SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número1Estudo psicossocial da violência na velhice: o que pensam agentes comunitários de saúde e profissionais de saúde?Cidadão em foco: representações sociais, atitudes e comportamentos de cidadania índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.14 no.1 São Paulo abr. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

(Re)construção das práticas em saúde mental: compreensão dos profissionais sobre o processo de desinstitucionalização

 

(Re)Construction practices in mental health: professional´s understanding about the process of deinstitutionalization

 

(Re)construcción de las prácticas de salud mental: comprensión de los prefesionales sobre el proceso de desinstitucionalización

 

 

Kellida Moreira Alves FeitosaI; Tâmara SilvaI; Maria de Fátima de Araújo SilveiraI; Hudson Pires de Oliveira Santos JuniorII

I Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande – PB – Brasil
II Universidade de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 


RESUMO

A reforma psiquiátrica é um processo em construção, cujo conceito-chave é a desinstitucionalização, que busca a reordenação da assistência em saúde mental, do modelo hospitalocêntrico para o psicossocial. Este estudo teve como objetivo geral compreender quais as concepções dos profissionais sobre o processo de desinstitucionalização. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja coleta de dados foi realizada por meio de um roteiro de entrevista com cinco profissionais atuantes na rede de saúde mental, observação participante e registro em diário de campo. Nos resultados, foram identificadas dificuldades relacionadas à atuação do profissional quando inserido no modelo antimanicomial, refletindo em necessidade de organização e qualificação dos recursos humanos. Outro ponto relevante está relacionado ao distanciamento do familiar no tratamento do sofredor psíquico. Pode-se considerar que atuar na perspectiva da reabilitação psicossocial exige uma necessidade constante de repensar as práticas, para articular as mudanças necessárias no âmbito assistencial para que o processo de desinstitucionalização ocorra de forma adequada.

Palavras-chave: saúde mental; desinstitucionalização; assistência em saúde mental; profissionais da saúde; serviços de saúde mental.


ABSTRACT

The Psychiatric Reform is a construction process, which key concept is the deinstitutionalization, seeking of mental health care, the hospital-centered model to the psychosocial. The objective of this study was to understand the professional´s conceptions about the deinstitutionalization. It is a qualitative research whose data collection was performed by an interview guide with five professionals working on mental health, participant observation and record in field diary. The results were identified difficulties related to the performance of the professionals anti-asylum when inserted in the anti-asylum model, reflecting the need for organization and human resources development. Another relevant point is related to the distance of the family in the treatment of mental suffering. It can be considered to act in view of psychosocial rehabilitation requires a constant need to rethink practices to articulate the necessary changes in care for the deinstitutionalization process occurs properly.

Keywords: mental health; deinstitutionalization; mental health care; health professionals; mental health services.


RESUMEN

La reforma psiquiátrica es un proceso en construcción, cuyo concepto clave es la desinstitucionalización, que busca la reordenación de la asistencia en salud mental, del modelo hospitalocéntrico para el psicosocial. Este estudio tuvo como objetivo comprender cuáles son las concepciones de los profesionales sobre el proceso de desinstitucionalización. Se trata de una investigación cualitativa, cuya colecta de datos fue realizada a través de una entrevista con cinco profesionales actuantes en la red de salud mental, observación participante y construcción de notas de campo. En los resultados, fueron identificadas dificultades relacionadas a la actuación del profesional cuando insertado en el modelo antimanicomial, reflejando en necesidad de organización y cualificación de los recursos humanos. Otro punto relevante está relacionado al alejamiento del familiar en el tratamiento del sufridor psíquico. Se puede considerar que actuar en la perspectiva de la rehabilitación psicosocial exige una necesidad constante de volver a pensar en las prácticas, para articular los cambios necesarios en el ámbito asistencial para que el proceso de desinstitucionalización ocurra de manera adecuada.

Palabras clave: salud mental; desinstitucionalización; asistencia en salud mental; profesionales de la salud; servicios de salud mental.


 

 

Introdução

A trajetória histórica do cuidado aos portadores de transtornos psíquicos é marcada por lutas sociais que envolvem mobilizações e rupturas pela busca e pelo resgate da cidadania do sujeito com sofrimento psíquico. Nessa ótica, o modelo de assistência à saúde mental vem sofrendo transformações significativas desde a Segunda Guerra Mundial, devido às denúncias de membros da sociedade aos modelos de exclusão (BRASIL, 2005).

Até então, os manicômios eram marcados pela barreira entre os internos e a relação social, por meio da interdição de relacionamentos pessoais satisfatórios, falta de assistência humana básica e excessiva medicalização. Os recursos terapêuticos utilizados tinham mais a função de punir do que tratar e, muitas vezes, tentavam mascarar os danos sociais, por meio do uso de medicamentos sedativos, mantendo o doente na sua posição de passividade (MORAES, 2008).

Por questões como essas, surgiram, em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, movimentos que culminaram com a reforma psiquiátrica, cujo principal objetivo é evitar que o sofredor psíquico seja privado de seus laços afetivos e sociais por causa da internação psiquiátrica, de modo que promova uma assistência humanizada, com respeito aos direitos humanos.

No Brasil, ganhou destaque, no final da década de 1970, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), formado por profissionais da saúde e apoiado por associações de familiares, sindicalistas e outros, pois contribuiu significativamente para construir uma crítica coletiva ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais. Assim, influenciou na formulação da Lei Federal no 10.216 que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtorno psíquico e a desativação das instituições de modelo asilar (BRASIL, 2005).

