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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.2 São Paulo ago. 2013

 

DESENVOLVIMENTO HUMANO

 

Instalando pré-requisitos de leitura para dois alunos com deficiência intelectual

 

Reading prerequisite installation in two students with intellectual deficiencies

 

Al instalar los requisitos previos para la lectura de dos alumnos con discapacidad intelectual

 

 

Jaci Augusta Neves de SouzaI; Grauben José Alves AssisII

IFaculdade Martha Falcão, Manaus - AM - Brasil
IIUniversidade Federal do Pará, Belém - PA - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A recombinação silábica para formar novas palavras tem se mostrado uma alternativa promissora no ensino de leitura generalizada para indivíduos com desenvolvimento atípico. No entanto, organizar as letras que constituem as palavras é um conceito básico indispensável para que se instalem os rudimentos da leitura, ainda que sejam palavras simples compostas por uma ou duas sílabas. O presente estudo teve por objetivo instalar os pré-requisitos do comportamento de ordenação dos símbolos gráficos do alfabeto romano para indivíduos com deficiência intelectual. Participaram do estudo dois alunos matriculados na escola da Apae. Formas não representacionais apresentadas em quatro tamanhos foram inicialmente utilizadas, e a resposta requerida foi selecioná-las para formar três sequências. Seguindo o mesmo procedimento, foram utilizadas letras como estímulos para formar palavras dissílabas. Os resultados mostraram que os alunos foram capazes de ordenar as letras formando as palavras após aprenderem a organizar os estímulos não representacionais, utilizados como pré-requisito.

Palavras-chave: comportamento de ordenação; leitura; recombinação silábica; deficiência intelectual; equivalência de estímulos.


ABSTRACT

The syllable recombination to form new words has been shown as a promising alternative to teach generalized reading to individuals with atypical development. However, letter organization to form words is a basic concept necessary to install the rudiments of reading, even if the words are simple with one or two syllable. The present study had the goal of installing the pre-requisites behavioral of graphic symbol ordination of the Roman alphabet in individuals with intellectual deficiencies. Two students from Apae School participated of the study. Non-representational shapes presented in four sizes were initially used and the required response was to select them to form three sequences. Using the same procedure, letters were used as stimuli to form two-syllable words. The results showed that the students were capable of ordering the letters to form words after learning to organize the non-representational stimuli as a prerequisite.

Keywords: ordering behavior; reading; syllable recombination; intellectual deficiency; stimulus equivalence.


RESUMEN

La recombinación silábica para formar nuevas palabras se ha mostrado como una alternativa prometedora en la enseñanza de lectura generalizada en los individuos con desarrollo atípico. Sin embargo, organizar las letras que constituyen las palabras es un concepto básico esencial para instalar los rudimentos de la lectura, aunque sean palabras sencillas de una o dos sílabas. El propósito de este estudio fue instalar los requisitos previos para el comportamiento de la coordinación de símbolos gráficos del alfabeto romano para las personas con discapacidad intelectual. Participaron en el estudio, dos estudiantes matriculados en la escuela de Apae. Formas no representacionales presentadas en cuatro tamaños fueron originalmente utilizadas y la respuesta necesaria fue seleccionarlas para formar tres secuencias. Siguiendo el mismo procedimiento se utilizaron las letras como palabras bisilábicas. Los resultados mostraron que los estudiantes fueron capaces de ordenar las letras que forman las palabras después de aprender a organizar los estímulos no representacionales, utilizados como un requisito previo

Palabras clave: comportamiento de coordinación; lectura; recombinación silábica; discapacidad intelectual; equivalencia de los estímulos.


 

 

As contribuições dos estudos da análise do comportamento para a aquisição, manutenção e generalização das habilidades básicas de indivíduos com deficiência intelectual, desenvolvidos há mais de 30 anos, foram revisadas por O'Donnell e Saunders (2003). Essa revisão objetivou prover o início de uma sistematização da literatura e apontar as áreas que podem ser fortalecidas, com destaque para esclarecer se os desempenhos emergentes poderiam ser mediados pela linguagem.

