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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.14 no.1 São Paulo Apr. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da qualidade de um serviço de saúde mental na perspectiva do trabalhador: satisfação, sobrecarga e condições de trabalho dos profissionais

 

Evaluation of a mental health service quality in the perspective of their professionals: satisfaction, burden and work conditions

 

Evaluación de la Calidad de un Servicio de Salud Mental en la Perspectiva del Trabajador: Satisfacción, Sobrecarga Condiciones de Trabajo

 

 

Rosângela Maria de Almeida Camarano Leal; Marina Bittencout Bandeira; Kennya Rodrigues Nézio Azevedo

Universidade Federal de São João del-Rei, São João del Rei – MG – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo avaliar os indicadores de satisfação e sobrecarga dos profissionais de um serviço de saúde mental e fazer um estudo qualitativo de observação das suas condições de trabalho. Participaram desta pesquisa 15 profissionais com idade entre 21 e 68 anos, sendo 54,3% mulheres e 46,7% homens. Os níveis de sobrecarga e satisfação foram avaliados pelas escalas Impacto-BR e Satis-BR. Para avaliar as condições de trabalho, realizaram-se observações diretas das atividades dos profissionais e entrevistas de autoconfrontação. Observou-se um nível mediano de satisfação dos profissionais com o serviço (3,86). O escore global de sobrecarga foi baixo (1,60), maior na dimensão das repercussões emocionais do trabalho e menor na dimensão do impacto na saúde física e mental. O estudo qualitativo evidenciou dificuldades na organização e condições de trabalho. Este estudo destaca a necessidade de aumentar investimentos destinados aos serviços de saúde mental.

Palavras-chave: profissionais; serviços de saúde mental; sobrecarga; satisfação; trabalho.


ABSTRACT

This research aimed to evaluate the satisfaction and burden levels of the professional team working in a mental health service and to make a qualitative observation study of their working conditions. Data were collected from a sample of 15 workers, 54.3% female and 46.7% men, with a range age from 21 to 68 years old. Satisfaction and burden were evaluated by the application of the Satis-BR and Impacto-BR scales. Observation of the professional activities and interviews were made to evaluate their work conditions. Satisfaction with service was moderate (3.86). Burden level was low (1.60), being higher in regard to the emotional impact of work and lower concerning the consequences in their health. The qualitative study showed several difficulties in the organization and work conditions. This study showed the need to increase the investments in mental health services, regarding physical and human resources.

Keywords: professionals; mental health services; burden; satisfaction; work.


RESUMEN

Esta pesquisa tuvo como objetivo evaluar los indicadores de satisfacción y sobrecarga de los profesionales de un servicio de salud mental y hacer un estudio cualitativo de observación de sus condiciones de trabajo. Participaron de esta pesquisa 15 profesionales con edad entre 21 y 68 años, siendo 54,3% mujeres y 46,7% hombres. Los niveles de sobrecarga y satisfacción fueron evaluados por las escalas Impacto-BR y la Satis-BR. Para evaluar las condiciones de trabajo, fueron realizadas observaciones directas de las actividades de los profesionales y encuestas de auto-confrontación. Se observó un nivel mediano de satisfacción de los profesionales con el servicio (3,86). El escore global de sobrecarga fue bajo (1,60), mayor en la dimensión de las repercusiones emocionales del trabajo y menor en la dimensión del impacto en la salud física y mental. El estudio cualitativo evidenció dificultades en la organización y condiciones de trabajo. Este estudio destaca la necesidad de aumentar inversiones destinadas a los servicios de salud mental.

Palabras clave: profesionales; servicios de salud mental; sobrecarga; satisfacción; trabajo.


 

 

Introdução

A avaliação contínua dos serviços de saúde mental – na perspectiva de seus três agentes: pacientes, familiares e profissionais – tem sido recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com o propósito de garantir a qualidade desses serviços. O monitoramento de indicadores de qualidade dos serviços permite diagnosticar dificuldades no processo de tratamento, a fim de fornecer condições para que sejam conhecidos e corrigidos (WHO, 2001; SILVA; FORMIGLI, 1994; REIS et al., 1990). Contandriopoulos (2006) aponta para a necessidade da implantação de uma cultura de avaliação rotineira, nos serviços de saúde, para subsidiar as decisões com conhecimentos científicos sólidos, embora discuta detalhadamente os desafios e as dificuldades inerentes a essa realização, nos diversos níveis decisórios, devido à presença de uma tensão entre atender às necessidades dos usuários e controlar os gastos públicos.

