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Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.14 no.1 São Paulo abr. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A integração incidental da informação visual e espacial na memória de trabalho1

 

The incidental binding of visual and spatial information in working memory

 

La integración incidental de la información visual y espacial en la memoria deL trabajo

 

 

Ana Paula Ulmann Corder; Rafael Vasques Ricardo Basso Garcia; Cesar Galera

Universidade de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste estudo, investigou-se a integração incidental da informação visual e espacial na memória de trabalho utilizando uma tarefa de reconhecimento de sequências, na qual os participantes deveriam memorizar uma sequência de estímulos em função de uma dimensão relevante predeterminada e ignorar mudanças na dimensão irrelevante. Considerou-se que, se o desempenho na tarefa de reconhecimento fosse prejudicado por uma mudança na dimensão irrelevante, poder-se-ia inferir que objeto e posição espacial foram integrados de forma automática. Essa suposição foi testada em duas condições experimentais, em que as dimensões relevantes para a tarefa de reconhecimento eram a aparência visual (figuras geométricas e letras em fontes gráficas diferentes) ou a localização espacial de cada estímulo. As dimensões irrelevantes eram, respectivamente, a localização espacial e a aparência visual. Os resultados mostraram que uma mudança na dimensão irrelevante tem um efeito significativo sobre o reconhecimento das sequências, sugerindo que as informações sobre objeto e posição são integradas de forma incidental.

Palavras-chave: memória de curto prazo; memória de trabalho; reconhecimento; associação; atenção.


ABSTRACT

This study investigated the incidental integration of visual and spatial information in working memory using a sequence recognition task in which participants had to memorize a sequence of stimuli according to a predetermined relevant dimension and ignore changes in an irrelevant dimension. It was supposed that, if performance was affected by a change in the irrelevant dimension, it could be inferred that object and spatial position were automatically integrated. This assumption was tested in two experimental conditions in which the dimensions relevant to the recognition task were visual appearance (geometric figures and letters in different graphics fonts), or the spatial location of each stimulus. The irrelevant dimensions were, respectively, the spatial location and visual appearance of the stimuli. The results showed that a change in the irrelevant dimension has a significant effect on recognition of sequences, suggesting that information about object and position are incidentally integrated.

Keywords: short term memory; working memory; recognition; association; attention.


RESUMEN

En este estudio se investiga la integración de la información en la memoria del trabajo visual y espacial, por medio de una tarea de reconocimiento de secuencias en la que los participantes debían memorizar una secuencia de estímulos de acuerdo a una dimensión relevante determinada e ignorar los cambios en la dimensión irrelevante. Se consideró que si el rendimiento fuera afectado por un cambio en la dimensión irrelevante, se podría inferir que el objeto y la posición espacial se integran de forma automática. Esta hipótesis fue probada en dos condiciones experimentales en las que la dimensión relevante para la tarea de reconocimiento podía ser el aspecto visual (figuras geométricas y letras en diferentes fuentes gráficas) o la ubicación espacial de cada estímulo. Las dimensiones irrelevantes fueron, respectivamente, la ubicación espacial y el aspecto visual. Los resultados mostraron que un cambio en la dimensión irrelevante tiene un efecto significativo en el reconocimiento de las secuencias, lo que sugiere que el aspecto visual y la ubicación espacial se integran incidentalmente.

Palabras clave: memoria de corto plazo; memoria operacional; reconocimiento; asociación; atención.


 

 

Introdução

Diversos estudos sugerem que a memória de trabalho visuoespacial pode ser fracionada em dois componentes: 1. visual, responsável pelo armazenamento e processamento de propriedades relacionadas a forma, cor, luminosidade e disposições visuais estáticas; 2. espacial, relacionado ao armazenamento de localizações e trajetórias (Logie; Marchetti, 1991; Logie, 1995; Hecker; Mapperson, 1997; Klauer; Zhao, 2004; Repovs; Baddeley, 2006; Darling; Della Sala; Logie, 2007).

