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Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.14 no.2 São Paulo ago. 2012

 

ARTIGO DE REVISÃO TEÓRICA

 

Leitor talentoso: produção científica em Educação e Psicologia

 

Talented reader: scientific production in Education and Psychology

 

Lector con talento: producción científica en la Educación y en la Psicología

 

 

Altemir José Gonçalves Barbosa; Lara Carolina de Almeida; Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora – MG – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Um desempenho notável em leitura é um talento de per se e representa, também, uma chave para o desenvolvimento de outros talentos, especialmente o acadêmico. Contudo, pouco tem sido produzido sobre o leitor talentoso, especialmente no Brasil. Com o objetivo de analisar a produção científica de artigos sobre o leitor talentoso, que foram indexados por bases de dados das áreas de Educação e Psicologia, recuperam‑se publicações catalogadas pela ERIC e PsycINFO. Recuperam‑se 30 artigos. Constatou‑se que a produção científica sobre leitores talentosos é diminuta, distribui‑se de forma rarefeita ao longo do tempo, é publicada tanto de forma individual quanto coletiva – na forma de revisão de literatura ou ensaio teórico –, encontra‑se pulverizada entre vários autores e periódicos e tende a ter como tema principal o atendimento das necessidades educacionais dos leitores talentosos. Os resultados evidenciam a necessidade de produzir mais e melhores pesquisas que tenham como tema o talento para leitura.

Palavras‑chave: talento; habilidades de leitura; produção científica; Educação; Psicologia.


ABSTRACT

A remarkable performance in reading skill in itself is a key to the development of other talents, especially academic achievement. However, little has been produced about the talented reader, especially in Brazil. To analyze the scientific production of articles about the talented reader that have been indexed by the databases of the areas of Education and Psychology, publications cataloged by ERIC and PsycINFO were recovered. Thirty articles were recovered. It was noted that the scientific production on talented readers is low, distribution a rarefied over time, it is published both individually and collectively in the form of review of the literature or theoretical essays, it is spread between multiple authors and journals and tends to have as the main theme the meeting the educational needs of talented readers. The results highlight the need to produce more and better research with theme of talent for reading.

Keywords: talent; reading skills; scientific production; Education; Psychology.


RESUMEN

Un notable desempeño en la lectura es un talento en sí mismo y representa una clave para el desarrollo de otros talentos, especialmente lo académico. Sin embargo, poco se ha producido acerca del lector con talento, especialmente en Brasil. Con el objetivo de analizar la producción científica de artículos sobre lectores talentosos que ha sido indexada por las bases de datos de las áreas de Educación y Psicología, se recuperaron las publicaciones catalogadas en la ERIC y PsycINFO. Fueron obtenidos 30 artículos. Se constató que la literatura científica sobre los lectores de talento es pequeña, se distribuye escasamente a través del tiempo, se ha publicado tanto individual como colectivamente en forma de trabajos teóricos, se distribuye rociadamente entre los diversos autores y revistas, y tiende a tener como tema principal la asistencia de las necesidades educativas de los lectores dotados. Los resultados destacan la necesidad de producir más y mejor investigación que tiene como tema el talento para la lectura.

Palabras clave: talento; habilidades para la lectura; producción científica; Educación; Psicología.


 

 

Introdução

Nas sociedades industrializadas a leitura faz parte do cotidiano e é uma atividade fundamental para o desempenho escolar. Assim, ler é, atualmente, uma habilidade fundamental para o exercício da cidadania por, como destacam Oliveira e Santos (2008), desempenhar um papel importante no processo de inserção social dos indivíduos.

Tem sido produzido um grande número de estudos que investigam o processo de aquisição da leitura no início dos anos escolares, inclusive no contexto brasileiro (MOTA et al., 2009; SPINILLO; MAHON, 2007). Porém, o número de estudos diminui substancialmente quando se trata da adolescência (CANTRELL et al., 2010).

Um processo análogo ocorre nos casos das dificuldades de leitura e do leitor talentoso (LT). Apesar de um desempenho notável em leitura constituir um talento por si só e ser considerado, também, uma chave para a expressão de outros talentos, especialmente o acadêmico, pouco ou, no caso do Brasil, quase nada tem sido produzido a respeito do LT. De modo geral, as pesquisas e, especialmente, as intervenções tendem a se centrar no âmbito das dificuldades de leitura (DOCKRELL; MACSHANE, 2000; MOTA, 2009).

