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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.2 São Paulo ago. 2013

 

PSICOLOGIA SOCIAL

 

Deficiência auditiva e mercado de trabalho: uma visão de empregadores da cidade de Uberlândia-MG

 

Hearing disability and the workplace: a vision from the employers of the city of Uberlândia-MG

 

Deficiencia auditiva y mercado de trabajo: una visión de empleadores de la ciudad de Uberlândia-MG

 

 

Thalita Mara Santos; Lídia Cristiane Vieira; Cleyciane Alves Faria

Universidade Federal de Uberlândia - Uberlândia - MG - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As pessoas com deficiência auditiva, por meio de conquistas legais, obtiveram a sua inserção no mercado de trabalho. No entanto, isso não garante de fato uma inclusão social, pois esta depende do emprego da língua de sinais e do reconhecimento dos reais desafios, necessidades e potencialidades dessas pessoas. Diante dessa problemática, o objetivo do presente trabalho consistiu em investigar a percepção de empregadores referente à contratação e inclusão social dos funcionários com surdez. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas junto a 11 responsáveis pelo setor de recursos humanos de empresas de diversos ramos e setores de Uberlândia. Os resultados apontaram uma ineficácia do processo de comunicação e um modo de contratação que ocorre em algumas das empresas pesquisadas, por conta de uma determinação legal imposta pelo Estado. As barreiras sonoras e as concepções dos empregadores são obstáculos ante a inclusão social das pessoas com deficiência auditiva no ambiente organizacional.

Palavras-chave: surdez; mercado de trabalho; recursos humanos; comunicação; língua de sinais.


ABSTRACT

People with hearing disabilities, by means of legal achievements, have conquered their workplace. However, this does not necessarily guarantee their social inclusion, as this process depends on the use of sign language and on the recognition of the real challenges, needs and potential of those involved. Thereby, the aim of this paper consists on investigating the viewpoint of employers concerning employment and social inclusion of deaf workers. The data was collected through a semi-structured interview, with 11 people responsible for the human resources departments of companies in numerous types of businesses and sectors from the city of Uberlândia. The results pointed out inefficiency in the communication process and employment strategy that occurs in some of the researched companies, which dues to a legal determination imposed by the State. The sound barriers and the employers conceptions are obstacles to the social inclusion of people with hearing difficulties in a business environment.

Keywords: deafness; workplace; human resources; communication; sign language.


RESUMEN

Las personas con deficiencia auditiva, con conquistas legales, obtuvieron su inserción en el mercado de trabajo. No obstante eso no garantiza una inclusión social, esta depende del empleo del lenguaje de señales y del reconocimiento de los reales desafíos, necesidades y potencialidades de estas personas. Ante esa problemática, el objetivo del presente trabajo consistió en investigar la percepción de empleadores referente a contratar y incluir socialmente a los funcionarios con sordez. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas, con 11 responsables de los de recursos humanos de empresas de diversas ramas y sectores de Uberlândia. Los resultados apuntaron ineficiencia del proceso de comunicación y un modo de contratar que ocurre en alguna de las empresas investigadas, debido a una determinación legal del Estado. Las barreras sonoras y las concepciones de los empleadores son barreras para la inclusión social de las personas con deficiencia auditiva en el ambiente organizacional.

Palabras clave: sordera; mercado de trabajo; recursos humanos; comunicación; lenguaje de señales.


 

 

A Organização Mundial da Saúde (1989) traz um conceito de deficiência bastante amplo que perpassa o âmbito das estruturas ou funções psicológicas, fisiológicas ou anatômicas do indivíduo, já que existem as deficiências físicas, auditivas, visuais, mentais e múltiplas (associação de duas ou mais deficiências).

No que diz respeito à deficiência auditiva, é importante abordar que há diferentes graus de surdez, os quais interferem na capacidade de comunicação e compreensão das palavras pelas pessoas com deficiência auditiva. Tais graus de surdez implicam a necessidade do uso da língua de sinais e/ou a leitura labial para as pessoas com surdez se comunicarem. A caracterização dos tipos de surdez depende da gravidade do problema que a causou, e estes podem ser de grau leve, moderado, severo e profundo, conforme a capacidade de percepção e compreensão das formas acústicas (Lafon, 1989).

