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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.2 São Paulo ago. 2013

 

PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Os relacionamentos amorosos na contemporaneidade sob a óptica dos adultos jovens

 

The loving relationships in contemporary society from the perspective of young adults

 

Las relaciones amorosas en la contemporaneidad bajo la óptica de los adultos jóvenes

 

 

Luciane Najar Smeha; Micheli Viera de Oliveira

Centro Universitário Franciscano, Santa Maria - RS - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo buscou conhecer a percepção dos jovens adultos sobre os relacionamentos amorosos na contemporaneidade. Para a realização desta pesquisa, foi feita uma entrevista semiestruturada com oito jovens de ambos os sexos, com idades entre 18 e 23 anos. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo. Como resultado, os jovens apontam que os relacionamentos atuais baseiam-se na individualidade, liberdade, descartabilidade, busca do romantismo, igualdade de gêneros e superficialidade. Eles procuram em uma relação: confiança, respeito, beleza e alguém com um bom futuro profissional. Os jovens também acreditam que o medo da responsabilidade e do constante investimento em uma relação poderá dificultar o relacionamento. Assim, o futuro das relações seria baseado em maior individualismo entre parceiros e casais morando em casas separadas. Por meio desta pesquisa, constatou-se que as relações da atualidade são baseadas na liberdade e na individualidade, acontecendo quando há o investimento de ambas as partes.

Palavras-chave: relacionamentos amorosos; contemporaneidade; adultos jovens; amor; gênero.


ABSTRACT

The present study intended to investigate the perception of young adults about loving relationships in the current society. For this research, was made a semi-structured interview with eight young people of both sexes, aged between 18 and 23 years, and the data were analyzed in terms of content. As a result, young people showed that the current relationships are based on individuality, freedom, disposability, search for romance, gender equality and superficiality. What they look for in a relationship: trust, respect, beauty, and someone with a good future career. Young people also believe that the fear of responsibility and constant investment in a relationship may difficult the relationship. Thus, the future of relations would be based on greater individualism among partners and couples living in separate houses. Through this survey, it was found that relationships today are based on freedom and individuality, occurring when there is the investment of both parts.

Keywords: loving relationships; contemporaneity; young adults; love; gender.


RESUMEN

Este estudio buscó conocer la persepción de los jóvenes adultos sobre las relaciones amorosas en la contemporaneidade. Para la realización de esta investigación, fue hecha una entrevista semi-estructurada con ocho jóvenes de ambos sexos, con edades entre 18 y 23 años, siendo que los datos fueron sometidos para análisis de contenido. Como resultado, los jóvenes señalan que las relaciones actuales se basan en la individualidad, libertad, descartabilidad, búsqueda del romanticismo, igualdad de géneros y superficialidad. Ellos buscan en una relación: confianza, respecto, belleza y alguien con un buen futuro profesional. Los jóvenes también creen que el miedo de la responsabilidad y de la constante inversión en una relación podrá dificultar la relación. Así, el futuro de las relaciones sería basado en mayor individualismo entre parejas viviendo en casas separadas. Por medio de esta investigación, se constató que las relaciones de la actualidad son basadas en la libertad y en la individualidad, sucediendo cuando hay la inversión de ambas partes.

Palabras clave: relaciones amorosas; contemporaneidad; aultos jóvenes; amor; género.


 

 

Os relacionamentos amorosos da atualidade, em comparação aos relacionamentos do final do século XIX, têm assumido diferentes configurações. Vários aspectos influenciaram essas mudanças percebidas na atualidade. Nesse contexto, questiona-se: o que é o amor? Sabe-se que essa ideia pode variar conforme a cultura, vivência e percepção que cada indivíduo tem desse sentimento. Para Rosset (2004), o amor não tem significado único, ele costuma ser definido de acordo com a subjetividade de quem vivencia o sentimento. Ainda que existam diversas concepções sobre o amor, a maioria é contaminada por ilusões românticas e idealizações com muitas expectativas no que diz respeito ao outro.