Esse processo vai além da ideia de derrubar muros e grades, ele passa por uma mudança na antiga ideologia psiquiátrica de controle e segregação dos indivíduos em sofrimento psíquico. Dessa forma, o objeto da atenção psiquiátrica deixa de ser a doença e volta-se para o sujeito inserido no contexto social, em que a proposta da assistência terapêutica é focalizada no indivíduo em toda sua complexidade (AMARANTE, 1998).

Todavia, a cultura da necessidade da internação psiquiátrica traz entraves de âmbito social, familiar e assistencial que interferem no alcance à inserção de sujeitos com transtornos mentais graves na comunidade. Um dos pontos de enraizamento dessa cultura se encontra na formação acadêmica ainda pautada, na maioria das vezes, no modelo hospitalocêntrico, bem como na ausência ou insuficiência da educação permanente em saúde dos profissionais (MIRANDA, 1999). Muitos desses profissionais experienciaram, durante a formação, modos tradicionais de cuidar no hospital psiquiátrico, como a contenção mecânica e o uso abusivo de medicações, porém, no contexto atual, deparam com práticas inovadoras de atenção nos modelos psicossociais de atenção à saúde mental, alicerçados nos princípios da reforma psiquiátrica (MONTEIRO, 2006).

Logo, considerando que a reforma psiquiátrica é um processo em construção que propõe mudanças ideológicas e assistenciais do modelo hospitalocêntrico para o psicossocial, este estudo objetivou compreender quais as concepções dos profissionais acerca do processo de desinstitucionalização ante a reforma psiquiátrica brasileira.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com caráter exploratório e analítico, realizada na rede de saúde mental substitutiva localizada no município de Campina Grande (população de cerca de 370 mil habitantes) – no interior do Estado da Paraíba. A cidade tem uma rede ampla de serviços substitutivos: um Centro de Atenção Psicossocial (Caps II, atendimento diuturno), um Caps III (atendimento 24 horas), dois Capsi (atendimento a crianças e adolescentes), um Capsad (atenção à saúde de sujeitos alcoolistas e usuários de outras drogas), uma unidade de emergência psiquiátrica, um centro de cultura e lazer e seis residências terapêuticas (SANTOS JUNIOR; SILVEIRA, 2009).

Como critérios de inclusão dos colaboradores no estudo, consideraram-se os seguintes fatores: ter experiência tanto na assistência psiquiátrica hospitalocêntrica quanto na rede substitutiva, particularmente no Centro de Atenção Psicossocial (Caps); exercer regularmente as atividades de trabalho durante o período de coleta de dados; e participar, de forma voluntária da pesquisa, com assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para compor o grupo de colaboradores deste estudo, inicialmente foi realizado um levantamento dos profissionais assistentes na rede substitutiva de atenção à saúde mental que também tivessem experiência de trabalho no modelo hospitalocêntrico. Após o levantamento, identificaram-se os seguintes profissionais: um técnico de enfermagem do Caps II, um psicólogo do Capsad, um enfermeiro e dois técnicos de enfermagem do Caps III.

A coleta de dados ocorreu no período de março a abril de 2009. Os métodos adotados foram: observação sistemática, entrevista e registro em diário de campo. A observação sistemática foi feita durante todo o período de trabalho em campo, com um roteiro norteador de entrevista semiestruturada que buscou a narrativa dos colaboradores acerca das concepções dos profissionais sobre o processo de desinstitucionalização. O diário de campo foi elaborado no dia a dia da coleta de dados, em que se registraram os contatos feitos com os entrevistados e as observações dos pesquisadores.

No tratamento dos dados – corpus – das entrevistas, os discursos foram submetidos à análise de conteúdo temática (BARDIN, 2006), o que resultou em categorias analíticas.

O desenvolvimento do estudo seguiu as normas da Declaração de Helsinki, de 1964, na versão 2002 da World Medical Association (2008), e as diretrizes emanadas da Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil (BRASIL, 1996). O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, só sendo operacionalizado após anuência desse órgão, sob o Protocolo no 0533.0.133.000-09.

 

Discussão dos resultados

Os dados apresentados a seguir oportunizam uma reflexão sobre como se organizam os modelos hospitalocêntrico e psicossocial de atenção à saúde mental no Brasil. Com base na análise dos discursos dos profissionais, pôde-se disparar um diálogo que contribui para a reflexão sobre o processo de mudança ideológica proposto pela reforma psiquiátrica brasileira.

Nessa perspectiva, as categorias analíticas deste estudo abordaram os seguintes temas: 1. percepções sobre o cuidado em saúde mental ante o processo de desinstitucionalização; 2. a percepção dos profissionais quanto à participação dos familiares no tratamento hospitalocêntrico e nos serviços substitutivos; e 3. tratamento humanizado e trabalho em equipe.

Percepções sobre o cuidado em saúde mental ante o processo de desinstitucionalização

Essa categoria permite uma reflexão sobre o cuidado em saúde mental tanto na perspectiva hospitalocêntrica, caracterizada pelo hospital psiquiátrico, quanto psicossocial, que tem como figura central o Caps.