Ressalta‑se que não se trata de um fenômeno restrito ao estudo da leitura. Seligman (2002) assinala que, após a Segunda Guerra Mundial, a Psicologia se tornou uma ciência devotada à "cura", concentrando‑se na reparação de danos e usando um modelo médico de funcionamento humano. O autor alerta, também, que, ao se voltar quase que exclusivamente para as patologias, negligenciou‑se, dentre outros atributos positivos do ser humano, o talento. Além disso, há que se tomar cuidado, pois o modelo médico tende, também, a ignorar os determinantes sociais – especialmente os pedagógicos, das dificuldades escolares –, a "patologizar" e individualizar o processo educacional, bem como a se distanciar da compreensão crítica dos determinantes desse processo (ANTUNES, 2008).

Estudos realizados em psicologia cognitiva evidenciam que conhecer as estratégias de leitura que as crianças usam ajuda na elaboração de intervenções realmente eficazes para a remediação dos problemas de aprendizagem (DOCKRELL; MACSHANE, 2000; DOCKRELL; STUART; KING, 2009). Para Manolitsis (2002), as destrezas dos LTs devem constituir o foco do ensino, se a meta for tornar as crianças leitores efetivamente competentes. Assim, é preciso conhecer as características de LTs, pois, desse modo, será possível identificá‑los, desenvolvê‑los e, talvez, transferir esse conhecimento para a promoção de todos os leitores.

A literatura tem mostrado que esses leitores possuem características muito próprias e, embora existam, nas duas últimas décadas, trabalhos dedicados a identificar as particularidades dessas pessoas, não existe, ainda, uma lista consensual de suas características que seja obtida a partir de evidências empíricas (REIS et al., 2004). Não obstante, algumas delas estão presentes com elevada frequência na escassa literatura científica sobre o tema. Gilheany e Hickey (2001), Halsted (1990), Reis et al. (2004) e Wood (2008), por exemplo, convergem no que diz respeito a algumas características gerais dos LTs: leem mais cedo que seus pares; leem, pelo menos, dois níveis acima do grau de escolaridade esperado para a idade cronológica; são ávidos, entusiastas e vorazes; gastam mais tempo lendo que seus pares; e leem uma maior variedade de textos para adultos.

Crianças altamente capazes em leitura podem começar a ler antes ou durante a pré‑escola, por vezes sem ensino formal, e quase todos aprendem a ler independentemente, logo após o ensino em sala de aula começar (COLLINS; AIEX, 1995; GILHEANY; HICKEY, 2001; HALSTED, 1990). Esses indivíduos estão prontos para aprender conceitos complexos em uma idade precoce (COLLINS; AIEX, 1995). Reis et al. (2004) concordam que essas são características de LTs, acrescentando que podem ser autodidatas.

Além disso, LTs leem rápido, retêm informações e fazem perguntas com base em sua leitura, com uma maior compreensão do que é lido (GILHEANY; HICKEY, 2001; REIS et al., 2004; WOOD, 2008). Podem, também, ter interesses por temas incomuns para suas idades, apresentando gostos próprios de crianças mais velhas, por exemplo, astronomia, história, ciência (GILHEANY; HICKEY, 2001; REIS et al., 2004).

Wood (2008) destaca que esses alunos são apaixonados pelo que leem. Para eles, a leitura não é o simples processo de traduzir símbolos em significados, mas uma intensa necessidade de explorar, investigar, fantasiar e fazer conexões entre conceitos e ideias. Usam um vocabulário avançado com facilidade, compreendem sutilezas da língua, empregam linguagem de humor, escrevem palavras e frases mais cedo e têm produção superior em escrita criativa, podendo se sobressair em muitos domínios da leitura e nas artes da linguagem, como a escrita criativa, leitura crítica, análise literária etc. (REIS et al., 2004; WOOD, 2008).

Ao longo da história, aplicar um teste padronizado de leitura e selecionar os estudantes com um desempenho dois níveis acima do grau de escolaridade esperado para a idade cronológica constituem a principal estratégia empregada para identificar LTs. Contudo, a abordagem psicométrica tradicional, baseada exclusivamente em testes de inteligência e de desempenho acadêmico, foi alvo de críticas, decorrentes da inadequação de medidas e normas e, especialmente, por excluir minorias, alguns grupos étnicos e sexismo (FORD; WHITING, 2008; REIS; HÉBERT, 2008).