O acesso das pessoas com deficiência auditiva aos segmentos da sociedade e ao mercado trabalho implica a necessidade de considerar que as principais barreiras enfrentadas são, sobretudo, de ordem sonora, em vez de arquitetônicas, e a incompreensão ou negação desse fato vai de encontro à criação de alguns mitos e concepções equivocados sobre a deficiência auditiva em si, bem como sobre o cotidiano profissional de uma pessoa com deficiência auditiva. Esses mitos surgem de ideias preconcebidas trazidas pela cultura, as quais se apresentam carregadas de explicações calcadas no senso comum.

O processo de comunicação humana se dá pelas múltiplas linguagens, o qual abarca um conjunto de manifestações verbais e não verbais, cujo principal objetivo é promover a integração entre as pessoas, sendo o veículo principal de transmissão e compartilhamento de ideias, cognições, sentimentos e estados afetivos (Nunes, 2006). Com relação às pessoas com deficiência auditiva, especialmente aquelas de grau severo a profundo, a aquisição natural da linguagem verbal está comprometida, por isso o processo de interação humana ocorre por meios não verbais, entre eles a língua de sinais. Sobre a língua de sinais, esta é uma modalidade linguística espaço-visual com forte peso cultural de adaptabilidade a um modo sensorial diferente (Quadros, 1997). Assim, além de a língua de sinais ser um recurso não verbal para a comunicação, ela pode exercer um papel fundamental para a constituição da identidade cultural surda e favorecer o contato social.

Quando se priva a pessoa com deficiência auditiva da língua de sinais, isso a destitui de sua identidade cultural, limita sua comunicação e interação e a afasta do verdadeiro processo de comunicação, pois o entendimento da leitura labial não se dá por completo. Essa privação pode deixar lacunas na compreensão da linguagem, uma vez que "a leitura labial não é apenas uma habilidade visual - 75% dela é uma espécie de adivinhação inspirada ou conclusão por hipótese, dependendo do uso de pistas encontradas no contexto" (Sacks, 1998, p. 82).

No modo de se fazer como sujeito surdo, sua identidade é construída dentro de uma cultura visual que é disciplinada por uma ação e atuação visual: "ser surdo é pertencer a um mundo de experiência visual e não auditiva" (Perlim, 1998, p. 56). Essa posição rompe com a ideia da pessoa com deficiência auditiva dominada pela imposição da ideologia de uma maioria ouvinte que impõe a linguagem oral como forma de normalização dos sujeitos.

A língua de sinais tem função unificadora no "mundo" dos surdos e, ao mesmo tempo, separa os surdos do mundo das pessoas ouvintes (Sacks, 1998). Nesse sentido, pensar a inclusão social das pessoas com deficiência auditiva requer transformações que vão além da superação do preconceito e da discriminação, incluindo a necessidade de oportunizar intérpretes que viabilizem a comunicação entre os ouvintes e as pessoas surdas, criando uma condição mínima para que a distância entre as pessoas surdas e os ouvintes seja diminuída. Seguindo essa esteira de pensamento, também é relevante refletir sobre os casos de pessoas com deficiência auditiva que não utilizam a língua de sinais, de tal forma que a noção de inclusão social contemple diversos modos de comunicação.

Sobre a inclusão das pessoas com deficiência auditiva no mercado de trabalho, pode-se dizer que o ambiente de trabalho é um espaço de configuração das relações sociais e onde também é possível exercer a cidadania. Por meio do exercício profissional, os sujeitos surdos podem conquistar sua autonomia e se integrar à sociedade (Klein, 1998). Em paralelo, quanto ao mercado de trabalho, é interessante notar que a tentativa de atender às normas legais que legitimam a contratação de pessoas com deficiência leva algumas empresas a buscar a mão de obra de que necessitam antes de realizarem as preparações e modificações essenciais no ambiente de trabalho. Tais ações podem conduzir à simples inserção da pessoa com deficiência, sem que a plena inclusão social nesses espaços seja considerada.

