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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.13 no.1 São Paulo  2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estado da arte sobre o Serviço Residencial Terapêutico no Brasil: um panorama exploratório1

 

State of the art of Therapeutic Residential Service in Brazil: an exploratory panorama

 

Estado del arte sobre el Servicio Residencial Terapéutico en Brasil: un panorama exploratorio

 

 

Raquel Terezinha Luiz; Mayumi Nishi Loli; Nancy Kimie Kawanichi; Maria Lucia Boarini

Universidade Estadual de Maringá, Maringá - PR - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo, de caráter exploratório, teve como objetivo o levantamento bibliográfico de estudos publicados sobre o Serviço Residencial Terapêutico (SRT) no Brasil, que se constitui um dos dispositivos da Política Nacional de Atenção à Saúde Mental. Para alcançar esse objetivo, realizaram-se pesquisas na Biblioteca Central da Universidade Estadual de Maringá e sites nacionais que reúnem documentos oficiais e publicações científicas de diversas áreas. Com análise dos resultados alcançados, constatou-se que a Região Sudeste é a que mais possui trabalhos científicos publicados (61,54%); os trabalhos científicos sobre esse dispositivo são, em sua maioria, de autoria de psicólogos (51,28%); a maioria dos trabalhos encontrados corresponde a relatos de experiências, e algumas foram exitosas e outras não. Enfim, as publicações sobre o SRT, dentre outras possibilidades, permitem analisar o funcionamento do dispositivo, conhecer as preocupações existentes, os questionamentos e as respostas que se fazem, bem como os limites desse dispositivo.

Palavras-chave: Reforma psiquiátrica, Saúde pública, Política Nacional de Atenção à Saúde Mental, Serviço Residencial Terapêutico, Publicações.


ABSTRACT

This article, of exploratory character, had the purpose to perform a bibliographical review of studies published on the Therapeutic Residential Service (SRT) in Brazil, which is one of the devices of the National Politics of Attention to Mental Health. To reach this goal, a thorough review at Central Library of the State University of Maringá, and at national websites that gather official documents and scientific publications of several areas, was carried out. With an analysis of obtained results, it was verified that the Southeast Area is the one which possesses the greatest number of published scientific works (61.54%); the scientific works regarding SRTs are in its majority of psychologists' authorship (51.28%); the majority of the studies found are reports of experience, some of them positive, others not. Finally, the publications on SRT, among other possibilities, allow analyzing the operation of the device, getting to know the existent concerns, questions and answers that are addressed, as well as the limits of this device.

Keywords: Psychiatric reform, Public health, National Politics of Attention to Mental Health, Therapeutic Residential Service, Scientific material.


RESUMEN

Este artículo, de caracter exploratorio, tuvo como objetivo el levantamiento bibliográfico de estudios publicados sobre el Servicio Residencial Terapéutico (SRT) en Brasil, que se constituye en uno de los dispositivos de la Política Nacional de Atención a la Salud Mental. Para lograr este objetivo, se realizaron pesquisas en la Biblioteca Central de la Universidad Estadual de Maringá y en páginas de internet nacionales que reunen documentos oficiales y publicaciones científicas de diversas áreas. Con análisis de los resultados logrados, se constató que la Región Sudeste es la que más posee trabajos científicos publicados (61,54%); los trabajos científicos sobre este dispositivo son, en su mayoría, de autoría de psicólogos (51,28%); la mayoría de los trabajos encontrados corresponde a relatos de experiencias, siendo que algunas fueron exitosas y otras no. Al fin, las publicaciones sobre el SRT, dentre otras posibilidades, permiten analisar el funcionamiento del dispositivo, conocer las preocupaciones existentes, los cuestionamientos y las respuestas que se hacen, así como los límites de este dispositivo.

Palabras clave: Reforma psiquiátrica, Salud pública, Política Nacional de Atención a la Salud Mental, Servicio Residencial Terapéutico, Publicaciones científicas.


 

 

Introdução

Durante muito tempo, pessoas com transtorno mental ou o "louco", como antes era denominado, foram vistas como uma possível ameaça e, por essa razão, marginalizadas socialmente. Foi por volta do final do século XVIII e início do XIX que se deu o nascimento da psiquiatria, a qual apontava a loucura como uma enfermidade que devia ser tratada separada da marginalidade, sob os cuidados médicos (CECCARELLI, 2005).

