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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.1 São Paulo abr. 2013

 

PSICOLOGIA SOCIAL

 

Aspectos psicossociais de uma intervenção comunitária na periferia de São Paulo

 

Psychosocial aspects of a community intervention in the suburbs of são paulo

 

Aspectos psicosociales de una intervención comunitaria en las afueras de são paulo

 

 

Lilian Santos Lopes MoitinhoI; Carlos Roberto de Castro-SilvaII

IPsicoMaX Consultoria em Gestão de Pessoas
IIUniversidade Federal de São Paulo, Baixada Santista - SP - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A exclusão social dos direitos básicos de grande contingente de pessoas, suscitado pelo aumento da desigualdade social, solicita estratégias que contribuam para a formação de sujeitos ativos em suas comunidades. A partir de uma intervenção de estagiários do 5º ano do curso de Psicologia, por meio da disciplina de Psicologia Comunitária, em uma organização não governamental, situada na periferia de São Paulo, foram realizadas atividades de grupo com pais/cuidadores com o objetivo de promover a troca de experiências entre os participantes do grupo e orientá-los sobre questões relacionadas à educação dos filhos e/ou netos. Por meio de uma metodologia participativa, foram articuladas informações institucionais/comunitárias com os históricos de vida dos pais/cuidadores, resultando numa intervenção que valorizou as experiências subjetivas como instrumento de ressignificação do papel desses pais/cuidadores e do fortalecimento da potência de ação destes como cidadãos, inclusive revelando o potencial como parceiros da instituição, buscando soluções coletivamente.

Palavras-chave: Psicologia Comunitária; psicossocial; exclusão social; intervenção; politização.


ABSTRACT

The social exclusion of the basic rigths of a great number of people, arisen by the increasing of the social inequality, requires strategies that may contribute to the formation of active individuals in their communities. Through an intervention of interns from the fifth year of Psychology, based on the Community Psychology discipline, in a nongovernmental organization, located in the suburbs of São Paulo, group activities with parents/grandparents were developed with the objective of promoting the exchange of experiences among the group participants and guiding them about matters related to their children and/or grandchildren's education. Through a participative methodology, institutional/community information with the parents/granparents' life historical were elaborated, resulting in an intervention that valued the subjective experiences as an instrument to find out the real meaning of the parents/granparents' role and of their empowerment as citizens, even revealing this empowerment as partners of the institution, searching for solutions collectively.

Keywords: Community Psychology; psychosocial; social exclusion, intervention; politicization.


RESUMEN

La exclusión social de los derechos básicos de gran cupo de personas, suscitado por el aumento de la desigualdad social, solicita estrategias que contribuyan para la formación de sujetos activos en sus comunidades. A partir de una intervención de los estudiantes del 5º año del curso de Psicología, por medio de la disciplina de Psicologia Comunitaria, en una organización no-gubernamental, situada en la periferia de São Paulo, fueron realizadas actividades de grupo con padres/cuidadores con el objectivo de promover el intercambio de experiencias entre los participantes del grupo y guiarlos a respecto de asuntos relacionados a la educación de sus hijos y/o netos. Por medio de una metodología participativa fueron articuladas informaciones institucionales/comunitarias con los históricos de vida de los padres/cuidadores, resultando en una intervención que valorizó las experiencias subjetivas como instrumento de resignificación del papel de eses padres/cuidadores y de suyo fortalecimiento como ciudadanos, inclusive revelando el potencial como socios de la institución, buscando soluciones colectivamente.

Palabras clave: Psicología Comunitaria; psicosocial; exclusión social; intervención; polilización.


 

 

O processo de globalização do capitalismo é bastante complexo, principalmente se observarmos suas consequências. Em países como o Brasil, constatamos o aumento da desigualdade social e espacial; a crescente concentração de renda; o incremento do desemprego estrutural; a flexibilização dos direitos sociais e o aumento do sentimento de insegurança no trabalho e na vida; a fragilização das antigas identidades e solidariedades de classe; o crescimento das correntes migratórias internacionais; o consumo desenfreado em expansão geográfica; a intensificação e o alcance planetário da degradação ambiental; o fundamentalismo reativo de afirmação de identidades dos não incluídos, entre outros aspectos (Mancebo, 2003; Santos, 1995, 2000).