A mudança do atendimento aos pacientes psiquiátricos do contexto hospitalar para serviços situados na comunidade, resultante da reforma psiquiátrica, visou à reinserção social, à diminuição das internações, à adesão ao tratamento e à realização das necessidades clínicas e não clínicas dos pacientes, de forma que promova sua qualidade de vida. Porém, os serviços substitutivos têm apresentado, em diversos países, entraves que dificultam o atendimento adequado aos pacientes e colocam em risco a meta da reinserção social e qualidade de vida, tais como: número insuficiente de serviços, falta de recursos humanos e materiais, despreparo dos profissionais, falta de integração entre serviços, conflitos entre profissionais e falta de repasse de verbas (MORGADO; LIMA, 1994; ANDREOLI, 2007; LOUGON, 2006; BANDEIRA; GELINAS; LESAGE, 1998). Por causa dessas limitações, a prática da avaliação contínua desses serviços se torna uma necessidade para que possa atingir a qualidade almejada.

Um dos indicadores de qualidade dos serviços de saúde mental é o nível de satisfação dos profissionais que neles atuam (BORGES et al., 2002). Refere-se a uma avaliação positiva do profissional sobre diversos aspectos do serviço, como condições de trabalho, relacionamento com colegas, qualidade do tratamento oferecido aos usuários, aspectos estruturais e organizacionais, e participação e envolvimento nas decisões tomadas no serviço. Um baixo nível de satisfação dos profissionais no trabalho pode afetar o relacionamento com os pacientes e interferir no próprio tratamento oferecido (ISHARA; BANDEIRA; ZUARDI, 2008).

A avaliação dos níveis de sobrecarga dos profissionais é também um dos indicadores de qualidade do serviço, pois aponta para baixos custos não monetários. A nova forma de atendimento de pacientes psiquiátricos, que ampliou a gama de cuidados necessários à integração destes, requer maior envolvimento dos profissionais com o serviço, o que pode resultar em maior sobrecarga (REBOUÇAS et al., 2008). A sobrecarga envolve aspectos psicológicos, emocionais e físicos causados por sentimentos de pressão relacionados com demanda excessiva no trabalho, frustração com o trabalho, cansaço, medo de agressão e desejo de mudanças de emprego (ISHARA; BANDEIRA; ZUARDI, 2008). Trata-se de um elemento importante a ser aferido no processo avaliativo de um serviço de saúde mental, uma vez que se relaciona inversamente com a satisfação no serviço (DE MARCO et al., 2008; REBOUÇAS; LEGAY; ABELHA, 2007; BANDEIRA; ISHARA; ZUARDI, 2007; BANDEIRA; PITTA; MERCIER, 2000; THOMSEN et al., 1999). No trabalho de profissionais da saúde, sobrecarga e estresse acarretam repercussões pessoais, clínicas e organizacionais (BORGES et al., 2002).

A sobrecarga e insatisfação podem afetar a saúde geral do trabalhador, incluindo sua saúde mental, e acarretar danos não apenas em sua vida profissional, mas também nos aspectos sociais e comportamentais (REBOUÇAS; LEGAY; ABELHA, 2007; ISHARA, 2007). Em geral, a sobrecarga resulta em maior frequência de absenteísmo, rotatividade e estresse, que podem comprometer a qualidade do atendimento prestado (REBOUÇAS et al., 2008).

A sobrecarga pode resultar do efeito de diversas variáveis, tais como manejo diário e prolongado com portadores de transtornos mentais, responsabilidade para com a vida do paciente, dificuldade no estabelecimento de limites nas interações profissionais, manutenção da relação terapêutica, envolvimento excessivo com o trabalho e falta de gratificação financeira e social (PELISOLI; MOREIRA; KRISTENSEN, 2007).

Características organizacionais da estrutura e do funcionamento do local de trabalho são também variáveis importantes que contribuem para a sobrecarga e o estresse do trabalhador e, em alguns casos, podem ser mais proeminentes do que as características individuais (THOMSEN et al., 1999).

O objetivo deste estudo foi avaliar os indicadores de satisfação e sobrecarga de profissionais de um serviço de saúde mental e observar suas reais condições de trabalho, além de identificar as dificuldades práticas encontradas na realização de suas atividades cotidianas.