Dando um salto na história, constata-se que, em meados do século XX, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), algumas reformas no atendimento à pessoa com transtorno mental foram realizadas em diferentes países a fim de contribuir para sua recuperação e diminuir os custos (BOARINI, 2006). São exemplos as comunidades terapêuticas na Inglaterra, a psicoterapia institucional na França, a psiquiatria preventiva nos Estados Unidos da América, entre outras (SILVA et al., 2004). Entre essas mudanças, destaca-se a psiquiatria democrática italiana, proposta por Franco Basaglia, psiquiatra italiano, cuja influência é predominante no Brasil desde os anos 1980.

Na perspectiva de Basaglia, o modelo institucionalizante impõe normas, é autoritário e coercitivo, retirando a possibilidade de expressão e de individualidade e, por essa razão, deve ser substituído por uma relação de contrato, em que haja troca com a sociedade, de modo que esta transforme sua maneira de lidar com a loucura (AMARANTE, 1994). Nesse modelo, todavia, o cuidado para com as pessoas com transtornos mentais precisa ser realizado por uma equipe multidisciplinar, que inclua psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, entre outros profissionais. Sendo assim, é necessário estabelecer com o paciente uma relação de cooperação e não de poder, autoritarismo e segregação. Esse modelo de atenção à saúde mental prevê uma rede de atenção psicossocial extra-hospitalar.

Essas ideias de Franco Basaglia levadas avante na Itália estimularam as mudanças na atenção à saúde mental no Brasil. Com essa referência, depois de um longo processo de debates e reivindicações, especialmente por meio das conferências nacionais de saúde mental, tem-se hoje, no Brasil, a Lei Federal nº 10.216/2001, que "dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental" (BRASIL, 2004a, p. 17), assegurando o direito dessas pessoas sem nenhuma forma de discriminação. Determina ainda que o atendimento seja o menos invasivo possível e que a internação apenas ocorra quando dispositivos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (BRASIL, 2004a, p. 17).

Nesse sentido, no Brasil,

[...] a nova política no campo da saúde mental passou a investir em conceitos como cidadania, reconstruções de saberes e práticas e clínica do sujeito. O tratamento ofertado deve levar em consideração não apenas o diagnóstico e a medicalização, mas também uma reabilitação psicossocial desses sujeitos, desde o momento do seu acolhimento até a direção que é dada ao tratamento (FERNANDES; FREITAS, 2009, p. 98).

A atual Política Nacional de Saúde Mental pressupõe a existência de uma rede constituída de diferentes serviços de atenção à saúde mental, tais como o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) em diferentes modalidades, o Serviço Residencial Terapêutico, dentre outros. Todavia, há que se convir que essas mudanças geram inúmeros desafios de ordem teórica e prática. Conhecer esses desafios explicitados por publicações ou documentos oficiais é uma forma de instrumentalizar-se para enfrentá-los.

O presente estudo teve como objetivo geral o levantamento do conhecimento produzido e publicado sobre um dos dispositivos desta rede de atenção à saúde mental: o Serviço Residencial Terapêutico (SRT). E, como objetivo específico, verificar a procedência dos autores das publicações a respeito do SRT e sua formação profissional.

Esta investigação se justifica por considerar que as publicações a respeito dos SRTs permitem conhecer as preocupações, os questionamentos e as respostas que se fazem e, também, os limites desse dispositivo da rede extra-hospitalar de atenção à saúde mental. Antes de expor sobre a pesquisa propriamente dita, serão apresentadas algumas informações sobre esse dispositivo de atenção à saude mental.

O Serviço Residencial Terapêutico se constitui como alternativa de moradia para muitas pessoas que estão internadas há anos em hospitais psiquiátricos e que não têm suporte familiar e social suficientes para sair do hospital e garantir uma moradia. O número de moradores em cada residência é de no máximo oito pessoas, que deverão contar sempre com suporte profissional para atendimento às demandas e necessidades de cada um (BRASIL, 2004b).

O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) foi instituído pela Portaria GM nº 106/2000 e deve atender pacientes "com mais de 1 (um) ano ininterrupto de internação" em hospital psiquiátrico (BRASIL, 2004a, p. 122). Constituem-se em

[...] moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar das pessoas com transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e que viabilizem sua inserção social (BRASIL, 2004a, p. 100).