Como consequência das críticas efetuadas à abordagem psicométrica tradicional e em decorrência dos avanços dos sistemas conceituais de dotação e talento, surgiram estratégias alternativas para a identificação de estudantes talentosos. Dentre elas, o Modelo de Identificação das Portas Giratórias (RENZULLI; REIS; SMITH, 1981) é, indubitavelmente, um dos mais profícuos. Ele é baseado em uma concepção de que o talento é decorrente da confluência de criatividade, envolvimento com a tarefa e capacidade acima da média, ainda que as três características não precisem se manifestar simultaneamente para que a identificação ocorra. Trata‑se da concepção dos Três Anéis (RENZULLI, 1978, 1986, 2004).

Como forma de identificar pessoas com as mais diferentes formas de dotação e talento, o Modelo de Identificação das Portas Giratórias (RENZULLI; REIS; SMITH, 1981) estabelece seis etapas: 1. nomeação por testes; 2. nomeação por professor; 3. caminhos alternativos (nomeação por pais, nomeação por pares, autonomeação etc.); 4. nomeações especiais; 5. notificação e orientação aos pais; e 6. nomeação pela informação da ação (RENZULLI; REIS; SMITH, 1981). Assevera‑se que o talento para a leitura pode ser identificado em qualquer uma das etapas do modelo.

Quando se trata de desenvolver LTs, Collins e Aiex (1995) enfatizam que esses estudantes: 1. tendem a ter um locus interno de controle, acreditando que o que conquistam é o resultado de sua própria capacidade e comportamento; 2. precisam de instruções de leitura diferentes do programa de sala de aula regular; 3. devem receber instruções centradas no desenvolvimento de estratégias cognitivas superiores, empregadas para a compreensão textual; 4. exigem um ensino que vai além de uma abordagem focada em habilidades; 5. demandam livros selecionados com base na qualidade da linguagem, que usam estruturas de linguagem variadas e complexas, permitindo crescimento cognitivo; 6. requerem programas de leitura que fomentem o desejo de ler; e 7. incluam uma variedade de materiais e estratégias de leitura que sejam baseadas nas atuais necessidades e exigências do leitor e não na idade cronológica ou série. Desse modo, LTs devem ser expostos a informações novas e estimulantes sobre o ambiente e a cultura, bem como a temas variados e envolventes (HALSTED, 1990).

Uma vez constatada a relevância social e científica do talento para a leitura, o presente estudo teve como objetivo efetuar uma análise da produção científica sobre o LT veiculada na forma de artigos que foram indexados em bases de dados das áreas de Educação e Psicologia. Especificamente, os objetivos foram: caracterizar a evolução do interesse pelo talento para a leitura ao longo dos anos; descrever o tipo de autoria mais comum e os principais autores sobre o tema; identificar os periódicos-chave quando se trata do LT; e analisar os temas específicos veiculados nos textos analisados.

 

Método

As bases de dados Education Resources Information Center (2010) e American Psychological Association (2010) foram escolhidas em virtude da relevância para a Educação e a Psicologia; as duas áreas mais relevantes quando se trata do LT. Elas foram acessadas em 19 de agosto de 2010. Foram usados tanto os descritores por elas fornecidos – gifted, giftedness e reading – quanto às expressões gifted reader e talented reader. Nesse último caso, a busca foi truncada para que retornassem publicações que contivessem exatamente essas expressões em qualquer lugar do arquivo indexado.

Ao realizar a busca descrita no parágrafo anterior, foram recuperadas 119 publicações. Foram incluídos somente os artigos e, consequentemente, descartaram‑se os outros tipos de textos (dissertações, livros etc.). Além disso, eliminaram‑se as duplicidades e, ainda, os trabalhos não relacionados ao tema, como, por exemplo, artigos sobre as dificuldades de leituras de estudantes talentosos com baixo desempenho. Ressalta‑se que todos os artigos sobre LTs, mesmo aqueles cujos textos completos não puderam ser acessados, mas que continham resumos e informações que permitiam a análise aqui apresentada, foram considerados.

As publicações recuperadas foram organizadas em um arquivo eletrônico, lidas e tabuladas em um software de estatística. Ressalta‑se que os temas foram submetidos a uma análise de conteúdo para posterior tabulação.

