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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.2 São Paulo ago. 2013

 

DESENVOLVIMENTO HUMANO

 

Rastreamento de sinais precoces de transtorno do espectro do autismo em crianças de creches de um município de São Paulo

 

Screening of early signs of autism spectrum disorder in children of a day care center from the city of São Paulo

 

Seguimiento de señales tempranas de trastornos del espectro del autismo en guardería infantil de la ciudad de São Paulo

 

 

Felipe Alckmin CarvalhoI; Cristiane Silvestre de PaulaII; Maria Cristina Triguero Veloz TeixeiraII; Livia da Conceição Costa ZaqueuII; Maria Eloisa Famá D'AntinoII

IUniversidade de São Paulo, São Paulo - SP - Brasil
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo - SP - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os transtornos do espectro do autismo (TEA) são considerados um dos mais severos transtornos infantis e se caracterizam por comprometer as habilidades sociais iniciais, que surgem nos primeiros anos de vida da criança e, portanto, podem ser investigadas a partir desse período. O objetivo desta pesquisa foi descrever as habilidades de orientação social e atenção compartilhada de uma amostra aleatória de 104 crianças, com idades entre 16 e 24 meses, identificando possíveis sinais precoces dos TEA nessa população. Para o rastreamento, utilizaram-se a escala Pictorial Infant Communication Scales (Pics) e a Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-Chat). Das crianças avaliadas, quatro (3,8%) apresentaram sinais precoces de TEA. As habilidades mais comprometidas foram iniciação da atenção compartilhada e iniciação do comportamento de solicitação. Dados desta e de outras pesquisas nesse campo são relevantes para o planejamento de intervenções, que podem levar ao melhor prognóstico dos casos.

Palavras-chave: transtorno autístico; diagnóstico precoce; desenvolvimento infantil; habilidades sociais; estudo transversal.


ABSTRACT

Autism spectrum disorders (ASD) are considered one of the most severe childhood disorders are characterized by compromise and social skills initials, which appear early in a child's life, and therefore can be investigated from this period. The aim of the research was to describe the social orientation and joint attention skills in a random sample of 104 children, aged between 16 and 24 months, identifying possible early signs of ASD in this population. For the screening were used the Pictorial Infant Communication Scales (Pics) and the Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-Chat). Among the children studied, four (3.8%) showed early signs of ASD. The skills most compromised in these children, according to the Pics were the abilities of initiation of joint attention and initiation of request behavior. Data from this and other research in this field are relevant for planning interventions that can lead to better prognosis of cases.

Keywords: autistic disorder; early diagnosis; child development; social skills; cross-sectional study.


RESUMEN

Los trastornos del espectro autista (TEA) son considerados uno de los trastornos infantiles más graves y se caracterizan por una afectación de habilidades sociales iniciales en la vida del niño, y por lo tanto se pueden detectar a partir de este período. El objetivo de esta pesquisa fue describir las habilidades de orientación social y atención compartida en una muestra aleatoria de 104 niños, con edades entre 16 y 24 meses, identificando posibles signos tempranos de TEA. Para el despistaje fueron utilizadas la escala Pictorial Infant Communication Scales y la escala Modified Checklist for Autism in Toddlers. De los niños estudiados, cuatro (3,8%) mostraron signos tempranos de TEA. Las habilidades más comprometidas fueron la iniciación de atención compartida e iniciación de comportamiento de solicitación. Los datos obtenidos así como los de otras investigaciones en este campo son relevantes para la planificación de intervenciones que puedan conducir a un mejor pronóstico de los casos.

Palabras clave: transtorno autista; desarrollo infantil; diagnóstico precoz; habilidades sociales; estudo transversal.


 

 

O transtorno do espectro do autismo (TEA) é considerado um dos problemas de saúde mental que mais prejudicam o desenvolvimento infantil. O termo TEA refere-se a várias condições distintas: autismo, síndrome de Asperger e transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação - TID-SOE (American Psychiatric Association, 2002). Os indivíduos com esses transtornos podem ser afetados em diferentes graus de comprometimento nas seguintes áreas do desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca, habilidades de comunicação, comportamento, interesses e atividades (American Psychiatric Association, 2002).