De acordo com a legislação vigente, a cada transferência de paciente do hospital psiquiátrico para o SRT deve haver redução de igual número de leitos no hospital de origem. Apesar dos avanços no campo jurídico, ainda há muito a se fazer tanto para a manutenção das conquistas como para a expansão das mudanças, uma vez que o transtorno mental ainda é visto como algo que deve ser excluído da sociedade (FURTADO, 2006). Um dos problemas é a falta de informação sobre o dispositivo, visto que, em alguns casos, nem os profissionais da saúde e, mais especificamente, o psicólogo têm conhecimento da possibilidade dos SRTs.

A despeito da efetividade dos SRTs, conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004b), em 2004, havia 256 SRTs em 14 Estados e 45 municípios, totalizando 1.400 moradores, porém estimativas recentes da Coordenação-Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde apontaram a existência de aproximadamente 12 mil pacientes internados em hospitais psiquiátricos que poderiam ser beneficiários dos SRTs.

Essas informações delinearam alguns questionamentos, tais como:

• Que conhecimento vem sendo produzido e publicado em relação aos SRTs?

• Em quais regiões do Brasil se concentram a produção e publicação de estudos acerca dos SRTs?

• Qual a procedência e a formação dos autores desses estudos?

Na busca de respostas a essas questões, desenvolveu-se este estudo, que será relatado a seguir.

 

Método

Este trabalho se caracteriza como uma revisão bibliográfica das produções e publicações acerca do SRT. Neste estudo, utilizaram-se documentos do Ministério da Saúde e artigos produzidos e publicados em periódicos científicos nacionais entre os anos de 2001 e 2009. O período inicial teve como critério a promulgação da Lei Federal nº 10.216 de 2001, e o período final foi determinado por necessidades intrínsecas à própria pesquisa.

A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas. Na primeira, realizaram-se pesquisas na Biblioteca Central da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e nos sites do Ministério da Saúde, de revistas científicas (Revista Emancipação, Ambiente Hospitalar, Revista Vivência, Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo e Revista Eletrônica de Enfermagem), de seis eventos (os quais abarcam trabalhos das áreas de humanas, exatas, biológicas e agrárias) e em periódicos hospedados em três bibliotecas virtuais: Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). A pesquisa foi orientada através da busca por palavras-chave: Serviço Residencial Terapêutico e Residência Terapêutica. Ressalta-se que foram encontrados trabalhos em periódicos de diversas áreas, como psicologia, enfermagem, psiquiatria, arquitetura, terapia ocupacional, entre outros.

Na segunda etapa, foi organizado um catálogo do material pesquisado, o qual contém: título do trabalho; autor; formação do autor; origem do trabalho; periódico do qual este foi retirado; procedência do periódico; ano de publicação do trabalho; breve resumo deste.

 

Resultados e discussão

Com o levantamento realizado e dentro do universo pesquisado, foram reunidos 2 documentos do Ministério da Saúde e 37 trabalhos científicos produzidos e publicados no Brasil entre os anos de 2001 e 2009.

Dentre o material reunido, 2 (5%) são documentos do Ministério da Saúde, 3 (7,5%) dizem respeito a estudos de casos, 3 (7,5%) tratam de pesquisas bibliográficas, 12 (31%) são relatos de experiências e 19 (49%) tratam de análises e reflexões sobre o SRT.

Destacam-se os trabalhos sobre relatos de experiências, e algumas foram exitosas, proporcionando o resgate da cidadania e o aumento da autonomia de seus moradores, e outras não. Segundo Alves, Casais e Santos (2009, p. 109), a diretriz da Residência Terapêutica, ou Serviço Residencial Terapêutico, "é inclusiva, na medida em que acolhe pessoas que não desfrutam de autonomia e não possuem vinculação familiar e de moradia". Dessa forma, o dispositivo em questão tem como objetivo "viabilizar aos indivíduos o resgate da cidadania, proporcionando ferramentas para que eles possam apropriar-se de si mesmos, conquistando sua autonomia" (ALVES; CASAIS; SANTOS, 2009, p. 109).

