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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.13 no.2 São Paulo Aug. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Adolescência em revistas: um estudo sobre representações sociais

 

Adolescence in magazines: a study on social representations

 

La adolescencia en revistas: un estudio acerca de las representaciones sociales

 

 

Maria de Fátima de Souza Santos; Manoel de Lima Acioli Neto; Yuri Sá de Oliveira Souza

Universidade Federal de Pernambuco, Recife – PE – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esse estudo tem como objetivo analisar as representações sociais sobre a adolescência veiculadas por revistas direcionadas a pais e jovens. Foram analisadas quatro revistas, sendo duas voltadas para o público adolescente e duas para os pais. Os dados foram analisados através do software Alceste, permitindo obter uma visualização tópica dos discursos em quatro classes. A classe 1 remeteu aos conflitos dos pais no momento de educar seus filhos. A classe 2 abordou problemas supostamente naturais da adolescência. A classe 3 indicou a preocupação com o futuro profissional. A classe 4 abordou o discurso dos jovens sobre o seu contexto cotidiano. Os resultados apontam diferenças nas concepções de adolescentes. As revistas destinadas aos pais consideram a adolescência como uma fase naturalmente conturbada, enquanto as revistas voltadas para os adolescentes destacam as relações afetivas e sexuais dos adolescentes. Os resultados possibilitam inferir processos sociais de reforço e manutenção de certa concepção de família, ao mesmo tempo que mantêm a positividade das identidades grupais.

Palavras-chave: adolescência; representação social; meios de comunicação impressos; revistas; relações familiares.


ABSTRACT

The aim of this study is to analyze the social representations on adolescence promoted by magazines whose public consists of parents and young people. Four magazines were analyzed, two aimed at adolescents and two aimed at parents. Data analysis was carried out through the software Alceste, which allows a topical view of the speeches in four classes. Class 1 referred to the parents' conflicts to educate their children. Class 2 addressed problems supposedly natural to adolescence. Class 3 indicated concerns about the professional future. Class 4 discussed the speech of young people on their everyday context. The results indicate differences in the conceptions on adolescence. The magazines aimed at parents consider adolescence as a troubled period of life, whilst the magazines aimed at adolescents highlight their emotional and sexual relationships. The results allow inferring the social processes of strengthening and maintenance of a certain conception of family, as they maintain the positivity of group identities.

Keywords: adolescence; social representation; printed communication media; magazines; family relations.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo analizar las representaciones sociales sobre la adolescencia vehiculadas por revistas dirigidas a padres y jóvenes. Han sido analizadas cuatro revistas: dos para el público adolescente y dos para padres. El análisis ha sido hecho a través del software Alceste, que permite obtener una visualización tópica de los discursos en cuatro clases. La clase 1 ha remitido a los conflictos de los padres para educar sus hijos. La clase 2 ha señalado problemas supuestamente naturales de la adolescencia. La clase 3 ha indicado la preocupación con el futuro profesional. La clase 4 ha abordado el discurso de los jóvenes sobre su contexto cotidiano. Los resultados señalan diferencias en las concepciones de la adolescencia. Las revistas dirigidas a los padres consideran la adolescencia como una etapa con problemas, mientras que las revistas dirigidas a los adolescentes ponen de relieve sus relaciones emocionales y sexuales. Los resultados permiten inferir procesos sociales de fortalecimiento y mantenimiento de una cierta concepción de la familia, al mismo tiempo que mantienen la positividad de las identidades grupales.

Palabras clave: adolescencia; representación social; medios de comunicación impresa; revistas; relaciones familiares.


 

 

Introdução

Os canais midiáticos têm veiculado, com muita frequência, informações sobre a adolescência, associando-a a fenômenos sociais "problemáticos", como quadros de violência, envolvimento com substâncias psicoativas, doenças sexualmente transmissíveis, entre outros. Esses discursos possuem uma característica em comum: associam o jovem a um conjunto de problemas, que se configura por meio de "rótulos" e atribuições de comportamentos supostamente típicos de uma faixa etária.