Considerando a perspectiva de Ferry (2007), as uniões se amparam, atualmente, apenas nos sentimentos de amor. Como há uma nova ordem que se estabelece, basta que o amor se apague para findar uma relação. Com isso, abre-se um espaço para que outro amor se imponha, justificando o aumento da troca de parceiros nos relacionamentos entre jovens.

Na pesquisa desenvolvida por Chaves (2010), discutiu-se a heterogeneidade das percepções de jovens sobre os relacionamentos amorosos na atualidade. A análise do material mostra que não há uma homogeneidade nas opiniões sobre as percepções, as quais variam entre dois extremos: de um lado, há aqueles que veem os relacionamentos como semelhantes aos de outrora, e, de outro, os que percebem o campo amoroso como desordenado, instável, inseguro e frágil.

Já no estudo de Falcke e Zordan (2010), buscou-se investigar a opinião de adultos jovens sobre romantismo, família, papéis conjugais e permissividade sexual, comparando as opiniões de homens e mulheres. Os resultados indicaram que o casamento continua desejado pelos adultos jovens, apesar de não estar entre seus principais projetos de vida. O amor é importante, mas não é mais percebido como eterno e exclusivo. A avaliação dos papéis conjugais reflete a transição entre velhos e novos modelos.

Nesse sentido, torna-se importante compreender por que os jovens estão estabelecendo relações efêmeras. Será pelo ritmo acelerado de vida que nos é exigido diariamente? Ou pela satisfação dos desejos e dos impulsos? Será pelo medo de sofrer na relação? Ou pelo individualismo? Ou trata-se de frustração, pelo fato de o parceiro não corresponder às expectativas e aos ideais da relação? Ou pela procura da pessoa ideal?

Inevitavelmente, a compreensão da transformação das relações interpessoais, entre elas a relação amorosa entre duas pessoas, só é possível ao se considerarem as transformações sociais que configuram a família na contemporaneidade. De acordo com Giddens (2002), na modernidade avançada, a família atribui importância significativa ao processo de individualização e não privilegia o investimento no coletivo.

Na atualidade, é possível observar que os adultos jovens estão estabelecendo relações amorosas de curta duração. Essas relações podem durar apenas algumas horas, alguns dias, semanas ou meses, o que, neste estudo, será compreendido como relações transitórias, enquanto as relações que perduram pelo menos por um ano serão denominadas estáveis ou duradouras.

Entre as novas formas de se relacionar, também se pode observar a troca frequente de parceiros nos relacionamentos entre jovens. Assim, com o intuito de compreender melhor o significado desse fenômeno para os próprios jovens, buscou-se conhecer a percepção do adulto jovem a respeito dos relacionamentos amorosos na contemporaneidade, elucidar sua percepção quanto à dinâmica das relações afetivas e identificar as expectativas dos jovens quanto aos seus relacionamentos amorosos.

 

Método

Participantes

Para este estudo, escolheram-se quatro jovens adultos do sexo masculino e quatro jovens adultos do sexo feminino, com idades entre 18 e 23 anos, totalizando oito participantes. Os participantes foram escolhidos de acordo com o critério de conveniência e serão nomeados por letras para garantir o sigilo das informações. Dados referentes aos participantes são encontrados no Quadro 1.

Instrumentos

A fim de desenvolver este estudo, foi utilizada, como instrumento de coleta de dados, a entrevista individual semiestruturada que abordou temas referentes à percepção dos relacionamentos contemporâneos.