Uma vez estabelecida, a dissociação funcional entre sistemas de armazenamento visual e espacial apresenta um novo problema. Em algum momento, informações visuais e espaciais devem ser integradas de maneira que se possa, por exemplo, lembrar do local em que um objeto foi visto pela última vez. Essa integração é uma função complexa realizada pelo cérebro, na qual as operações mentais realizadas por diferentes áreas são integradas e resultam em uma experiência unificada (RANGEL et al., 2010). Uma questão atualmente em debate é se a unidade de armazenamento na memória de trabalho é o objeto (que resulta da integração de todas as informações perceptuais a seu respeito) ou se são as diversas características que o compõem (neste caso, aspectos distintos como cor, forma e localização estariam sendo armazenados de modo independente para posteriormente serem integrados quando o objeto precisa ser recuperado da memória). Outra questão em debate é sobre a natureza do processo de integração – se este seria automático ou dependente de recursos de atenção. As evidências experimentais mostram que a capacidade para armazenar objetos não parece demandar mais atenção do que o armazenamento de suas características tomadas isoladamente, sugerindo que a integração (binding) de cor e forma é automática (ALLEN; BADDELEY; HITCH, 2006; ALLEN; HITCH; BADDELEY, 2009; KARLSEN et al., 2010).

Além de automática, em algumas situações a conjunção parece acontecer de forma incidental, ou seja, a conjunção acontece mesmo quando é irrelevante para a tarefa em curso. Por exemplo, Jiang, Olson e Chun (2000) e Olson e Marchuetz (2005) mostraram que o reconhecimento de um estímulo visual é prejudicado se a posição do estímulo teste é diferente da posição na qual o estímulo havia sido memorizado. Ou seja, a informação espacial é codificada incidentalmente com a informação visual, a despeito de os participantes serem instruídos a ignorar a posição na qual os estímulos visuais foram apresentados.

O trabalho de Treisman e Zhang (2006) investigou o papel da posição espacial na integração de características como forma e cor. Esse estudo explorou se o reconhecimento de objetos segundo características relevantes (por exemplo, forma e/ou cor) sofre interferências de mudanças que ocorrem em características que são irrelevantes para a tarefa (por exemplo, de posição espacial). O raciocínio foi que, se mudanças irrelevantes interferem no reconhecimento do objeto, então se pode inferir que todas as informações acerca do objeto (como posição, cor e forma) foram integradas em uma representação unitária. Os resultados mostraram que existe uma interferência, e, de acordo com os autores, isso indica que a integração das características visuais (cor e forma) é mediada, pelo menos em parte, pela combinação entre posição e características visuais. Considerando que a localização não é relevante para a tarefa, pode-se então inferir que essa integração ocorreu automaticamente.

As evidências apresentadas na literatura mostram que as características visuais e espaciais são processadas por sistemas separados, mas que interagem entre si. Neste estudo, o objetivo foi investigar a integração de informações visuais e espaciais na memória de trabalho utilizando sequências de estímulos. A maioria dos estudos relacionados na literatura utiliza tarefas de reconhecimento nas quais os objetos de uma cena ou de uma configuração são apresentados simultaneamente. Embora esse tipo de tarefa seja muito útil, a apresentação sequencial dos estímulos de uma configuração pode ser mais informativa sobre o processamento espacial e visual dos estímulos que compõem a sequência. Considerando os resultados de Olson e Marchuetz (2005), uma tela que contém mais de um estímulo pode levar a uma codificação visual das informações espaciais relativas dos objetos entre si. A apresentação sequencial, portanto, prioriza o processamento de um único objeto visual no espaço da tela.

Neste trabalho, investigou-se o comportamento das pessoas nas seguintes situações:

• No reconhecimento de posições espaciais, alteram-se os objetos que as ocupavam (ou seja, poderia haver uma modificação na dimensão irrelevante).

• No reconhecimento de objetos, alteram-se as posições em que foram apresentados. Se as mudanças irrelevantes interferem na tarefa de reconhecimento, pode-se então inferir que o objeto e sua posição foram memorizados em uma representação unitária que integrou as características visuais com a espacial. Conforme foi verificado, as alterações irrelevantes prejudicaram diferentemente a memória para posição e objetos, trazendo evidências de que, apesar de integradas, há uma assimetria que sugere, por um lado, o funcionamento de sistemas distintos de memória e, por outro, um processo de integração diferenciado de acordo com o objetivo da tarefa.

 

Experimento 1

Método

Participantes

Foram convidados a participar desse experimento 26 indivíduos (13 mulheres), estudantes universitários, com idade entre 19 e 38 anos (M = 22,4, DP = 3,9), relatando visão normal ou corrigida. Todos leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Estímulos

Oito figuras geométricas (quadrado, triângulo, círculo, losango, sinal de mais, coração, estrela e asterisco), com aproximadamente 1,5º de ângulo visual, apresentadas em preto sobre o fundo branco da tela do monitor. Esses estímulos eram apresentados na região central da tela do monitor, numa matriz virtual de 7 x 7, distribuída numa área quadrada, com lados de aproximadamente 10,5º de ângulo visual.