No senso comum, a adolescência é concebida como uma fase intermediária para a adultez. Além disso, ela é associada à violência, ao uso de drogas, à instabilidade emocional, entre outros problemas. Segundo Almeida, Cunha e Santos (2004), as representações sociais de infância ou de adolescência não se separam das representações de ser humano, nem dos valores e das normas de uma sociedade. Assim, as teorias criadas pelo senso comum abordam a adolescência como um processo do desenvolvimento que ocorre em etapas, nas quais surgem conjuntos de características específicas de cada uma e conjuntos de significação que viabilizam determinados comportamentos em relação a tais grupos. Dito de outra forma, o modo como um objeto é pensado modifica a maneira de agir sobre ele (SANTOS; ALÉSSIO; ALBUQUERQUE, 2007).

Essa abordagem encontra respaldo em teorias psicológicas que defendem a ideia da adolescência como uma fase natural do desenvolvimento, com características definidas e universais (ERICKSON, 1968; ABERASTURY; KNOBEL, 1991). Almeida, Cunha e Santos (2004), contudo, chamam a atenção para o fato de que frequentemente se observa uma caracterização biológica para o início da adolescência, mas seu fim é marcado por questões sociais, como independência e reconhecimento cultural. Nesse sentido, Minayo e Coimbra Jr. (2002) afirmam que, apesar de compartilharem uma mesma base biológica, as várias etapas do desenvolvimento são categorias marcadas culturalmente. É, portanto, necessário compreender o processo constitutivo da adolescência como implicado nas trocas simbólicas, nas significações atribuídas pelos sujeitos e não somente a partir de marcações biológicas da puberdade. Dessa forma, a adolescência é aqui entendida como uma construção social que repercute na subjetividade e no desenvolvimento do homem (BOCK, 2004).

Assim, na medida em que o Outro atribui significados a determinada condição do desenvolvimento, o sujeito vai se apropriando e reelaborando tais significações para a constituição da sua identidade (SANTOS; ALÉSSIO; ALBUQUERQUE, 2007). Além disso, na medida em que se esperam determinadas características, condutas e formas de expressão, as pessoas agem com tais grupos de forma relacionada a esses significados. Esse quadro remete às representações sociais que estão sendo compartilhadas a respeito da adolescência e que circulam na sociedade atual.

Os canais midiáticos são uma importante, mas não exclusiva, forma de interação comunicativa que possibilita uma análise de representações construídas em grupos sociais distintos. Nesse contexto, considera-se o papel da comunicação condição e possibilidade de construção dessas representações. É por meio da comunicação que as representações são construídas, visto que é nas trocas sociais que os sentidos são negociados e compartilhados. Assim, a comunicação não é apenas uma forma de reprodução das representações, mas também possibilita a emergência de fenômenos de construção coletiva, de interpretação da realidade, havendo também, nesses processos, intensa participação da ciência como produtora de fatos, como ressalta Knorr-Cetina (1981 apud JODELET, 2001). O papel da mídia na construção de representações sociais tem sido destacado por diferentes autores (MOSCOVICI, 1961; JODELET, 2001; ALLAIN; CAMARGO, 2007; HERZLICH; PIERRET, 2005; ALÉSSIO; APOSTOLIDIS; SANTOS, 2008; SANTOS; ALÉSSIO; SILVA, 2009).

Adorno (1995) ressalta que as informações transmitidas pela mídia envolvem uma relação entre espectador e emissor, na qual as motivações para que se escolha a temática estão relacionadas com aquilo que é esperado pelo público. "A imprensa não cria essa dramatização por sua livre e espontânea vontade. Ela é a expressão de profundos sentimentos populares [...]" (ADORNO, 1995, p. 188). Assim, a comunicação em massa atua não só como construtora de novas representações, mas também reproduz, em parte, ideias advindas do meio social, participando na construção de novas representações e difundindo no espaço público conhecimentos muitas vezes produzidos no âmbito da ciência. Nessa perspectiva, buscou-se responder às seguintes questões: "Qual seria a representação social de adolescência veiculada na imprensa?" e "Haveria diferenças em função do público ao qual é dirigido?". A partir dessas questões, buscou-se investigar as representações sociais sobre a adolescência produzidas em revistas voltadas para pais e adolescentes.