Procedimentos de coleta dos dados

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Franciscano (Unifra), sob o Protocolo nº 187.2011.3. Os participantes foram convidados por telefone, após serem indicados pelo círculo de amizade das autoras. A coleta de dados foi realizada na instituição de ensino, da qual as autoras fazem parte, em uma sala reservada. Os dados foram gravados e transcritos. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Procedimento de análise de dados

Após a transcrição das entrevistas, ocorreu a análise de conteúdo, conforme metodologia descrita por Bardin (1977). As entrevistas foram lidas exaustivamente, e, em seguida, formaram-se as categorias, segundo aspectos mais salientados pelos entrevistados. Como resultados, obtiveram-se as seguintes categorias: características dos relacionamentos na contemporaneidade, o que os jovens procuram em uma relação, fatores que dificultam o estabelecimento das relações, a visão feminina sobre como os homens estão estabelecendo relações amorosas, a visão masculina sobre como as mulheres estão estabelecendo relações amorosas e o futuro das relações.

 

Resultados e discussão

Características dos relacionamentos na contemporaneidade

Os relacionamentos amorosos da contemporaneidade poderiam ser caracterizados pelos seguintes aspectos: menor durabilidade das uniões, menor tolerância aos conflitos, menos paciência e mais imediatismo. Há ainda a ideia de que nada dura para sempre, e a rapidez com que as pessoas constituem vínculos afetivos seria proporcional ao tempo que levam para rompê-los (Zordan & Strey, 2010).

Nessa perspectiva, os jovens participantes do estudo destacaram como características contemporâneas dos relacionamentos: individualidade, liberdade, superficialidade, descartabilidade, busca do romantismo, prazer, igualdade de gêneros e impulsividade na tomada de decisões. Características como a individualidade e a independência destacaram-se na fala da entrevistada (A):

Hoje tu vê mais cada um vivendo sua vida e poucos momentos os dois juntos, porque o casal casado mesmo, a mulher trabalha, ele trabalha, eles vão viver pro trabalho, eles vão esquecer da vida deles, do relacionamento deles, eu acho que hoje está mais voltado para o trabalho do que para o relacionamento a dois [...].

A redefinição dos papéis de homens e mulheres na sociedade foi influenciada pelo surgimento da indústria e urbanização, promovendo transformações na família e no casamento. Essas transformações vêm motivando os casais a viver de uma forma mais individualista, visando ao próprio prazer (Féres-Carneiro, 1998).

Todas essas modificações, ocorridas após a Revolução Industrial, influenciaram na caracterização e na estruturação desses relacionamentos. Assim, percebe-se, por meio do relato dos participantes de ambos os sexos, em especial os que se encontravam em uma relação estável, a predominância de projetos pessoais individuais, em que a prioridade dos indivíduos é a formação acadêmica, a construção de uma carreira, a estabilidade profissional e até mesmo o status social. Além do exposto, há a superficialidade e a descartabilidade, conforme refere (D): "Geralmente num momento difícil, as pessoas procuram; quando tá bem, tudo legal, esquecem da gente, né?; então é muito superficial, muitas vezes tu sente em um relacionamento mais sozinha do que se estivesse solteira [...]".

Considerando o cenário da vida moderna, Bauman (2004) aborda a fragilidade dos laços humanos que levam a desejos conflitantes de intensificá-los e, ao mesmo tempo, mantê-los frouxos. Segundo Bauman (2004), a parceria passa a ser vista, assim como os bens de consumo, como algo que deve ser instantâneo, usado uma só vez, podendo ser eminentemente descartável. Já Shinyashiki (2000) refere que as pessoas não querem se vincular a alguém porque têm medo de perder a liberdade, já que se sentem presas na relação.

De acordo com esses aspectos, percebe-se, por meio dos entrevistados, a busca de uma relação para suprir uma "carência" ou ainda para um momento de diversão e companhia para uma noite. Diante dos relatos, principalmente dos jovens do sexo masculino, aparece como prioridade o desejo de liberdade para se divertir com os amigos, sair para baladas. Pode-se inferir que a liberdade, em muitos casos, pode exigir flexibilidade na dinâmica das relações, tornando-as ainda mais complexas.

[...] homem não presta, mas homem também quer coisa séria, mas não adianta. Tem amigos meus que estão solteiros e me dizem: "Quero namorar, mas não consigo". O cara começa a namorar e vêm dez, vinte, trinta louca por cima, está muito difícil mesmo (F).