No que concerne ao hospital psiquiátrico, podem-se apontar críticas em função da crescente denúncia de desrespeito aos direitos humanos dos sofredores psíquicos, pois os cuidados oferecidos são pautados na lógica assistencial da institucionalização e medicalização excessiva. Além disso, não obstante encontravam-se instituições que não ofereciam condições humanas básicas para seus internos, paralelamente ao desrespeito aos direitos humanos básicos. Tal afirmação surge das seguintes observações:

Quando eu cheguei lá, eu fiquei muito surpresa, porque eles eram muito desprezados, tratados como bicho. Eu me sentia bem por estar ajudando eles, mas ficava mal quando via aquela situação... em dias de frio, eles não tinham lençol, eles ficavam isolados, não tinha nenhuma atividade terapêutica (E4).

Eu achava muito desumano. Tinha dificuldade de alimentação, de material de higiene, de tudo... eles não tinham pente, sabonete, toalha [...]. Dormiam nas grades, colocando o lençol por cima das grades ou, então, muitos dormiam no chão cheio de urina, fezes... Os donos do hospital compravam os colchões e guardavam, só colocavam para os usuários dormirem quando sabiam que vinha a fiscalização. No outro dia, eles mandavam a gente tirar os colchões. Quando era dia de dormir no colchão, os usuários dormiam tão bem que no outro dia era aquela festa (E3).

Diante das falas, visualizamos um cenário de desrespeitos aos direitos humanos que ocorria no modelo hospitalocêntrico, devido à ausência de uma fiscalização contínua e resolutiva, que só veio a ser iniciada pelo Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (Pnash/Psiquiatria), como resultado da reforma psiquiátrica brasileira (BRASIL, 2005).

Nessa lógica, é preciso compreender que os hospitais psiquiátricos, como modalidade assistencial única, dificultam a consecução da reinserção do sujeito com sofrimento psíquico na sociedade, devido à promoção do isolamento, o que resulta na incapacidade do convívio social e no descomprometimento com os direitos humanos e civis do indivíduo (BRASIL, 2002). Tal evidência foi destacada por um dos entrevistados:

O ponto negativo do hospital [psiquiátrico] é a ociosidade, porque lá no Caps a gente sempre está em movimento, sempre tentando fazer alguma coisa para o usuário; e no hospital, não, eles ficavam à tarde sem fazer nada. Então, o usuário só se ocupava em fumar, fumar, fumar, deitar no chão, dormia, tomava medicação, se dopava e pronto, era assim a rotina (E5).

Diante da fala, podemos analisar que a rotina de atendimento nos hospitais psiquiátricos provavelmente não disponibilizava de um planejamento adequado para a assistência aos usuários. Dessa forma, a ociosidade no ambiente hospitalar pode agravar o quadro de sofrimento psíquico por causa da falta de estratégias adequadas para alcançar a reabilitação psicossocial. Em contrapartida, o Caps, como estratégia de reestruturação da atenção psiquiátrica, tem demonstrado outra via de tratamento, disponibilizando atividades com finalidades terapêuticas diversificadas, com o intuito de enfocar a integração do usuário na comunidade e sua inserção familiar e social (BARRETO; GAUDÊNCIO, 2010).

Dessa forma, compreende-se que o atendimento às necessidades do sofredor psíquico no modelo atual deve incluir atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico e orientação), atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social), atendimento em oficinas terapêuticas, visitas domiciliares, atendimento à família e atividades comunitárias (BRASIL, 2002).

No cenário desta pesquisa, a transição da atenção manicomial para os serviços substitutivos na região da Borborema, na Paraíba, iniciou-se por meio da intervenção do Ministério da Saúde no hospital psiquiátrico, no município de Campina Grande. Nesse momento, a assistência ofertada aos usuários começa a ser reeditada:

Quando houve a fiscalização da reforma no Hospital X, os usuários nunca tinham visto tanta fartura. Teve uma usuária que chegou a mim pra dizer: "Apóis [pois] eu almocei frango ontem! Tinha tanta carne! Deixa eu te mostrar os sabonetes que me deram". Perfumes e produtos de higiene, que elas não viam há muito tempo no hospital... Tinha uma usuária que não enxergava, ela estava quase cega totalmente, e, quando a nova reforma [psiquiátrica] surgiu no Hospital X, a primeira coisa que fizeram foi sua cirurgia. Ela ficou tão feliz, porque voltou a enxergar... nesse tempo de transição para a criação dos Caps, os usuários tinham direito a tudo, a lanches, café da manhã, almoço, jantar, roupas limpas, lençóis limpos, cada um com sua pasta, seu sabonete [...] (E3).

A fiscalização citada pelo entrevistado refere-se ao Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (Pnash/Psiquiatria). Esse dispositivo teve grande importância no processo da desinstitucionalização, submetendo os hospitais psiquiátricos de todo o Brasil à avaliação quanto às condições de tratamento oferecidas, e, nesse momento, houve a interdição de oito hospitais no país, dentre eles, um hospital situado no município de Campina Grande, cenário do nosso estudo (BRASIL, 2005).

Até então, as condições de atendimento ao portador de transtorno psíquico no hospital eram precárias, como retratam as narrativas. Os recursos terapêuticos utilizados tinham mais a função de punir do que tratar. Não havia uma política que garantisse uma assistência de qualidade.