A escolha da adolescência como objeto de estudo se justifica pela sua relevância social, na medida em que esse conceito constantemente se implica tanto no cotidiano como nos discursos científicos. As representações sociais de adolescência não só atribuem sentido aos processos de desenvolvimento humano, mas também exercem grande influência em sua construção. Dessa forma, na medida em que a adolescência é uma noção construída social e historicamente, podemos pensar nos discursos e nas práticas ligados a ela como igualmente mutáveis e construídos nas relações sociais.

 

Método

Analisaram-se quatro revistas de ampla veiculação, duas das quais voltadas para o público adolescente (Capricho, publicada pela Editora Abril, e Atrevida, publicada pela Editora Escala) e duas direcionadas para os pais (Cláudia e Ana Maria, ambas publicadas pela Editora Abril). As matérias foram selecionadas em revistas convencionais ou em seu formato eletrônico, por um período de seis meses (de julho a dezembro de 2007), a partir das palavras-chave: adolescência, adolescências, jovem, jovens. Foram obtidas 93 matérias que compuseram o corpus final de análise.

A análise do material coletado nas revistas foi realizada com auxílio do software Alceste, versão 4.9, permitindo uma análise do conteúdo dos textos por meio de técnicas quantitativas de tratamento (MARQUES; TYRRELL; OLIVEIRA, 2009; TORRES; CAMARGO, 2008). O Alceste analisa a co-ocorrência das palavras nos segmentos de texto, organizando e dividindo em classes o conteúdo a partir de correlações estatísticas por meio do teste de qui-quadrado (Ch2). Com base nesse teste, o programa realiza uma classificação hierárquica descendente (CHD) que é apresentada na forma de uma árvore denominada dendrograma, indicando os eixos dos discursos, as classes lexicais e suas oposições. As classes são apresentadas com as palavras que as compõem e seus respectivos qui-quadrados (Ch2). Esse tipo de tratamento nos permite identificar discursos distintos a respeito do objeto, bem como analisar as inter-relações entre eles. A partir desse dendrograma, podemos fazer relações entre as classes e identificar semelhanças e diferenças nos seus conteúdos. O programa apresenta ainda os trechos de discursos em que as palavras classificadas foram ditas, possibilitando ao pesquisador compreender o contexto do discurso.

 

Resultados e discussão

O dendrograma indica a existência de quatro classes de discursos, divididas em dois grandes eixos (Figura 1). Observa-se que a classe 4 se encontra mais distanciada das outras (Figura 1), constituindo um grande eixo temático. Compondo outro grande eixo, situam-se as classes 1, 2 e 3. É importante ressaltar que mesmo nesse eixo ainda há outra divisão, demonstrando uma maior proximidade dos discursos entre as classes 1 e 2.

 

 

Classe 1: "A crise dos pais"

Essa classe reúne os discursos sobre os problemas enfrentados pelos pais ao lidarem com a adolescência dos filhos. Palavras como lidar, violência, dor, educar, sexualidade, psicoterapeuta, ajuda e psicólogos denotam as dificuldades encontradas por eles e a necessidade de apoio e ajuda que pode ser encontrada na figura do psicoterapeuta ou do psicólogo. A classe 1 traz os discursos típicos da revista Cláudia. As matérias analisadas destacam a insegurança dos pais diante dos problemas supostamente típicos dos adolescentes e as formas possíveis de ajuda nesse processo. De acordo com essas matérias, por ser uma fase repleta de angústias, em razão das mudanças físicas ou do ingresso em um "universo de responsabilidades", o jovem necessita de orientação, seja dos pais ou da escola. Isso pode ser demonstrado com estes trechos:

Nove crise dos pais e suas soluções. Descubra como agir nos momentos difíceis da educação, sem desesperar e perder a cabeça! Os filhos enchem a vida dos pais de alegria, mas junto vem a responsabilidade de educar e ensinar o que é certo ou errado (Sujeito 68, revista Ana Maria).