 

Resultados

Em decorrência do método adotado, foram recuperados 30 artigos que representam, de certo modo, a produção científica sobre o LT nas áreas de Educação e Psicologia. Ao considerar a sua dimensão e analisar como ela se distribui ao longo do tempo, verifica‑se que, além de ser extremamente reduzida, encontra‑se espalhada ao longo dos anos, de modo rarefeito, ou seja, sem picos de publicação, sem uniformidade e com lacunas em alguns anos. Somente 1979 (10%; n = 3), 1984 (10%; n = 3) e 2008 (10%; n = 3) contam com três publicações cada, sendo que, nos demais anos, um (1958, 1964, 1977, 1992, 1994, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2007) ou dois (1983, 1986, 1993, 2006 e 2009) trabalhos foram indexados. Desse modo, observaram‑se, também, vários intervalos de tempo – alguns bastante amplos – sem nenhuma publicação sobre o tema: 1959 até 1963; 1965 até 1983; 1985; 1987 até 1991; 1995 até 2000; e 2006. A média anual de artigos pode ser considerada bastante reduzida (x¯¯ = 0,558; DP = 0,895), uma vez que o período analisado compreende 52 anos (1958 a 2009).

Há que se destacar, como menção histórica, que o primeiro texto recuperado é de 1958. Trata‑se de uma pesquisa de Kasdon (1958) que analisou o background de leitura de universitários calouros com talento para a leitura. Constatou‑se que parcela significativa deles aprendeu a ler antes do primeiro ano do ensino fundamental, sendo que, dentre esses, dois terços foram ensinados por familiares. O autor chama a atenção para três resultados importantes do estudo: 1. a curiosidade pelo conteúdo dos livros como gatilho para a aprendizagem precoce da leitura; 2. o papel fundamental da família ao despertar o interesse por livros, nos primeiros anos da infância; e 3. a ausência de uma resposta definitiva quanto a uma das questões de pesquisa, isto é, se o talento para leitura pode ser identificado nos primeiros anos de vida da criança.

A Tabela 1 sumariza outros resultados da análise efetuada. Quanto ao tipo, a maioria dos artigos foi classificada como revisão de literatura ou ensaio teórico (c2 o (2, N = 30) = 12,600; p < 0,01). Em seguida, aparecem os relatos de pesquisa.

 

 

Identificou‑se uma proporção equivalente de artigos com autoria individual e coletiva (c2 o (1, N = 30) = 1,200; p > 0,05). Dos textos com o último tipo de autoria, 58,3% (n = 7) foram publicados por dois autores, 25% (n = 3) por cinco e 16,7% (n = 2) por três.

Foram identificados 52 autores diferentes nos artigos analisados. Observa‑se uma pulverização muito grande da produção científica, pois somente Sally M. Reis publicou mais de um texto: Reis (2003); Reis e Boeve (2009); e Renzulli et al. (2009).

No caso dos periódicos, constata‑se, também, uma pulverização, ainda que menor que a observada no caso dos autores. Foram detectados 14 títulos, sendo que somente os que são específicos da área de dotação e talento publicaram mais de um texto, ou seja, Gifted Child Quarterly, Roeper Review: a Journal on Gifted Education, Gifted Child Today e Journal for the Education of the Gifted.

Uma análise de conteúdo dos temas principais dos artigos constituiu seis categorias. A maioria dos textos versa sobre o atendimento das necessidades educacionais dos LTs (c2 o (5, N = 30) = 22,400; p < 0,01). Foram agrupadas nesse subconjunto publicações sobre programas educacionais, aconselhamento psicológico e outras estratégias que têm como objetivo promover o desenvolvimento dos LTs.

Os artigos sobre as estratégias cognitivas empregadas ao ler, hábitos de leitura e outras características psicossociais foram incluídos na categoria "características do LT". Agruparam‑se no conjunto "leitores precoces" os textos cuja temática principal era focada nos indivíduos que adquirem a leitura antes do período de escolarização, nos primeiros anos de vida. Alguns escritos tratavam o tema da presente pesquisa de forma global e, por isso, tiveram seu conteúdo classificado como "LT: características, identificação e desenvolvimento". A categoria "identificação do LT" abrangeu as publicações que apresentaram ferramentas para avaliar a leitura desse estudante. O último agrupamento – "interações em sala de aula" – contém uma única comunicação científica sobre as relações dos alunos com desempenho superior em leitura com seus pares e professores.

