SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número2Juegos en la ciudad de Belém‑PA: un análisis de género y edad índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.14 no.2 São Paulo ago. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação do ler e do escrever de surdos pela língua brasileira de sinais

 

Reading and writing evaluation of deaf people using Brazilian sign language

 

Evaluación de la lectura y escritura de los sordos por la lengua de signos brasileña de signos

 

 

Veronica Aparecida PereiraI;Ana Cláudia Moreira Almeida‑VerduII

I Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados – MS – Brasil
II Universidade Estadual Paulista, Bauru – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A utilização da Língua Brasileira de Sinais (Libras) na educação dos surdos é assegurada por lei, mas sua adoção em políticas educacionais requer uma adequação nas modalidades de estímulo e de resposta adotadas. Esse estudo buscou caracterizar o desempenho do ler e do escrever em quatro alunos surdos, usuários de Libras em fase de alfabetização. A avaliação ocorreu por meio de tarefas de seleção, sinalização e escrita, por um procedimento de avaliação e de ensino usualmente adotado com crianças ouvintes. Os resultados replicaram dados observados com crianças ouvintes: satisfatório para as relações de cópia e discriminação de identidade entre figuras e estímulos gráficos; dificuldades nas relações de leitura e ditado. Os dados evidenciam que os alvos de investimento para a programação de condições de ensino do ler e do escrever em aprendizes surdos requerem adequações mais em relação à modalidade da comunicação do que em procedimentos de ensino.

Palavras‑chave: leitura; escrita; Libras; surdez; educação especial.


ABSTRACT

The use of Brazilian Sign Language (BSL) in the education of deaf people is guaranteed by Brazilian laws, but its adoption in educational policies requires an adjustment in terms of stimulus and response modalities. This study aimed at characterizing reading and writing performances of four deaf students who are BSL users and are in early literacy phases. The assessment was performed through selection tasks ‑ signaling and writing – using an evaluation and teaching procedure that is usually adopted with hearing children. The results replicated data that has been documented in hearing children: performance was satisfactory in copying and identity matching tasks among pictures and graphic stimulus; performance was lower in reading and dictation tasks. Data show that investment targets regarding reading and writing teaching conditions programming require adjustments that are more related to the communication modality than to the teaching procedures.

Keywords: reading; writing; Brazilian Sign Language; deafness; special education.


RESUMEN

El uso de la Lengua de Signos Brasileña (Libras) en la educación de los sordos está garantizado por ley, pero su adopción en las políticas educativas requiere un ajuste en las modalidades de estímulo y de respuesta adoptadas. Este estudio tuvo como objetivo caracterizar el desempeño de lectura y escritura de cuatro alumnos sordos, usuarios de Libras en fase de alfabetización. La evaluación fue realizada mediante tareas de selección, señalización y escritura, por un procedimiento de evaluación y de enseñanza generalmente adoptado con los niños oyentes. Los resultados replicaron los datos observados con los niños oyentes: satisfactorio para las relaciones de copia y discriminación de identidad entre figuras y estímulos gráficos; dificultades en las relaciones de lectura y de dictado. Los datos evidencian que las metas de inversión para la programación de condiciones para la enseñanza de lectura y escritura en aprendices sordos requieren más ajustes en relación al modo de comunicación que en los procedimientos de enseñanza.

Palabras clave: lectura; escritura; Libras; sordera; educación especial.


 

 

Introdução

Avaliações de rendimento acadêmico coordenadas pelo Ministério da Educação como o Sistema Nacional de Educação Básica (Saeb) têm demonstrado dificuldades na aquisição da alfabetização por alunos que frequentam o ensino básico. Dados mais recentes demonstram os índices de que, ao final do 4º ano do Ensino Fundamental, apenas 5% das crianças apresentam leitura com compreensão (BRASIL, 2006). Tais dificuldades na alfabetização são constatadas em alunos ouvintes, de maneira geral, e em pessoas surdas, de maneira particular, os dados se repetem.