Materiais

Foi utilizado um monitor SVGA de 18" (resolução 1.024 x 768 pixels), controlado por microcomputador do tipo IBM-PC. A apresentação dos estímulos e o registro das respostas foram realizados pelo utilitário E-prime 1.2 (SCHNEIDER; ESCHMAN; ZUCCOLOTTO, 2002).

Procedimento

Utilizou-se uma tarefa de reconhecimento de sequências na qual o participante memorizava uma sequência com quatro estímulos e, depois de um intervalo de retenção, julgava se uma sequência teste, também com quatro estímulos, era igual ou diferente da sequência memorizada. A dimensão relevante para o julgamento (D1) podia ser a aparência visual ou a localização espacial de um dos estímulos das duas sequências. Nas provas em que as sequências eram diferentes em relação a D1, apenas um dos estímulos da sequência teste mudava em relação aos estímulos da sequência memorizada. Tanto nas provas em que D1 era igual nas duas sequências como nas provas em que D1 era diferente, em metade das provas, um dos estímulos da sequência teste apresentava uma mudança na dimensão irrelevante para a tarefa (D2). Por exemplo, nas provas em que os participantes deveriam memorizar a aparência visual (D1), em metade das provas, os estímulos das duas sequências tinham a mesma aparência, e, na outra metade das provas, um dos quatro estímulos da sequência teste tinha a aparência diferente. Em ambos os casos, a posição na qual os estímulos eram apresentados, a dimensão irrelevante para a resposta (D2), podia ser a mesma para todos os estímulos da sequência teste ou era diferente para um dos estímulos. Dessa forma, em 50% das provas, as sequências eram iguais em termos de D1, e, em 50%, diferentes; em ambos os casos, em 50% das provas, a dimensão irrelevante era diferente, e, em 50%, permanecia igual nas duas sequências.

Cada prova começava com a apresentação de um ponto de fixação no centro da tela por 1.000 ms. Em seguida, apresentavam-se quatro estímulos da sequência a ser memorizada. Cada estímulo permanecia na tela por 400 ms, com um intervalo de 100 ms entre cada estímulo. O intervalo entre o último estímulo da sequência memorizada e o primeiro estímulo da sequência teste era de 1.000 ms. Após a apresentação da sequência teste, a tarefa do participante era responder (sem limitação de tempo) se a sequência teste era igual à primeira sequência apresentada. A tecla 1 do teclado numérico deveria ser pressionada para sequências iguais, e a tecla 2, para as sequências diferentes.

A sessão experimental era dividida em dois blocos de provas. Em um bloco, os participantes eram instruídos a julgar as sequências com base na aparência (D1) e ignorar mudanças na posição espacial (D2). No outro bloco, os participantes eram instruídos a julgar as sequências com base na posição espacial dos estímulos (D1) e ignorar mudanças na aparência visual (D2).

Nas provas em que houve algum tipo de mudança, a probabilidade de algo mudar foi a mesma para as quatro posições seriais (primeiro, segundo, terceiro ou quarto estímulo apresentado), tanto na dimensão relevante quanto na irrelevante. No início de cada bloco, foram realizadas cinco provas de treino seguidas por 128 provas, um total de 256 provas experimentais.

Resultados

A porcentagem de respostas corretas (Gráfico 1) foi analisada por meio de uma Anova para medidas repetidas com os seguintes fatores: tarefa (julgar posição ou julgar aparência), D1 (igual ou diferente) e D2 (igual ou diferente).

O desempenho médio seguiu um padrão semelhante no julgamento da aparência e da posição espacial, e não houve diferença entre as tarefas (F(1,25) < 1). Houve um efeito da mudança em D1 (F(1,25) = 40,82, p < 0,001), indicando que alterações na dimensão relevante interferiram no julgamento. Esse mesmo efeito foi observado em ambas as tarefas, sendo um pouco mais acentuado no julgamento da aparência, mas houve apenas uma tendência de interação entre os fatores tarefa e D1 (F(1,25) = 3,0, p = 0,09). O desempenho foi superior nas provas em que a dimensão relevante era, na sequência teste, igual à sequência inicial (83%) e inferior (68%) quando era diferente. Ou seja, há mais erro ao julgar que a sequência teste foi diferente, um resultado que sugere que os participantes tiveram mais dificuldades para detectar uma mudança na sequência de estímulos.