Belini e Hirdes (2006, p. 563) também destacam que esse dispositivo promove a valorização do sujeito e a reconstrução de sua identidade, aumentando, assim, a autonomia dele e tornando possível sua reinserção social. Entretanto, as autoras ressaltam "que é preciso construir um referencial teórico embasado nas práticas que se efetivam nas residências terapêuticas" (BELINI; HIRDES, 2006, p. 569).

Embora alguns autores apontem os avanços da desinstitucionalização e a importância do SRT no resgate da autonomia e da cidadania, há autores como Oliveira e Conciani (2008) que, ao analisarem a experiência de implantação dos SRTs no Estado de Mato Grosso, afirmam que alguns fatores impossibilitam, nos SRTs de Cuiabá, que estes sejam dispositivos de reintegração social.

As autoras indicam como fatores os interesses financeiros, em primeiro plano, o rodízio de gestores, as redes de atenção à saúde mental inexistentes ou ainda incipientes, a pouca participação social, entre outros. Além disso, Oliveira e Conciani (2008) destacam que o que vem ocorrendo em Cuiabá é que os indivíduos são deslocados dos hospitais psiquiátricos para os SRTs, porém não há uma mudança no paradigma psiquiátrico. Dessa forma, esses dispositivos não contribuem para o resgate da autonomia de seus moradores, uma vez que é oferecido a eles um cuidado controlador, e, muitas vezes, a "padronização" hospitalar é mantida.

Santos Jr., Silveira e Oliveira (2009) investigaram a visão da equipe multiprofissional sobre a experiência de implantação das Residências Terapêuticas no município de Campina Grande-PB. Esses autores ressaltam que, apesar dos avanços da desinstitucionalização, não é possível "dizer que as residências estão ou são a forma ideal de atenção aos sofredores psíquicos, pois ainda são um processo em construção e como tal, faz-se necessário a busca de melhorias", entretanto é possível afirmar que "o caminho é o da desinstitucionalização" (SANTOS JR.; SILVEIRA; OLIVEIRA, 2009, p. 192).

No que tange ao referencial teórico utilizado pelos profissionais nos SRTs, é possível observar divergência. Há autores como Generoso (2008) que utilizam como perspectiva teórica a psicanálise de orientação lacaniana, autores como Lojudice et al. (2003) que utilizam a psicologia social, entre outros. Nesse aspecto, destacam-se Figueiredo e Frare (2008) que destacam a importância da utilização da psicanálise com a equipe de cuidadores. As autoras salientam que o psicanalista deve instruir a equipe para que orientem os moradores em situações cotidianas, auxiliando na reinserção à sociedade, de modo que não se configure a postura tutelar, evidente nos hospitais psiquiátricos.

Na Tabela 1, é possível observar os sites em que esses trabalhos científicos estão hospedados.

 

 

Com base nos dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2010) e nas leituras dos trabalhos coletados nos demais sites citados neste estudo, foi possível observar em quais regiões do território brasileiro estão concentrados os SRTs, os moradores, assim como em quais regiões se concentram a produção e a publicação de trabalhos científicos acerca desse dispositivo.

 

 

Com base na Tabela 2, é possível observar que o número de moradores dos SRTs é proporcional ao número desse dispositivo em cada região do território brasileiro. Também é possível constatar que há maior número de produções de trabalhos científicos acerca dos SRTs nas regiões em que há maior concentração desse dispositivo, o que permite levantar a hipótese de que a procedência dos autores dessas publicações tem relação com o número de SRTs de cada região.

 

 

É importante destacar que, embora a legislação preveja o trabalho da equipe multiprofissional na atenção à saúde mental, a autoria das publicações é, em sua maioria, de profissionais psicólogos. Isso talvez esteja relacionado com a significativa participação desses profissionais no processo da reforma psiquiátrica e com o papel fundamental que possuem no novo modelo de atendimento à pessoa com transtorno mental.

Quanto ao número de leitos psiquiátricos, o Ministério da Saúde aponta que ainda há 35.426 leitos psiquiátricos em 208 hospitais psiquiátricos no Brasil. Na Tabela 4, observa-se a distribuição destes no território brasileiro (BRASIL, 2010).