O termo surdez aparece relacionado a uma corrente educacional que enfatiza a organização da pessoa surda, sua cultura, sua língua e sua luta por direitos de uma comunidade que tem características próprias. Para essa população, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é uma conquista, um direito assegurado pelo Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005). O mesmo decreto, em seu artigo segundo, considera pessoa surda aquela que, por limitação sensorial, comunica‑se com seus pares e com o mundo por meio de experiências visuais, tendo como principal instrumento a Libras. A nomeação dos participantes deste estudo ampara‑se nesse decreto.

No escopo deste manuscrito, considerou‑se que uma das barreiras para o processo de alfabetização de pessoas surdas é a comunicação, e este trabalho propõe, a partir da discussão proposta por Zental e Smeets (1996), a necessidade de descrição precisa do repertório que se quer ensinar e das modalidades sensoriais e tipos de respostas envolvidas no processo de aprendizagem do aluno em questão. Podem‑se obter resultados mais precisos com os procedimentos de ensino adotados. No entanto, será necessária uma breve apresentação do fenômeno estudado, a saber, leitura e escrita, e da comunicação da população- alvo, qual seja, a pessoa surda.

Em se tratando de crianças surdas e da diversidade que representam, há muitas formas de comunicação como a baseada em vocalizações e em gestos. Embora a comunicação baseada em vocalizações (oralidade) e a baseada em gestos (Língua de Sinais ou Língua Gestual – natural dos surdos) não possam ser tratadas como equivalentes, pois envolvem estratégias e filosofias bem distintas (SUNDBERG, 1993), este trabalho focalizará detalhes desses aspectos. Em se tratando de comunicação, tanto aquela realizada pela oralidade (movimentos fonoarticulatórios e vibração das cordas vocais) como a realizada pela Língua de Sinais (gestos e expressões faciais) são consideradas comportamento verbal; do ponto de vista da definição de comportamento verbal (SKINNER, 1957), ambas dizem respeito a interações entre duas ou mais pessoas que afetam, com seu comportamento verbal (vocal ou gestual), umas os comportamentos das outras.

No âmbito dessa proposta, ler e escrever também podem ser descritos como comportamentos verbais. A ação de ler pode ser descrita como o controle do texto sobre respostas verbais, denominado por Skinner (1957) de comportamento textual; já a ação de escrever pode ser descrita enquanto respostas motoras abertas, sob controle de estímulo auditivo (como em ditado) ou visual (como em cópia), cujas unidades relevantes não são mais os fonemas que compõem a palavra, mas sim os grafemas e regras gramaticais (Marinotti, 2004).

Descrever as relações presentes em repertórios verbais como o ler, o escrever, o ouvir e o falar, favorece a compreensão de que, embora a relação entre eles seja desejada, a aprendizagem de um repertório não implica, necessariamente, a aprendizagem de outro. Essa decomposição de repertórios verbais em unidades menores favorece a compreensão de que são funcionalmente independentes (Skinner, 1957; Greer; Ross, 2008), auxilia a compreensão de algumas discrepâncias observadas no avanço de modalidades receptivas e expressivas de alguns aprendizes, sobretudo aqueles com alguma condição que interferiu em seu desenvolvimento, além de fornecer diretrizes para seu estudo e planejamento de ensino.

Na literatura, há uma extensa produção sobre as condições em que tais repertórios são adquiridos e sobre propostas de tecnologias de ensino (SIDMAN, 1994; SUNDBERG; PARTINGTON, 1998; GREER; ROSS, 2008) pautados no paradigma das relações de equivalência (SIDMAN; TAIBY, 1982).