 

 

Com relação ao efeito da mudança na dimensão irrelevante, pode-se observar no Gráfico 1 que o desempenho varia pouco quando a dimensão relevante permanece igual, mas, quando esta é diferente, o desempenho tende a ser inferior quando D2 permanece igual do que quando também é modificada. De fato, quando se alteram tanto a aparência quanto a posição, há mais diferenças na sequência teste, e, portanto, mais fácil foi a discriminação. Essa facilitação é pequena, e a análise não apontou um efeito principal de D2 (F(1,25) = 1,19, p = 0,28). No entanto, houve uma interação entre D1 e D2 (F(1,25) = 5,19, p = 0,03), indicando a presença de um efeito de dimensão irrelevante. Isso ocorre no caso em que D1 é diferente: o teste post hoc Newman-Keuls mostra que o desempenho de 65%, nas provas em que D2 não muda, é inferior ao desempenho de 69%, obtido nas provas em que D2 é diferente (p = 0,03).

Discussão

O objetivo desse experimento foi investigar se mudanças numa dimensão irrelevante para a execução de uma tarefa afetam o desempenho em uma tarefa de reconhecimento baseado numa dimensão relevante. Os resultados do experimento trazem algumas evidências desse efeito. A interação entre D1 e D2 revelou que uma mudança na dimensão irrelevante melhora o desempenho nas provas em que a dimensão relevante também muda, pois, conforme mencionado, quanto mais diferentes forem as sequências, mais fácil será a discriminação. De maneira geral, os resultados do Experimento 1 refletem parcialmente o que é relatado na literatura: mudanças na dimensão irrelevante têm um efeito significativo no desempenho de tarefas de reconhecimento (Jiang; Olson; Chun, 2000; Olson; Marchuetz, 2005; Treisman; Zhang, 2006; Zimmer; Lehnert, 2006). Aqui, o efeito da mudança na dimensão irrelevante é aparente apenas na interação com mudanças em D1.

As diferenças de procedimento entre este estudo e aqueles apresentados na literatura podem explicar parcialmente os motivos pelos quais não se obteve um efeito mais forte da mudança na dimensão irrelevante. Em primeiro lugar, apresentaram-se sequencialmente quatro itens, enquanto, no estudo original, Treisman e Zhang (2006) indicaram três itens de forma simultânea. Em segundo, utilizaram-se estímulos semelhantes aos de Treisman e Zhang (2006), mas não se exigiu dos participantes a realização de supressão articulatória. Como os estímulos são figuras geométricas familiares e de fácil nomeação, não se pode descartar a contribuição de estratégias verbais para os resultados obtidos. De acordo com essa interpretação, o efeito de dimensão irrelevante, já observado em estudos da memória de trabalho visuoespacial, aparece apenas discretamente. Em vista disso, o experimento seguinte foi pensado de modo que minimize o uso de estratégias verbais. Por um lado, alteraram-se os estímulos, e, por outro, introduziram-se ruídos que interferem seletivamente sobre as memórias espacial e visual, com o intuito de obter evidências de que a realização da tarefa de reconhecimento de sequências está baseada em um componente visuoespacial.

Por último, o fato de que os mesmos participantes tenham feito ambas as tarefas de julgamento (de aparência e posição espacial) pode também ter interferido nos resultados. No Experimento 1, em um bloco de provas, parte da informação do estímulo é irrelevante, e, em outro bloco, essa mesma informação passa a ser relevante. Para evitar a alternância de instruções e de estratégias, considerou-se, no Experimento 2, que um delineamento entre sujeitos seria mais adequado, a fim de tornar os resultados mais confiáveis com relação ao efeito da dimensão irrelevante.