Critérios clínicos para o estabelecimento do diagnóstico indicam que os primeiros sinais do transtorno podem ser identificados entre 6 e 12 meses, tornando-se mais perceptíveis e estáveis entre os 18 e 24 meses (Ozonoff et al., 2010). Mesmo com a constatação de possibilidades de rastreamento ainda na primeira infância, apenas uma minoria dos casos é diagnosticada antes do período pré-escolar (Dumont-Mathieu & Fein, 2005). No entanto, apesar de os sintomas de TEA serem perceptíveis antes dos 3 anos (Belini & Fernandes, 2007), momento em que já se deve iniciar o tratamento dos casos, é somente a partir dessa idade que uma criança pode receber o diagnóstico do transtorno (American Psychiatric Association, 2002).

Estudos anteriores apontam que é possível avaliar com acuidade os sintomas de TEA em crianças com idades entre os 18 e 24 meses, haja vista a necessidade do diagnóstico precoce do transtorno (Belini & Fernandes, 2007). Se esse diagnóstico for realizado nos primeiros 3 anos e associado a intervenções precoces intensivas e de longo prazo, terá um impacto positivo no prognóstico, sobretudo em relação à adaptação psicossocial e familiar, ao desempenho cognitivo, ao comportamento adaptativo e às habilidades de comunicação e interação social (Virués-Ortega, 2010).

Estudos baseados em protocolos de observação estruturada do comportamento de crianças entre 12 e 24 meses de vida têm constatado a importância dessa estratégia de avaliação para a identificação de casos positivos da doença (Baranek, 1999; Ozonoff et al., 2008). Nesse sentido, um dos estudos pioneiros foi realizado no final da década de 1990, com uso de gravações do primeiro ano de vida de crianças diagnosticadas tardiamente com TEA, e apontou que os desvios relacionados à capacidade de apontar objetos, às dificuldades em olhar para os outros e orientar-se pelo próprio nome e à dificuldade referente a aspectos da receptividade já estavam presentes quando elas tinham 12 meses de idade (Baranek, 1999). Pesquisas têm também sugerido que um dos primeiros sinais observáveis em crianças com TEA seria um prejuízo significativo nos comportamentos ligados à comunicação social inicial, que está relacionada às habilidades sociais que surgem no primeiro ano de vida da criança: primeiramente, a orientação social e, em seguida, as habilidades de atenção compartilhada (Ozonoff et al., 2008).

A habilidade de orientação social refere-se ao alinhamento dos receptores sensoriais para um evento social ou para uma pessoa e é considerada uma chave importante do processamento da informação social (Ozonoff et al., 2008). Seu desenvolvimento emerge em torno dos 5 meses de idade, sendo seguida pelo desenvolvimento da atenção compartilhada (Dawson et al., 2004). Tal habilidade é expressa a partir da volição ativa para estímulos sociais, tais como o giro de cabeça quando a criança é chamada pelo nome. Dessa forma, quando a habilidade de orientação social não está desenvolvida ou há falhas em seu desenvolvimento, a criança tem dificuldades em processar os estímulos sociais cotidianos, como expressão facial, fala e gestos (Ozonoff et al., 2008).

É importante destacar que estudos mostram que as falhas nas habilidades de orientação social em crianças com TEA são mais evidentes para o processamento de estímulos sociais do que para os estímulos não sociais, ou seja, a natureza do estímulo (social ou não social) tem relação direta com a dificuldade de processamento por crianças com TEA (Dawson et al., 2004).

A habilidade de atenção compartilhada, por sua vez, é expressa pela capacidade de coordenar a atenção espontaneamente junto com um parceiro social em relação a um objeto ou evento. Pode ser considerada uma das primeiras habilidades cognitivas a surgir no desenvolvimento humano, aparecendo por volta dos 6 meses de idade em bebês sadios, estabelecendo-se plenamente por volta dos 9 meses (Williams, Waiter, Perra, Perrett, & Whiten, 2005). Essa capacidade subdivide-se em outras três categorias:

Resposta de atenção compartilhada: capacidade de seguir a direção indicada pelo olhar, giro de cabeça ou gesto de apontar realizado por outra pessoa (Mundy & Sigman, 2006).

Iniciação da atenção compartilhada: consiste na habilidade da criança de iniciar atenção compartilhada; refere-se à tentativa da criança de dirigir a atenção a outra pessoa, de maneira espontânea, unicamente com a proposta de compartilhar a atenção, sem a intenção de solicitação.