Dentro do escopo de relações de equivalência, ler e escrever, embora sejam repertórios bem distintos e estabelecidos de maneira independente, podem se relacionar, à medida que o aluno progride na aprendizagem de seus componentes, quais sejam: selecionar palavras impressas ou figuras na presença de diferentes modalidades de estímulos; vocalizar a palavra, tanto diante de uma figura quanto diante de uma palavra correspondente; compor/escrever uma palavra, quer seja diante da própria palavra impressa quer seja diante da palavra ditada. O fato é que esses eventos passam a compartilhar de relações de permutabilidade em certos contextos e a compartilhar propriedades de reflexividade, simetria e transitividade, conferindo o status de classes de equivalência (SIDMAN; TAILBY, 1982). O procedimento de ensino amplamente adotado para a avaliação e o ensino dessas relações tem sido o emparelhamento de acordo com o modelo que consiste em selecionar um dentre dois ou mais estímulos com função de comparação, dependendo de outro estímulo, com função de modelo. A mudança do estímulo modelo altera o estímulo de comparação selecionado. Quando um indivíduo aprende relações condicionais com, pelo menos, um elemento em comum, pode passar a emitir não só os comportamentos diretamente ensinados, mas também comportamentos derivados, sem ensino explícito e que são demonstrados por meio de testes sem reforçamento diferencial (DUBE, 1996; SIDMAN; TAIBY, 1982; SIDMAN, 1994).

Embora os componentes perceptuais e motores envolvidos com o ler e o escrever não esgotem as habilidades necessárias para essa aprendizagem, a análise precisa das características dos estímulos, bem como das respostas envolvidas, permite um planejamento mais acurado desses repertórios (Von Tetzchner; Rogne; Lilleeng, 1997; Fonseca, 1997; MEDEIROS; NOGUEIRA, 2005).

Uma proposta operacional de diagnóstico de repertório educacional foi apresentada por Fonseca (1997) e, posteriormente, testada e informatizada em um programa de pesquisa mais amplo que desenvolveu uma metodologia que avalia os pré‑requisitos envolvidos em leitura rudimentar, em populações com diferentes necessidades especiais de ensino e que programa seu ensino (de Rose; de Souza; Hanna, 1996; Melchiori; de Souza; de Rose, 2000; de Souza; de ROSE; DOMENICONI, 2009). O programa é o ProgLeit® (ROSA FILHO et al., 1998), que pode ser obtido acessando‑se o site do Gerenciador de Ensino Individualizado por Computador (LECH‑GEIC, 2006). O programa tem um Diagnóstico de Leitura e Escrita de palavras, entre outros usos; foi adotado por Fonseca (1997) que testou 18 relações condicionais sintetizadas nos repertórios de ler e escrever em duas salas de aula de crianças ouvintes. A avaliação foi organizada em tarefas de seleção de estímulos, de vocalização e de escrita. As tarefas de seleção consistiram em um procedimento geral que envolveu a exibição de um modelo (palavra ditada, figura ou palavra impressa) seguida da exibição de três comparações (figura ou palavra impressa) sendo que uma estava relacionada ao modelo; o desempenho solicitado era selecionar um exemplar que "ia com" o modelo. As tarefas de vocalização consistiram na apresentação de palavras impressas ou figuras no centro da tela do computador e o desempenho solicitado era nomear figuras ou ler palavras. Já as tarefas de escrita consistiram na apresentação de uma palavra ditada e os desempenhos solicitados eram: 1. a construção da resposta a partir de letras e sílabas que compunham a palavra e que deveriam ser selecionadas na ordem definia como correta; ou 2. a escrita de forma manual (manuscrita). Participaram crianças do antigo ciclo básico (CB) 1, 2 e 3, sendo que metade dos participantes cursava o CB pela primeira vez e a outra metade dos participantes já apresentava de três a quatro anos de permanência no CB.

Os principais resultados obtidos por Fonseca (1997) demonstraram que, independentemente do tempo de permanência no CB, as crianças apresentaram melhor desempenho em tarefas que relacionavam estímulos com similaridade física, que relacionavam palavras faladas às figuras, que exigiam a nomeação de figuras e a cópia de signos da Língua Portuguesa. Os desempenhos tinham porcentagens de acertos mais baixas em tarefas de leitura de palavras, escrita sob controle da palavra ditada, e em tarefas que exigiam algum tipo de relação com a palavra impressa. Duas contribuições dessa proposta de avaliação foram apontadas, quais sejam, demonstrar quais relações não foram bem estabelecidas após o recebimento do ensino e, por isso, deveriam ser alvo de intervenção adicional; e apontar estratégias de intervenção por meio do delineamento de programas graduais para o ensino de habilidades comportamentais relacionadas com a leitura com compreensão e com a escrita, em função de necessidades específicas do aprendiz.