As primeiras pesquisas que utilizaram esse tipo de população estiveram voltadas para demonstrar os princípios da aprendizagem aplicados ao comportamento humano e limitavam-se a descrever resultados de manipulações que ampliavam o repertório do indivíduo ou eliminavam comportamentos socialmente inadequados. Redirecionar o foco de atenção contraria a concepção tradicional que atrela ao indivíduo a responsabilidade por não apresentar as habilidades formais socialmente exigidas.

Portanto, o desenvolvimento de novos procedimentos de ensino e de testes tem se tornado essencial, principalmente para atender às demandas de populações com histórico de fracasso escolar ou dificuldades de aprendizagem. Para isso, Brino e Goulart (2009) analisaram a evolução do paradigma de equivalência de estímulos (Sidman & Tailby, 1982), que trata da emergência de comportamentos a partir do ensino de uma linha de base mais coerente de ensino e testes.

A leitura com compreensão envolve, sistematicamente, as relações entre as palavras ditadas, as figuras correspondentes dessas palavras e as palavras impressas. O arranjo experimental deve ser planejado de modo a emparelhar os estímulos tal que a palavra ditada seja apresentada como modelo para a escolha da figura e/ou da palavra impressa. Em seguida, testes podem evidenciar que a relação entre a palavra impressa e a figura, ou vice-versa, emergirá sem qualquer ensino adicional. O resultado demonstrará a formação de uma classe de estímulos intercambiáveis, caracterizando a circularidade entre os estímulos, sem que, para isso, todas as relações tenham sido ensinadas explicitamente. Essas novas relações derivadas seriam produto de contingências de reforçamento (Sidman, 1994).

Organizar sequências de respostas simples para respostas mais complexas tem sido uma forma de instalar comportamentos elementares em indivíduos que apresentam limitações na aprendizagem. O comportamento de ordenar estímulos em sequências foi objeto da análise teórica descrita por Green, Stromer e Mackay (1993) que propuseram procedimentos para avaliar a natureza das relações entre estímulos em sequências ensinadas separadamente umas das outras. A tarefa experimental proposta seria organizar formas não representacionais exibidas de maneira gradual para avaliar se os participantes seriam capazes de produzir uma sequência sem consequência diferencial. Resultados positivos poderiam sugerir que táticas de ensino planejadas estabeleceriam uma relação de ordem entre os estímulos, consistente com a posição que esses estímulos ocuparam no treino original.

Uma revisão geral a partir da descrição proposta por Green et al. (1993) foi publicada por Miccione, Assis e Costa (2010). Trata-se da revisão conceitual sobre as estratégias e as variáveis investigadas nos procedimentos experimentais descritos na literatura. Segundo Miccione et al. (2010, p. 131), ordenar estímulos apresentados simultaneamente "implica responder sob o controle da propriedade relacional" da ordem na qual os estímulos deverão ser organizados, repertório exigido na aquisição de habilidades linguísticas e matemáticas. Esse repertório é identificado como encadeamento ou sucessão de respostas, cuja característica principal é a função reforçadora da resposta antecedente e a função discriminativa, para a resposta consequente, na constituição de uma cadeia comportamental.

Para a revisão de Miccione et al. (2010), foram selecionados 82 trabalhos nacionais e estrangeiros e organizados em grupos com destaque para o tipo de participante, para as variáveis e para os procedimentos experimentais. O grupo que incluiu os trabalhos sobre as relações ordinais constatou "diferentes fontes de controle combinadas na geração de modalidades de responder ordinal" (Miccione et al., 2010, p. 136). A revisão mostrou que os trabalhos analisados "buscaram estabelecer diferentes tipos de relações sobre quais variáveis eram manipuladas para verificar a formação de classes derivadas de repertórios sequenciais", verificaram que as fontes de controle não ficaram restritas ao procedimento de emparelhamento ao modelo e concluíram que, uma vez estabelecida uma propriedade controladora para um membro, ela se estenderá aos demais membros da classe, consignando, portanto, a expansão do paradigma de equivalência de estímulos (Miccione et al., 2010, p. 137). Dois desses trabalhos são citados a seguir.