 

Método

Amostra

Participaram desta pesquisa 15 profissionais que atuavam no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de uma cidade do interior de Minas Gerais. A equipe de profissionais do serviço era composta por dois psicólogos, um médico psiquiatra, um enfermeiro, um farmacêutico, três auxiliares de enfermagem, um auxiliar de serviços gerais, um auxiliar administrativo, um gerente administrativo, um motorista, dois porteiros e um coordenador. Não houve recusa ou desistência dos profissionais de participar da pesquisa.

De acordo com a análise dos dados sociodemográficos, a média de idade da amostra foi de 38,07 anos (desvio padrão = 12,29), com variação de 21 a 68 anos. As mulheres representavam 53,3% da amostra, e os homens, 46,7%. Quanto ao estado civil, 40% eram solteiros, 46,7% casados, 6,7% separados ou divorciados e 6,7% viúvos. Em relação à escolaridade, 46,7% possuíam nível superior, 33,3% com nível médio e 20% com ensino fundamental. O tempo médio de serviço foi de 8,8 anos (desvio padrão = 12,26).

Os dados relativos às funções exercidas pelos profissionais na instituição estão assim distribuídos: 20% da amostra exerciam atividades de enfermagem, técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem; 13,3% eram porteiros; e 13,3%, profissionais da psicologia. As demais funções foram representadas por 6,7% cada: médico, farmacêutico, enfermeiro, gerente administrativo, auxiliar de serviços gerais, auxiliar administrativo, motorista e coordenador geral.

Local de estudo

Este estudo foi realizado em um Caps do tipo I de uma cidade do interior de Minas Gerais, que funciona de segunda a sexta-feira, das 7 às 17 horas. Visa atender adultos com transtornos mentais severos e persistentes da cidade e de outros 15 municípios vizinhos. Conta com uma equipe multidisciplinar de 15 profissionais. Esse serviço atende diariamente 10 pacientes para consultas, 15 para receitas médicas, 25 intensivos e de 10 a 15 semi-intensivos. A equipe de profissionais do serviço era composta por dois psicólogos, um médico psiquiatra, um enfermeiro, um farmacêutico, três auxiliares de enfermagem, um auxiliar de serviços gerais, um auxiliar administrativo, um gerente administrativo, um motorista, dois porteiros e um coordenador.

Instrumentos de coleta de dados

Utilizaram-se os seguintes instrumentos:

• Escala de avaliação da sobrecarga dos profissionais em serviços de saúde mental (Impacto-BR): essa escala visa avaliar a sobrecarga dos profissionais de serviços de saúde mental. Trata-se de uma escala autoadministrada que pode ser preenchida pelos próprios membros da equipe. A escala apresenta 18 questões, agrupadas em três subescalas. A primeira subescala contém cinco itens que avaliam o impacto do trabalho sobre a saúde física e mental da equipe. A segunda subescala contém seis itens que se referem aos efeitos no funcionamento da equipe, e a terceira contém cinco itens que avaliam o sentimento de estar sobrecarregado e os efeitos do trabalho no estado emocional do profissional (BANDEIRA; PITTA; MERCIER, 2000). As opções de resposta aos itens estão dispostas em uma escala ordinal do tipo Likert de 1 a 5, em que o valor 1 representa as alternativas "de forma alguma ou nunca" – valor mínimo de sobrecarga –, e o valor 5 representa as alternativas "sempre ou extremamente", ponto máximo de sobrecarga (BANDEIRA; PITTA; MERCIER, 2000).

• Escala de avaliação da satisfação dos profissionais em serviços de saúde mental (Satis-BR): essa escala visa avaliar o grau de satisfação dos profissionais de saúde mental com o serviço. A escala possui 32 itens quantitativos, 30 agrupados em quatro subescalas e dois adicionais, que estão incluídos na escala global. A primeira subescala contém dez itens que avaliam a satisfação com a qualidade do serviço. A segunda subescala contém sete itens que avaliam a satisfação com a participação do profissional na equipe. A terceira subescala tem dez itens que avaliam a satisfação com as condições de trabalho. A quarta subescala, com três itens, avalia a satisfação com o relacionamento das pessoas no trabalho. As duas questões adicionais, que fazem parte da escala global, avaliam a satisfação do profissional relacionada ao trabalho em saúde mental e a sua satisfação referente à frequência de contato entre pacientes e profissionais. As opções de respostas estão dispostas em uma escala do tipo Likert, de 1 a 5, em que o valor 1 indica muito insatisfeito e 5 representa o grau máximo de satisfação da equipe (BANDEIRA; PITTA; MERCIER, 2000).