Este trabalho parte da possibilidade de estender a análise do ler e do escrever por esse modelo, bem como suas implicações, a aprendizes com privação sensorial auditiva com interações estabelecidas pela Libras. Para isso, devem ser considerados aspectos como o repertório inicial que a criança apresenta e alguns aspectos sobre as modalidades sensoriais envolvidas na maneira como a língua baseada em gestos é produzida e percebida (GRAY, 1995). Enquanto a língua vocalizada está baseada nas modalidades oral e auditiva, a língua gestual está baseada na modalidade visual e sinestésica, sendo este um aspecto importante para os procedimentos de avaliação e intervenção com pessoas que utilizam desse sistema de comunicação (Hulst; Mills, 1996).

Especula‑se, na literatura, que o reconhecimento da Língua de Sinais (emparelhamento entre sinais e eventos) poderia exercer funções análogas à ortografia e a traços fonológicos, no reconhecimento da palavra, estabelecendo uma condição para a aquisição de outro código linguístico, a Língua Portuguesa. Sendo assim, o uso da Língua de Sinais representaria a palavra da língua falada, ou seja, uma resposta apresentada a estímulos do meio, sejam eles verbais ou não (Seidenberg; MCClelland, 1989).

O objetivo do presente estudo foi descrever o repertório básico de leitura e escrita em aprendizes com surdez, no início da escolarização, que se comunicam por meio da Libras e identificar e caracterizar dificuldades desses aprendizes com intuito de subsidiar propostas de intervenção. Para tanto, foi realizada uma adequação das modalidades sensoriais dos estímulos empregados na avaliação utilizada por Fonseca (1997) que são as mesmas tarefas do Diagnóstico de Leitura e Escrita do ProgLeit® (ROSA FILHO et al., 1998).

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo quatro alunos, com surdez de moderada a profunda, sem histórico de outras deficiências. Todos os participantes eram matriculados em classe especial para surdos da rede estadual de ensino, em que a comunicação com a professora se dava pela Libras, e recebiam ensino sistemático em Português escrito. A Tabela 1 apresenta as principais características dos participantes.

 

 

Em reunião com a Coordenação Pedagógica da Escola, os objetivos foram expostos, bem como o compromisso das pesquisadoras em relação às condições de ética de pesquisa com seres humanos, conforme prevê a Res. CNS 196/96 (BRASIL, 1996). Após o livre consentimento da coordenação da escola, realizou‑se o mesmo procedimento com os pais, os quais assinaram o Termo de consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A presente pesquisa integrou parte dos processos avaliativos relacionados à pesquisa: "Desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva inclusiva: contribuições da psicologia mediante a consultoria colaborativa". O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos, Parecer n. 339/2006.

Materiais

Foram utilizadas pastas do tipo catálogo que expunham os participantes à avaliação de 18 relações que envolvem os comportamentos de ler e escrever. Cada folha da pasta consistiu em uma tentativa. Para cada tentativa exibida, as respostas dos participantes produziam a tentativa seguinte, sem a apresentação de consequências diferenciais para a resposta emitida, caracterizando tentativas de avaliação. Foram utilizados os mesmos estímulos (substantivos comuns, sílabas e letras) que constam no estudo de Fonseca (1997). Para essa avaliação, foram realizadas as seguintes adequações: os estímulos auditivos foram apresentados por Libras e as respostas solicitadas também foram apresentadas em Libras ou alfabeto digital. A Figura 1 ilustra as 18 relações avaliadas, assim com a modalidade de estímulo evolvida e em quais relações foram feitas as substituições em Libras. Para tanto, um professor de surdos, também surdo, filiado à Federação Nacional de Surdos (Feneis) acompanhou todo o processo de substituição de estímulos auditivos por correspondentes em Libras. O mesmo profissional, avaliou a competência da pesquisadora (primeira autora) em relação à emissão dos sinais, tentativa a tentativa, bem como sua capacidade para explicar o procedimento em Libras, de modo que houvesse garantia de esclarecimento do procedimento aos participantes.