Com o objetivo de explicitar a formação de repertórios de ordenação, Assis e Sampaio (2003) planejaram um procedimento com fotos de aves e mamíferos. Os participantes foram alunos regularmente matriculados na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Belém, divididos em dois grupos experimentais. Os resultados mostraram diferenças relevantes entre os dois grupos, e a familiaridade dos estímulos foi apontada como um fator que contribuiu para esses resultados. Para controlar essa variável experimental, Souza e Assis (2005) utilizaram formas não representacionais e ensinaram a alunos, também da Apae, o comportamento de ordenar. Os participantes foram expostos a condições experimentais especialmente planejadas para subsidiar uma análise comparativa da eficácia de dois procedimentos de ensino, na produção de repertórios de ordenação em indivíduos com desenvolvimento atípico. Os resultados obtidos mostraram a superioridade do encadeamento para a instalação dos repertórios ordinais.

As propriedades relacionais envolvidas na emergência de repertórios sequenciais caracterizam a ordem na qual o estímulo exerce sua função discriminativa. Parte-se da determinação específica de quem vem antes e quem vem depois, e o inverso não é verdadeiro. Por exemplo, o número 1, em uma ordem crescente, não pode anteceder a ele próprio, caracterizando a irreflexividade. A assimetria como uma segunda propriedade relacional caracteriza-se pelo responder unidirecional. Um estímulo segue-se a outro, necessariamente, na mesma direção. Uma terceira característica é indicativa de que os estímulos estão relacionados entre si ainda que alguns deles tenham sido suprimidos. A base para a inferência dessa propriedade é a transitividade. E, finalmente, um estímulo que ocupou uma posição em uma sequência passa a ocupar a mesma posição em outra sequência, sem nenhum prejuízo da função que ocupava antes, ou seja, os membros de diferentes sequências são substituíveis entre si. A substituibilidade é demonstrada pela possibilidade de ordenação entre os estímulos das diferentes sequências, baseadas na posição que cada estímulo ocupou anteriormente, caracterizando uma equivalência sequencial (Green et al., 1993).

No século XX, Skinner (1992) definiu o comportamento textual a partir das relações de controle entre as respostas verbais e os estímulos discriminativos impressos. Isso significa dizer que é possível identificar uma palavra e reproduzi-la sem, necessariamente, conhecer o seu significado. Dentre os comportamentos envolvidos no ler e escrever, o operante textual merece atenção, por ser um requisito essencial para a leitura, embora não seja suficiente. O comportamento textual é definido, portanto, como o controle de estímulos verbais escritos (ou impressos) sobre respostas orais correspondentes. Nesse caso, o estímulo textual estabelece a ocasião para a resposta. A leitura com compreensão, no entanto, requer mais que o comportamento textual, ela exige equivalência entre o texto (estímulos visuais), os sons da fala correspondentes e os eventos do mundo que o texto rotula.

Os comportamentos compatíveis com a leitura e a escrita são instalados a partir de relações ensinadas explicitamente, e, nesse processo, avaliam-se as novas relações emergentes. Essas relações podem ser estabelecidas entre estímulos e respostas ou entre estímulos. A relação que se estabelece entre os estímulos caracteriza-os como uma classe, ou seja, se um membro adquire controle sobre uma resposta, todos os estímulos daquela classe passam a exercer a mesma função. Os estímulos são considerados equivalentes e podem ser substituídos uns pelos outros sem prejuízo da função exercida no procedimento proposto. As classes de estímulos equivalentes nesses moldes exige que seus membros atendam aos requisitos de reflexividade, simetria e transitividade (Sidman & Tailby, 1982).

A leitura generalizada, estágio mais avançado no aprendizado das relações equivalentes preconizadas pelo paradigma de equivalência de estímulos, foi investigada por vários grupos de pesquisadores interessados na aquisição da leitura. Destacam-se os estudos de Souza e Rose (2006) revisados pelos próprios autores. Trata-se aqui da expansão gradual do repertório de leitura de palavras que nunca haviam sido apresentadas. Essas palavras seriam formadas pela recombinação das sílabas ou letras de palavras utilizadas no programa de ensino.