 

Experimento 2

Nesse experimento, os estímulos foram modificados de modo a dificultar a estratégia verbal. Selecionou-se e padronizou-se um conjunto de letras em diversas fontes tipográficas. Em uma mesma prova, a mesma letra foi apresentada em fontes tipográficas diferentes. Como a apresentação foi rápida e as fontes tinham detalhes específicos, havia a expectativa de que os participantes se baseassem principalmente nas características visuais dos estímulos. Com a finalidade de interferir sobre os componentes da memória visuoespacial, optou-se pelo uso da técnica do flicker utilizada por Hecker e Mapperson (1997) para interferir seletivamente sobre a memorização de informações visuais e espaciais. Essa técnica consiste na alternância de cores na região da tela externa à área de apresentação de estímulos e é interessante porque não exige recursos de memória ou atenção. Essa técnica se fundamenta na teoria das duas vias de processamento visual: a via cortical dorsal, responsável pelo processamento de informação espacial e movimento; e a via cortical ventral, responsável pela identificação e pelo reconhecimento de objeto. Segundo evidências obtidas por potencial evocado, o flicker colorido (isoluminante) é processado pelo subsistema ventral, e o flicker preto e branco, pela via dorsal (BRIGELL et al., 1996). Quando se introduziu esse tipo de flicker durante a apresentação de estímulos em tarefas de memória visuoespacial, os resultados obtidos por Hecker e Mapperson (1997) mostraram que o flicker colorido prejudicou a memória para objetos (atuando como um ruído visual), e o preto e branco, a memória para localizações (atuando como um ruído espacial).

Método

Participantes

Foram convidados a participar desse experimento 24 indivíduos (12 mulheres), estudantes universitários, com idade entre 19 e 26 anos (M = 22, DP = 1,9), relatando visão normal ou corrigida. Todos os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos experimentais.

Estímulos

Os estímulos eram letras em diversas fontes tipográficas dessemelhantes entre si, em cor preta, com aproximadamente 1,5º de ângulo visual. Esses estímulos foram apresentados numa tela com as mesmas características daquela utilizada no experimento anterior, com a exceção de que a região externa à área da matriz, na qual eram apresentados os estímulos, poderia ser apresentada em cinza (30,5 cd/m2), branco (61 cd/m2), preto (0,4 cd/m2) ou em vermelho, verde, azul, laranja, roxo e cinza (cores compostas pelas seguintes coordenadas do sistema RGB: 244/0/0, 0/164/0, 60/60/255, 219/90/04, 217/0/217 e 137/143/154, respectivamente), com luminâncias ajustadas entre 8,9 e 9,3 cd/m2.

Materiais

Utilizaram-se os mesmos materiais do Experimento 1.

Procedimento

Empregou-se a mesma tarefa de reconhecimento de sequências do Experimento 1, mas cada estímulo foi apresentado por 480 ms. Durante a apresentação dos estímulos, a região externa àquela onde os estímulos eram apresentados poderia permanecer continuamente cinza (controle) ou alternar aleatoriamente, a cada 120 ms, em preto ou branco (flicker preto e branco), ou alternar aleatoriamente, na mesma taxa, entre as seis cores possíveis (flicker colorido). Essas condições experimentais foram aleatorizadas entre as provas.

Nesse experimento, os participantes foram divididos em dois grupos: para um, a instrução foi julgar a igualdade das duas sequências em função da aparência visual dos estímulos (dimensão relevante D1), independentemente de terem sido apresentados em posições iguais ou diferentes (ou seja, aqui a dimensão irrelevante D2 foi a posição); para o outro grupo, a instrução foi julgar a igualdade das duas sequências em função das posições que os estímulos haviam ocupado na tela, independentemente de os estímulos visuais das duas sequências terem sido ou não iguais (ou seja, aqui a posição foi a dimensão relevante D1, e a dimensão irrelevante D2, a aparência). No início da sessão, houve 12 provas de treinamento, 4 por condição de interferência. Foram realizadas 64 provas por cada condição de flicker, totalizando 192 provas experimentais.

Resultados

A porcentagem de respostas corretas (Gráfico 2) foi analisada por meio de uma Anova, considerando o fator grupo entressujeitos (julgamento de aparência ou de posição) e medidas repetidas nos seguintes fatores: flicker (condição controle, flicker colorido e flicker preto e branco), D1 (igual ou diferente) e D2 (igual ou diferente).

 

 

Não houve diferenças entre os grupos (F(1,22) < 1), o que indica que as tarefas visual e espacial apresentaram grau de dificuldade semelhante. Também não se observou efeito do flicker (F(2,44) < 1), e a interação entre grupo e flicker também não foi significativa (F(2,44) < 1), o que seria esperado se os resultados fossem semelhantes aos obtidos por Hecker e Mapperson (1997).

