizaram que muitos alunos chegam ao curso superior sem possuir uma compreensão em leitura adequada e desenvolvida, evidenciando, assim, a necessidade de trabalhar os problemas relacionados à leitura.

Em outro estudo, realizado por Silva e Santos (2004), com 782 estudantes dos cursos de Medicina, Odontologia, Administração, Pedagogia, Psicologia, Letras, Engenharia Civil e Matemática, de uma universidade particular, verificou-se, mais uma vez, que o nível de compreensão em leitura estava aquém do desejável para um estudante universitário. Essas autoras, entretanto, ressaltaram que os estudantes do curso de Letras e Medicina tiveram uma pontuação alta no teste de compreensão Cloze, evidenciando um melhor nível de leitura e/ou um maior interesse por essa atividade.

Em uma perspectiva da análise de discurso francesa, Almeida, Nardi e Bozelli (2009) realizaram um estudo com 16 licenciandos em Física, de duas universidades estaduais de São Paulo, nos contextos das disciplinas Didática e Metodologia e Prática de Ensino de Física. Tinham como objetivo compreender as escritas desses estudantes decorrentes de duas situações: 1. discussão de leitura de texto acadêmico em sala de aula, após leitura prévia; e 2. reflexão sobre o papel do método de observação na construção do conhecimento no âmbito da Física e da pesquisa científica. De modo geral, os autores verificaram uma variedade de interpretações por parte dos estudantes, nas duas situações didáticas, que variaram de acordo com a história e posição social do aluno-participante da pesquisa.

Não foram encontrados, na produção da literatura nacional, estudos que abordam a produção de sentido de leitura em sala de aula, com universitários, sob o enfoque da mediação docente como possibilitadora desse processo. Diante disso, faz-se importante investigar a formação do professor-leitor em cursos de formação superior inicial ou continuada, visualizando as várias situações de letramento disponibilizadas pela universidade, em especial, a sala de aula, tida como um microcontexto de circulação de textos e mediação docente, bem como de possibilidade de contato com um universo simbólico mais amplo.

Assim, são levantadas as seguintes questões:

• Como se configuram as situações de leitura em sala de aula, em contexto universitário, em cursos de formação de professores?

• Qual é o papel da mediação do docente no processo de interlocução entre aluno-leitor/autor?

• Existe negociação entre docente e aluno-leitor acerca dos sentidos produzidos na interlocução com o texto/autor?

• Como a produção de um texto acadêmico relaciona-se com outros textos escritos, acadêmicos ou não, e outras linguagens?

Desse modo, tem-se como objetivo geral investigar as situações de leitura vivenciadas em sala de aula, em contexto universitário, promovidas pelo docente, e como objetivo específico averiguar as estratégias de mediação geradas pelo docente para favorecer a interlocução aluno-leitor/autor. Isso no sentido de contribuir para o debate da formação docente, em especial quanto ao valor da mediação do professor universitário como favorecedora da compreensão de leitura e produção de sentidos pelo aluno-leitor, futuro professor.

 

Método

Participante

Fez parte do estudo um professor do sexo masculino, que será chamado de Paulo, da Universidade Federal de Pernambuco, lotado no Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, do Centro de Educação (CE), que, no momento em que a construção dos dados ocorreu, estava lecionando a disciplina Psicologia da Educação 7, no turno da tarde, para alunos de licenciaturas diversas: Artes Plásticas, Letras, Educação Física, Filosofia, Nutrição, Enfermagem, Matemática e Elemento de Desenho Geométrico. Nessa turma, havia 39 alunos que frequentavam com assiduidade as aulas.

Material e procedimentos de coleta de dados

Primeiramente, realizou-se o convite ao professor que se disponibilizou de forma voluntária a colaborar com o estudo, e, em seguida, a turma foi convidada por meio da apresentação oral do projeto de pesquisa em sala de aula. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Registro CEP/CCS/UFPE nº 314/08), e, seguindo suas orientações, todos os envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram realizadas sete observações, de forma assistemática, caracterizadas pelo não estabelecimento de critérios prévios para os registros das observações (MOURA; FERREIRA, 2005). Essas observações ocorreram duas vezes por semana ou de acordo com as possibilidades do cronograma do componente curricular lecionado pelo professor. Como os estudantes não permitiram o uso da câmera de vídeo, utilizaram-se três MP4 dispostos em lugares estratégicos da sala de aula, bem como papel e caneta para anotações das observações.