 

 

Procedimento

A avaliação foi realizada em três sessões, nas quais o participante era exposto a uma sequência de seis blocos, com dez a 18 tentativas cada. A Tabela 2 apresenta o delineamento do estudo, e descreve as relações entre estímulos avaliadas nas três sessões previstas. Para a aplicação, houve intervalo entre uma sessão e outra de, no mínimo, uma semana.

 

 

Um aspecto importante é que as relações avaliadas foram aleatorizadas ao longo das três sessões. Contudo, de acordo com a topografia da resposta, essas relações podem ser agrupadas em respostas de seleção, de sinalização e de composição (pelo alfabeto digital ou manuscrito), conforme a coluna 5 da Tabela 2.

Análise de dados

Todas as sessões foram filmadas e registradas em protocolo manual. Um terço dessas sessões, selecionadas aleatoriamente, foi destinado à análise de concordância de dois juízes.

 

Resultados

A análise de concordância por dois observadores (KAZDIN, 1982) apontou um índice de 98%. Os resultados são apresentados no Gráfico 1 que exibe a porcentagem de acertos obtida pelos participantes nas relações avaliadas. Os resultados foram organizados quanto ao tipo de relação avaliada, a saber, relações de emparelhamento, relações de leitura, relações de cópia e relações de ditado.

 

 

De acordo com o Gráfico 1, os participantes apresentam, como resultado, maior porcentagem de acertos em tarefas de seleção e em tarefas de cópia em contraponto, com menores porcentagens de acertos obtidas em tarefas de leitura (sinalização: CD e CcD) e de ditado.

Mais especificamente, nas tarefas de seleção, as maiores porcentagens de acertos (100%) concentraram‑se em relações de identidade entre figuras (BB), de identidade entre palavras impressas (CC) e de reconhecimento de figuras (AB). Nas tarefas que envolviam relacionar palavras impressas em letra de imprensa com (CCc) também foram registradas porcentagens altas de acertos sendo a menor 65% e a maior 100%. As tarefas em que foram registradas maiores dificuldades foram de reconhecimento de palavras em letra de imprensa (AC) e em letra cursiva (ACc) e de relacionar figuras e palavras impressas (BC e CB). Considerando que este estudo parte de um modelo que considera que o comportamento de ler envolve, minimamente, relacionar palavra falada (A) figura (B) e palavra impressa (C), pode‑se dizer que esses participantes não leem. Ressalta‑se que as relações entre letra de imprensa e letra cursiva são tão arbitrárias quanto as relações entre as palavras impressas e suas figuras ou nomes correspondentes, e o resultado superior nas primeiras (CCc e CcC) pode ser devido a características de ensino que a criança recebe na escola que fortalece mais essas relações em detrimento das outras (AC, ACc, BC e CB).

No caso das tarefas que envolveram cópia em que o resultado do comportamento motor deve estabelecer uma identidade estrutural com o estímulo apresentado como modelo, quer pela escrita (CF, CcF) quer pela composição pelo alfabeto digital (CE, CcE), os resultados variaram de 80% a 100% de acertos, a exceção de P3 que obteve resultados entre 50% e 70% de acertos. Tanto a escrita com correspondência textual com o modelo que envolve treino visomotor (CF, CcF) quanto a aprendizagem do alfabeto digital e a devida correspondência com o referencial impresso (CE, CcE) são relações arbitrárias, usualmente exigidas como parte das atividades acadêmicas de escolares iniciantes.

As porcentagens de acertos mais baixas foram registradas em tarefas de leitura e de ditado. O desempenho obtido por P3 em tarefas de leitura foi de 10% e 22% de acertos quando solicitado que emitisse sinais diante de palavras impressas em letra de imprensa (CD) e em letra cursiva (CcD), respectivamente. Em tarefas que envolviam ditado, que implicavam a apresentação do sinal pelo experimentador e escrita (AF) ou a composição pelo alfabeto digital (AE) pelo participante, os resultados ficaram entre 35% e 45% de acertos para todos os participantes.