Iniciação do comportamento de solicitação: relacionada à habilidade da criança para usar gestos, atos e contato visual para solicitar objetos que estejam fora de seu alcance, ou assistência com algum brinquedo ou situação (Mundy & Sigman, 2006).

Atualmente, considera-se que o desenvolvimento das habilidades de orientação social, juntamente com a atenção compartilhada, seja uma das condições essenciais para o desenvolvimento da sociabilidade (Ozonoff et al., 2008).

No Brasil, estudo anterior conduzido numa amostra de 36 crianças com desenvolvimento típico e idade entre 2 e 7 anos apontou que aquelas que foram avaliadas com sete ou mais sintomas de prejuízo na habilidade de atenção compartilhada, identificados pela escala Pictorial Infant Communication Scales (Pics), apresentam 90% de chance de serem diagnosticadas no futuro com TEA (Robins, Fein, Barton, & Green, 2001; Montenegro, 2007). A partir desse achado no contexto brasileiro e considerando a necessidade de avaliações precoces para rastreamento de sinais de TEA, estudos como este poderiam ser replicados abrangendo faixas etárias iniciais do desenvolvimento, isto é, entre 12 e 24 meses. Diante do anteriormente dito, os objetivos do presente estudo foram: 1. identificar sinais precoces de TEA em crianças com idades entre 16 a 24 meses regularmente matriculadas em creches públicas e 2. descrever o desempenho dessas crianças nas áreas de orientação social e atenção compartilhada.

 

Método

Trata-se de um estudo epidemiológico do tipo corte transversal ou seccional, que consiste numa estratégia de pesquisa caracterizada pela observação direta de determinada quantidade de indivíduos em uma única oportunidade (Medronho, 2005). O método adotado para as análises de dados foi, portanto, quantitativo.

Local de realização do projeto de pesquisa

O presente estudo foi realizado na cidade de Barueri-SP, localizada a 29 km da capital. O município concentra sua população em zona urbana e conta com 252.748 habitantes fixos. A rede municipal de ensino, no período de realização da presente pesquisa, atendia mais de 60 mil alunos, sendo ao todo 83 escolas e destas 21 creches, que recebiam crianças na faixa etária dos 12 aos 36 meses de idade (Prefeitura Municipal de Barueri, 2012).

Participantes

Foram selecionadas para o presente estudo cinco das 21 creches públicas do município Barueri-SP, frequentadas por 119 crianças com idades entre 16 e 24 meses. Desse total, foram avaliadas 104 crianças, havendo uma perda amostral de 15 crianças (12,6%). Os motivos da perda foram: afastamento da creche por motivos de saúde e mudança para outras instituições (Prefeitura Municipal de Barueri, 2012). Os critérios de inclusão adotados para a seleção da amostra abarcaram frequência e assiduidade dessas crianças às creches e faixa etária de 16 a 24 meses.

A composição final da amostra do estudo foi de 104 crianças, sendo 47 (45,2%) do gênero feminino e 57(54,8) do gênero masculino, com idades entre 16 e 24 meses. A caracterização sociodemográfica familiar pode ser verificada na Tabela 1

 

 

Instrumentos

A escala Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-Chat) foi desenvolvida por Robins et al. (2001) e traduzida para português por Losapio e Pondé (2008). A escala foi construída com base em uma lista de sintomas frequentemente presentes em crianças com TEA. A M-Chat é, portanto, uma escala padronizada que contém 23 itens cuja codificação de respostas é do tipo "sim/não", posteriormente convertidas em "passa/falha", que abrangem resposta social (interesse em outras crianças e imitação) e atenção compartilhada. A escala é destinada a crianças com idades entre 16 e 30 meses, e as perguntas são direcionadas aos pais ou cuidadores (Kleinman et al., 2008).