Nas pesquisas sobre leitura generalizada recombinativa, os pesquisadores buscam investigar o controle por unidades moleculares da palavra: as sílabas e as letras. Os resultados têm mostrado a independência funcional dessas unidades na recombinação de novas palavras com variabilidade intersujeitos, e o controle restrito por letras ou sílabas tem sido apontado como um dos fatores que dificultam a generalização de leitura recombinativa. Hübner-D'Oliveira e Matos (1993) investigaram a transferência de funções discriminativas para novas palavras escritas, documentadas pelas relações entre as novas palavras e as figuras correspondentes. As autoras constataram que, para estabelecer o controle por todos os componentes da palavra (letras e sílabas), eram necessários procedimentos especiais para maximizar a emergência da leitura recombinativa generalizada. Foram, então, introduzidos procedimentos especiais que incluem a construção da palavra, a cópia, o ditado e a oralização fluente e escandida.

Os procedimentos especiais se tornaram a segunda linha de investigações sobre o ensino de leitura e mostraram que o ensino da palavra inteira não assegura o controle por todas as unidades textuais (cf. Alves, Assis, Kato, & Brino, 2011). Com relação às variáveis que influenciam a aquisição de leitura por unidades menores que a palavra, os estudos de Matos, Avanzi e McIlvane (2006) apontaram que aumentos na quantidade de treino de cada relação letra-fonema podem facilitar o controle por unidades menores, que a composição das palavras de treino e suas relações com as palavras de teste parecem influenciar o controle por unidades menores, e que o tipo de correspondência existente entre letras e respectivos fonemas pode influenciar grandemente o controle por unidades menores.

O estudo de Bernardo e Dounavi (2011) confirma os achados de Matos et al. (2006). Uma criança de 6 anos com diagnóstico de Pervasire developmental disorder - not otherwise specified (PDD-NOS) (autismo) que já conhecia a correspondência fonética entre som e letra foi capaz de reconhecer as palavras compostas pela recombinação de sílabas ensinadas previamente. As sílabas ensinadas foram recombinadas e apresentadas em diferentes fontes (Verdana, Times Roman, Comic Sans MS e Impact) em tamanho 36. A criança leu 117 palavras cujas sílabas e letras foram recombinadas e apresentadas em diferentes fontes. Os resultados sugerem, segundo os autores, que as menores unidades (fonemas) controlaram suas respostas.

A ordenação de palavras em frases foi investigada por Correa, Assis e Brino (2012), que estendem os resultados da literatura sobre as classes ordinais. Os autores ensinaram três sentenças com cinco palavras simples. A sentença era construída gradativamente com a sobreposição das palavras. Sempre que uma palavra era introduzida para compor a sentença, a anterior era removida, até que todas as palavras fossem apresentadas, sucessivamente. Os participantes foram alunos com histórico de fracasso escolar e repertório mínimo de reconhecimento de letras e sílabas. Os resultados mostraram que eles foram capazes de leitura fluente quando expostos a testes que envolviam a substituibilidade entre as palavras de novas sentenças, sintaticamente apropriadas.

O estudo aqui apresentado foi desenvolvido utilizando formas não representacionais como estímulos para instalar os pré-requisitos do comportamento textual (ordenação de símbolos do alfabeto para formar palavras dissílabas) com alunos da Apae de Manaus, que apresentavam desenvolvimento atípico, compatíveis com a descrição da síndrome de Down. A finalidade foi atender às especificidades de alunos considerados incapazes de apresentar a relação entre símbolo gráfico e fonema ou identificar grupos de símbolos gráficos ordenados de modo a compor uma palavra dissílaba. O procedimento utilizado foi o encadeamento de respostas sem o recurso dos procedimentos adicionais.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo dois alunos da Apae de Manaus que frequentavam a turma de alfabetização para jovens, embora considerados como incapazes de aprender a ler. Isso se evidenciou pelo fato de que o programa de ensino adotado em sala de aula incluía apenas atividades ocupacionais. A Escola Ilza Garcia é vinculada à Apae e está orientada a encaminhar os alunos para o programa de inclusão escolar do Ministério da Educação e Cultura, da rede regular de ensino. A Apae faz o acompanhamento médico e social dos alunos, e a direção acadêmica da escola informa apenas que a etiologia não contribui para o aprendizado, portanto não há diagnóstico protocolado além da evidência física de síndrome de Down.