Hoje, a assistência aos usuários está direcionada à implementação de ações terapêuticas e de reabilitação, pautadas na ideia de promoção à saúde e qualidade de vida, com o objetivo de incentivar/ampliar a autonomia dos sujeitos na gestão da vida e no resgate da cidadania.

Contudo, apesar das mudanças, alguns profissionais de saúde defendem a continuidade do tratamento asilar:

[No hospital psiquiátrico] O tratamento é vinte e quatro horas e, portanto, há uma condição para um tratamento intensivo para o usuário sair daquele quadro mais rápido, e, a partir daí, ser reintegrado à sociedade (E1).

A análise de tal discurso permite afirmar que o profissional desconhece a dinâmica de funcionamento dos serviços substitutivos, ao considerar o hospital psiquiátrico como uma modalidade de assistência preferencial no atendimento ao indivíduo em sofrimento psíquico. Com base nessa percepção institucionalizada, podemos perceber a dificuldade de compreensão por parte de alguns profissionais sobre a prática dos modelos assistenciais atuais.

Nesse sentido, para garantir o avanço da reforma psiquiátrica além da simples criação de novos serviços, é preciso dispor de um quadro de profissionais com uma visão ampla de tratamento e com uma postura distinta do modelo anterior. Sobretudo, deve-se considerar a importância em incorporar, entre os recursos terapêuticos, a ética da inclusão, ou seja, outro paradigma assistencial, com possibilidades de acolher e acompanhar adequadamente os usuários (FURTADO; CAMPOS, 2005).

Tais premissas envolvem aspectos difíceis para a superação da atuação dos profissionais de saúde mental inseridos no "novo modelo" e que requerem longo prazo para instaurar uma nova postura e outra ética de cuidados. É quando enfatizamos a importância da formação do profissional em saúde mental que, de modo geral, ainda se encontra limitada ante a necessidade de transformações para a reforma psiquiátrica.

Assim, observa-se, pelas narrativas, o chamamento dos profissionais por avanços na assistência ao usuário na fase aguda da crise psíquica:

[...] precisa melhorar em alguns aspectos para suportar aquele usuário em crise mais grave e mais prolongada, porque existe surto que em dez dias esse usuário tá saindo, mas existem casos [...] eu conheço um caso que estivemos com uma usuária aqui no Caps e não foi possível continuar com essa pessoa, e ela foi transferida para o hospital psiquiátrico e está saindo da crise lá, exatamente pela quantidade de tempo [...] (E1).

Para que um usuário saia de uma crise, é mais ou menos 90 dias, então, como é que vamos comportar esse usuário esse tempo todo com apenas 6 leitos? No hospital tem mais de 100 leitos. Infelizmente a gente precisa. Eu não vou ser hipócrita e dizer que não, só porque eu trabalho no Caps (E5).

A análise do discurso nos permite perceber a real necessidade em desconstruir o estigma dos profissionais a respeito da lógica institucional, que, mesmo inseridos no modelo atual de atenção psíquica, acreditam que o tratamento eficaz oferecido nos momentos de "crise" seja o isolamento social por meio dos hospitais psiquiátricos.

Contudo, historicamente a assistência de base hospitalocêntrica tem em si uma política de isolamento prolongado e com baixa resposta clínica e/ou social. Esse fato nos permite dialogar para a utilização, quando extremamente necessário, da internação psiquiátrica, porém como meio de progressão para outra modalidade menos invasiva de tratamento, sem privar o sujeito de seu ambiente social e familiar.

Outra alternativa proposta pela reforma psiquiátrica é utilização de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, medida que sugere a recuperação e a reintegração mais rápida do sujeito com sofrimento psíquico na sociedade, uma vez que o paciente não perde o vínculo com a realidade, além de reduzir o estigma da internação em manicômios. No entanto, há o risco de falhas diante dessa medida, como o aumento das reinternações decorrente de acolhimento inadequado dos pacientes em serviços ambulatoriais, tempo reduzido de estada e altas precoces (BOTEGA, 2006).

Assim, enfatiza-se a necessidade de (re)pensar estratégias no processo de atenção à saúde dos usuários em transtorno mental, pois tais dispositivos de atenção precisam ser constantemente avaliados, para que não se perca em suas características e para que a reforma psiquiátrica atinja, devidamente, seus fins (SANTOS JUNIOR; SILVEIRA, 2009). Para isso, narrativas como a apresentada a seguir alertam para a necessidade de reflexão acerca do processo de desinstitucionalização:

A gente, infelizmente, ainda precisa do hospital, até porque eu mesma já cheguei a ligar perguntando se tinha lugar no hospital para um usuário. A gente sabe o que preconiza a reforma e o que tem que ser feito, mas infelizmente a gente não comporta [...]. E a gente vai recorrer a quem? A gente vai "jogar" o usuário de volta? Eu não tenho essa condição humana, nem psíquica, porque eu não sou "louca". Seria uma atitude irresponsável (E5).

A proposta de um tratamento com possibilidade de reinserir socialmente o indivíduo em sofrimento psíquico denota a extinção do modelo asilar, requerendo a inovação terapêutica, encontrada nos modelos atuais. Mesmo com o avanço acelerado e consistente na atenção em saúde mental nas últimas décadas, parte considerável da assistência continua sendo realizada em hospitais psiquiátricos (CAMPOS et al., 2009).