A perplexidade dos pais diante das transformações dos filhos e sua impotência para impedir o afastamento deles colaboram para tornar difícil esse momento (Sujeito 36, revista Cláudia).

O discurso produzido pelas revistas, a respeito das relações familiares, salienta a ideia de crise e de impotência dos pais diante dos problemas da adolescência. Rosa (2004) descreve que, por tratar-se de uma produção social, a família se configura como uma instituição de controle da vida cotidiana com grande poder na sociedade contemporânea. Ela existe pelo fato de atuar na legitimação de interesses sociais, sustentando a organização social articulada com os "princípios do bem comum". Entretanto, os pais estão aqui sendo referidos como "incompetentes" no momento de educar seus filhos.

Assim sendo, os discursos encontrados nessa classe colocam em questão a relação de autoridade e capacidade da família de resolver os problemas de seus adolescentes. A partir do momento em que os pais se deparam com a dificuldade de garantir aquilo que supõem ser o seu papel – que os valores que consideram corretos sejam apreendidos pelos seus filhos –, a família é inserida em um quadro de "crise". A sua realidade está, segundo as revistas, sendo questionada. Além disso, é importante salientar que as ideias que os pais têm dos problemas que ocorrem na adolescência, ou a própria ideia de uma adolescência-problema, podem contribuir para a configuração dessa suposta "crise".

Um ponto importante a ser destacado nessa classe é a presença dos termos "psicólogo" e "psicoterapeuta". Observa-se, nos discursos das revistas, a psicologia atuando na direção de questionar a função da família como autoridade na condução da educação e socialização. De acordo com Menandro, Trindade e Almeida (2003), se, por um lado, as profissões assistenciais e de saúde destituem a família do controle social na educação, por outro, o discurso profissional não poupa as prescrições de comportamentos "corretos" a serem desempenhados. A psicologia aparece, portanto, como a legitimação do discurso da "incompetência" dos pais, assim como parece apontar alternativas de controle social pautadas numa suposta racionalidade científica.

Dessa forma, é interessante observar que a discussão sobre a adolescência é, nessa classe, situada em torno de um quadro marcado por problemas, em que se ressalta a imaturidade atribuída como inerente à adolescência como etapa natural do desenvolvimento. No entanto, se o adolescer é naturalmente conflituoso, há, ainda, a acusação dos pais como responsáveis por falhar na assistência dada ao jovem. Nesse sentido, observa-se que a classe abordada parece ignorar o papel do jovem no seu processo constitutivo, relacionando as "falhas" educativas do processo a uma "família desestruturada".

Classe 2: "Os problemas da adolescência na concepção dos pais"

A classe 2, que possui um discurso característico da revista Ana Maria, aponta para os chamados "problemas da adolescência". Ela reúne palavras como drogas, álcool, fumar, gravidez, sexualidade, bebidas, limites, relação e métodos contraceptivos, que remetem a problemas enfrentados pelos pais em sua relação com os adolescentes.

O jovem aparece sempre como aquele que não tem responsabilidade ou autonomia para decidir quais atos são maléficos para a sua vida. Assim, a imprensa remete a uma ajuda profissional, da qual os pais devem lançar mão para que se capacitem a auxiliar o jovem em seu futuro. Um ponto importante a ser observado é a distinção dos problemas em função do gênero: por exemplo, as matérias relacionam preocupações que os pais têm da filha com os métodos contraceptivos, enquanto as destinadas ao filho remetem às drogas. Os trechos abaixo demonstram essa caracterização:

Ela ainda é muito jovem, portanto fale com sua filha sobre relação sexual, leve-a a um ginecologista e a informe sobre contraceptivos e doenças sexualmente transmissíveis (Sujeito 83, revista Ana Maria).

Observe como ele regressa de um programa com os amigos: se chega bem, se cumpre os horários estipulados, se está com aparência de quem bebeu [...] (Sujeito 72, revista Ana Maria).