Nesse contexto, a psicologia tem sido requisitada, assim como outras áreas do conhecimento, a contribuir na transformação dessa realidade. Ao longo de sua história, do ponto de vista da articulação entre psicologia e psicologia social, a partir da década de 1960, podemos perceber posicionamentos políticos diferentes. Por um lado, a psicologia assumia uma postura mais conservadora, por exemplo, desenvolvendo técnicas e intervenções que buscavam uma adaptação passiva do sujeito ao meio social; por outro, assumia uma postura mais crítica, buscando instrumental para compreender os sujeitos como seres complexos, resultantes da interação entre fatores psicológicos, biológicos e sociais, privilegiando a concepção do homem como um ser sócio-histórico (Lane, 1984; Bock, 2003).

Entre algumas das abordagens teórico-práticas, destacamos a psicologia social comunitária, que tem como escopo a construção de sujeitos mais ativos em seu meio social, e, para a qual, a cidadania e autonomia constituem parâmetros norteadores de ações que promovem o desenvolvimento e a transformação das comunidades (Freitas, 1996; Montero, 2003).

Nessa perspectiva, destacamos a importância da dimensão psicossocial como um aspecto que nos aproxima de sujeitos que, reiteradamente, sofrem com as consequências da exclusão social, contribuindo para a transformação da realidade por meio de um olhar que privilegia um sujeito integral e capaz de transformar seu meio social. Mais do que tratar de sintomas, muitas vezes desencadeados por situações sociais injustas que levam a sentimentos e percepções de baixa autoestima, humilhação, vergonha e outros sentimentos construídos e reforçados por preconceitos. Isso ocorre na medida em que a psicologia social comunitária possibilita um horizonte ético-político para uma intervenção mais abrangente, com a realização de um trabalho diferenciado em benefício das pessoas e de grupos comunitários (Montero, 2003; Sawaia, 2002).

Nesse sentido, tendo como campo a realização de estágio em Psicologia Comunitária, realizado pelos alunos do 5º ano do curso de Psicologia de uma universidade na cidade de São Paulo, pudemos organizar nossa intervenção em uma associação filantrópica, aqui denominada de associação, situada no bairro de Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo. Essa associação mantém um projeto de apoio pedagógico com o objetivo de atender as crianças que frequentam o ciclo I do ensino fundamental de escolas da região e que apresentam dificuldades de aprendizagem e comportamento.

Após visitas à instituição para conhecer melhor o referido projeto de apoio escolar, verificamos, com os responsáveis, a necessidade de se realizar um trabalho com os pais e cuidadores das crianças, uma vez que os processos de aprendizagem estão não somente relacionados à capacidade cognitiva da criança, como também aos aspectos afetivos e ao contexto social e cultural relacionados à dinâmica familiar (Vygotsky, 1998).

Dessa forma, elaboramos um projeto de intervenção com a finalidade de promover a troca de experiências entre os participantes do grupo e orientá-los sobre questões relacionadas à educação dos filhos e/ou netos. É importante ressaltar que tal intervenção não deixou de desconsiderar, em momento algum, o contexto socioeconômico e a experiência de vida de cada um. Nesse sentido, tivemos como escopo a promoção à autonomia e à cidadania de cada um dos participantes, ou seja, as experiências de vida foram vistas pelo ângulo de um sujeito de direitos que compartilha uma realidade comum, mas interpretada a partir de sua subjetividade.

Para a realização desse trabalho, escolhemos trabalhar com a referência da pesquisa-participante, que, segundo Montero (2007), trata-se de um método ético e socialmente comprometido, que busca não somente produzir um saber, mas também contribuir para a transformação de uma situação. Os principais passos de tal método consistem em: familiarização com a organização de base comunitária, identificação de necessidades (realizada com o grupo da organização), reunião com coordenação e membros da organização social e trabalho coletivo.

É nesse sentido que o presente artigo se concretiza: no registro de tudo que nos foi possível aprender no processo de construção de uma intervenção por meio da realização do estágio regular em Psicologia Comunitária, destacando o esforço de diálogo constante e participação ativa dos envolvidos nesse processo, como meta buscada em cada passo da metodologia utilizada, ou seja, desde a fase diagnóstica, passando pelas escolhas das atividades de grupo, até a devolutiva.