Diante da liberdade e busca de igualdade dos gêneros no estabelecimento das relações, os participantes apontaram que os jovens da atualidade parecem buscar a satisfação de seus desejos, não se preocupando em infringir padrões tradicionais. Ante a variedade de mulheres, os homens sentem-se "tentados" a trair e a vivenciar relacionamentos amorosos transitórios. Com base nesses aspectos, os relacionamentos da contemporaneidade seriam caracterizados também pela impulsividade, como comenta a entrevistada (C):

[...] as pessoas não procuram se conhecer antes. Por exemplo, eu fui numa festa, fiquei com um menino. Aí uns dois, três meses, acho que ele é o homem da minha vida, pego as minhas coisinhas e vou pra casa dele. É tudo muito rápido, as pessoas não procuram se conhecer primeiro [...].

A entrevistada refere que os jovens agem de modo impulsivo, visando ao prazer. A percepção dela vai ao encontro do que Bauman (2004) sugere: as relações na atualidade não estão somente baseadas no prazer, mas também no impulso. A atração de cunho sexual motiva-os a uma união, supostamente com a pessoa ideal, perfeita, mas, com o passar do tempo, essas expectativas são frustradas e a relação, que foi iniciada por atração sexual e comportamento impulsivo, tende a acabar.

Um dos fatores que podem explicar a impulsividade nos relacionamentos seria a paixão. Conforme Pregnolato (2003), quando nos apaixonamos, tendemos a acreditar inicialmente que encontramos a pessoa ideal que possui todos os atributos capazes de nos despertar admiração, amor e desejo, satisfazendo totalmente as nossas aspirações amorosas. No entanto, a atração e os objetivos de vida que, inicialmente eram os mesmos, acabam resultando no fim das relações. Fatores como esses podem estar ligados à cultura consumista e às exigências do mundo contemporâneo, onde não há tempo para conhecer o outro e nem a si mesmo. No entanto, apesar dessa impulsividade nas relações, os participantes parecem crer na ideia romântica de um relacionamento: "acho que ainda tem aquele sonho de casar de branco, de encontrar o príncipe encantado [...]" (B).

Por meio dessa manifestação da entrevistada, percebe-se o desejo de encontrar uma pessoa idealizada para construir uma relação duradoura e estável. Vários dos jovens entrevistados, a maioria do sexo feminino, têm esse sonho de encontrar uma pessoa perfeita para amar. Assim, deve-se salientar que, mesmo diante da prevalência da liberdade e individualidade, ainda há, nos relacionamentos, o desejo de viver um amor romântico e a fantasia de que esse sentimento será correspondido em todos os sentidos.

O que os jovens procuram em uma relação

Como o ser humano se sente incompleto, mesmo que de fato não o seja, busca no outro a completude. Neste estudo, revela-se que, nos seus relacionamentos, os adultos jovens buscam: confiança mútua, diálogo sincero, respeito, fidelidade, beleza física, identificação, alguém responsável e que tenha uma boa autoestima e um futuro profissional promissor: "para dar certo, um relacionamento tem que ser baseado na fidelidade, confiança e no respeito e de poder falar o que quiser para a pessoa [...]" (G).

No entanto, ao mesmo tempo que desejam estabelecer relações saudáveis com um parceiro ideal, não abrem mão de manter a rotina da vida de solteiro e a convivência com os amigos. Além disso, na visão dos participantes (E) e (C), há também a necessidade de um companheiro com o qual se identifiquem, que seja responsável, parceiro, com boa aparência física, além de um bom futuro profissional:

Sou flexível, mas tem que ter uns quesitos básicos, não pode ser uma pessoa que não te passe confiança por exemplo, tem que ser uma pessoa que pense parecido, tu não pode ficar com uma pessoa que não quer trabalhar, não quer estudar (E).