Nesse sentido, a problematização da adolescência se encontra articulada com os valores produzidos pela instituição social da família. A imprensa parece, aqui, legitimar expectativas tradicionais de feminilidade e masculinidade, prescrevendo soluções para problemas discriminados em função de gênero. Além disso, enquanto ressalta o estereótipo do jovem como aquele que possui uma série de problemas "típicos" dessa "fase", as revistas constroem uma representação que parece articular-se, de fato, com ideias que circulam nos discursos e nas práticas sociais. Tais concepções remetem, portanto, a uma naturalização da adolescência e do adolescente como sujeito-problema.

Os discursos transmitidos e aqui analisados salientam um conjunto de informações veiculadas por revistas sobre os adolescentes para grupos distintos em função de expectativas igualmente diferentes. A imprensa destaca a adolescência como uma fase tumultuada, na qual os jovens são concebidos como irresponsáveis, inconsequentes, rebeldes, que necessitam do controle dos pais. Esse controle deve ser exercido por meio de observação, vigilância, relação de confiança e diálogo.

É interessante observar as diferenças de problemas em função do gênero, caracterizando os problemas femininos como aqueles referentes ao uso de métodos anticoncepcionais, o cuidado nas formas de relacionamento, mas nunca fazendo referência ao uso de bebidas ou outras drogas, que aparecem como problemas masculinos. Para os adolescentes do sexo masculino, os problemas remetem ao consumo de álcool, de drogas ou ao tabagismo. A gravidez ou os problemas de doenças sexualmente transmissíveis são responsabilidades femininas. Nessa perspectiva, essa classe se caracteriza também por um discurso de distinção entre os comportamentos de homens e mulheres, legitimando diferentes preocupações sociais com os jovens. À mulher cabe o controle da sexualidade, ao homem, o controle da "razão".

As classes 1 e 2 apresentam similaridades no que se refere à concepção de adolescência marcada por problemas típicos e naturais. No entanto, como assinalado, na classe 1 há uma "acusação" aos pais por uma incapacidade de lidar com o jovem. Por sua vez, a classe 2 apresenta uma acusação aos jovens como problemáticos, e as dificuldades encontradas nas relações familiares são legitimadas por esse discurso, sugerindo uma perplexidade dos pais ante um quadro inevitável e passageiro.

Classe 3: "O futuro profissional"

Nessa classe, as revistas abordam a questão do futuro profissional e consideram principalmente determinadas profissões "promissoras", constituindo uma tendência de oportunidades do mercado de trabalho (marketing, estilista, desenho). Além disso, são encontradas várias informações sobre como se tornar mais capacitado para enfrentar as dificuldades da saturação profissional. As opções estão voltadas para o campo da moda, em profissões como estilista ou produtor de moda. Outro elemento presente nessa classe é a indicação de caminhos a serem seguidos para alcançar o sucesso profissional, tais como intercâmbio ou estágio em empresas com a característica de oferecer "mais que a remuneração". Isso pode ser observado nestes trechos:

[...] ser muito criativa para trazer cada vez mais idéias para seu cliente. Conselho do profissional: busque estágio ou trabalho em empresas que lhe ofereçam mais que remuneração, que lhe ofereçam oportunidade de crescimento e conhecimento profissional (Sujeito 46, revista Capricho).

[...] a indústria da moda emprega mais de 1,5 milhão de pessoas. Somos o quarto maior produtor do mundo em peças de roupa [...] (Sujeito 46, revista Capricho).