Além disso, estudos fazem referência aos desafios dos modelos substitutivos em lidar com os usuários em momentos de crise, devido ao aumento da demanda nos serviços de emergência, consonante à falta de estrutura da rede de serviços em saúde mental, como entraves na parceria/comunicação entre dispositivos de assistência e a utilização limítrofe de leito-noite nos Caps III ou acima de sua capacidade (AVENA, 2009; FURTADO; CAMPOS, 2005).

Para responder a questões como a apresentada, o Ministério da Saúde lançou mão de um pacote de medidas para melhorar o atendimento aos transtornos mentais, o que prevê o aumento de 246% de cobertura ao suporte terapêutico psiquiátrico, comparado a 2002. O objetivo é estimular os hospitais, sobretudo os gerais, a aumentar a quantidade de vagas para internações de pessoas em crise (pacientes agudos), no prazo máximo de 20 dias (BRASIL, 2009).

Confirmando tais afirmações, destacamos, em nosso estudo, algumas observações concernentes aos serviços substitutivos, especificamente no Caps III, Capsad e em emergências psiquiátricas, que podem ser visualizadas a seguir:

O que falta é a comunicação entre os outros Caps. Nós recebemos atenção de todos os Caps, porque somos um Caps 24 horas. Nós não atendemos emergência, mas somos 24 horas. Quando o usuário vai para emergência e lá não tem vaga, eles mandam para cá, mas aqui falta tudo, a gente tenta se comunicar. [...] por vezes, chega o paciente surtado e não vem nem medicado da emergência. A gente [Caps III] não tem médico 24 horas nos finais de semana. Então, muitas vezes, não tem nem a prescrição da emergência de uma medicação injetável para ser realizado no Caps. Então, isso é uma dificuldade muito grande. Nesse ponto, o usuário que é o mais prejudicado, porque eu jamais vou fazer uma medicação sem estar prescrita (E3).

Quando a ideia de um modelo pautado na redemocratização da assistência em saúde mental não está devidamente consolidada, surgem questionamentos relacionados à assistência atual por parte dos profissionais. Esse quadro reflete as limitações da equipe de saúde em lidar com essa problemática, o que pode resultar em falhas no cuidado integral do usuário, além de gerar sofrimento ao trabalhador pelo sentimento de impotência (AVENA, 2009).

Não obstante, o despreparo da equipe quanto ao acolhimento dos usuários em crise, sobretudo à noite e nos finais de semana, por considerar o serviço desprovido de uma quantidade suficiente de profissionais, principalmente médicos, dificulta a tomada de decisões importantes.

Tais fragilidades observadas na rede de saúde mental apontam a necessidade de aprimoramento dos serviços, especificamente quanto à ampliação da equipe multiprofissional, como também a necessidade de incluir novos referenciais na prática cotidiana dos profissionais, enfatizando a importância da educação permanente dos trabalhadores e a necessidade de uma avaliação sistemática das "novas" práticas assistenciais.

A percepção dos profissionais quanto à participação dos familiares no tratamento hospitalocêntrico e nos serviços substitutivos

A atual política brasileira de saúde mental trouxe implicações importantes para a família do portador de sofrimento psíquico, dotando-a de um papel importante no tratamento junto aos serviços substitutivos para a efetivação da reinserção sociofamiliar.

Para alcançar tal proposta, o modelo de assistência substitutivo tem como proposta a possível emancipação pessoal, social e cultural do sofredor psíquico. Essa terapêutica é pautada pela lógica da não internação e pela promoção do convívio social, buscando um olhar mais igualitário da sociedade (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2006). Em nosso estudo, tal afirmativa pôde ser constatada por meio da seguinte fala:

O principal ponto positivo [no Caps] é a ponte criada entre a comunidade, Caps e família. É um ciclo vicioso, a gente está sempre buscando essas três coisas, que é justamente o que a reforma psiquiátrica preconiza. Buscando e atingindo esses três focos, a gente consegue chegar a um bom resultado (E5).

Todavia, há pontos que devem ser considerados na dinâmica familiar diante do sofrimento psíquico, pois não se pode desconsiderar a sobrecarga que recai sobre os familiares por terem de acompanhar um membro adoecido mentalmente e cuidar dele. Esse quadro pode acarretar desgastes e tornar o cuidador fragilizado, além de comprometer a proposta de reinserção social do usuário.

Dessa forma, cabe aos profissionais promover o apoio e o fortalecimento da participação da família no tratamento, por meio da viabilização de esclarecimentos de dúvidas relacionadas ao familiar em sofrimento psíquico e à dinâmica de tratamento (CUNHA; BOARINI, 2011). Contudo, é comum profissionais que trabalham com a saúde mental exigirem da família aceitação da doença, mas acabam por não compreenderem que, muitas vezes, a falta de informação adequada da patologia, o sentimento de insegurança, a dificuldade de relacionamento domiciliar e as condições econômicas precárias prejudicam o seu envolvimento na terapêutica (SILVA; FEITOSA; SILVEIRA, 2007). Nesse sentido, compreendemos a postura de alguns familiares em posicionarem-se contra ao processo de desinstitucionalização, exercendo pressão para que a instituição psiquiátrica continue na custódia dos pacientes.

Em nosso estudo, destacamos os discursos dos entrevistados quanto à percepção da participação dos familiares no tratamento hospitalocêntrico, comparada ao modelo substitutivo em saúde mental:

[No hospital psiquiátrico] Nós tínhamos reuniões com as famílias, mas eles dificilmente participavam. Apesar disso, a participação é muito pouca em relação à quantidade de usuários atendidos (E2).