A primeira coisa que tu procura é a beleza, mas isso pra mim não é tudo. Eu procuro também uma pessoa que tenha emprego, objetivo de crescer na vida, e que tenha estabilidade, pois eu não me vejo sustentando marido (C).

Desse modo, os participantes do estudo, que vivenciam relações eventuais, priorizam, na escolha de um parceiro, a beleza e um bom futuro profissional. No entanto, os jovens em relações estáveis destacaram aspectos subjetivos e a conservação de algumas rotinas da vida de solteiro: "eu acredito que, em uma relação, é fundamental não deixar os amigos de lado e ao mesmo tempo manter a vida de solteiro [...]" (G).

Dessa forma, a convivência em grupo é bastante valorizada pelos jovens entrevistados. Ela aparece, também, como prioridade na fase da adolescência, na qual os vínculos de amizade, cumplicidade e identificações com outros jovens são muito importantes, além da aparência, beleza e sucesso como forma de aceitação social. Assim, é possível questionar se os jovens adultos participantes deste estudo não estariam ainda apresentando características da fase anterior, a adolescência.

Fatores que dificultam o estabelecimento das relações

Em uma relação duradoura, busca-se uma unidade com o outro de forma intensa e exigente, daí a dificuldade de fazê-la durar. Exige-se, ao mesmo tempo, autossuficiência e relação de fusão (Guedes & Assunção, 2006). Isso acontece porque conciliar a intimidade da vida a dois com preservação da individualidade é um desafio para os relacionamentos na atualidade.

Assim, aspectos que dificultam o estabelecimento de relações, apontados pelos entrevistados, seriam: falta de respeito, traição, desconfiança, ciúmes exagerado, excesso de responsabilidade, muito investimento em apenas uma relação, priorização da vida profissional e desrespeito à individualidade do parceiro.

Talvez pelo excesso de responsabilidade ao assumir um compromisso sério, por isso preferem aventura. Quando tu assume um compromisso sério de viver junto com outra pessoa, tudo muda, a tua responsabilidade aumenta, por isso que acabam fugindo, querem só aventura (A).

Esse medo da mudança em suas vidas e de assumir maior responsabilidade é bastante salientado pelos jovens entrevistados. Diante desses relatos, cabe considerar a pesquisa de Magalhães (como citado em Ribeiro, 2010): ele verificou que mulheres definem o casamento como uma relação amorosa, mas, para os homens, o casamento é definido como a constituição de uma família, atrelado à responsabilidade. Nessa perspectiva, Costa (1998) comenta que, diante do medo de assumir tamanha responsabilidade no estabelecimento de uma relação e para se protegerem das inseguranças de um relacionamento, as pessoas fariam uso de uma estratégia psicológica chamada flutuação. Seria uma ação anestésica em relação a uma situação causadora de medo. Complementando essa ideia, o participante (G) menciona a necessidade de constante investimento em uma relação: "nos relacionamentos, tu tem que investir bastante, se doar muito, às vezes mudar algumas características, melhorar outras, acho que, num relacionamento transitório, tu não precisa investir tanto".

De acordo com Bauman (1998), amar se caracteriza, na maioria das vezes, como um ato arriscado, perigoso, pois não conhecemos de antemão o resultado final das nossas experiências afetivas. Assim, as pessoas temem amar plenamente porque não querem ser usadas no máximo de suas capacidades e não desejam modificar certas atitudes, ou seja, temem investir significativamente em um relacionamento e, depois, ser excluídas quando a relação demonstrar os seus primeiros sinais de desgaste. Então, desenvolve-se o medo de sermos deixados para trás, de sermos excluídos e de investirmos em relacionamentos.

Questões como essas são trazidas principalmente por entrevistados da amostra que já estabeleceram uma relação estável e de longa duração e que agora vivenciam relações efêmeras. Com base nisso, é possível relacionar o medo de se vincular ao medo do sofrimento, o que poderia explicar a fala do entrevistado (G), em que ele evidencia priorizar a vida profissional: "Acho que tu tem que se valorizar primeiro, colocar os teus compromissos à frente de tudo e depois encaixar os teus relacionamentos. Eu priorizo a minha vida profissional".