Deve-se considerar que a inserção ou integração de pessoas com deficiência auditiva nas empresas é ainda um processo unilateral, pois consiste nos esforços de poucos em cumprir uma lei vigente, não existindo, portanto, a modificação da dinâmica da empresa em si, ou seja, "a integração pouco ou nada exige da sociedade em termos de modificação de atitudes, de espaços físicos, de objetos e de práticas sociais [...]" (Sassaki, 1997, p. 35). Já o processo de inclusão social nos ambientes organizacionais deve estar condizente com um processo bilateral, em que as empresas e as pessoas com deficiência auditiva precisam em conjunto buscar soluções para equacionar os problemas relacionados à comunicação. As mudanças necessárias para garantir a inclusão das pessoas com deficiência auditiva não são facilmente visíveis como aquelas necessárias para pessoas com outros tipos de deficiência, como a física ou visual. A principal mudança necessária para a inclusão de pessoas com deficiência auditiva está no âmbito da linguagem, seja ela falada, gestual ou escrita. Sendo assim, os processos de comunicação também devem transformar-se de modo a favorecer relações interpessoais mais inclusivas.

A inserção da pessoa com deficiência no mundo do trabalho ocorre de acordo com a concepção que a sociedade possui em relação à deficiência (Omote, 1996). Ou seja, se ela concebe as dificuldades da pessoa com deficiência em função de suas limitações orgânicas, o processo para inserir a pessoa com deficiência ocorrerá baseado mais na natureza da sua deficiência do que nas suas potencialidades e reais necessidades. Nesse sentido, a desinformação é capaz de produzir mitos sobre as pessoas com deficiência auditiva, trazendo consequências diretas na absorção da mão de obra dessas pessoas pelas empresas e na ocupação destas em certos cargos, principalmente naqueles em que há atividades com nível maior de complexidade.

Um dos aspectos permeados de preconcepções da sociedade diz respeito à capacidade de atenção das pessoas com deficiência auditiva. Os sentidos humanos possuem a função principal de favorecer o relacionamento entre o indivíduo e o meio circundante. Esses sentidos ajudam nos processos de adaptação do indivíduo e no seu relacionamento social. No cotidiano popular, acredita-se que, quando a pessoa é desprovida de um dos sentidos, os demais se tornam mais desenvolvidos com o intuito de favorecer o relacionamento entre o indivíduo e o meio. Essa ideia traz consigo a possibilidade de uma estratégia compensatória, ou seja, no caso da pessoa com surdez, acreditar-se-ia que seu nível de atenção é mais elevado principalmente para tarefas que exigem atenção concentrada.

A concepção de que a pessoa com deficiência auditiva tenha um nível de atenção mais elevado se estende para o ambiente organizacional. Em algumas empresas, existe a imagem da pessoa com deficiência auditiva como produtora braçal de produtividade devido à ideia de que ela consiga se concentrar com mais facilidade no trabalho sem a distração do barulho (Perlim, 1998). No entanto, é um equívoco a ideia de que os cargos operacionais sejam os mais indicados para os sujeitos surdos em função de sua atenção concentrada. Muitos outros cargos podem ser ocupados por eles desde que sejam dadas as oportunidades para o aprendizado de outras funções, e, em virtude disso, o acesso a novos cargos seja garantido nas empresas.

Um dos grandes propósitos em investigar as questões atencionais na pessoa com deficiência auditiva consiste em compreender como ocorrem os processos de comunicação entre a pessoa com surdez e as outras pessoas. A comunicação é um processo de interação no qual mensagens, ideias, sentimentos e emoções são compartilhados. A comunicação ocorre mediante o uso da palavra escrita ou falada, e, além disso, as pessoas podem utilizar-se de mecanismos não verbais, como gestos, expressões corporais, imagens, tato e outros signos (Cardoso, Rodrigues, & Bachion, 2006).