[No hospital psiquiátrico] Existe o horário de visita e vai quem quer. A equipe não vai chegar ao ponto de ligar para o familiar e perguntar: "O que está acontecendo que você não está vindo?". Até porque, são quantos? (E5).

No hospital, a família só comparecia para internar e quando o usuário recebia alta (E4).

As falas descrevem o limitado envolvimento dos familiares na dinâmica assistencial hospitalar. Fato que vem sendo transformado na perspectiva psicossocial, que busca envolver a família nas atividades assistenciais, bem como não evitar retirar o sujeito em sofrimento psíquico do convívio sociofamiliar. Contudo, mesmo que se evidencie ausência da participação familiar no contexto do cuidado, não cabe aos profissionais emitir julgamentos de desaprovação, mas sim articular medidas para o suporte em situações de dificuldades. Isso é possível pela consolidação de uma aliança terapeuta/família que leve o familiar a perceber que existem outras formas, muitas vezes mais eficazes, de ajudar o sujeito em sofrimento psíquico.

Esse é um ponto importante, pois a recuperação do usuário pode ser comprometida pela relação familiar (SOARES; MUNARI, 2007). Por essa razão, as intervenções realizadas pelos profissionais devem estar pautadas no reconhecimento da necessidade em favorecer um ambiente de troca de experiências, com esclarecimento de dúvidas e o compartilhamento de sentimentos, o que favorece a redução da sobrecarga aos cuidadores.

Apesar de todo aparato terapêutico, esse cenário de "desassistência" por parte dos familiares ainda se repete nos serviços substitutivos, como podemos observar a seguir:

[No Caps] Não há uma participação ativa da família. Os profissionais tentam, chamam, mas tem família que só comparece quando o usuário está em crise (E4).

A parte negativa é em relação à família. A família não quer colaborar com o tratamento, não dá a medicação nos horários certos, não quer ajudar e não tem aquele cuidado que deve ter, mas o Caps tenta, faz visita, conversa nas reuniões, tenta fazer a melhor maneira possível (E3).

Diante das falas, fica evidente que a participação ativa da família no tratamento, proposta da reforma psiquiátrica, ainda pode ser um objetivo a ser consolidado nos serviços substitutivos. Tal realidade talvez seja justificada pelo despreparo dos profissionais em manter um ambiente propício ao resgate desses familiares na terapêutica, refletindo, assim, o distanciamento no processo de reinserção social do seu parente.

Esse fato nos faz repensar nas implicações da desinstitucionalização para os familiares, fragilizados pelo preconceito existente na sociedade e pela realidade imposta, como o retraimento social e as mudanças na dinâmica domiciliar. Desse modo, reforça-se a importância em apoiá-los e reintegrá-los no tratamento, instaurando a ideia da corresponsabilidade para que se tornem facilitadores nas ações de promoção à saúde e de inserção do indivíduo em seu meio.

Tratamento humanizado e trabalho em equipe

O modelo substitutivo propõe trazer novas formas de tratamento, como a humanização do cuidado. Dessa forma, age contrário à lógica do modelo hospitalocêntrico, cuja intervenção era voltada ao modelo clínico curativo que pontuava apenas a doença mental e desconsiderava as relações interpessoais no atendimento aos usuários em sofrimento psíquico.

Observamos, em nosso estudo, que esse cenário de mudanças tem trazido contribuições valiosas, ao orientar medidas inovadoras para aproximar o profissional do sofredor psíquico no ambiente terapêutico:

Hoje eu vejo isso, os profissionais tratando bem, tratando de igual para igual. Quando eu cheguei aqui no Caps, fui informada para não vir de branco, pois isso assustaria os usuários. Então, para que o tratamento fosse ideal, teríamos que nos igualar a eles, vestidos de roupa normal (E3).

A uniformização e a postura do profissional no modelo hospitalocêntrico nos sugerem uma posição hierárquica em relação aos usuários internados. Diante do discurso, evidencia-se a modificação desse quadro no modelo de atenção atual, reconhecido pelo profissional como algo positivo e enriquecedor para o tratamento mais igualitário.

Outra narrativa aponta para o distanciamento dos profissionais, imposto pela estruturação física do ambiente hospitalar.

Lá [hospital psiquiátrico] tinha o posto de enfermagem com grades e isso para mim foi difícil [...] eu ficava me questionando: "Como a gente vai conviver com os usuários se a gente tá do lado de dentro, com grades e os usuários lá fora?". E isso foi difícil de entender no início. A gente via essa diferença que tínhamos que ficar atrás das grades para prestar assistência. Mas eles tinham os momentos de lazer [...] (E5).

Esse cenário nos faz refletir sobre a ideia de periculosidade relacionada ao usuário em sofrimento psíquico no modelo asilar, ao contribuir para resistência na consecução de medidas mais humanizadas ao tratamento.