Diante o relato do entrevistado, pode-se perceber que, devido a algumas experiências vivenciadas e diante da insegurança em estabelecer relações, sem saber de seus resultados, é mais fácil ou racional investir na construção da carreira: ela seria algo "garantido" em comparação a um relacionamento que poderia ser uma experiência frustrante.

O estudo realizado por Wagner, Falcke e Meza (1997), com jovens brasileiros sobre projetos vitais, família e casamento, constatou que o relacionamento amoroso já não ocupa um lugar de destaque nos seus projetos de vida, pois estão mais voltados para realização pessoal, realização profissional e projetos individuais. Já a pesquisa de Chaves (2004) constatou a importância dada por homens e, principalmente, por mulheres à formação acadêmica, à carreira profissional, à independência financeira e às possibilidades de autossatisfação e autorrealização por meio de outros planos da existência, diferentes do amoroso.

Outro aspecto interessante, que aparece neste estudo, é a visão dos participantes quanto ao modo como o sexo oposto estabelece suas relações amorosas. As mulheres relataram que os homens buscam especialmente liberdade, prazer e relações sem compromisso. Além do mais, elas pensam que os homens buscam estabelecer relações mais duradouras depois de aproveitarem muito a juventude.

Os homens assim, hoje eles querem muito a questão de aproveitar. Tá, várias pessoas têm relacionamentos sérios e tal, mas hoje tu vê vários guris que preferem ficar solteiros para sair, pra poder aproveitar, poder beber, assim, aquela coisa sem compromisso com ninguém [...] (D).

Nessa concepção, Bauman (2004) revela que, na construção do amor líquido, é idealizada a busca de satisfação com o outro e o divertimento sem fronteiras, cujo objetivo seria aproveitar o tempo presente. Nessa perspectiva, não há por que se preocupar com o passado nem com o futuro de uma relação, enquanto o presente é vivido sem limites. O compromisso com o outro, tanto no namoro como nos projetos de vida, não é bem-visto, porque ele limita a liberdade individual: "é levado muito na brincadeira, tanto os homens quanto as mulheres, [...] só que a mulher fazer o que o homem faz é errado" (D).

O relato torna explícito uma constante busca de prazer e liberdade dos jovens em ambos os sexos, porém parece haver uma distinção na aceitação do comportamento conforme o gênero. Para as mulheres, os homens têm preconceito quando elas se comportam do mesmo modo que eles, pois as mulheres, apesar dos avanços da contemporaneidade, são criticadas ao assumirem posturas aceitas e previstas somente para os homens.

A nova configuração de valorização do profissional foi facilitada pelo trabalho remunerado feminino que constituiu um momento de virada nessa dinâmica da distribuição do poder nas relações conjugais, uma vez que, pela independência econômica da mulher, novos arranjos se tornaram possíveis no âmbito familiar. Assim, o casamento não deixou de ser importante, mas não é mais fundamental. Hoje as pessoas consideram imprescindíveis o amor e a cumplicidade para o crescimento pessoal, independentemente de estarem casadas ou não (Teykal, 2007).

Os homens entrevistados relataram que as mulheres estão estabelecendo as relações com base em aspectos como liberdade, independência e relações efêmeras, mas, ao mesmo tempo, apontam a manutenção dos valores tradicionais e do romantismo, desejando intensamente ter compromisso sério, o que leva os homens sentirem-se "assustados", coagidos.

Diante desses aspectos, o participante (F) relata que as mulheres estão mais independentes, porém não se valorizam mais como antigamente e querem aproveitar a vida como os homens:

Acho que elas estão dando menos importância do que davam antes pros relacionamentos, agora já faz muito tempo que a mulher é independente, ela é independente na vida amorosa, elas não precisam de um homem só para ser felizes, elas chegaram a esse ponto que eu não acho nada errado, eu acho certo, o que eu acho errado mesmo é as mulheres não se darem tanto valor, eu acho que elas têm que dar, mas elas não estão dando mais importância ao relacionamento sério, elas querem curtir também.