Segundo Gomes e Pereira (2005), a expressão exclusão social inclui sentidos temporal e espacial: um grupo social está excluído segundo determinado espaço geográfico ou em relação à estrutura e conjuntura econômica e social do país a que pertence. No Brasil, essa expressão está relacionada principalmente à situação de pobreza, uma vez que as pessoas nessa condição constituem grupos em exclusão social, porque se encontram em risco pessoal e social, ou seja, excluídas das políticas sociais básicas (trabalho, educação, saúde, habitação, alimentação). Pobreza não pode ser definida de forma única, mas ela se evidencia quando parte da população não é capaz de gerar renda suficiente para ter acesso sustentável aos recursos básicos que garantam uma qualidade de vida digna.

Para Sawaia (2002), a exclusão social é um processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É um processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é um processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não apresenta uma única forma e não constitui uma falha do sistema, não devendo ser combatida, portanto, como algo que perturba a ordem social; pelo contrário, ela é produto do funcionamento do sistema.

Sawaia (2002) discute o processo de exclusão social com base na afetividade, em especial pelo sofrimento suscitado por condições de vida injustas, denominando tal sofrimento de ético-político. A manipulação dos afetos é um fator importante na compreensão da manutenção de relações autoritárias e depreciativas do potencial cidadão das pessoas. Para a autora, perguntar por sofrimento e por felicidade, no estudo da exclusão social, é superar a concepção de que a preocupação do pobre é unicamente a sobrevivência e que não há justificativa em trabalhar a emoção quando se passa fome. Epistemologicamente, isso significa colocar no centro das reflexões sobre exclusão a ideia de humanidade e, como temática, o sujeito e a maneira como se relaciona com o social. Dessa forma, ao falar de exclusão, fala-se de desejo, temporalidade e afetividade, ao mesmo tempo que se fala de poder, economia e direitos sociais.

Dessa forma, Sawaia (1998, 2002), valendo-se do conceito de sofrimento ético-político, buscou a compreensão do papel dos aspectos subjetivos, ligados aos afetos, na construção da convivência em coletividades. E nos instiga a compreender o coletivo como instância responsável tanto pelo sofrimento quanto pela realização e pela felicidade para cada indivíduo.

Fala a autora, ainda, em potencial de ação e explica que, a partir de suas pesquisas realizadas com moradores de rua, pôde conhecer formas do pensar, sentir e agir desencadeadas pela situação de exclusão social. O potencial de ação de um indivíduo se mostra quando ele resiste à exclusão, ou seja, sabe que é excluído, mas quer sair dela e desenvolve potencial de ação para tanto (Sawaia, 2001).

Para Montero (2003), ao se revisar a origem da psicologia comunitária, tanto na América Latina quanto nos Estados Unidos e no Canadá, ver-se-á que, apesar de haver tendências orientadas ao assistencialismo, há uma atenção centrada na organização dos membros na comunidade, bem como seu desenvolvimento, apoiando as qualidades positivas dessas pessoas, de forma que elas próprias alcancem transformações que melhorem sua qualidade de vida e acesso a bens e serviços de sua comunidade.

Segundo a mesma autora, a definição de psicologia comunitária inclui desenvolver, fomentar, manter o controle e o poder nas pessoas que formam uma comunidade. Em razão disso, é fundamental que o controle e o poder mantenham o foco na comunidade e não sejam assumidos como algo proveniente de fora. Assim, atividade e controle, participação e decisão são condutas fundamentais para alcançar transformações desejadas e, por isso, exigem processos de fortalecimento.

Considerando vários outros autores, Montero (2003) define esse fortalecimento como o processo mediante o qual os membros de uma comunidade desenvolvem conjuntamente capacidades e recursos para controlar sua situação de vida, atuando de maneira comprometida, consciente e crítica, para alcançar a transformação ao seu redor, segundo suas necessidades e aspirações, transformando ao mesmo tempo a si mesma.