Quanto a questões atencionais relacionadas à pessoa com surdez ou com perda auditiva, são escassos os estudos que têm como objetivo investigar como funcionam as questões cognitivas, atencionais e outras, em amostras compostas por pessoas que têm surdez ou perda auditiva acentuada. Alguns dos estudos dizem respeito às questões representacionais (Azevedo & Joffily, 2009), percepções da empresa sobre o colaborador que tem alguma deficiência (Carvalho-Freitas, 2007) e diferenças corticais entre pessoas ouvintes e aquelas com surdez congênita (Carvalho, 2009).

Contudo, quando se analisa a especificidade comunicativa da pessoa com deficiência, é importante averiguar os mitos que a circundam. Amaral (1994) analisa que, perante a deficiência, as pessoas em geral têm muitos comportamentos diferentes, e um deles é a atribuição de ideias fantasiosas. De acordo com Amaral (1994), as pessoas criam estereótipos que se relacionam aos diferentes tipos de deficiência - por exemplo, o deficiente físico é "o revoltado" - , e, entre as classificações apresenta-das por essa autora, há o estereótipo de que a pessoa com surdez é um ser "isolado". No entanto, esse suposto isolamento pode ocorrer realmente à medida que vai sendo ocasionado pela falta de mudança nas formas como a linguagem ocorre dentro do ambiente corporativo. Assim, sem ter acesso às relações comunicativas dentro das organizações, a pessoa com deficiência auditiva passa a sofrer com o isolamento, o qual a distancia dos demais funcionários, privando-a de compreender o que se passa naquele ambiente.

Nesse sentido, em razão da dificuldade que muitas empresas encontram na promoção de processos de inclusão de pessoas com deficiências e também pelo fato de que os profissionais de recursos humanos têm de lidar com tais questões habitualmente, elaborou-se o presente trabalho que teve como objetivo analisar, a partir da perspectiva dos profissionais de recursos humanos, a realidade e alguns dos mitos que permeiam o cotidiano profissional das pessoas com deficiência auditiva no âmbito do trabalho de algumas empresas da cidade Uberlândia-MG, além de verificar aspectos relacionados à contratação e inclusão de pessoas com deficiência auditiva.

 

Método

O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia sob o registro CEP/UFU 062/10, conforme a Resolução nº 196/96 do CNS/MS/BR. A amostra utilizada foi constituída por 11 profissionais de recursos humanos de diferentes tipos de empresas da cidade de Uberlândia-MG, as quais contratam e têm, no seu quadro atual de funcionários, pessoas com deficiência auditiva. Essas empresas foram escolhidas a partir de uma listagem elaborada pela Associação de Surdos e Mudos de Uberlândia (Asul).

Os dados foram coletados no segundo semestre de 2010, e as empresas contempladas na pesquisa atuam no ramo do comércio, da indústria e da prestação de Serviço, e o tempo de funcionamento dessas empresas na cidade varia entre 12 e 56 anos. Tais empresas são classificadas como de médio e grande porte, contendo, em média, de 146 a 1.200 pessoas em seu quadro de funcionários. É importante salientar que essa classificação foi atribuída pelos próprios entrevistados às empresas em que atuam. A caracterização das empresas que fizeram parte deste estudo pode ser visualizada no Quadro 1.

Os entrevistados são em sua maioria do sexo feminino (8), com formações diversificadas: pedagogia, administração, técnico em contabilidade e médico especialista em medicina do trabalho. Em maior número (5), estão os graduados em psicologia. Os nomes dos cargos ocupados pelos entrevistados do setor de recursos humanos variam: assistente de RH, analista de RH, encarregado de RH, gerente de RH, psicólogo, auxiliar administrativo, supervisor de RH e médico do trabalho. Esses profissionais possuem, na maioria, entre 2 e 21 anos de atuação na empresa. A exceção é na empresa G, na qual o profissional tem apenas quatro meses de atuação na área. A caracterização dos profissionais de recursos humanos entrevistados pode ser visualizada no Quadro 2.