A maioria dos homens adultos jovens, participantes da pesquisa, trouxe a questão de a mulher, na atualidade, "querer aproveitar a vida como os homens". Nessas falas, foi possível observar a ambivalência na opinião emitida: ao mesmo tempo que eles dizem que não acham errado as mulheres se relacionarem como os homens, ressaltam que elas deveriam se valorizar, pois as mulheres não estariam dando valor a um relacionamento sério e só querem curtir. Isso nos leva a crer que esses jovens do sexo masculino ainda resistem à igualdade de gêneros no estabelecimento das relações.

Complementando essa ideia, Ribeiro (2010) refere que, na atualidade, a mulher encontra-se independente, afetiva e financeiramente, do companheiro. A mulher prima pela afetividade na relação amorosa, todavia não a tem como única meta; ela também visa à felicidade pessoal, que não parece ser buscada somente pelo casamento, mas também em outras relações com o mudo ao seu redor, tanto no âmbito amoroso quanto sexual. Além do mais, os participantes (G) e (E) referem que as mulheres da atualidade têm maior afeição nos relacionamento do que os homens, já que elas são mais românticas. Há algumas que não querem nada sério, mas, em um determinado momento, desejam um parceiro:

[...] existem as mulheres que levam a sério, assim como o homem, mas as mulheres têm uma afeição talvez pelo relacionamento um pouco maior que o homem, talvez elas prefiram um relacionamento mais duradouro (G).

[...] eu conheço uma guria com intenção de conhecer e aproveitar o momento, sair e curtir, e nisso a guria pensa que tu está a fim dela pra coisa seria, né? A princípio assusta um pouco (E).

Diante desses valores tradicionais de algumas mulheres, bem como do desejo intenso de envolver-se em uma relação e constituir uma família, ficou explícito, no relato dos participantes entrevistados, o receio de envolvimento nesses casos, pois se sentem confusos ao assumirem compromisso.

O futuro das relações

Conforme o relato dos participantes, no futuro, as relações serão construídas por parceiros cada vez mais individualistas e com prioridade na construção da carreira profissional. O estudo também apontou que os jovens acreditam que os relacionamentos contemporâneos estáveis e duradouros deverão acontecer em idade mais avançada.

Eu acho que vai ter um momento que vão casar, vai diminuir o número de casamentos, mas o casal vai casar, e cada um vai viver em uma casa, vai ser um casamento meio que um namoro, eu numa casa, tu na outra, a gente se encontra só para matar a saudade [...] pois tu olha pros casais hoje eles só pensam no trabalho, trabalho, trabalho, profissional. Eu tenho que estudar. Aí termina a faculdade, tu tem que fazer mestrado; e acaba mestrado, tem que fazer doutorado; acaba o doutorado, aí depois tem que ir lá no estrangeiro para fazer intercâmbio (A).

Esse relato ilustra a ideia de que as relações no futuro tendem a uma configuração ainda mais singular. No entanto, a entrevistada (D) também salientou a importância do diálogo e da confiança nesses casos, além do comum acordo nas combinações estabelecidas pelo casal, para que assim a relação perdure. Ao mesmo tempo que o indivíduo se sente livre, sente-se preso, inseguro, indeciso em relação a todas essas questões. Então, o futuro das relações seria baseado na liberdade dos diferentes padrões de relacionamento, como o homossexualismo comentado por entrevistados de ambos os sexos. Por meio do discurso da participante, é possível verificar a dificuldade existente de se adaptar a comportamentos que se diferenciam do seu.