Essa classe destaca certas profissões de glamour, direcionando as escolhas para caminhos que estão sendo reconhecidos pela sociedade, com maior "valor social". Oliveira et al. (2005) demonstram que as representações sociais dos adolescentes com relação ao trabalho se voltam para concepções que o valorizam em função de seus aspectos positivos e negativos. O dinheiro é contraposto à satisfação pessoal, em função do grupo de jovens analisado. Assim, para os jovens que trabalham no período diurno, as ideias circularam em torno da recompensa pecuniária e da inserção em atividades que não sejam cansativas, enquanto, para os que trabalham no período noturno, essa ideia se relacionou com funções envolvidas com o desenvolvimento humano e a aprovação pessoal. Em ambos os grupos, entretanto, a preocupação com o futuro surgiu como elemento central. Dessa forma, a classe apresenta aspectos relacionados a esses dois polos de significação acerca do trabalho, apontando tanto tendências econômicas como de valorização social nos processos de escolha profissional dos adolescentes.

Além disso, é importante ressaltar que essa classe aborda discursos que não são característicos de nenhuma revista específica, sugerindo um compartilhamento de ideias que não se esgotam nem em revistas voltadas para os pais, nem naquelas voltadas para adolescentes. Compondo o primeiro grande eixo temático, as classes 1, 2 e 3 apresentam algumas características de discurso que podem indicar esse agrupamento. Assim, nessas três primeiras classes, os discursos são predominantemente ditados pelo adulto, como aquele que "fala", enquanto o jovem é "falado". Enquanto as duas primeiras classes relacionam a adolescência a problemas específicos dessa fase, tomados como universais, a classe 3 aborda questões do futuro profissional dos jovens. A adolescência é frequentemente atrelada à falta de responsabilidade ou de perspectiva de futuro, no entanto o fato de esta última classe também abarcar discursos das revistas para adolescentes parece indicar que o futuro é, de fato, uma preocupação bastante presente no contexto dos jovens ou no discurso dos adultos em relação aos jovens.

Classe 4: "O discurso dos jovens"

Se as classes 1, 2 e 3 apresentam um conteúdo característico do adulto que fala do jovem, a classe 4 aborda o próprio discurso do adolescente. Nesse sentido, pode-se dizer que, aqui, o jovem é mais falante do que falado. Assim, os conteúdos apresentam trechos extraídos de entrevistas com pessoas dessa faixa etária, sendo característicos os discursos das revistas Capricho e Atrevida. Nos relatos mais comuns, há questões de orientação sexual, traição e relacionamentos de uma maneira geral. Os discursos dessa classe remetem a modos de lidar com tais situações que não se apresentam como um problema. Cabe uma observação quanto à distinção de gênero relacionada aos modelos de relacionamento entre homens e mulheres adolescentes: para a adolescente, "ficar" com vários homens é um comportamento de "galinha"; para o adolescente, é uma questão de virilidade, ele passa a ser o "pegador". O jovem do sexo masculino, descrito nessa classe, é extremamente "liberal" em sua caracterização de atividades e modos de relacionamento, apesar de ser contrastado com um posicionamento conservador em relação à forma como as mulheres (adolescentes) se relacionam. Os trechos abaixo demonstram isso:

Pelo que sei nunca fiquei com uma galinha, mas se um dia rolar é só porque ela é muito gata, vou levá-la para casa e não vai ter dia seguinte (Sujeito 48 masculino, revista Capricho).

[...] a pior galinha é aquela que sai com o namorado e fica olhando para os outros na balada [...] (Sujeito 48, masculino, revista Capricho).

A gente olha mesmo. Eu não conhecia meninos que se beijavam quando entrei na comunidade do Orkut pela primeira vez [...] (Sujeito 51, feminino, revista Capricho).

Aparentemente, essa classe aborda o jovem como sendo extremamente liberal, disposto a lidar com as situações da vida "moderna", assim como aberto a novas experiências com relação às configurações sexuais estereotipadas pela sociedade. A homossexualidade é encarada sem mistérios, apenas com curiosidade. Os jovens do sexo masculino, contudo, encaram a situação de um modo mais conservador. Fala-se em sexualidade abertamente, mas, para as meninas, existem limites maiores do que para os meninos, incluindo fidelidade, que é reforçada para o sexo feminino.