Nesse sentido, as instituições são lugares privilegiados de atuação comunitária e de desenvolvimento de sujeitos mais ativos na sociedade. Pelo ângulo da psicologia social comunitária, as instituições podem ser utilizadas como via de acesso às comunidades. Campos (1996) define instituição como uma palavra utilizada para designar, em princípio, tudo aquilo que no social se estabelece, aquilo que é reconhecido por todos como fazendo parte de um amplo sistema social. De um modo geral, podemos dizer que tudo aquilo que se tornou instituído, reconhecido como tendo existência materializada na vida social, é instituição.

Campos (1996) ressalta também a importância da instituição como via de acesso à comunidade, uma vez que as comunidades são estudadas como partes organizadas funcionalmente num sistema de interdependência intrincada e continuamente mutável, enfatizando a divisão de trabalho, a especialização de atividades e a concentração dos indivíduos em instituições. A instituição se apresenta como espaço de mediação entre o que é da ordem do social e o que é da ordem do individual, havendo uma nítida inter-relação e interdependência entre instituição e comunidade.

As organizações de base comunitária podem ressignificar o sofrimento compartilhado e sua dimensão social, funcionando como um laboratório de emancipação psicossocial (Paiva, 2002), onde se aglutinam pessoas que identificam sua opressão comum e a transformam na participação política em torno de uma identidade comum, de resistência ou projeto.

Segundo Castells (2001), vivemos numa sociedade marcada pelo avanço tecnológico, expressando um capitalismo que, ao mesmo tempo que inova e traz esperanças, também traz desespero. Em contrapartida, o autor percebe movimentos de atores sociais que buscam a valorização das culturas locais e do controle das pessoas sobre suas próprias vidas e ambientes: "Incorporam movimentos de tendência ativa voltada à transformação das relações humanas em seu nível mais básico, como por exemplo, o feminismo e o ambientalismo" (Castells, 2001, p. 18). Na tensão entre essas tendências, forja-se a construção social de novas identidades.

Nesse sentido, Castells (2001) propõe três formas de construção de identidades:

A identidade legitimadora, por meio das instituições dominantes, reforça os padrões de sociabilidade e valores éticos/ políticos vigentes na sociedade.

A identidade de resistência, os atores sociais em posições desvalorizadas/condições desfavoráveis e/ou estigmatizadas criam uma resistência e formas de vivência e valores éticos/políticos antagônicos àquilo proposto pelas instituições dominantes.

Com relação à identidade de projeto, esses atores saem de uma posição de resistência para propor novas posturas e valores que alteram a estrutura social, por exemplo: o movimento feminista sai de um lugar de resistência da identidade e dos direitos da mulher para a luta contra valores calcados no patriarcalismo, gerando consequências nas estruturas de produção, reprodução socioeconômica, inclusive quanto aos padrões da sexualidade e vida reprodutiva humana, historicamente estabelecidas.

Assim, esses referenciais teóricos e políticos contribuem para uma compreensão mais ampla e contextualizada do trabalho com grupos na comunidade em situação de exclusão social.

 

Método

Com base nesses pressupostos e com o objetivo de atender à comunidade, propusemos um projeto de intervenção para a associação, fundada em 1999, com o propósito de proporcionar às famílias de baixa renda da região de Itaquera algum tipo de auxílio, envolvendo apoio pedagógico, fonoaudiológico e/ou psicológico para crianças e/ou adultos, além de oferecer suporte jurídico. As crianças que chegam à associação, em sua maioria, são encaminhadas pelas escolas da região e participam do projeto de apoio pedagógico, subsidiado pela prefeitura de São Paulo.

A proposta, então, foi a de criar um espaço de troca de experiências entre pais/cuidadores sobre a qualidade da relação dos pais/cuidadores com suas crianças. Isso com a finalidade de ressignificar e fortalecer o papel desses pais/cuidadores nessa rede social, também responsável pela educação de suas crianças. Especificamente discutir a relação entre a autoimagem que eles têm como pais/cuidadores e aspectos da historia de vida deles, contextualizada pelo contorno da associação promotoras dos encontros com estes.