• Questionário sociodemográfico: para a caracterização da amostra, foi utilizado um questionário para medir as variáveis sociodemográficas. As variáveis medidas foram as seguintes: idade, sexo, escolaridade e a função do profissional, com o objetivo de caracterizar a amostra da pesquisa.

Procedimentos de coleta e análise de dados

A aplicação dos instrumentos de medida foi feita pela bolsista após um treinamento que incluiu duas partes: 1. a prática de aplicação desses instrumentos orientada por um pesquisador com experiência na área e 2. um grupo de estudos, que realizou o levantamento e discutiu temas referentes à sobrecarga e satisfação da equipe de profissionais de saúde mental, com a supervisão dos orientadores. O treinamento ocorreu em um período de dois meses, de março a maio de 2009, duas vezes por semana, com uma hora de duração.

Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo coordenador do serviço, iniciou-se o estudo qualitativo, baseado na abordagem da ergonomia francesa, que inclui a observação das atividades dos profissionais no local de trabalho e a realização de entrevistas de autoconfrontação. O estudo qualitativo foi realizado por dois observadores, durante três meses, com observações feitas todas as semanas, em dias e horários alternados. Essa fase possibilitou a familiarização com o contexto de trabalho dos profissionais do serviço, a identificação do processo de funcionamento do serviço, o conhecimento das atividades de rotina dos profissionais e as dificuldades enfrentadas por eles no cotidiano. Após essa primeira fase, procedeu-se à aplicação dos instrumentos de medida. As escalas foram aplicadas, individualmente, em toda a equipe, na própria instituição, de acordo com a disponibilidade de horário dos profissionais, durante dois meses. Antes do início de cada entrevista de aplicação dos instrumentos, o profissional recebeu informações sobre os objetivos da pesquisa e o procedimento adotado, além de esclarecimentos sobre os riscos e benefícios de sua participação e garantia do anonimato. O profissional foi orientado a responder às questões apresentadas de forma sincera, já que não havia respostas certas ou erradas, e esclareceu-se que ele poderia desistir da participação em qualquer momento da pesquisa. Em seguida, os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética da Universidade Federal de São João del-Rei (Processo Cepes/UFSJ-07/2010).

Foi feita a análise estatística descritiva dos dados, com o cálculo de médias, desvios padrão e porcentagens para a descrição do perfil sociodemográfico da amostra e para o cálculo do grau de satisfação e de sobrecarga dos profissionais do serviço, com base nos escores das escalas Impacto-BR e Satis-BR (LEVIN, 1987). Para a realização dos testes estatísticos, utilizou-se o programa SPSS, versão 13.0.

 

Resultados

Sobrecarga dos profissionais no serviço

A Tabela 1 mostra os resultados referentes ao escore global de sobrecarga dos profissionais e de cada subescala, obtidos a partir da escala Impacto-BR. Como pode ser observado, o escore médio de sobrecarga foi de 1,60 e o desvio padrão de 0,26, em uma escala que varia de 1 a 5 pontos. Esse resultado indica que os profissionais apresentaram valores baixos de sobrecarga.

 

 

A análise realizada separadamente para cada subescala ou fator teve como objetivo identificar o grau de sobrecarga em diferentes dimensões do serviço. De acordo com os valores das médias, a segunda subescala apresentou o maior grau de sobrecarga da equipe. Esse resultado se refere ao impacto do trabalho sobre o funcionamento da equipe. Observou-se ainda a sobrecarga referente à subescala 3, que avalia o sentimento de estar sobrecarregado e os efeitos do trabalho no estado emocional do profissional. Por último, quando se analisaram os efeitos ressentidos pela equipe em sua saúde física e mental, a subescala 1 apresentou o menor valor de sobrecarga.

Satisfação dos profissionais com o serviço

A Tabela 2 mostra os escores de satisfação global dos profissionais com o serviço, avaliada pela escala Satis-BR. O valor obtido para a média foi de 3,86 e de 0,43 para o desvio padrão, em uma escala que varia de 1 a 5 pontos. Esse resultado indica que a avaliação dos profissionais sobre esse serviço se situa entre o sentimento de indiferença (escore 3) e a satisfação com o serviço (escore 4).