O instrumento de pesquisa utilizado para a coleta de dados compreendeu um roteiro de entrevista confeccionado especificamente para a realização da pesquisa, com 24 questões divididas em três partes: caracterização da empresa, caracterização dos entrevistados e dados específicos sobre a temática da pesquisa condizente com o tema da inclusão de pessoas com deficiência auditiva ao mercado de trabalho.

Os profissionais foram previamente contatados para o agendamento da entrevista semiestruturada, a qual foi realizada no próprio ambiente de trabalho, com duração média de 1 hora e 30 minutos cada entrevista. As respostas foram transcritas pelas entrevistadoras e posteriormente foram submetidas à análise de conteúdo como forma de elaboração dos resultados que serão apresentados a seguir.

 

Resultados e discussão

Os resultados obtidos apontam algumas razões pelas quais as 11 empresas pesquisadas contratam pessoas com deficiência auditiva. Entre essas razões, é possível destacar os desafios e enfrentamentos da pessoa com deficiência auditiva com relação à sua entrada no mercado de trabalho; a existência (ou não) de uma preparação para os cargos de chefia e colaboradores ouvintes para atuarem junto às pessoas que apresentam surdez de grau severo a profundo que ingressam para trabalharem na organização; o processo de comunicação entre ouvintes e não ouvintes; e a forma de participação dos colaboradores com deficiência auditiva em eventos e/ou treinamentos promovidos pelas empresas.

Ao serem questionados sobre as razões que motivaram os profissionais de recursos humanos a contratar pessoas com deficiência auditiva para ocupar o quadro de funcionários, nove entrevistados responderam que tal fato se deve à tentativa de cumprir a determinação do Ministério Público do Trabalho. Dois entrevistados responderam que essa ação tem como objetivo a promoção da inclusão social. As pessoas com deficiência conquistaram algumas garantias legais no que tange ao ingresso no mercado de trabalho, um exemplo disso é o Decreto nº 3.298, de 1999, que apresenta um conjunto de ordenamentos que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. Tal decreto define um percentual de vagas, que varia de 2% a 5% do total de vagas, destinadas a pessoas com algum tipo de deficiência em empresas privadas com mais de 100 funcionários. Sendo assim, a contratação de pessoas com deficiência auditiva pelas empresas pode ser observada, nesta pesquisa, sob duas perspectivas: de um lado, uma minoria de empresas diz assumir uma postura de responsabilidade social e contrata pessoas com deficiência auditiva ou com outros tipos de deficiência, antes mesmo de ocorrer uma imposição legal; por outro lado, há empresas que aderiram à contratação devido à necessidade e principalmente à obrigatoriedade de se adequarem a uma norma imposta pelo Estado.

Os entrevistados disseram que o encaminhamento de pessoas com deficiência auditiva para as empresas se dá por indicação de outros funcionários, por meio de agências de emprego ou de organizações não governamentais (ONGs) ou associações. Quanto às exigências mínimas necessárias para a contratação de pessoas com deficiência auditiva, sete entrevistados mencionaram requisitos relacionados à escolaridade, a qual pode variar de ensino fundamental a ensino médio completo, dependendo da empresa e da função. No entanto, para outras empresas, não há exigências específicas, mas o candidato deve demonstrar interesse, responsabilidade ou outras características pessoais e mesmo de personalidade. A ausência de solicitação de exigências específicas pode estar relacionada ao mero cumprimento de uma obrigatoriedade de ter e manter essas pessoas nas organizações em que estão.