Discussão

A análise dos resultados aponta dados muito próximos aos descritos por Fonseca (1997) e outras replicações do Diagnóstico de Leitura e Escrita pelo computador (Reis, 2009) com crianças ouvintes. Ou seja, os participantes demonstraram melhor desempenho em tarefas que relacionavam estímulos com similaridade física, que relacionavam sinais às figuras, que exigiam a nomeação de figuras e cópia de signos da Língua Portuguesa; as maiores dificuldades ocorreram em sinalização de palavras escritas (leitura) e em escrita das mesmas palavras em tarefa de ditado via sinais.

As hipóteses de que a Libras exerceria funções análogas à palavra falada para pessoas surdas (Delore et al., 1999) e de que a combinação entre Libras e a palavra escrita estabelece relações com um novo código são pertinentes para a análise dos dados obtidos. Os resultados da avaliação efetuada sugerem que um dos alvos de intervenção do educador deve concentrar‑se na relação entre palavra escrita e desenho (ou formas pictóricas, de um modo mais genérico, como fotos, figuras e ilustrações). Considerando‑se as habilidades dos alunos para nomear essas formas pictóricas por meio da linguagem de sinais, que, muito frequentemente, são anteriores à entrada na escola, a pergunta que se faz é: as práticas educativas que favorecessem o estabelecimento de relações entre palavra escrita e desenho poderiam garantir condições favoráveis para a manifestação de desempenhos positivos nas relações entre a palavra escrita e a língua de sinais, sem a necessidade do ensino direto?

Propostas como essas vêm sendo adotadas e obtendo resultados positivos. Elias et al. (2008) ensinaram relações entre sinais e figuras e entre sinais e palavra escrita a sete adultos com deficiência intelectual moderada e quatro deles também tinham deficiência auditiva; como resultados, observaram que os participantes passaram a emitir sinais, tanto na presença de figuras como na presença de palavras impressas, mostrando o potencial gerativo de novas relações, quando se adota ensino com essas características.

Outro aspecto de destaque são as diferenças registradas nos desempenhos de reconhecimento de um sinal (AB) e de sinalização de figuras (BD). Fazendo uma analogia à língua oralizada, se o indivíduo desempenha um papel ativo em sua comunidade verbal, tanto no reconhecimento de sinais quanto na sua emissão, poderia ser esperado que os resultados em reconhecimento de sinal e de sinalização de figuras fossem correspondentes; nessa perspectiva, observaria sua comunidade durante a emissão de sinais na presença de figuras e, consequentemente, apontaria essas figuras ou objetos quando fossem emitidos os sinais correspondentes (fortalecimento das relações AB); caso imitassem os sinais com mestria (AD), poderiam também emiti‑lo na presença das figuras correspondentes (BD) (Catania , 1999; Greer; Ross, 2008).

Contudo, no presente estudo, foi observada uma diferença de 30% a 50% no desempenho dos participantes entre as tarefas de reconhecimento de sinais (tarefa de seleção) e de sinalização de figuras. No emparelhamento entre um sinal e uma figura (AB) todos os participantes obtiveram 100% de acertos; o desempenho registrado em tarefas de sinalização de figuras (BD) foi entre 50% e 70% de acertos. Esse resultado demonstrou o quanto a sinalização de figuras, análoga ao tato (Skinner, 1957) requer do participante habilidades mais refinadas quanto ao domínio de sinais da Libras; um ponto de partida pode ser o ensino de imitação do sinal.

Esses resultados têm três importantes implicações para o planejamento de ensino de crianças com surdez e que usam Libras: 1. as relações verbais estabelecidas pela Libras são funcionalmente independentes (Skinner, 1957), portanto, o ensino de uma habilidade não pressupõe, necessariamente, o aparecimento da outra; neste sentido, a criança, que compreende sua mãe sinalizar que é hora de almoçar, não necessariamente saberá emitir esse conjunto de sinais e pedir o seu almoço; por outro lado 2. o ensino dessas relações verbais pode se tornar interdependente, e uma forma de fazer isso é por relações de equivalência (Sidman, 2000); e 3. sem a necessidade de seguir uma sequência específica, isto é, ensinar o repertório de seleção antes da sinalização ou a sequência inversa (Petursdottir; CARR, 2011).