Para elaboração da proposta, foi utilizado o seguinte procedimento que fez parte do diagnóstico institucional/comunitário:

Consulta a documentos oficiais, objetivando conhecer o estatuto, a missão da instituição, suas fontes de recursos, entre outras informações sobre infraestrutura e seu papel social.

Realização de entrevistas com a coordenadora da instituição para conhecermos melhor a história e o trabalho realizado pela instituição, desde sua fundação, em 1999. Nesse momento, também foram realizadas visitas à instituição, no modelo da observação participante, para compreendermos melhor sua dinâmica e atividades dos profissionais voluntários como: advogadas, psicólogas, fonoaudiólogas, professores etc.

Realização de entrevistas semiestruturadas individuais com os cuidadores (pais e/ou avós) das crianças que participavam do projeto pedagógico, com o intuito de conhecer profundamente suas demandas, incluindo dados pessoais e condições socioeconômicas de vida. Além disso, esses familiares eram convidados para participar do grupo de pais/cuidadores e informados sobre horário, local e outras questões sobre a proposta.

Elaboração do trabalho de grupo com tais pais/cuidadores, que consistiu em encontros de duas horas semanais, todas as sextas-feiras, com a finalidade de proporcionar um espaço para a troca de experiência e de reflexão sobre si mesmos e sobre o contexto social no qual estão inseridos. Os instrumentos utilizados foram técnicas de dinâmicas de grupo, leituras de textos e frases temáticas para a reflexão do grupo, desenho livre, além de temas trazidos pelos próprios participantes, como culinária e preparação de arranjos feitos de material reciclado. Esses encontros semanais eram descritos e discutidos, cada um deles, em supervisão. O relatório semanal era composto das seguintes partes: descrição do encontro, análise, destacando os principais eventos do encontro e uma síntese preliminar que buscava desenvolver as hipóteses norteadoras da intervenção.

 

Discussão

O desenvolvimento, a rigor, significa o início do trabalho de grupo com os participantes, mas é importante, nesse início, lembrar a maneira como os pais/cuidadores envolveram-se com a instituição: foram convocados por ela via solicitação da escola. Uma primeira impressão que permeia o imaginário institucional é dos pais/cuidadores, no mínimo, como relapsos, vistos como ausentes e desinteressados, além disso, são vistos com um potencial muito baixo de transformação de suas realidades. Talvez por se tratar de famílias abaladas não apenas financeiramente, mas também, e principalmente, emocional e psicologicamente; provavelmente pela própria situação de exclusão social em que vivem. Dentro desse contexto, a associação surge como uma tentativa de resgatar essas famílias de tal sofrimento ou, no mínimo, de amenizar essa condição, oferecendo-lhes um espaço acolhedor, condizentes com a missão para a qual foi fundada, de promover e manter serviços de assistência, amparo e reajustamento de pessoas desfavorecidas economicamente. Segundo Castells (2001), a instituição expressa um tipo de identidade legitimadora, ou seja, reforça certos valores sociais e éticos, em vez de buscar quebrar estereótipos e tabus.

Por meio das entrevistas com os pais/cuidadores e de registros da instituição, constatamos que o perfil socioeconômico desses pais/cuidadores demonstra que realmente eles vivem em condições muito difíceis: muitos se encontram desempregados, destacando que a média da faixa etária é de 40 anos, indicando que paradoxalmente estão num momento bastante produtivo da vida; têm de um a cinco filhos; possuem uma renda familiar que gira em torno de R$ 400,00 a 600,00, já que muitos atuam na economia informal; o grau de escolaridade é o primário incompleto, em sua maioria. Segundo Gomes e Pereira (2005), a situação socioeconômica é o fator que mais tem contribuído para a desestruturação da família, repercutindo diretamente, e de forma vil, nos mais vulneráveis desse grupo: os filhos, vítimas da injustiça social, veem-se ameaçados e violados em seus direitos fundamentais. A pobreza, a miséria e a falta de perspectiva de um projeto existencial que vislumbre a melhoria da qualidade de vida impõem a toda a família uma luta desigual e desumana pela sobrevivência. A questão da família pobre aparece como a face mais cruel da disparidade econômica, ou seja, a má distribuição de renda pode ser considerada um dos principais fatores contribuintes para a desigualdade social. Esse estado de privação de direitos atinge a todos de forma muito profunda, à medida que produz a banalização dos sentimentos, dos afetos e dos vínculos (Mancebo, 2003; Sawaia, 2002).