Discussão

De modo geral, a produção científica sobre LTs é diminuta, distribui‑se de forma rarefeita ao longo do tempo, é publicada tanto de forma individual quanto coletiva na forma de revisão de literatura ou ensaio teórico, encontra‑se pulverizada entre vários autores e periódicos e tende a ter como tema principal o atendimento das necessidades educacionais dos LTs. Esse panorama, tanto em sua dimensão quantitativa quanto em sua dimensão qualitativa, é preocupante, pois, reitera‑se, o talento para leitura, além de ser relevante por si só, serve como base para manifestação e o desenvolvimento de outros talentos, especialmente no domínio acadêmico. Além disso, os processos leitores usados por esses indivíduos – ainda pouco conhecidos – devem ser usados como base para a promoção de leitores efetivamente competentes (MANOLITSIS, 2002).

Ainda que indiretamente, corrobora‑se, portanto, a asserção de que as pesquisas sobre leitura têm se dedicado mais às dificuldades nesse comportamento (DOCKRELL; MACSHANE, 2000; MOTA, 2009). É, ainda, mais um indicativo de que a Psicologia, como destacado por Seligman (2002), e também a Educação têm negligenciado os talentos.

Os resultados do presente estudo corroboram, também, a afirmação de Reis et al. (2004), ou seja, faltam evidências empíricas a respeito das características dos LTs. Isso pode ser constatado tanto ao considerar a quantidade restrita de pesquisas quanto ao verificar que o tema "características do LT" conta com poucos artigos, sendo que alguns deles são, inclusive, de natureza teórica ou fazem revisão de literatura, não gerando, necessariamente, novos conhecimentos.

É fato que outros temas – "LT: características, identificação e desenvolvimento", "leitor precoce" e "identificação do LT" – abordam, também, as peculiaridades desses indivíduos. Porém, não o fazem de forma direta e/ou específica.

A ausência de grupos de pesquisa que adotam o tema talento para a leitura é outro indicativo das limitações da produção científica aqui analisada. Ter identificado uma proporção equivalente de artigos com autoria individual e coletiva já seria, de per se, um indicador das restrições que caracterizam o que se produz nesse domínio, pois, cada vez mais, a ciência é um empreendimento coletivo, que demanda trabalho de colaboração entre pesquisadores e instituições. Os grupos de pesquisa são fundamentais na ciência contemporânea, uma vez que, em conjunto, pesquisadores podem produzir mais e melhor conhecimento científico e desempenhar um papel decisivo na formulação de políticas científicas e tecnológicas. O caráter "comunitário" da ciência hodierna faz com que a presença de grupos de pesquisa fortes seja essencial para que um tema de pesquisa avance.

Assim, há que se criar uma rede de colaboração entre pesquisadores focada nos LTs, como já ocorre no caso das dificuldades de leitura, mais especificamente da dislexia (por exemplo, The International Dyslexia Association , 2012). A notada ausência de grupos de pesquisa sobre LTs e a constatação de que eles estão presentes quando se trata de dificuldade de leitura são, também, evidências que corroboram as proposições de Seligman (2002), isto é, os talentos têm sido negligenciados.

Detectou‑se, ademais, que somente uma autora possui mais de uma publicação sobre o tema, ao longo de todo o intervalo de tempo investigado. Reitera‑se que somente Reis (2003; REIS; BOEVE, 2009; RENZULLI et al., 2009) teve mais de um artigo indexado nas bases de dados mais relevantes para as áreas de Educação e Psicologia em mais de cinco décadas. Trata‑se de uma professora de Psicologia Educacional da Universidade de Connecticut, pesquisadora do National Research Center on the Gifted and Talented e que tem uma produção bastante expressiva sobre leitura e talento, incluindo LTs (ver REIS, 2011). Porém, a maior parte dessa produção aparece na forma de livros, capítulos de livros, conferências e, inclusive, artigos que foram publicados em periódicos que não são indexados por essas bases.

Três periódicos – Gifted Child Quarterly, Roeper Review: A Journal on Gifted Education e Gifted Child Today – concentram 60% da produção científica analisada. Desse modo, essas publicações, apesar das limitações (por exemplo, fator de impacto baixo), constituem fontes básicas para aqueles que buscam informações qualificadas sobre LTs.