No que se refere aos desafios e enfrentamentos das pessoas com deficiência auditiva para ingressar ao mercado de trabalho, a maioria dos entrevistados apontaram para a dificuldade de comunicação e interação destas com outros funcionários e a crença por parte das empresas de que as pessoas com deficiência auditiva são incapazes para o trabalho ou não se adaptarão a ele. Outro aspecto importante diz respeito à percepção de falta de investimento governamental na atenção ao desenvolvimento profissional e pessoal do indivíduo com deficiência auditiva. Ademais, há também o protecionismo e o despreparo das famílias que, segundo os entrevistados, podem interferir no desenvolvimento das pessoas com deficiência auditiva.

É importante destacar que as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência auditiva, antes de tudo, são de ordem social e estão intimamente relacionadas aos aspectos que permeiam a inclusão social. Como propõe Sassaki (1997), a inclusão social diz respeito à edificação de uma nova sociedade e também a transformações nas tradições, nos costumes e, consequentemente, na mentalidade de todas as pessoas, o que implica uma postura ativa, descentralizadora e transformadora tanto da família quanto do Estado voltada ao desenvolvimento profissional e social da pessoa com deficiência auditiva. Além disso, há um evidente despreparo e desconhecimento por parte dos empregadores sobre as reais capacidades e limitações das pessoas com deficiência auditiva, bem como sobre as potencialidades, expectativas e necessidades. Tal fator pode dificultar a inserção no mercado de trabalho e a permanência nele por pessoas que compõem esse grupo: "a falta de informações sobre a deficiência, aliada à possível crença de que seu portador não irá corresponder ao ritmo imposto pela produtividade, pode acabar gerando antagonismos à absorção dessa mão de obra pelas empresas" (Tanaka & Manzini, 2005, p. 275).

Quanto à preparação dos líderes e funcionários ouvintes que trabalham com pessoas com surdez de grau severo a profundo, os dados indicam que, dos 11 entrevistados, cinco responderam que há treinamento e quatro responderam que não há. É pertinente destacar que uma das empresas pesquisadas não tem nenhum funcionário com deficiência auditiva de grau severo a profundo. Nesse caso, não houve nenhuma especificação sobre o tipo de treinamento nem sobre uma possível estrutura deste.

As adaptações no ambiente de trabalho para incluir as pessoas com deficiência auditiva sugerem que, além de alterações na comunicação, ocorra também a adoção de uma postura inclusiva por parte da empresa, o que implicaria, entre outros aspectos, a necessidade premente de treinamento para que as diversidades sejam entendidas, acolhidas e respeitadas. Sendo assim, uma empresa inclusiva "adapta procedimentos e instrumentos de trabalho, treina todos os recursos humanos na questão da inclusão, etc." (Sassaki, 1997, p. 65).

As barreiras sonoras impõem-se como um dos maiores obstáculos à inclusão de pessoas com deficiência auditiva nas organizações de trabalho, pois elas provocam o distanciamento entre os funcionários com surdez e os demais, o que dificulta o processo de comunicação e aumenta a exclusão ou dá continuidade a ela. Sobre o processo de comunicação e a atuação de intérpretes nas empresas pesquisas, foram obtidos os dados apresentados no Quadro 3.

É importante ressaltar que a contratação de pessoas com deficiência auditiva pelas empresas já foi um grande passo na manutenção de direitos, mas não é suficiente, pois essas pessoas precisam ser atendidas e ter garantias que atendam às suas necessidades de comunicação e expressão, participando do que ocorre dentro de uma empresa em relação ao processo de comunicação e também dos processos de desenvolvimento pessoal e formação profissional: "A surdez em si não é o infortúnio; o infortúnio sobrevém com o colapso da comunicação e da linguagem" (Sacks, 1998, p. 130). Por isso, pensar a inclusão social das pessoas com deficiência auditiva requer executar transformações que se estendem da superação do preconceito e da discriminação para a necessidade de oportunizar intérpretes ou promover e mesmo ampliar os cursos de capacitação em Libras que viabilizem a comunicação entre os ouvintes e as pessoas com deficiência auditiva, criando uma condição mínima para que a distância entre elas e os ouvintes seja diminuída, e que os mitos sobre a pessoa com deficiência auditiva sejam extintos.