Esses pais/cuidadores expressam a massa de pessoas excluídas que não têm rosto e nem voz, em um contexto de expectativas escassas. Reforçam-se estereótipos do lascivo, preguiçoso, descompromissado. Isso permeia as falas da coordenação da instituição, embora comprometida e de boa vontade. E, assim, somos alertados pela coordenadora das dificuldades de adesão às atividades de grupo propostas: ela acredita que as pessoas não sabem valorizar aquilo que lhes é oferecido sem nenhum custo e também não conseguem desfrutar desses benefícios, talvez por aprenderem com a vida que, para tudo, há um preço e por isso sentem-se desconfiadas ou ainda por não compreenderem a dimensão da transformação alcançada por meio da realização de trabalhos de cunho social e psicológico, uma vez que estes não são palpáveis ao tato nem visíveis aos olhos. Os relatos desses pais/cuidadores são realmente expressões de violências de vários tipos e de muitas dificuldades para sobreviver. Então, surpresos, ouvimos atentos aspectos de suas histórias de vida, que são relatados com sinceridade e intensidade. Relatos afetivamente intensos, complexos e complicados, principalmente quando tentam falar da família e de seus problemas. Por exemplo, M., uma avó que trabalha de copeira, ganha R$ 400,00 reais por mês e cuida dos netos. Luta pela guarda dos netos, pois, segundo seu relato, a nora é usuária de drogas e não cuida deles devidamente. A angústia que permeia seus esforços para proteger os netos é compreendida quando conta a história fatídica que culminou no assassinato dos filhos e do marido.

As doenças mencionadas - como hipertensão arterial, diabetes, ansiedade e depressão - , os infartos, a busca por tratamento e o uso de medicamentos de controle revelam um contexto adverso e projetos de vida truncados e/ou desviados. De certa forma, é a maneira de dar sentido para vidas permeadas de impossibilidades e limitações. Nessa busca por ressignificação dessas experiências, essas pessoas tentam formas de singularização de seu próprio ser. Singularização que encontra caminho pelo sofrimento, aquele construído por trajetórias de abandono e violência geradas por contextos adversos, por exemplo: aquele do domínio das drogas e tráfico ou da via-crúcis por atendimento nos serviços de saúde, entre outros que esbarram na falta de respeito aos direitos básicos. Percebemos que se intensifica o padecimento em vez da potencialização, na medida em que são exemplos de sofrimentos causados por um contexto perverso, como indica Sawaia (2002), em sua conceituação de sofrimento ético-político.

No momento da convocatória para a participação das atividades propostas pela instituição, apareceram alguns dos resultados desse sofrimento ético-politico, ou seja, a ponta do iceberg são os distúrbios apresentados por suas crianças, a hiperatividade, problemas de aprendizagem e agressividade.

A maioria dos lares, como constatamos, é constituída apenas por mãe e filhos ou pelos avós e netos. Assim, a referência da figura masculina paterna é deteriorada, o que produz nesses pais/cuidadores sentimentos constrangedores e fragilização da autoridade, por exemplo, quando falam da dificuldade de impor limites porque já falharam quanto ao provimento de condições de vida melhores para os filhos, ou se-ja, sentem-se desrespeitados e desvalorizados.

O sentimento de culpa é o sofrimento obtido após reavaliação de um comportamento passado tido como reprovável por si mesmo, quando contam histórias marcadas por separações e perdas, por exemplo, uma das mães, em um dos encontros, relata que se sente angustiada por não conseguir atender as vontades das filhas e, ao mesmo tempo, culpada, pois acredita que não deve corrigi-las, já que elas não têm o pai por perto. A base desse sentimento está relacionada com o sofrimento que reflete uma complexa rede intersubjetiva e está marcada por políticas e/ou éticas do cotidiano desencadeadoras de sentimentos que explicitam e acirram a exclusão social, como vergonha, humilhação e culpa. Os afetos qualificam e iluminam as experiências dessas pessoas.