De acordo com os valores encontrados separadamente para cada subescala ou fator da escala, pode-se observar que a média do grau de satisfação da equipe em relação à sua participação no serviço (subescala 2) foi de 3,37, a menor média entre as subescalas, demonstrando ser a dimensão com o maior índice de insatisfação. Em seguida, com a média de 3,66, observa-se que o grau de satisfação da equipe em relação à qualidade dos serviços oferecidos aos pacientes (subescala 1) foi o segundo valor mais baixo, indicando menor grau de satisfação com essa dimensão do serviço. A satisfação dos profissionais foi mais elevada com relação às condições de trabalho e relacionamento com as pessoas no serviço (subescalas 3 e 4).

 

 

Análise qualitativa das condições do trabalho

A atividade dos profissionais desse serviço é caracterizada como complexa. A complexidade diz respeito às abstrações, ao tratamento de um número grande de dados, às antecipações, às interferências e às coordenações. É importante considerar a especificidade da atividade desses profissionais que, no caso analisado, está relacionada com a doença e o tipo de cuidado. Tudo isso influencia a carga de trabalho, além de outros determinantes que nem sempre são percebidos ou controlados, como a alternância de clientes fáceis ou trabalhosos que tem influência direta sobre a distribuição temporal do espaço físico e mental.

A interrupção na atividade de trabalho é entendida aqui como mudanças de orientação cognitiva provocadas pelas paradas na atividade que estava sendo realizada pelo profissional. Em uma situação observada na secretaria do serviço, verificou-se que os pacientes, na maioria das vezes, não permaneciam na sala de espera e, constantemente, se dirigiam à mesa da atendente para fazer perguntas ou pedir informações, com efeitos na atividade do profissional atendente.

O número reduzido de funcionários é um dos aspectos da organização do trabalho dos profissionais que contribuíram para a elevação da carga de trabalho. Como pode ser verificado no depoimento apresentado a seguir, um profissional realiza simultaneamente tarefas diferentes. A falta de instrumentos de trabalho adequados acarreta sentimento de impotência diante de algumas situações extraordinárias. Durante uma observação, foi possível constatar que, no serviço, não havia um termômetro para a medição da temperatura de um paciente: "Aqui [Caps], a gente sente, às vezes, muito frustrado, porque não temos instrumentos adequados. Não tem nem ambulância para levar os pacientes para o hospital. Quantas vezes nós levamos no carro de alguém daqui do Caps". O envolvimento afetivo dos profissionais com os pacientes revela uma outra dimensão da atividade de atendimentos dos profissionais com reflexos na subjetividade dos profissionais: "Fico muito chateada quando eles [pacientes] não estão bem. Quando eles estão bem, aí eu fico bem também".

 

Discussão

Os resultados obtidos mostraram que o nível de sobrecarga global dos trabalhadores foi de 1,60 (dp = 0,26), um valor de baixo impacto. Dados semelhantes foram obtidos por Rebouças, Legay e Abelha (2007), De Marco et al. (2008) e Ishara (2007). Quanto às dimensões avaliadas, observou-se maior sobrecarga no que se refere às repercussões emocionais do trabalho, considerando que o trabalho em saúde mental não se faz sem uma importante sobrecarga emocional dos profissionais. Esse resultado corrobora os dados obtidos por De Marco et al. (2008), Rebouças, Legay e Abelha (2007) e Ishara (2007), nos quais se constatou maior grau de sobrecarga nessa dimensão. No presente trabalho, a dimensão com menor impacto se referiu à saúde física e mental, o que confirma os dados obtidos por Rebouças, Legay e Abelha (2007) e Ishara (2007). Esses resultados sugerem que o impacto do trabalho pode ter sido contrabalançado pela influência de fatores mediadores, como implicação subjetiva dos profissionais na realização da sua atividade, capacidade de elaborar estratégias subjetivas para a concretização do trabalho e relacionamento da equipe.

Quanto à avaliação da satisfação dos profissionais com o serviço, o escore médio da satisfação global encontrado foi de 3,86 (dp = 0,43), um valor mediano que se situa entre indiferença (escore 3) e satisfação (escore 4). Esses resultados corroboram os dados obtidos por Rebouças, Legay e Abelha (2007), De Marco et al. (2008), Ishara, Bandeira e Zuardi (2008) e Rebouças et al. (2008) que também encontraram níveis medianos de satisfação com o trabalho entre profissionais de saúde mental.