O desempenho dos participantes foi superior nas provas em que a dimensão relevante era, na sequência teste, igual à sequência inicial (78%), mas foi inferior quando a sequência teste era diferente da apresentada (60%) (F(1,22) = 40,36, p < 0,001). As mudanças em D1 afetaram o desempenho em ambos os grupos, mas não houve interação entre os fatores grupo e D1 (F(1,22) < 1).

Alterações em D2 afetaram o desempenho dos participantes (F(1,22) = 5, p = 0,036). O desempenho foi superior nas provas em que a dimensão irrelevante era, na sequência teste, diferente da sequência inicial (71%), mas, quando a sequência teste era igual à apresentada, o desempenho foi inferior (67%). Ou seja, um efeito oposto ao de D1. De fato, a interação entre D1 e D2 é significativa (F(1,22) = 12,49, p = 0,002), e, interessantemente, o efeito de D2 sobre as tarefas de julgamento é assimétrico, conforme indica a interação entre grupo e D2 (F(1,22) = 51,54, p < 0,001) e a interação tripla entre grupo, D1 e D2 (F(1,22) = 33,34, p < 0,001). Como pode ser observado no Gráfico 2, quando D1 é igual, a mudança em D2 não tem efeito, mas, quando D1 é diferente, o efeito de D2 sobre os dois grupos é acentuado e assimétrico.

No caso em que D1 é a posição espacial, o desempenho é superior quando D2 é diferente (75%) e inferior quando D2 é igual (46%). Ou seja, uma mudança na aparência permite detectar facilmente que as sequências espaciais são diferentes, mas manter as aparências predispõe a uma resposta "igual", um indício de que os aspectos visuais dos objetos, embora irrelevantes, estão influenciando a resposta na tarefa de julgamento de posição. No caso em que D1 é a aparência visual, o desempenho é superior quando D2 é igual (65%) e inferior quando D2 é diferente (55%). Ou seja, quando a posição de um objeto não muda, é relativamente fácil detectar que as sequências são diferentes, mas modificar também uma posição prejudica a detecção.

Em suma, os resultados desse experimento mostram que 1. alterações na dimensão relevante sempre prejudicam o desempenho em comparação com a situação em que essa dimensão permanece inalterada; 2. se a dimensão relevante não muda, a dimensão irrelevante não tem efeito; 3. se a dimensão relevante muda na tarefa de julgamento de aparência, é mais difícil perceber mudanças nessa dimensão (aparência) quando se muda também uma posição; e 4. se a dimensão relevante muda na tarefa de julgamento de posição, é mais difícil perceber mudanças nessa dimensão (posição) quando a aparência permanece igual.

Discussão

Nesse segundo experimento, fizeram-se algumas modificações com o intuito de, por um lado, reduzir a possível influência de estratégias verbais que atuaram no Experimento 1 e, por outro, identificar que a tarefa de julgamento de sequências exige recursos de memória visual e espacial. Obtiveram-se resultados mais informativos no segundo experimento, um indício de que as modificações foram pertinentes.

Os estímulos escolhidos nessa etapa – letras em diferentes fontes tipográficas – alteraram o padrão de desempenho. Obteve-se o efeito de dimensão irrelevante, que aparecia apenas discretamente no Experimento 1. Ou seja, atingiu-se o objetivo de verificar que informações irrelevantes interferem em tarefas de memória para sequências de estímulos, indo ao encontro do que a literatura descreve. Se a instrução da tarefa é explícita sobre quais aspectos dos estímulos devem direcionar a resposta e quais devem ser ignorados, e se, ainda assim, os aspectos irrelevantes dos estímulos estão influenciando nas respostas, isso sugere que informações de diferente natureza estão integradas na memória, de maneira incidental.

Contudo, as modificações irrelevantes interferem apenas no julgamento de sequências diferentes em D1. Na introdução, veem-se diversos resultados nos quais o reconhecimento de objetos iguais é prejudicado por modificações de posição, mas isso não ocorreu nos experimentos aqui apresentados. É possível que tal discrepância se deva ao modo de apresentação dos estímulos. Em geral, na literatura, os estímulos foram apresentados simultaneamente e, no presente estudo, optou-se pela apresentação sequencial para reduzir o processamento de suas relações espaciais. No trabalho de Olson e Marchuetz (2005), não foram as modificações de posições absolutas que interferiram na tarefa de memória, mas sim as modificações de posições relativas a um contexto. Como neste estudo as mudanças espaciais foram absolutas, essa interferência não ocorreu para as sequências iguais. Nesse caso, a tarefa de julgamento foi mais precisa com relação à dimensão relevante. É plausível supor, portanto, que o efeito de dimensão irrelevante ocorra porque as diversas informações do ambiente ou de uma cena foram processadas, integradas e então armazenadas na memória de trabalho. Isso estaria salientado nos estudos em que os estímulos aparecem simultaneamente em uma tela a ser memorizada.