 

Considerações finais

A análise das matérias publicadas nas duas revistas (Capricho e Atrevida) voltadas para os jovens permite afirmar que as representações sociais de adolescência que circulam se distinguem claramente daquelas concepções presentes nas revistas voltadas para os pais sobre o adolescente e suas problemáticas. As revistas fazem circular representações diversas da adolescência, de acordo com o público-alvo.

Os discursos voltados aos pais relatam que a educação dos filhos é uma tarefa de extrema dificuldade, caracterizando essa relação como um estado de crise, em razão dos impasses das mudanças do mundo moderno. Nesse sentido, há uma tendência ao reforço dos valores tradicionais da família (nuclear burguesa) brasileira. Ao colocarem a educação como uma tarefa difícil, as matérias podem reforçar a importância da tarefa para os pais, minimizando as dificuldades que eles possam sentir. O jovem seria "naturalmente" problemático, e a dificuldade (ou incapacidade) dos pais de lidar com os filhos, portanto, seria compreensível.

Com relação às revistas voltadas para adolescentes, os discursos não se situam na lógica de uma adolescência marcada por problemas. Entretanto, apontam alguns aspectos que podem, de alguma forma, ser considerados relevantes para o contexto de determinados jovens. Nesse sentido, a mudança de foco de uma "fase conturbada" para uma preocupação com questões de socialização, amizade, namoro, entre outros, demonstra como o conteúdo das representações sociais são construídos em função dos diferentes grupos sociais. É interessante ressaltar que não se observou uma distinção muito clara com relação aos discursos produzidos pelas revistas Atrevida e Capricho.

Em contrapartida, os discursos das revistas Cláudia e Ana Maria diferem em relação ao conteúdo e à forma de lidar com os "problemas" da educação dos filhos. Enquanto a revista Cláudia remete os pais a um status de "incompetentes" para educar os filhos, sendo necessário recorrer à ajuda de um profissional, o psicólogo, a revista Ana Maria coloca o jovem como aquele que não possui responsabilidade e faz uma distinção nítida de gênero, com relação aos "problemas da adolescência".

Os resultados possibilitam inferir processos sociais de reforço e manutenção de certa concepção de família, ao mesmo tempo que mantêm a positividade das identidades grupais, na medida em que as revistas colocam o problema no outro grupo (para a revista de pais, o problema é o adolescente; para a de adolescentes, o problema é a incompreensão da família). Nesse sentido, deve-se atentar para a presença de discursos que evidenciam um conflito entre grupos ao mesmo tempo que sustentam processos de coesão grupal (intragrupo). Essas concepções atuam de modo a orientar condutas e práticas desses grupos. Os conteúdos de representações diferentes, compartilhadas por grupos distintos, atuam, portanto, a serviço da manutenção da identidade grupal. Por consequência, atribuir problemas e responsabilidades a pais ou adolescentes pode remeter a uma construção diferenciada e normativa de papéis. Além disso, como forma de conhecimento que orienta práticas sociais, essas representações terminam por prescrever formas de interações intergrupais (adolescentes e adultos) e intragrupais que muitas vezes sustentam relações conflituosas, referenciando como problemáticos comportamentos, representações e práticas sociais entre esses grupos.

Por fim, cumpre ressaltar o papel da comunicação como processo constitutivo das representações sociais. A comunicação midiática possibilita a construção e emergência de fenômenos de interpretação da realidade e de práticas sociais diferenciados, na medida em que ela é produzida (e consumida) por e para grupos específicos. Compreende-se o interlocutor dos meios de comunicação em massa como sujeitos ativos. Como uma primeira implicação dessa afirmativa, ressalta-se que o que é veiculado não é apropriado passivamente pelos sujeitos. As pessoas selecionam e consomem produções midiáticas que, de alguma forma, reforçam representações sociais já compartilhadas. Assim, pode-se dizer que a comunicação em massa é produto e produtora de representações sociais, constituindo um importante campo de estudos para a compreensão de fenômenos sociais.

 

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Endereço para correspondência
Contato
Maria de Fátima de Souza Santos
e-mail: mfsantos@ufpe.br

Tramitação
Recebido em agosto de 2010
Aceito em abril de 2011

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