Gonçalves (1995), em seu trabalho sobre humilhação social num bairro da periferia de São Paulo, coloca que a situação de humilhação impede o diálogo entre as classes justamente porque o humilhado perde sua humanidade; como se dois estranhos tentassem conversar. A humilhação impede a aparição da pessoa para si e para o outro, aumentando as barreiras entre as classes sociais. Essa situação torna-se mais dramática porque a pessoa se acostuma e se sente à vontade na condição de submissão. Reagir implica um esforço de quebrar barreiras psicológicas intensas, pois gera incomodo e angústia. Sabemos como é difícil construir novas formas de se posicionar no mundo, principalmente sem apoio, fazendo com que a pessoa viva condicionada pela lei da sobrevivência imediata. Esse quadro fortalece uma situação em que a humanidade dessas pessoas é expropriada, acarretando o sentimento de não merecedora de ter direitos e/ou lutar por eles.

Essas consideraçoes parecem tão esclarecedoras no contexto da experiência desses pais/cuidadores, pois sugere que a investigação desses afetos seja evidenciada à luz da dinâmica psicossocial dos projetos de vida que foram, em muitos casos, violentamente ceifados, como no caso de homicídios de membros da família envolvidos com drogas e a consequente desestruturação da família. Essa interpretação, dentre outras possíveis, revela um emaranhado que, mesmo angustiante, mostra-nos alguns caminhos que ajudam no descolamento dos estereótipos, pois esses pais/cuidadores indicam esforços de superação das dificuldades em meio a tantas desgraças e sentimentos de impotência.

Como prova disso, podemos citar o exemplo de M., que já sofreu um derrame cerebral e ficou com o lado esquerdo paralisado. Responsável pela neta, pois a mãe da criança trabalha como babá e mora no emprego, a avó comenta que cuida da neta e não tem problemas em impor limites, diz que conversa olhando no olho dela, explicando que não é possível ter o que deseja naquele momento, além de falar sobre as dificuldades financeiras de forma clara, uma vez que vivem com dois salários mínimos, um de sua aposentadoria e o outro do emprego da filha. Comenta que a incentiva nos estudos e fala sobre a importância de respeitar a si própria e de respeitar o outro.

De certa forma, surpresos, pensamos: então, como poderíamos contribuir para o fortalecimento psicossocial em meio a estereótipos que despotencializam essas pessoas? Nesse momento, as respostas vêm do próprio desenrolar do grupo, a uma escuta mais assustada do que atenta, isto é, esforçamo-nos em ouvir essas pessoas em suas experiências e habilidades, pois também enfrentamos nossos preconceitos.

A potência de ação se mostra quando as habilidades desses pais/cuidadores aparecem à medida que são solicitados a propor atividades para o desenvolvimentos dos encontros. As ideias são muitas e, junto às demandas já detectadas, sugeriram temas e sugestões programadas conjuntamente entre coordenadores de grupo e participantes. Por exemplo, a troca de receitas e a proposta de fazerem um lanche coletivo.

Essa potência se desenvolve também quando se manifestaa força de vontade para melhorar de vida, revelando, ao mesmo tempo, o amor que sentem pelos filhos e o desejo de proporcionar a eles melhores condições de vida familiar e social. Os pais sabem que a escola não é a única responsável pela formação da personalidade da criança e que atua apenas como um papel complementar ao da família. Essa preocupação fica clara nos discursos dos pais. Por exemplo, H., 39 anos, desquitado, cursou até o ensino médio completo, técnico em controle de pragas urbanas, possui renda familiar de, aproximadamente, R$ 600,00, fala sobre a dificuldade de aprendizagem da filha que troca as letras, comentou que acredita que é preciso mais ensino de qualidade.

Discutiram também sobre a importância da presença dos pais na vida dos filhos e do diálogo, como podemos perceber no relato de Ed., 42 anos, separada, dois filhos, manicure, que diz acreditar que os pais são os maiores exemplos na educação dos filhos e que devem tratá-los com ternura, respeito, diálogo e não discutir na frente deles. Outro relato vem de A., 31 anos, ensino médio completo, viúva, cujo esposo faleceu com 56 anos em decorrência de problemas de coração. Como a mãe, A., que atualmente cuida de suas duas filhas e trabalha como babá, conta que acredita no poder do carinho, da atenção e do amor.