A análise de conteúdo revelou que os artigos sobre LTs têm uma preocupação acentuada com o atendimento das necessidades educacionais especiais desses indivíduos. Essa apreensão é decorrente, dentre outros fatores, do fato de as escolas não serem capazes de despertar e/ou manter o interesse pela leitura dos alunos, de uma forma geral. Há que se reiterar que os discentes com talento para leitura demandam, sim, alterações significativas no currículo para que possam se desenvolver (COLLINS; AIEX, 1995). Os programas de leitura para LTs devem ser planejados com base nas características desses indivíduos, capitalizar a dotação que possuem, expandir e desafiar suas capacidades (LEVANDE, 1993).

Outro tema que merece destaque diz respeito aos leitores precoces. É importante destacar que a leitura precoce representa um problema de pesquisa que demanda mais investigações, uma vez que há uma controvérsia na área quanto à estabilidade desse desenvolvimento ao longo do curso de vida. Para alguns autores (por exemplo, GUENTHER, 2011), é preciso diferenciar precoce de talentoso, pois, no primeiro caso, pode se tratar de um "salto" desenvolvimental que, mais tarde, se normaliza. Assim, a criança precoce de hoje pode ser o pré‑adolescente "normal" de amanhã. Não se deve desconsiderar, contudo, que precocidade pode representar um indicador de talento (GUENTHER, 2011).

Os dois artigos que foram codificados na análise de conteúdo na categoria "identificação do LT" também merecem destaque na presente discussão. Ambos são recentes e sinalizam justamente uma ruptura com a abordagem psicométrica tradicional de identificação do talento para a leitura. Tanto o artigo de Li et al. (2008) quanto o de Renzulli et al. (2009) relatam pesquisas efetuadas com escalas que fazem uso da nomeação por professores como estratégia para identificar os LTs.

Destaca‑se que, para elaborar uma escala com características comportamentais de LTs, como o fizeram Renzulli et al. (2009) em uma das 14 Scales for Rating the Behavioral Characteristics of Superior Students, é fundamental contar com pesquisas que apresentam evidências empíricas sobre o talento para a leitura. São justamente esses comportamentos que serão descritos em itens, que, por sua vez, comporão as checklists preenchidas por docentes.

Para elaborar um panorama histórico sobre LTs, optou‑se pela inclusão de artigos publicados nas duas principais bases de dados de Psicologia e Educação. Ao adotar esse "recorte", deixaram‑se de lado parcelas importantes da produção científica sobre LTs, como a que é divulgada na forma de livros e capítulos de livros. Há que se destacar que critérios de busca sempre apresentam limitações, pois são delimitações feitas pelo pesquisador, portanto, podem introduzir algum viés de seleção. Além disso, é possível que ocorram problemas decorrentes de discrepâncias entre os termos de busca e os que são usados para indexação. Isso pode ter ocorrido, por exemplo, no caso do artigo de Fehrenbach (1991) e Weber e Cavanaugh (2006), que não aparecem na busca efetuada, mas têm como tema o talento para leitura. Entretanto, as bases escolhidas congregam os principais periódicos da área e os artigos constituem a principal forma de comunicação científica da atualidade, permitindo, portanto, afirmar que a análise efetuada traduz o percurso histórico do tema e, ainda, revela algumas tendências.

 

Considerações finais

Destaca‑se que o talento para leitura é complexo e multideterminado. Assim, se a intenção for analisá‑lo criticamente, é preciso considerar tanto as características individuais quanto o contexto sócio‑histórico. Ressalta‑se, também, a necessidade de se ter mais grupos de pesquisa sobre LTs como um dispositivo para melhorar qualitativa e quantitativamente a produção científica sobre o tema.

Análises de produção científica são de extrema importância, pois resultam em informações atualizadas sobre os principais temas estudados em uma determinada área da ciência. Ajudam a informar e direcionar os pesquisadores e profissionais interessados por um assunto sobre a sua evolução histórica, sobre as lacunas no conhecimento etc. Analisar os principais autores, os temas mais comuns, a evolução da área, os periódicos mais profícuos, os métodos adotados e outras variáveis-chave, gera, por exemplo, insights quanto a problemas de pesquisa relevantes e formulação de políticas científicas.

Espera‑se que, apesar das limitações, os resultados do presente estudo sirvam como estímulo para pesquisas sobre LTs no contexto brasileiro. Por aqui ainda está tudo por se fazer quando se trata do talento para a leitura.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Contato
Altemir José Gonçalves Barbosa
e‑mail: altgonc@gmail.com

Tramitação
Recebido em março de 2011
Aceito em março de 2012