A escala Pictorial Infant Communication Scales (Pics) avalia algumas áreas específicas do desenvolvimento infantil relacionado aos TEA, como as habilidades de orientação social e atenção compartilhada. A Pics foi elaborada por uma equipe de especialistas da Universidade de Miami (Delgado, Mundy, & Block, 2001) e composta de um questionário com 16 questões ilustradas com fotos de comportamentos relacionados à atenção compartilhada: seis questões sobre iniciação da atenção compartilhada, seis sobre iniciação do comportamento de solicitação e quatro para avaliar habilidades de resposta à atenção compartilhada. O questionário deve ser preenchido pelos pais ou cuidadores. Visando acrescentar informações relacionadas à habilidade de orientação social, uma versão brasileira foi desenvolvida, na qual foram acrescentadas duas questões, uma referente à orientação para o nome e a segunda para palmas (Montenegro, 2007). Nessa escala, para cada questão, existem quatro possibilidades de resposta - nunca = 0, às vezes = 1, frequentemente = 2 e não tenho certeza = a questão é excluída da análise - , com a finalidade de não alterar as médias de cada subgrupo de habilidades. A pontuação abrange a soma dos pontos obtidos em cada subgrupo de respostas divididos pelo número de respostas de cada subgrupo (excluindo a resposta "não tenho certeza"). Ao final soma-se a média de cada subgrupo de respostas (Delgado et al., 2001). Como as perguntas da Pics são formuladas de maneira positiva - por exemplo: "Com que frequência a criança aponta para um objeto para solicitar sua ajuda em obtê-lo?" - , quanto mais baixa a pontuação, tanto maior é o comprometimento da criança.

Procedimentos

O estudo foi dividido em duas fases. Na primeira fase, rastrearam-se sinais precoces de TEA em todas as crianças mediante aplicação da M-Chat. Na segunda fase, apenas para as crianças que apresentavam sinais precoces de TEA, de acordo com a M-Char, procedeu-se à aplicação da Pics.

Os dados foram coletados durante o horário de funcionamento das creches, em sala privativa, tentando sempre minimizar mudanças na rotina de trabalho. O tempo para aplicação das duas escalas foi de aproximadamente 20 minutos.

Considerações éticas

A realização desta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sob o Protocolo nº 0005.0.272.000-09. Antes da aplicação dos instrumentos de avaliação, foram realizadas reuniões com a coordenação da educação infantil do município de Barueri e com as diretoras e funcionários das creches, para apresentação dos objetivos e da metodologia do trabalho, assim como dos benefícios que poderiam advir dos resultados do estudo tanto para as crianças quanto para as creches. Todos os cuidadores que responderam aos instrumentos de pesquisa e os responsáveis pelas creches incluídas no estudo assinaram Termo de Consentimento Livre e Informado. De acordo com o teor de documentos assinados pelos pais ou responsáveis pelas crianças à admissão nas creches, a inclusão dessas crianças como sujeitos da pesquisa foi autorizada pelos responsáveis das creches que frequentavam. A identificação de todos os participantes deste estudo está mantida em sigilo. Por fim, firmou-se o compromisso de os resultados encontrados na pesquisa serem devidamente informados aos cuidadores das crianças e aos funcionários das creches.

 

Resultados

A partir da aplicação da escala M-Chat, verificou-se que quatro crianças (3,8% do total da amostra) apresentavam sinais precoces de TEA. Além desses sinais, verificou-se que as habilidades mais comprometidas nessas quatro crianças foram a iniciação da atenção compartilhada e iniciação do comportamento de solicitação, ambas dentro da categoria de atenção compartilhada. Nenhuma das crianças que apresentavam sinais precoces dos TEA, de acordo com a M-Chat, apresentou prejuízos na habilidade de orientação social.

Dentre as 16 provas da escala Pics, as quatro crianças com suspeita de TEA apresentaram déficits em cinco delas, todas relacionadas às habilidades de iniciação da atenção compartilhada ou iniciação do comportamento de solicitação, como apresentado na Tabela 2.

Os resultados encontrados indicam uma frequência menor do que a encontrada em estudos que também utilizaram a M-Chat para rastrear sinais precoces de TEA. Por exemplo, o estudo de Robins (2008), conduzido nos Estados Unidos, que utilizou essa escala, encontrou uma taxa de suspeita de TEA de 9,7% em uma amostra de 4.797 crianças selecionadas durante consultas pediátricas. Essa diferença pode ter ocorrido por divergências metodológicas entre os estudos, como tamanho da amostra, tipo do informante, entre outros. Mesmo que haja diferenças entre as taxas e a metodologia do presente estudo e o citado trabalho de Robins (2008), ambos os resultados indicam a não raridade dos sinais precoces de TEA entre crianças consideradas com desenvolvimento típico.