Embora não se tenha adotado um roteiro estruturado para as observações, estas privilegiaram as seguintes situações de leitura em sala de aula: 1. estratégias de leitura favorecidas pelo professor; 2. acionamento dos conhecimentos prévios na atividade de leitura; 3. presença da intertextualidade na interpretação textual; e 4. articulação entre as várias formas de linguagem verbal e não verbal. Com o destaque para esses recortes, pretendeu-se ressaltar a produção de sentidos e compreensão textual dos alunos universitários, em sala de aula, por meio da mediação docente.

Os dados foram analisados qualitativamente com base em uma perspectiva da análise de discurso francesa (ORLANDI, 2005, 2006), contemplando as seguintes categorias teóricas de análise: 1. intertextualidade, entendida como relação de sentidos entre textos; 2. implicitude/processo de inferenciação, tomada como a relação entre o não dito e seu desvelamento; 3. negociação de sentidos na tensão entre paráfrase e polissemia; 4. jogo interacional, considerado como a relação de confronto entre interlocutores reais e virtuais, neste caso, a relação entre professor-autor-leitor, professor-autor, aluno-autor, leitor real-leitor virtual. Para tal, foram priorizadas as condições de produção em que ocorreram as leituras, considerando tanto contexto de sala de aula universitária como os interlocutores presentes.

 

Discussão de resultados

Com base na análise do material coletado, verificou-se que o docente Paulo (P1) proporcionava aos seus alunos, em ambiente de sala de aula, a leitura silenciosa dos textos, em pequeno grupo, com posterior apresentação oral do que foi compreendido pelos integrantes de cada um desses grupos. Constatou-se que o docente Paulo (P1) utiliza essas situações de leitura em grupo para oferecer aos alunos a oportunidade de lerem o texto, já que fica visível haver alunos que vão à aula sem a leitura prévia, como esse professor sugere em uma das aulas observadas: "Outro elemento importante é o papel da imitação, eu vou tentar dizer agora... imitação... Por que a imitação é importante? Pra Vygotsky, vocês leram o texto? Não. Vocês leiam o texto!" (Observação 4).

Nesse caso, com a prática de leitura em sala, o professor (P1) favorecia o contato do aluno com o autor do texto, por um lado, e a compreensão leitora via discussão em pequeno e grande grupo, por outro. Afinal, com essa atividade, os alunos eram levados a realizar um resumo, mesmo que mental, das ideias do texto, e podiam levantar possíveis dúvidas sobre o tema estudado dentro do pequeno grupo, com os colegas, bem como por meio da interação com os demais participantes da aula, entre eles, o próprio professor, no momento de apresentação do resumo/esquema à turma, podendo, nessas situações, avaliar a própria compreensão textual (SOLÉ, 1998, p. 118). Com isso, garantia-se a leitura individual e compartilhada do texto e, portanto, a interlocução com o autor, antes das situações de produção de sentidos.

Foi verificado, ainda, que o professor se utilizava, durante as exposições dos alunos, de perguntas/respostas para favorecer a reflexão e a compreensão dos alunos sobre o texto lido em classe. As perguntas realizadas pelo professor (P1) eram tanto de natureza literal como inferencial e possibilitavam, além da reflexão sobre o texto e a leitura, a avaliação da compreensão textual dos alunos por parte do professor (SOLÉ, 1998, p. 156), em um jogo interacional entre interlocutores reais e virtuais.

 

 

Além das perguntas/respostas, o professor Paulo (P1) também se utilizava de conhecimentos do cotidiano, pessoais e de outros componentes curriculares no sentido de favorecer a construção de inferências por parte dos alunos. Nesses momentos, ainda foi verificada a presença da intertextualidade, tanto nas falas do professor como dos estudantes, como um indicador favorável da produção de sentidos em sala de aula.

 

 

Também foi possível verificar o resgate das histórias de leituras realizadas por alguns participantes durante a compreensão dos textos. Nesses resgates, os participantes demonstravam familiaridade com outras formas de linguagem, como a música e o cinema. Isso se deu durante algumas atividades propostas pelos grupos encarregados pela apresentação de um tema por meio do uso de técnicas de grupo. Nesses momentos, ficava visível como as experiências com diversos gêneros textuais e com as várias linguagens verbais e não verbais contribuem para a produção de sentidos de um texto. Dessa forma, alunos e professor, ao utilizarem a intertextualidade e articularem os conhecimentos prévios das várias linguagens num movimento de paráfrase e polissemia (ORLANDI, 1996), significavam sobre o texto.

 

 

Quanto à leitura de um artigo científico utilizado como texto-base para trabalhar o conteúdo proposto pela ementa do componente curricular, o autor do texto, Kesselring (2008), especifica os quatro níveis do desenvolvimento cognitivo descritos por Piaget. Ao descrever cada nível, o autor demonstra os esquemas de comportamento e de pensamento que vão evoluindo à medida que a idade do sujeito avança. Ele também descreve alguns experimentos realizados por Piaget, inclusive aqueles observados a partir da vivência com seus filhos.