Para Rosset (2004), o relacionamento tende a se tornar difícil quando um homem e uma mulher não reconhecem que são biologicamente diferentes, obtendo formas distintas de enfrentar algumas questões e cada um quer que o outro atenda a suas expectativas. Nessa perspectiva, Lipovetsky (2004) comenta que estamos na era do vazio, na medida em que o homem sente-se angustiado e receoso em relação a essas diferenças e à liberdade de escolha que a contemporaneidade lhe ofereceu. Assim, haveria um constante paradoxo entre a cultura do excesso e aquela da ausência ou moderação, na qual a autonomia deve coexistir com a dependência.

Conforme os relatos dos participantes, no futuro das relações, os relacionamentos serão firmados em idade mais avançada, como repercussão dos aspectos anteriormente citados, como liberdade, busca do prazer, individualidade, prioridade na formação profissional e estabilidade no trabalho.

Neste estudo, buscou-se compreender a percepção de jovens adultos sobre as relações amorosas estabelecidas na contemporaneidade. Inicialmente, os dados obtidos apontaram para o desejo dos jovens em conciliar a experiência de uma relação tradicional baseada no amor romântico com a vida de solteiro, caracterizada pela liberdade, individualidade e ausência de compromisso com o parceiro.

Embora tenha ficado evidenciado o pouco investimento em seus relacionamentos, há esperança de encontrar uma pessoa para se relacionar, a qual corresponda totalmente às expectativas, alguém idealizado que proporcione prazer e felicidade. Assim, foi possível perceber discursos em relação às experiências amorosas dos participantes, pois eles anseiam muito mais por receber afeto e ter suas necessidades atendidas pelo parceiro do que disponibilizar seu tempo, sua atenção e dedicação para proporcionar satisfação, prazer e felicidade ao outro. Nessa perspectiva, as vivências amorosas parecem estar sustentadas na garantia dos próprios interesses em detrimento do alheio.

No entanto, nos relatos dos participantes, é possível observar que os adultos jovens apontam críticas e evidenciam preconceito em relação ao comportamento do sexo oposto, pois consideram errada a forma como eles estabelecem suas relações amorosas. Na opinião dos homens, as mulheres não deveriam se comportar como se fossem "homens", vivendo relações de curta duração e trocando frequentemente de parceiros. Por sua vez, as mulheres salientam que os homens não querem relações que envolvam fidelidade e compromisso. Com isso, o estudo revela conflito e desigualdade em relação às expectativas alicerçadas nas diferenças de gênero.

As relações atuais foram descritas com características como predominância da individualidade, superficialidade, pouco investimento e instabilidade. Com o interesse de conciliar uma relação amorosa mais tradicional, baseada em intensos sentimen-tos de afeto e o respeito aos interesses individuais de crescimento e desenvolvimento profissional, os jovens deste estudo apontaram que as relações do futuro terão um delineamento e uma configuração ainda mais singulares.

Enfim, eles sugerem que, no futuro, os modos alternativos de organizar uma relação, como não coabitação e contrato de liberdade para ambos, poderão ser uma maneira de preservar as características dos adultos na contemporaneidade e de viabilizar uma relação de qualidade que seja satisfatória para ambos.

Tendo em vista a amplitude do tema investigado, é importante considerar as limitações deste estudo, como o pequeno número de participantes, o que não permite generalizações, especialmente por se tratar de um tema complexo, no qual várias questões subjetivas podem ser abordadas para a sua compreensão, como a motivação para os relacionamentos afetivos, os sentimentos mobilizados nas relações interpessoais e a experiência de vivenciar o amor e suas vicissitudes. Por fim, considera-se que este estudo contribui para a elucidação das relações amorosas na contemporaneidade, mas não esgota o tema, no qual há o atravessamento de uma magnitude de fatores que merece uma melhor compreensão por meio de novos estudos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Luciane Najar Smeha
Departamento de Ciências Humanas
Centro Universitário Franciscano (Unifra)
Rua Silva Jardim, 1323, prédio 17
Santa Maria - RS - Brasil. CEP: 97010-491
E-mail: lucianenajar@yahoo.com.br

Submissão: 09.04.2012
Aceitação: 15.04.2013