Um participante (MAC) tinha 22 anos e idade mental equivalente a 8 anos, e outro (NAT) tinha 16 anos e idade mental equivalente a 5 anos. Como o Peabody Picture Vocabulary Test-Revised (PPTV-III), delineado por Dunn, Dunn e Arribas (2006), é amplamente adotado para a avaliação do repertório verbal quando os participantes apresentam deficiência intelectual, adotou-se, no presente estudo, esse instrumento para estimar indicadores verbais de deficiência intelectual. O teste calcula a idade mental em relação ao domínio de vocabulário. À época da avaliação, ambos mostraram-se capazes de construir frases na formulação de questões simples concernentes à atividade proposta. Um teste inicial que utilizou palavras dissílabas previamente selecionadas e apresentadas na segunda parte do estudo foi aplicado para avaliar o domínio de leitura. MAC descreveu as letras que formavam as palavras, mas não foi capaz de identificar a palavra como texto representativo de um conceito, e NAT não identificou as letras, nem as palavras, constatando-se a inexistência de comportamento textual para ambos. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, Protocolo nº 012/2008, para avaliação da metodologia a ser aplicada na coleta de informações, sob o amparo da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (CNS-MS).

Instrumentos

A coleta de dados foi efetuada em ambiente virtual com a instalação de um software (REL 3.0 for Windows - versão Visual Basic, especialmente desenvolvido para o estudo). O programa foi elaborado para gerar as situações de ensino e registrar os dados, em tentativas randomizadas e com registro em relatórios impressos das respostas apresentadas pelos participantes. As sessões experimentais foram realizadas na instituição, no laboratório de informática. Os alunos eram expostos ao procedimento sempre que a sala não estava sendo utilizada para as atividades escolares. A duração de cada sessão era de 15 a 30 minutos, aproximadamente, para cada participante. Para o P1, foram necessárias 13 sessões, e, para P2, foram realizadas 11 sessões, entre os meses de abril/junho. O procedimento foi interrompido com P2, visto que a família precisou viajar com urgência para a cidade de origem.

Para a primeira fase do estudo, os estímulos usados foram formas não representacionais. As formas foram apresentadas em quatro tamanhos diferentes (parte 1 da Figura 1). Testes avaliaram os desempenhos resultantes delineando a formação de três sequências de quatro estímulos, e o desempenho previsto era que os participantes escolhessem os quatro estímulos em ordem do maior para o menor e produzissem novas sequências com as formas substituíveis entre si (parte 2 da Figura 1).

 

 

Na segunda fase do estudo, utilizaram-se 15 palavras: três originais e 12 geradas pela recombinação silábica das três originais divididas em duas categorias: palavras de ensino (EN) e palavras de generalização (GN), seguindo o mesmo procedimento de ordenação das formas não representacionais. Foram ensinadas as três palavras originais e testadas as palavras de generalização I e II (parte 3 da Figura 1). As palavras foram selecionadas em livros de alfabetização publicados por renomadas editoras brasileiras e amplamente utilizados nas escolas. Uma característica importante é a seleção do método adotado pelos livros: textos, palavração, silabação ou letramento. Isso abre grandes possibilidades na recombinação das letras e sílabas. A tarefa foi ordenar as letras formando palavras dissílabas (parte 4 da Figura 1).

 

Procedimento geral

Inicialmente foi instalada a resposta de ordenar os estímulos dos conjuntos compostos pelas formas não representacionais (1ª fase). Após os testes configurarem o estabelecimento de ordenação pelo tamanho das formas, os alunos foram expostos ao conjunto de palavras para a ordenação das letras nos moldes do procedimento que utilizou as formas (2ª fase). As três palavras originais foram recombinadas e geraram outras seis denominadas palavras de generalização I e novamente recombinadas para formar as palavras de generalização II (3ª fase). As palavras de generalização foram usadas para testar a emergência do repertório de leitura. Esse fenômeno é designado como leitura generalizada porque não depende do ensino explícito. Se os participantes não apresentassem o repertório previsto, então essas palavras seriam ensinadas e novas palavras de generalização seriam apresentadas para avaliar se o repertório de leitura emergiria.