Mas por que há um efeito de dimensão irrelevante quando D1 é diferente? Nesse caso, o desempenho na tarefa de julgamento variou nas diversas condições experimentais. Pode-se supor que a detecção de mudança envolve mais incerteza e é uma situação de conflito. Em vista disso, informações irrelevantes (iguais ou diferentes às originais) interferem no processo de decisão, o que pode ser interpretado como um indício de que as informações estão integradas na memória de trabalho.

No julgamento de posição, a aparência dos estímulos exerceu uma forte influência – se ela não muda, a resposta "igual" é ativada; entretanto, se ela muda, ocorre um aumento da taxa de detecção de mudança. No julgamento de aparência, é um resultado curioso o baixo desempenho quando ocorrem mudanças em D1 e D2, visto que modificar aspectos relevantes e irrelevantes aumenta a diferença entre as sequências, o que deveria facilitar a discriminação como ocorre na outra tarefa. Ao que parece, manter as posições ajuda a avaliar a aparência dos objetos. Isso acontece porque, nesse caso, apenas características visuais são atualizadas em uma das posições, sendo de mais fácil detecção. Já a modificação adicional de uma posição leva a uma nova integração entre características visuais e localização.

 

Considerações finais

Neste estudo, investigou-se a conjunção incidental entre a aparência visual e a posição espacial em uma tarefa de reconhecimento de sequências. A hipótese de trabalho foi que a conjunção incidental entre duas dimensões (visual e espacial) poderia ser inferida com base no efeito de uma dimensão irrelevante sobre o desempenho numa tarefa de reconhecimento baseada numa dimensão definida como relevante. E isso aconteceu nos dois experimentos. Mudanças na dimensão irrelevante afetaram o desempenho na tarefa de reconhecimento, mesmo os participantes sabendo que as mudanças eram irrelevantes e que deveriam ser ignoradas.

De acordo com a teoria de integração de características (TREISMAN; GELADE, 1980), a codificação de objetos complexos exige a focalização da atenção na posição do objeto. A focalização da atenção "cola" as características referenciadas numa posição do espaço num objeto coerente, e assim a percepção do objeto passa pela focalização da atenção na região que este ocupa no espaço. Dessa forma, pode-se supor que, neste estudo, a posição espacial é codificada e armazenada junto com as características visuais, independentemente de ser necessária ou não para a tarefa. Os estudos de Finke et al. (2005) e Jiang, Olson e Chun (2000) também mostram que, em uma tarefa de memória visual, a informação espacial é codificada, mesmo quando desnecessária, e sugerem que a informação espacial pode fornecer subsídios importantes para a codificação da informação visual na memória de curto prazo.

De acordo com Cowan e Morey (2007), é crucial saber se a informação de diferentes modalidades são mantidas na memória como objetos coerentes ou como associações abstratas entre características. Em outras palavras, é importante saber se informações de diferentes modalidades são armazenadas como arquivos de objeto, de forma semelhante à descrita por Kahneman, Treisman e Gibbs (1992), ou se o que é armazenado é apenas o vínculo entre as informações. Nos casos em que os objetos coerentes devem ser lembrados, as localizações espaciais deles não são mantidas separadamente, o que sugere que as associações "aparência visual" e "localização espacial" são mantidas como componentes de objetos integrados e não como associações entre representações mantidas separadamente. De maneira geral, os dados obtidos neste estudo sugerem que a aparência visual e a localização espacial são armazenadas de modo integrado, mas não permitem definir se isso ocorre na forma de objeto ou vínculo associativo. Essas questões ainda precisam ser elucidadas.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Contato
Cesar Galera
e-mail: algalera@usp.br

Tramitação
Recebido em outubro de 2010
Aceito em outubro de 2011

 

 

Nota

1 A gradecemos a Jeanny J. R. A. Santana e Juliana P. M. C. Godoy pela ajuda na programação dos experimentos e pela leitura crítica da versão inicial deste artigo. Apoio financeiro: CAPES (RBG), FAPESP (APUC, IC) e CNPq (CG, PQ e RV , IC).