Essas falas expressam uma presença ativa desses cuidadores no processo educacional de suas crianças. Ainda, trazem uma bagagem de conhecimento aprendido pela própria experiência de vida que adquire novos sentidos nos encontros no grupo. Nesse sentido, mostram-se sensíveis quanto às dificuldades que a criança está apresentando e pensam em formas de promover melhores condições de vida para suas famílias. E, nesse processo, podemos cogitar que aceitam até ir à instituição, mesmo numa condição sub-repticiamente depreciativa, como mais uma chance de ajudar na educação de suas crianças.

Esse momento da devolutiva, muitas vezes delicado, é aquele da finalização do trabalho de grupo e do compartilhamento dos resultados e encaminhamentos entre todos os envolvidos: coordenadores da instituição, pais/cuidadores filhos/netos escola e outros ainda que nos escapem. É um momento de fechar um ciclo, visando a desdobramentos futuros que, dentro de nossos pressupostos, instiguem para novas atitudes e para vínculos mais acolhedores e cidadãos.

Nesse sentido, ressaltamos que este trabalho foi um aprendizado muito rico porque exercitamos uma prática de grupo que buscava uma articulação constante de referências entre os níveis individual, institucional e comunitário, tendo o escopo da psicologia social comunitária, embora tivéssemos enfrentado momentos de frustração, como faltas sem justificativas. Às vezes, havia só um participante e/ou outros chegavam atrasados. Inclusive, algumas das explicações que nos eram dadas refletem as consequências de exclusão social em que essas pessoas vivem. Muitos deles faltavam porque não tinham dinheiro para pagar o transporte até a instituição, outros falavam da sobrecarga de atividades, relatando a tarefa de levar cada criança a uma escola diferente e, muitas vezes, em horários diferentes também, o que ocupava uma boa parte do dia.

Ao ponderarmos sobre os prós e contras, no relatório devolutivo, destacamos a importância da criação de um vínculo mais participativo entre a instituição e os pais/cuidadores que a frequentam. Quando atuam como coparticipantes e são apoiados na educação dos filhos, pais/cuidadores se sentem valorizados, o que contribui para que se apropriem dos conhecimentos e das experiências que aparecem no trabalho de grupo. Notamos a predisposição desses pais/cuidadores em atividades que envolviam a instituição como a realização da feijoada, a confecção de bandeirinhas para a festa, entre outras. Nesse sentido, segundo Sawaia (2002), promove-se a potência de ação desses sujeitos. Consideramos que, a partir desse tipo de oportunidade, eles se fortalecem e conseguem vencer barreiras que reforçam a impotência e o isolamento social. Além disso, os pais/cuidadores relataram que se percebiam mais tranquilos e mais atentos às demandas das suas crianças. Uma das mães conta que, ao participar de tais atividades, se sente mais aliviada por também ter a oportunidade de falar sobre as dificuldades em lidar com seus filhos em algumas situações e, ao mesmo tempo, confortada pelas sugestões dos participantes do grupo.

Assim, a potência de agir é construída nessa possibilidade de promoção de bons encontros em que a instituição funciona como um espaço de transição para uma vida coletiva que agrega as experiências e os conhecimentos de cada um. A possibilidade de promover bons encontros tem a finalidade última de fortalecimento dos sujeitos de direitos. Espinosa (1973) fala da paixão que leva os homens a se encontrar, pois é, por meio do outro, que eles se descobrem a si mesmos. O conceito de potência de ação, de Espinosa (1973), abarca a afetividade como elemento importante no processo de emancipação do sujeito, sugerindo que, na relação intersubjetiva, os aspectos ligados à necessidade, aos valores éticos e à satisfação ficam mais salientes.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Carlos Roberto de Castro-Silva
Universidade Federal de São Paulo
Departamento de Gestão e Cuidado em Saúde
Rua Silva Jardim, 136, Vila Mathias
Santos - SP - Brasil. CEP: 11015-020
E-mail: carobert3@hotmail.com

Submissão: 18/2/2011
Aceitação: 17/12/2012