 

Resultados

Os resultados são demonstrados nas tabelas 1, 2 e 3 e apresentam os desempenhos das fases 1, 2 e 3, respectivamente. Na fase 1 (Tabela 1), três conjuntos com os elementos não representacionais, cuja forma variou proporcionalmente em quatro tamanhos, foram organizados em ordem decrescente. Os testes de substituibilidade entre os estímulos (parte 1 da Figura 1), em blocos de cinco tentativas, confirmaram os desempenhos sob o controle da ordem em que os estímulos foram apresentados para ensinar a tarefa. Embora o número de tentativas tenha sido menor, aumentou a dificuldade da tarefa, visto que as tentativas aconteceram em extinção.

No prosseguimento da Tabela 1, aparecem os resultados do ensino das palavras dissílabas em blocos de 31 tentativas. As variáveis relevantes, agora, foram o tempo e a característica dos estímulos (letras maiúsculas). Dois blocos foram necessários para ensinar a ordenação correta da palavra "BOCA", até que os participantes alcançassem os 100% de acertos. O P2 apresentou um erro ao organizar as letras da palavra "MALA". Na terceira palavra, o desempenho foi 100% correto com redução significativa do tempo gasto. Os blocos de testes em cinco tentativas mostraram os desempenhos perfeitos em tempo significativamente menor.

A Tabela 2 apresenta os resultados observados na segunda fase do estudo. Os dois participantes foram expostos aos testes e retestes com as palavras de generalização I em dois blocos de cinco tentativas cada. As tentativas apresentavam as letras de cada palavra distribuídas na área de escolha da tela do computador (parte 4 da Figura 1).

O primeiro participante (P1) escolheu corretamente as letras para formar as palavras MATO, MACA e PACA, com 100% de acertos. A palavra BOTO foi formada corretamente em quatro das cinco tentativas, estabelecendo 80% de acertos. A escolha de letras que não formaram palavras reconhecidas gramaticalmente como corretas foi considerada como erro. Nesse caso, P1, em uma das tentativas para formar a palavra BOTO, escolheu a letra "T" antes da letra "O" o que configurou um erro. Além disso, ele não conseguiu formar corretamente a palavra quando as letras a serem escolhidas poderiam formar as palavras TACO ou TOCA.

O segundo participante (P2) escolheu corretamente as letras para formar a palavra PACA com 100% de acertos. O desempenho caiu para 80% com acerto de quatro das cinco tentativas nas palavras: BOTO, MATO e MACA. No desempenho de P2, obser-vou-se inabilidade para formar as palavras TOCA ou TACO. Para a palavra BOLA, os participantes organizaram as letras formando a palavra BALO. O primeiro participante apresentou desempenho consistente de 100% e o segundo participante apenas 20%. Embora a palavra possa ser considerada um neologismo, visto não apresentar significado gramatical, ela sinaliza o rearranjo das letras configurando a recombinação silábica.

A terceira fase do estudo é mostrada na Tabela 3. Apenas o desempenho do primeiro participante foi registrado, pois P2 foi desligado da escola. Na fase 3 do estudo, apresentaram-se as palavras de generalização I em blocos de 31 tentativas, e a organização das letras que formaram as palavras corretamente foi consequenciada. Em seguida, testes em blocos de cinco tentativas avaliaram o desempenho. A variável relevante observada foi a significativa redução do tempo necessário para a escolha das letras em relação ao tempo gasto em tarefa semelhante da fase 1. Os resultados estão na Tabela 3. Na continuidade dessa tabela, apresentam-se os resultados dos testes que avaliaram o desempenho na escolha das letras e a organização das palavras de generalização II (fase 3) formadas pela recombinação das sílabas das palavras de ensino. O primeiro participante foi exposto a dois blocos de cinco tentativas cada. No primeiro bloco de tentativas, o participante obteve 100% de acertos para as palavras TOCA e CAPA. A palavra MAPA foi organizada corretamente em três das cinco tentativas, e as palavras MACA e TOLA, em apenas uma tentativa. O segundo bloco apresentou variação no desempenho.