Além disso, o modelo hospitalocêntrico impedia o atendimento de base comunitária, a participação da família no tratamento, as ações preventivas e a ressocialização, o que refletia em agravamento da incapacidade social (BRASIL, 2002). Os depoimentos apresentados a seguir demonstram como era realizada a assistência intramuro no hospital psiquiátrico, interditado pelo Ministério da Saúde, em Campina Grande-PB, em 2005:

Quanto ao isolamento, se o paciente estivesse agressivo, a gente medicava e isolava ele, e não tinha ninguém para escutá-lo. E aí, ficava isolado, sem banheiro, muitas vezes sem lençol, sem colchão, porque muitas vezes eram suicidas, então, não podia ter nada que servisse para ele tentar o suicídio. [...] eles ficavam longe da família, da sociedade, eles não tinham uma assistência adequada. Os médicos pouco escutavam os usuários (E4).

Com base nos princípios da reforma psiquiátrica, a atuação dos profissionais deve priorizar os serviços extra-hospitalares e de reabilitação psicossocial como formas de tratamento, incorporar uma visão holística do usuário e não focar somente a cura. Um dos grandes desafios na saúde mental é dispor de profissionais capazes de superar o paradigma da loucura. Dessa maneira, devem-se capacitar os profissionais para que possam assistir o sofredor psíquico de forma mais humanizada.

A instalação de uma doença decorrente de diversos fatores, como é o caso do sofrimento mental, necessita de um aparato de cuidados ampliados. Dessa forma, é imprescindível a formação de uma equipe com diversos profissionais qualificados, para ampliar os questionamentos e as sugestões que venham a intervir no tratamento (KIRSCHBAUM; PAULA, 2002).

Caminhando com a humanização, vem a forma de trabalho multidisciplinar e interdisciplinar realizado pelos novos dispositivos em saúde mental:

Quando eu cheguei no Caps, eu fiquei com medo de não dar certo essa relação de equipe trabalhando tudo junto, mas agora eu vejo que é fundamental. Se acontecer alguma coisa no plantão que eu estiver, eu terei que responder pelo acontecido, mesmo não tendo feito nada, pois isso é o trabalho em equipe. Tendo essa equipe para trabalhar, a gente se torna mais forte. Por exemplo, quando se falava em "contenção conjunta". Essa contenção não significa, por exemplo, amarrar, mas tentar conversar com o usuário em equipe (E3).

Com o desenvolvimento do Programa Humaniza-SUS do Ministério da Saúde, foi possível incorporar a perspectiva do apoio matricial e das equipes de referências no âmbito da saúde mental. Essas equipes obedecem a uma composição multiprofissional de caráter transdisciplinar, isto é, são compostas de profissionais de diferentes áreas do conhecimento, o que possibilita um maior vínculo e ampliação de olhares sobre o sujeito doente (BRASIL, 2004).

No modelo hospitalocêntrico, a função do profissional de saúde, na maioria das vezes, era conter e punir o sofredor psíquico pelos atos de indisciplinas, e essas atitudes dificultavam a relação e o vínculo entre ambos. No modelo substitutivo, o profissional busca, junto ao usuário, ações para promover o bem-estar no seu cotidiano. Nessa perspectiva, a assistência busca abranger as necessidades do individuo de forma holística.

Dessa forma, a reorientação da assistência psiquiátrica faz emergir a necessidade de articular o enfoque interdisciplinar, ao considerar que o cuidado ampliado em saúde mental requer percepções distintas entre os demais integrantes da equipe profissional. Assim, além da retaguarda assistencial, tem-se como objetivo produzir um espaço favorável ao intercâmbio de conhecimentos entre as várias especialidades e profissões (FURTADO; CAMPOS, 2005).

Para um melhor desempenho da equipe de saúde na assistência ao sofredor psíquico, destaca-se o apoio matricial em saúde que tem como objetivo assegurar a retaguarda especializada e o suporte técnico-pedagógico às equipes de referências que atuam na área da saúde, enquanto as equipes de referência são aquelas responsáveis pela condução de um caso individual, familiar ou comunitário, como é o caso do Caps (CAMPOS, 2007).

Medidas como essas são consideradas fundamentais para o estabelecimento de diretrizes metodológicas para a gestão do trabalho e da assistência em saúde mental. O objetivo é ampliar as possibilidades em realizar uma assistência mais humanizada, com a disposição de um conjunto de recursos que visem focar o tratamento voltado ao sujeito e seus laços sociais, além de favorecer a integração entre distintas especialidades e profissões.

A composição desses instrumentos pretende assegurar, na área de saúde mental, maior efetividade no trabalho e investir na construção da autonomia dos usuários (CAMPOS, 2007). Constituem-se, assim, como ferramentas indispensáveis para a humanização da atenção e da gestão em saúde (BRASIL, 2004).

 

Considerações finais

Apesar do avanço acelerado e consistente na atenção em saúde mental, foi possível perceber, por meio deste estudo, a resistência de alguns profissionais quanto à dinâmica de funcionamento dos modelos substitutivos, com discursos que remetem à necessidade do hospital psiquiátrico como uma modalidade de assistência preferencial no atendimento ao sofredor psíquico nos momentos de crise.

Além disso, a insegurança da equipe quanto ao acolhimento dos usuários em crise, sobretudo à noite e nos finais de semana, por considerar o serviço desprovido de uma quantidade suficiente de profissionais, principalmente médicos, dificulta a tomada de decisões importantes. Tais fragilidades apontam para a necessidade de aprimoramento dos serviços, quanto à ampliação da equipe multiprofissional, como também para a importância em fortalecer os referenciais da reforma psiquiátrica na prática cotidiana dos profissionais.