Em todas as empresas pesquisadas, as pessoas com deficiência auditiva participam de palestras, treinamentos e outros eventos, e, em apenas três (B, E e K) empresas, há a presença de intérpretes nessas ocasiões. Nas demais empresas, utilizam-se recursos audiovisuais, e, além disso, as pessoas com deficiência auditiva contam com o apoio de outros funcionários para transmitir-lhes as informações por meio de gestos, mímicas e mensagens escritas. Pode-se também, em algumas situações, conforme exposto pelos participantes, colocar a pessoa com deficiência auditiva em "posições estratégicas" nos locais de treinamento e palestras para que ela tente fazer a leitura labial. Há com essas ações uma tentativa de criar estratégias de inclusão, mas que estão longe do ideal.

Um aspecto alarmante é que, em certas atividades desenvolvidas nas empresas, ainda se observa que as pessoas com deficiência auditiva participam de reuniões, palestras, treinamentos e outros eventos sem receber o suporte que a língua de sinais lhes oferece para a plena compreensão das informações ali veiculadas. Práticas como essas, na realidade, provocam um isolamento da pessoa com deficiência auditiva das informações repassadas via linguagem oral, uma vez que "a comunicação via fala e leitura de lábios da língua falada é necessariamente muito limitada para uma pessoa que não pode ouvir" (Svartholm, 1999 como citado em Witkoski, 2009, p. 265). Tal prática é excludente e mostra o despreparo das organizações na promoção de ações inclusivas no ambiente organizacional.

Deve-se acrescentar que a língua de sinais recebe destaque dentro da complexi-dade do processo de adaptação nas organizações, pois, conforme as falas dos entrevistados, outras estratégias que viabilizam a comunicação são utilizadas, mas não são efetivas especialmente para as pessoas com deficiência auditiva severa ou profunda que dominam o uso da língua de sinais e poderiam se beneficiar com essa modalidade comunicacional.

Ante os aspectos apresentados, é possível perceber que a contratação de pessoas com deficiência auditiva na cidade de Uberlândia se dá, na maioria dos casos, em função de uma determinação legal. Percebe-se assim que não há efetivamente um processo de inclusão social dessas pessoas dentro do ambiente organizacional. As empresas atendem à legislação quanto ao ingresso dessas pessoas. No entanto, após serem contratadas, faltam ações que promovam efetivamente e com qualidade a inclusão, que garantam a esses colaboradores acesso integral e irrestrito ao estabelecimento de relações sociais dentro das organizações, e proporcionem efetivamente o direito à expressão do seu pensamento.

As barreiras no processo de comunicação imperam e prejudicam o relacionamento entre as pessoas com deficiência auditiva e os ouvintes, inclusive na ocasião de eventos promovidos pela empresa como treinamentos e palestras, em que a presença de um intérprete seria imprescindível, especialmente no caso de empresas que possuem no seu quadro de funcionários pessoas com grau de deficiência auditiva de severo a profundo.

Os entrevistados reconhecem que a dificuldade na comunicação entre as pessoas com deficiência auditiva e os ouvintes é um desafio no ingresso ao mercado de trabalho, contudo responsabilizam o Estado e a família quanto ao desenvolvimento profissional e pessoal das pessoas com deficiência auditiva, sem mencionar, em nenhum momento, o papel que as próprias empresas devem desempenhar nesse sentido. As concepções que os entrevistados têm a respeito das reais necessidades, dos desafios e das potencialidades dos funcionários com surdez é o ponto inicial para que as ações de inclusão social comecem efetivamente a ocorrer nas empresas e consequentemente os mitos acerca da pessoa com deficiência auditiva sejam desfeitos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Thalita Mara Santos
Instituto de Psicologia
Universidade Federal de Uberlândia
Avenida Pará, 1720, Campus Umuarama, Bloco 2C, Sala 31
Umuarama, Uberlândia - MG - Brasil. CEP 38400-902
E-mail: fapsi@ufu.br

Submissão: 08.03.2012
Aceitação: 14.04.2013