 

 

Comparando as tabelas 2 e 4, é possível observar que as regiões em que há maior número de SRTs e moradores são, também, as regiões com maior número de hospitais psiquiátricos e leitos psiquiátricos em hospitais públicos. Isso pode justificar o fato de que a expansão da rede extra-hospitalar de atenção à saúde mental tenha se desenvolvido mais nas regiões em que há maior demanda.

Dentre os 35.426 leitos psiquiátricos apresentados na Tabela 4, ainda há, de acordo com estimativas do Ministério da Saúde (BRASIL, 2010, p. 12), aproximadamente 10.7222 pacientes de longa permanência nos hospitais psiquiátricos, ou seja, pessoas vivendo como moradores dos hospitais psiquiátricos. Considerando a legislação em saúde mental (BRASIL, 2004a, p. 7), a qual prevê "um modelo de atenção diversificada, de base territorial comunitária" para pessoas com transtornos mentais, é possível afirmar que manter moradores nos hospitais psiquiátricos é dissonante do atual modelo de atenção à saúde mental previsto por essa legislação.

Caso esses moradores dos hospitais psiquiátricos fossem remanejados para os SRTs, seriam necessários, aproximadamente, 1.341 SRTs para atendê-los, já que cada SRT tem capacidade para até oito pessoas. Isso indica a necessidade de expansão desse dispositivo, assim como da rede extra-hospitalar de atenção à saúde mental, o que permitiria a consolidação do abandono do modelo hospitalocêntrico. Além disso, constata-se discrepância do número de SRT entre as regiões brasileiras: na Região Sudeste, encontra-se a maioria desses dispositivos, enquanto, na Região Norte, não há dispositivo algum.

 

Considerações finais

As pesquisas que resultaram neste artigo não foram exaustivas. A pesquisa foi limitada a alguns sites da internet e, pessoalmente, só foi consultada a Biblioteca Central da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Então, não é possível generalizar esses resultados, porém este estudo já fornece indícios do que está sendo produzido. E nesse sentido, é possível afirmar que ainda há carência de literatura sobre o SRT, justificada, talvez, pelo fato de que a atenção psicossocial em rede comunitária, da qual esse dispositivo faz parte, ainda é um campo em construção.

Quanto à formação profissional dos autores dessas publicações, é importante observar que estes são, em sua maioria, profissionais psicólogos. Esse é um dado a destacar, porque a legislação e os documentos oficiais apontam para a necessidade do trabalho da equipe interdisciplinar na atenção à saúde mental. Esse fato suscita algumas questões, tais como a falta de interesse da equipe em produzir reflexões sobre a temática ou sobre a sua própria experiência ou, talvez, esteja-se diante de um quadro de inexistência de um trabalho em equipe. Com relação aos trabalhos científicos coletados, a maioria faz análises e reflexões acerca do SRT. Há ainda trabalhos que relatam as experiências com esse dispositivo, sendo um importante meio de transmitir as experiências já realizadas e os possíveis benefícios para o bem-estar e a qualidade de vida do indivíduo com transtorno mental. Quanto aos relatos de experiência, observaram-se experiências exitosas, o que indica que os SRTs contribuem para que a pessoa com transtorno mental recupere sua liberdade no que tange ao ir e vir, sua independência em relação às atividades diárias e a possibilidade de viver em comunidade.

O estudo permite constatar a necessidade de maior número de publicações sobre a rede extra-hospitalar de atenção à saúde mental para que ela, na sua implementação, seja conhecida pelos pesquisadores. Só a efetivação do novo modelo de atenção à saúde mental proporcionará a pessoas com transtornos mentais a oportunidade de atendimento e acompanhamento em sua comunidade que, por sua vez, permitirá a consolidação do abandono do modelo hospitalocêntrico.

 

Referências

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Endereço para correspondência

Contato
Raquel Terezinha Luiz
e-mail: raqueltluiz@hotmail.com

Tramitação
Recebido em outubro de 2010
Aceito em março de 2011

 

 

1 Este estudo é resultado de pesquisas desenvolvidas e inscritas no Programa de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Maringá com Apoio PIBIC/CNPq.
2Esse número foi calculado com base na afirmação do Ministério da Saúde de que o número de 3.574 usuários, referente aos beneficiários do Programa de Volta para Casa, corresponde a um terço do número estimado de pacientes de longa permanência nos hospitais psiquiátricos (BRASIL, 2010, p. 12).