Quanto às dimensões da satisfação, os resultados mostraram que os maiores índices de satisfação se referem às condições de trabalho e ao relacionamento com os colegas no serviço. Esse resultado confirma dados de Rebouças, Legay e Abelha (2007), que encontraram um maior grau de satisfação na dimensão de relacionamento entre os membros da equipe, e dados dos estudos de De Marco et al. (2008), Ishara, Bandeira e Zuardi (2008), Rebouças et al. (2008) e Pelisoli, Moreira e Kristensen (2007), em que o relacionamento no serviço estava igualmente entre as dimensões mais satisfatórias. A satisfação com as condições de trabalho, encontrada no presente trabalho, contrasta com os dados desses quatro estudos e talvez se explique pela influência de melhorias realizadas na estrutura do serviço, no período da coleta de dados. A instituição foi transferida para uma casa mais ampla, com mais banheiros, salas maiores, piscina e mais espaço para oficinas, além de uma área de lazer. Entretanto, mesmo com essa especificidade, o valor mediano do grau de satisfação sugere que esse serviço pode ser melhorado.

Em contrapartida, os profissionais se mostraram menos satisfeitos com sua participação nas tomadas de decisões no serviço. Essa dimensão apresentou o escore mais baixo, em concordância com os dados de Pelisoli, Moreira e Kristensen (2007). Resultados semelhantes foram obtidos nos estudos de Ishara, Bandeira e Zuardi (2008), Rebouças, Legay e Abelha (2007) e Rebouças et al. (2008), nos quais essa dimensão ficou em penúltimo lugar nos escores de satisfação. Sobrinho et al. (2006) destacaram igualmente a falta de participação nas decisões como variável importante de insatisfação entre médicos, o que contribui para a ocorrência de transtornos mentais menores nesses profissionais.

Os dados do estudo qualitativo, realizado com observação e entrevistas abertas, destacaram alguns aspectos organizacionais problemáticos, referentes às condições reais de trabalho que afetavam os profissionais, tais como: o reduzido número de profissionais para as demandas do serviço, a falta de instrumentos básicos necessários no trabalho cotidiano, a sobreposição de tarefas diversas a serem executadas por um mesmo profissional e as interrupções constantes do trabalho. Outros autores apontaram igualmente, em serviços de saúde mental, a ocorrência de falta de recursos humanos e materiais para a execução adequada do trabalho, assim como a necessidade de melhorias na organização do trabalho e na infraestrutura dos serviços (REBOUÇAS; LEGAY; ABELHA, 2007; ISHARA, 2007; DE MARCO et al., 2008).

Como este trabalho foi realizado em um único serviço de saúde mental, não pode ser generalizado para outros serviços. Por causa dessa característica, reduziu-se a amostra, embora todos os profissionais do serviço tenham participado do estudo. Apesar dessas limitações, os resultados encontrados apresentaram alto grau de concordância com os dados obtidos por estudos realizados em outros estados (REBOUÇAS; LEGAY; ABELHA, 2007; ISHARA, 2007; DE MARCO et al., 2008; PELISOLI; MOREIRA; KRISTENSEN, 2007; REBOUÇAS et al., 2008).

 

Conclusões

Os resultados do presente trabalho, em consonância com a literatura, apontam para a necessidade de maiores investimentos em recursos materiais e humanos e mudanças nas condições e na organização do trabalho, em serviços de saúde mental. Os recursos materiais são limitados e o número de profissionais é insuficiente para a proporção de atendimentos realizados, o que expõe a equipe a um trabalho estressante. Com base nisso, é imprescindível que haja uma infraestrutura mais adequada para o atendimento aos pacientes (DE MARCO et al., 2008; REBOUÇAS et al., 2008).

Foi possível observar as contradições entre o cotidiano real de trabalho dos profissionais do serviço, com suas limitações e dificuldades, e o discurso oficial da reforma psiquiátrica, que aponta para a criação de uma infraestrutura residencial e de atendimento com serviços comunitários, por equipe multidisciplinar. Trata-se de um paradoxo que parece inescapável nas relações de trabalho e que se revela no funcionamento dos serviços de saúde mental.

 

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Endereço para correspondência
Contato
Marina Bittencout Bandeira
e-mail: bandeira@ufsj.edu.br

Tramitação
Recebido em agosto de 2010
Aceito em dezembro de 2011