 

Considerações finais

Ainda que este estudo traga contribuições sobre a análise das variáveis de estímulo apresentado e de resposta demandada que podem afetar o desempenho de aprendizes surdos, ele não conduziu sessões de ensino sob essa perspectiva. Contudo, estudos recentes vêm sendo realizados, ampliando o modelo das relações de equivalência para a produção de repertórios novos de leitura em aprendizes surdos (Elias et al., 2008).

Outros trabalhos poderiam preocupar‑se com aplicação do instrumento adaptado de Fonseca (1997) com diferentes alunos, com características semelhantes aos participantes avaliados no presente estudo, verificando em que extensão as características de desempenho relatadas aqui serão registradas com diferentes alunos, bem como, atentar‑se à possibilidade de utilização de Libras como um instrumental necessário. A replicação dos resultados aqui encontrados apontaria a necessidade de que delineamentos futuros devam adotar características que atendam às necessidades de desenvolvimento de habilidade de leitura e ditado em aprendizes surdos, quais sejam, procedimentos de ensino, adequação de estímulos apresentados e de respostas demandadas.

O desafio do ensino de crianças surdas, no primeiro momento, consiste em estabelecer uma forma de comunicação. Para as crianças do presente estudo, o uso de Libras preencheu esse requisito, mas não deve ser considerado como única possibilidade, pensando‑se em competências e habilidades diferentes para o estabelecimento do comportamento verbal, as quais serão capazes de estabelecer uma comunicação efetiva. Em um segundo momento, o ensino de leitura e escrita para essa população, além de acesso à cultura escrita, permite estabelecer uma nova forma de comunicação e possibilita o acesso ao uso de tecnologias (uso de telefones para surdos, mensagens em celulares, internet, livros, cinemas, televisão etc.) permitindo, desta maneira, uma verdadeira inclusão social.

 

Referências

BRASIL. Resolução n. 196/1996, de 12 de novembro de 1996. Brasília, Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde – Conep, 1996. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: maio 2006.

BRASIL. Decreto Lei n. 5626/2005, de 22 de dezembro de 2005. Diário Oficial da União, Brasília, 2005.         [ Links ]

BRASIL. Números da Educação Especial no Brasil. Secretaria de Educação especial – Ministério da Educação, Coordenação Geral de Planejamento, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/>. Acesso em: 10 maio 2006.

CATANIA, A. C. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1999.         [ Links ]

DELORE, C. et al. Cochlear implants and sign language. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, v. 47, n. 2, p. 209‑211, 1999.         [ Links ]

DE ROSE, J. C.; DE SOUZA, D. G.; HANNA, E. S. Teaching reading and spelling: exclusion and stimulus equivalence. Journal of Applied Behavior Analysis, v. 29, n. 4, p. 451‑469, 1996.         [ Links ]

DE SOUZA, D. G.; DE ROSE, J. C. C.; DOMENICONI, C. Applying relational operants to reading and spelling. In: REHFELDT, R. A.; BARNES‑HOLMES, Y. (Ed.). Derived relational responding: applications for learners with autism and other developmental disabilities. Oakland, CA: New Harbinger Publications, 2009. p. 171‑207.         [ Links ]

DUBE, W. V. Teaching discrimination skills to persons with mental retardation. In: GOYOS, C.; ALMEIDA, M. A.; DE SOUZA, D. G. (Org.). Temas em Educação Especial. São Carlos: EDUFSCar, 1996. p. 73‑96.         [ Links ]

ELIAS, N. et al. Teaching manual signs to adults with mental retardation using matching‑to‑sample procedures and stimulus equivalence. The Analysis of Verbal Behavior, v. 24, n. 1, p. 1‑13, 2008.         [ Links ]

FONSECA, M. L. Diagnóstico de repertórios iniciais de leitura e escrita. 1997. 156 f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial)–Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 1997.