Outro ponto importante é a reprodução do cenário de "desassistência" da família nos serviços substitutivos, como era possível perceber no modelo manicomial. Desse modo, reforça-se a importância em apoiá-la e reintegrá-la no tratamento, instaurando a ideia da corresponsabilidade para que a família se torne facilitadora nas ações de inserção do seu parente no meio social.

Sendo assim, podemos concluir que atuar na perspectiva da reabilitação psicossocial constitui-se em tarefa de alto grau de complexidade, não apenas pela gama de ações a serem desenvolvidas, mas também pela necessidade constante de repensar as práticas e articular as mudanças necessárias no âmbito assistencial. Assim, acreditamos que este estudo poderá contribuir para reflexão sobre o processo de desinstitucionalização, pois favorece a ampliação de novos entendimentos sobre a prática de cuidados nos modelos de assistência à saúde mental.

 

Referências

ALVERGA, A. R.; DIMENSTEIN, M. A reforma psiquiátrica e os desafios na desinstitucionalização da loucura. Interface, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 20-23, 2006.         [ Links ]

AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998.         [ Links ]

AVENA, D. de A. O engenho por dentro: cartografia das práticas cotidianas de cuidado em saúde mental dos auxiliares e técnicos de enfermagem na perspectiva da integralidade. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva)–Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2006.         [ Links ]

BARRETO, H. A.; GAUDÊNCIO, M. M. P. Convivendo com a diferença: sobre as relações interpessoais entre familiar cuidador e o portador de transtorno psíquico. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Enfermagem)–Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2010.

BOTEGA, N. J. Psiquiatria no hospital geral: histórico e tendências. In: ______. (Org.). Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 17-34.         [ Links ]

BRASIL. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União, Brasília, 16 out. 1996.         [ Links ]

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria no 336/GM. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, Brasília, 19 fev. 2002.         [ Links ]

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização Humaniza-SUS. Equipe de Referência e Apoio Matricial. Série B. Textos Básicos de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.         [ Links ]

BRASIL. Ministério da Saúde. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. OPAS. Brasília, nov. 2005.         [ Links ]

BRASIL. Ministério da Saúde. Pacote de medidas é anunciado para melhorar o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Brasília: Ministério da Saúde, 3 nov. de 2009. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm?pg=dspDetalheNoticia&idarea=1450&CONOTICIA=10739>. Acesso em: 10 jul. 2010.         [ Links ]

CAMPOS, G. W. S. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 399-407, 2007.         [ Links ]

CAMPOS, R. T. O. et al. Avaliação da rede de centros de atenção psicossocial: entre a saúde coletiva e a saúde mental. Rev. Saúde Pública, v. 43, supl. 1, p. 16-22, 2009.         [ Links ]

CUNHA, C. C.; BOARINI, M. L. O lugar da criança e do adolescente na reforma psiquiátrica– Universidade Estadual de Maringá. Revista Psicologia e Saúde, v. 3, n. 1, p. 68-76, jan./jun. 2011.

FURTADO, J. P.; CAMPOS, R. A transposição das políticas de saúde mental no Brasil para a prática nos novos serviços. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., v. 3, n. 1, p. 109-122, 2005.         [ Links ]

KIRSCHBAUM, D. I. R.; PAULA, F. K. C. Contradições no discurso e na prática de o trabalho de enfermagem nos serviços-dias de Saúde Mental. Rev. Esc. Enfermagem USP, v. 36, n. 2, p. 170-176, 2002.         [ Links ]

MIRANDA, F. A. N. Saúde mental e familiar: dilemas e propostas na constrição da assistência integral e o resgate da cidadania do doente mental. Unoparc Cien., Ciênc. Biol. Saúde, Londrina, v. 1, n. 1, p. 77-83, out. 1999.         [ Links ]

MONTEIRO, C. B. O enfermeiro nos novos dispositivos assistenciais em saúde mental. Esc. Anna Nery, v. 10, n. 4, p. 735-739, dez. 2006.         [ Links ]

MORAES, M. O modelo de atenção integral à saúde para tratamento de problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas: percepções de usuários, acompanhantes e profissionais. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 121-133, jan./fev. 2008.         [ Links ]

SANTOS JUNIOR, H. P. O.; SILVEIRA, M. F. A. Práticas de cuidados produzidas no serviço de residências terapêuticas: percorrendo os trilhos de retorno à sociedade. Rev. Esc. Enferm. USP, v. 43, n. 4, p. 788-795, 2009.         [ Links ]

SILVA, T.; FEITOSA, K. M. A.; SILVEIRA, M. F. A. Avaliação da percepção da família do sofredor psíquico frente à reforma psiquiátrica. Campina Grande: Universidade Estadual da Paraíba, 2007.         [ Links ]

SOARES, C. B.; MUNARI, D. B. Considerações acerca da sobrecarga em familiares de pessoas com transtornos mentais. Ciênc. Cuid. Saúde, v. 6, n. 3, p. 357-362, 2007.         [ Links ]

WORLD MEDICAL ASSOCIATION. 52ª General assembly of the World Medical Association. Declaration of Helsinki: recommendation guiding physicians in biomedical research involving human subjects, 1964. Edinburgh: World Medical Association, 2008.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Contato
Kellida Moreira Alves Feitosa
e-mail: kel_feitosa@yahoo.com.br

Tramitação
Recebido em novembro de 2010
Recebido em agosto de 2011