Nessa aula, as discussões foram iniciadas a partir das exposições dos alunos. Na continuidade da discussão, verificou-se uma situação de produção de inferência pelo aluno 8 por meio da explicitação por parte do docente de um conceito presente na teoria de Piaget: reações circulares terciárias, como demonstra o exemplo do Quadro 4.

 

 

Nesse exemplo, o aluno 8, ao relatar a produção de sentidos realizada por seu grupo, demonstra a criação de inferência que se dá na comparação entre a bola de neve e os sistemas de miniaturas de Piaget, que são comportamentos inatos e espontâneos realizados pelas crianças e que favorecem a construção de novos esquemas e estruturas cognitivas. A utilização da metáfora "bola de neve" foi a forma encontrada pelo aluno e por seu grupo para significar o conteúdo do texto, mas essa compreensão só foi possível por causa do engajamento dos conhecimentos prévios desse grupo (KLEIMAN, 1997), como o conhecimento do que seja uma bola de neve, a partir da reelaboração do sentido, em geral, atribuído a essa expressão, em interação com os conhecimentos do texto, construindo, assim, uma nova informação por meio de outras anteriormente adquiridas (MARCUSCHI, 2008).

Nas exposições do docente, não se constatou imposição aos alunos de que o sentido possível seria apenas o explicitado no texto. Ou seja, o docente Paulo não considera apenas o dito, mas, a partir dele, colabora com seus alunos ao possibilitar a negociação dos vários sentidos decorrentes das situações de leitura. Desse modo, não é pelo conteúdo textual que concluímos que um objeto simbólico formula sentidos, mas esse conteúdo serve como ilustração de uma compreensão anterior para que se produzam novos significados (ORLANDI, 2005).

Esses momentos de negociação também foram observados quando o aluno 10 discordou do que estava exposto no texto, criticando a opinião do autor ou da teoria. Ele, ao apresentar um dos níveis do desenvolvimento descrito no texto, reproduziu-o para parafraseá-lo. Mas, ao término da apresentação, expôs sua opinião discordando dos métodos utilizados por Piaget para alcançar os resultados do estudo. É o que mostra o exemplo do Quadro 5.

 

 

Essa situação demonstra tanto a oposição do aluno em relação à opinião do autor quanto a flexibilidade do docente ao comentar a produção de sentidos expressa pelo aluno. A discordância do aluno em relação a essa teoria demonstra que ele não apenas interpretou o texto, mas também o compreendeu. Isso porque o intérprete apenas reproduz o que está posto, mas, para compreender, é necessário relacionar-se ao contexto de situação (imediato e histórico) para se posicionar criticamente perante o texto e perceber que pode haver outros sentidos além dos explícitos (ORLANDI, 2005, 2006).

Com essa atitude, o docente demonstra aos alunos a possibilidade de haver mais de um sentido para o texto e assim negocia com o aluno, na mediação com o autor. O professor, durante as discussões em sala de aula, não impõe à turma os sentidos produzidos pelo autor, mas negocia-os para que os alunos signifiquem com base no texto lido, possibilitando que estes realizem leituras previstas, ou seja, aquelas produzidas em condições determinadas pelo contexto sócio-histórico (ORLANDI, 2006).

Na continuidade, verifica-se que outro aluno interage na discussão defendendo a posição do teórico Piaget, enfatizando que, para este realizar o estudo, fizeram-se algumas exceções sobre o público observado e que esse fato não invalidava a teoria, mesmo nos dias atuais, como mostra o exemplo do Quadro 6.

 

 

Esse é um dos momentos em que se observa um desfecho de ideias. Nele verifica-se a opinião do aluno 11 que se opõe à do aluno 10, descrito no Quadro 5. A observação do aluno 11, ao interagir na discussão, possibilita uma nova formulação de sentidos, pois, desde o início, verificam-se várias críticas ao método utilizado por Piaget, tanto por parte dos alunos quanto por parte de alguns relatos do professor. Assim, o aluno 11, apoiado nas informações textuais, como também nas explicações do docente ao defender a validade do estudo de Piaget, realiza a abertura para que os colegas reflitam sobre seus discursos e possam perceber as contribuições desse autor para as ciências. Nesse contexto de oposição de ideias, observa-se a possibilidade para as várias posições por meio da negociação de sentidos entre os participantes da discussão: docente/alunos/ autor. Dessa forma, o surgimento dos sentidos se dá como efeito de uma negociação (MARCUSCHI, 2008).