GERENCIADOR DE ENSINO INDIVIDUALIZADO POR COMPUTADOR – LECH‑GEIC. São Carlos. Disponível em: <http://geic.dc.ufscar.br:8080/GEICsite/>. Acesso em: abr. 2006.

GRAY, C. Helping deaf children towards literacy during their primary school years: which skills should we be fostering? Journal of the British Association of Teachers of the Deaf, v. 19, n. 2, p. 22‑37, 1995.         [ Links ]

GREER, R. D.; ROSS, D. E. Verbal behavior analysis: inducing and expanding new verbal capabilities with language delays. Boston: Allyn & Bacon, 2008.         [ Links ]

HULST, H.; MILLS, A. Issues in sign linguistics: phonetics, phonology and morpho‑syntax. Lingua, v. 98, n. 1‑3, p. 3‑17, 1996.         [ Links ]

KAZDIN, A. E. Single‑case research designs: methods for clinical and applied settings. Cambridge: Oxford University Press, 1982.         [ Links ]

MARINOTTI, M. Processos comportamentais envolvidos na aprendizagem da leitura e da escrita. In: HUBNER, M. M. C.; MARINOTTI, M. (Org.). Análise do comportamento para a educação: contribuições recentes. Santo André: ESETec, 2004. v. 1, p. 205‑223.         [ Links ]

MEDEIROS, J. G.; NOGUEIRA, M. F. A nomeação de figuras como facilitadora do ler e do escrever em crianças com dificuldade de aprendizagem. Psicologia: teoria e prática, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 107‑126, jan./jun. 2005.         [ Links ]

MELCHIORI, L. E.; DE SOUZA, D. G.; DE ROSE, J. C. Reading, equivalence, and recombination of units: a replication with students with different learning histories. Journal of Applied Behavior Analysis, v. 33, n. 1, p. 97‑100, 2000.         [ Links ]

PETURSDOTTIR, A. I.; CARR, J. E. A review of recommendations for sequencing receptive and expressive language instruction. Journal of Applied Behavior Analysis, v. 44, n. 4, p. 859‑876, 2011.         [ Links ]

REIS, T. S. Avaliação de um programa suplementar para o ensino de leitura e escrita aplicado em ambiente escolar. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação Especial)– Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009.

ROSA FILHO, A. B. et al. Aprendendo a ler e escrever em pequenos passos. 1998. Software para pesquisa.         [ Links ]

SEIDENBERG, M.; MCCLELLAND, J. L. A distributed developmental model of word recognition and naming. Psychological Review, v. 96, p. 447‑452, 1989.         [ Links ]

SIDMAN, M.; TAILBY, W. Conditional discrimination vs. matching to sample: an expansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, v. 37, n. 1, p. 5‑22, 1982.         [ Links ]

SIDMAN, M. Equivalence relations and behavior: a research story. Boston: Authors Cooperative, 1994.         [ Links ]

SIDMAN, M. Equivalence relations and the reinforcement contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, v. 74, n. 1, p. 127‑146, 2000.         [ Links ]

SKINNER, B. F. Verbal behavior. New York: Appleton‑Century‑Crofts, 1957.         [ Links ]

SUNDBERG, M. L. Selecting a response form for nonverbal persons: Facilitated communication, point system, for sign language. The Analysis of Verbal Behavior, v. 11, p. 99‑116, 1993.         [ Links ]

SUNDBERG, M. L.; PARTINGTON, J. W. Teaching language to children with autism or other evelopmental disabilities. Pleasant Hill: Behavior Analysts, 1998.         [ Links ]

VON TETZCH NER, S.; ROGNE, S. O.; LILLEENG, M. K. Literacy intervention for a deaf child with severe reading disorder. Journal of Literacy Research, v. 29, n. 1, p. 25‑46, 1997.         [ Links ]

ZENTAL, T. R.; SMEETS, P. M. Stimulus class formation in humans and animals. New York: Elsevier, 1996.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Contato
Veronica Aparecida Pereira
e‑mail: veronicapereira@ufgd.edu.br

Tramitação
Recebido em abril de 2011
Aceito em março de 2012