A descrição dos resultados apresenta desempenhos consistentes com a linha de base na tarefa de ordenação das formas não representacionais, aprendizagem que se constituiu como a base para a ordenação das letras que formariam as palavras dissílabas. Como as palavras não foram relacionadas às suas figuras correspondentes, os desempenhos avaliados estiveram sempre relacionados à ordenação dos elementos constituintes das palavras: as letras formando sílabas e as sílabas formando palavras. Da mesma forma não foi exigência a oralização das sílabas ou palavras apresentadas. Os participantes não foram solicitados a apresentar repertórios que configurassem a relação entre palavra impressa, figura correspondente e oralização.

 

Discussão

Estudos têm sido desenvolvidos para instalar repertórios de leitura generalizada a estudantes que apresentavam desenvolvimento atípico, desde o estudo pioneiro apresentado por Sidman (1971) com os primeiros achados empíricos que vieram constituir a descrição posterior do paradigma de equivalência de estímulos. Segundo O'Donnell e Saunders (2003), esses estudos revelam consensos e desacordos sobre o papel do comportamento verbal na formação de classes de estímulos equivalentes com argumentos de que resultados negativos podem ser devidos à ausência de nomeação. A representatividade da população evidenciava a necessidade de melhor documentar os procedimentos de seleção e seus níveis de habilidades linguísticas.

A revisão conceitual apresentada por Miccione et al. (2010) apontou para diferentes fontes de controle de estímulos em sequência na formação de classes ordinais. A análise desses estudos empíricos mostrou a relevância das características do participante: humanos com desenvolvimento típico e a "possibilidade do comprometimento dos dados", pois "o comportamento de leitura já poderia ocorrer de maneira ordinal" (Miccione et al., 2010, p. 136). Daí a relevância de estudos cujos procedimentos experimentais envolvessem participantes com desenvolvimento atípico. No entanto, o pesquisador pode se defrontar com a dificuldade de acesso às informações do prontuário do aluno, por tratar-se de população considerada vulnerável. Outra dificuldade é, muitas vezes, a falta de engajamento da família ou da própria escola/professora, que não é sensível ao potencial de desenvolvimento do adolescente, corroborada por uma extensa história de fracasso escolar na aquisição de leitura.

As variáveis de procedimentos de ensino descritas por Miccione et al. (2010) foram relevantes para a proposta de estudo aqui apresentada. Para o estudo aqui descrito, a variável crítica foi a posição que os estímulos ocuparam na sequência ensinada. O procedimento proposto favoreceu a recombinação das sílabas e a redução do tempo requerido para a organização correta das letras na formação das palavras selecionadas, configurando uma economia de tempo para a apresentação dos repertórios planejados. Os resultados aqui apresentados mostram evidências que participantes com severas limitações de aprendizagem de leitura foram capazes de organizar as letras e formar palavras dissílabas, configurando o comportamento textual, preconizado por Skinner (1992), mesmo que ainda sem compreensão de leitura (Sidman, 1994).

Neste estudo, a transferência de funções ordinais para novos estímulos corrobora os dados obtidos por Hübner-D'Oliveira e Matos (1993) que investigaram a transferência das funções discriminativas para novas palavras escritas, mas com o recurso de procedimentos adicionais. Os testes envolvendo novos conjuntos de estímulos (palavras de generalização I e II) mostraram que os alunos foram capazes de ordenar, inicialmente do maior para o menor (as formas não representacionais) e em seguida pela ordem de apresentação do estímulo (as letras). Os resultados obtidos com indivíduos que apresentavam repertório acadêmico comprometido são promissores para subsidiar novos estudos envolvendo os pré-requisitos de leitura em ambiente não informatizado, mais próximo do ambiente natural.

Estudos que envolvem a formação de sequências podem se constituir em uma forma alternativa para ensinar comportamentos humanos complexos. Esses estudos podem resultar no desenvolvimento de métodos eficazes para o ensino de frases e sentenças e podem vir a contribuir para o desenvolvimento de procedimentos que facilitem a instalação de comportamentos socialmente relevantes para pessoas com necessidades educacionais especiais.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Jaci Augusta Neves de Souza
Curso de Psicologia
Faculdade Martha Falcão
Rua Natal, 300, Adrianópolis
Manaus - AM - Brasil. CEP: 69057-900
E-mail: jacineves@ig.com.br

Submissão: 13.02.2012
Aceitação: 17.03.2013