Outro momento também bem interessante dessa observação e que demonstra haver esforço por parte do professor para que se realizem outras leituras além das previstas ocorreu quando ele, ao fazer perguntas/respostas sobre a capacidade de abstração das crianças nos períodos pré-operacional e operacional concreto, induz o aluno a refletir sobre o exposto no texto, como também fazer relação com a realidade que o cerca.

 

 

Durante as apresentações, verificou-se que muitos dos alunos reafirmaram a ideia exposta pelo autor, realizando assim uma leitura parafrástica do texto proposto, esta caracterizada pela reprodução da ideia do autor (ORLANDI, 2006), mas também houve aqueles que trouxeram exemplos de suas vivências, inferidos por meio do texto. Tais produções de sentidos parecem ter sido influenciadas pelas leituras prévias realizadas pelo leitor, pela interação que há entre os vários sentidos produzidos com base nessas leituras entre os sujeitos presentes (aluno/autor/docente) nesse processo, como também pelos contextos em que foram produzidos os sentidos e pela posição dos sujeitos participantes.

Assim, de acordo com Orlandi (2006), os sentidos não são transmitidos, mas produzidos sócio-historicamente, num processo de relações que ocorrem como efeito da troca de linguagem entre interlocutores, em um contexto que tem história, passado e se dirige para um futuro. Esse processo que conduz à compreensão textual é realizado em diversas direções e com isso possibilita a multiplicidade de sentidos que, inclusive, são afetados pela ideologia na qual seus produtores estão inseridos. Então, à medida que os alunos faziam as exposições da teoria por meio de exemplos do cotidiano ou os criavam momentaneamente na interação entre os seus pares, demonstravam estar em interação com o autor do texto, por meio de uma leitura polissêmica, ou seja, na qual há a possibilidade da variedade de sentidos (ORLANDI, 2006), buscando, assim, a compreensão pela reflexão.

 

Conclusões

Os resultados indicam que o docente Paulo, por meio das propostas didáticas coerentes com o componente curricular lecionado e da mediação nas atividades de leitura, possibilitou o acionamento do conhecimento prévio, da intertextualidade e a articulação das diferentes formas de linguagens, os quais se mostraram indicadores favoráveis de produção de sentidos e da compreensão de leitura do aluno-leitor universitário em sala de aula.

A mediação utilizada pelo professor possibilitou ainda a reflexão sobre o tema discutido e a socialização das conclusões inferidas, em um ambiente gerador de leituras esperadas e possíveis. Isso com base na consideração das histórias de leitura dos alunos e na negociação de pontos de vistas caracterizada pelo movimento de tensão entre paráfrase e polissemia, que garantiram o retorno aos dizeres já ditos para se produzirem novos sentidos (ORLANDI, 2005).

Assim, com base nos resultados deste estudo, entende-se que são necessários conhecimentos específicos sobre leitura para se compreender um texto, como acerca dos gêneros e tipos textuais, conhecimentos da área científica, do mesmo modo que a vivência com múltiplas linguagens, como o cinema, a música e o teatro, sendo a universidade um contexto em que tais conhecimentos podem ser aprofundados.

Dessa forma, diferentemente do estudo de Oliveira, Santos e Primi (2003) que verificou um desempenho aquém do esperado em compreensão em leitura de estudantes universitários, quando se investigou a relação entre compreensão em leitura e desempenho acadêmico desses estudantes, no presente estudo, os alunos participantes apresentaram uma compreensão significativa, considerando-se, em especial, o papel da mediação do professor universitário como um interlocutor na produção de sentidos no texto.

Também, ao contrário dos achados de Silva e Santos (2004), que verificaram um bom desempenho em leitura apenas de alunos de Letras e Medicina com um melhor nível de leitura e/ou um maior interesse por essa atividade, os resultados desta investigação demonstram que a compreensão é um conhecimento que vai sendo formulado por meio de diversos elementos presentes no contexto de sua produção. Por exemplo, as intervenções e sugestões de professor e alunos, em sala de aula, para ampliar a compreensão dos sujeitos envolvidos, ressaltando, assim, as relações entre os sujeitos e as condições de produção de sentidos que geram uma variabilidade de interpretações, como verificado no estudo de Almeida, Nardi e Bozelli (2009).

Quando se pensa na multiplicidade de sentidos que são produzidos pelos estudantes universitários, faz-se necessário continuar a investigar o contexto da sala de aula em curso de formação de professores. Nesse caso, sugerem-se, para um próximo estudo, a verificação e análise das inferências produzidas nesse contexto por meio de gêneros textuais diversificados, considerando o papel dos conhecimentos prévios na criação dessas inferências.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Contato
Sandra Patrícia Ataíde Ferreira
e-mail: tandaa@terra.com.br

Tramitação
Recebido em outubro de 2010
Aceito em fevereiro de 2011