É importante ressaltar que a M-Chat é uma escala de rastreamento que não permite, portanto, o estabelecimento de diagnóstico de TEA. Este, assim como todo instrumento de rastreamento, tem como principal objetivo a identificação de todos os casos de risco, incluindo alguns casos classificados como falso-positivos, ou seja, que, apesar de serem sintomáticos, não preenchem critérios diagnósticos para um dado transtorno. Dessa forma, se, por um lado, a M-Chat se mostrou capaz de detectar precocemente um número importante de alterações no desenvolvimento de crianças pré-escolares, cabe, por outro, alertar para a necessidade de acompanhamento dessas quatro crianças até completarem pelo menos 3 anos de idade para a confirmação do diagnóstico de TEA ou de algum outro transtorno do desenvolvimento.

 

Discussão

No presente estudo, as crianças que tiveram seu desenvolvimento considerado suspeito de TEA obtiveram baixos escores nas categorias de iniciação de atenção compartilhada e iniciação do comportamento de solicitação, avaliados pela escala Pics. Esse dado converge com resultados obtidos no estudo de Montenegro (2007) que comparou um grupo de crianças diagnosticadas com TEA com um grupo controle. A pesquisa destaca que, de todas as habilidades de comunicação social inicial, as de iniciação da atenção compartilhada são as mais prejudicadas, além de apresentarem as maiores diferenças quando se comparam crianças com TEA e aquelas com desenvolvimento típico.

A maioria dos estudos internacionais aponta na mesma direção, revelando que as habilidades de iniciação da atenção compartilhada e do comportamento de solicitação são marcadores confiáveis e adequados para a detecção precoce de sinais de TEA, mais do que a habilidade de resposta à atenção compartilhada (Lord et al., 2000). Esse achado deve ser utilizado para orientar profissionais que têm acesso a crianças pequenas, visando à identificação precoce de casos com suspeita de TEA. Do mesmo modo, familiares devem ficar alerta para falhas nesses aspectos, indicador mais sensível que aqueles de respostas sociais.

Novos estudos que permitam a verificação de outras habilidades de desenvolvimento ou de processos que dão origem a diferenças individuais nas habilidades sociais iniciais e, consequentemente, das interações sociais, cognitivas e de linguagem se fazem necessários e poderão ser promissores para o campo de estudo dos TEA.

Apesar de o presente estudo trazer novos dados para a área do TEA no Brasil, ele apresenta algumas limitações a serem consideradas, como o tamanho reduzido da amostra, a inclusão parcial das creches do município de Barueri e a aplicação das escalas às cuidadoras das crianças nas creches, e não às mães, como a literatura recomenda. Contudo, a exploração dessas habilidades, especificamente no contexto de unidades de educação maternal, deve ser priorizada para o correto rastreamento precoce de casos de TEA. Decorrente disso, também é necessário o investimento em formação continuada de profissionais das áreas de educação e de saúde que atuam com esse segmento do processo educacional infantil maternal, para a identificação precoce de sinais da doença e a realização dos respectivos encaminhamentos para equipes especializadas em saúde mental para realizar acompanhamentos e avaliações necessárias.

Recomenda-se, para trabalhos futuros, que os sinais precoces identificados neste estudo sejam investigados em uma amostra maior, incluindo instrumentos diagnósticos para acompanhar o desfecho clínico da amostra, em um seguimento longitudinal.

O Brasil é um país com escassos estudos epidemiológicos desenvolvidos, mesmo tratando-se de desenhos metodológicos essenciais para o estabelecimento de taxas de prevalência, identificação de grupos de risco e grupos de melhor prognóstico, estabelecimento de tratamentos eficazes, assim como para fornecer informações sobre a disponibilidade, qualidade e acessibilidade a serviços (Teixeira et al., 2010).

Um desfecho de seguimento adotado no estudo após conclusão deste foi o encaminhamento de todas as crianças que tiveram possíveis sinais precoces de TEA rastreados para acompanhamento sistemático. Assim, um novo estudo para o seguimento dos casos encontra-se em andamento. Caso alguma das quatro crianças seja diagnosticada com TEA, esta será encaminhada para acompanhamento multiprofissional, na perspectiva de que suas necessidades básicas de desenvolvimento e aprendizagem sejam adequadamente atendidas.

Os resultados permitem concluir que é viável a identificação precoce de possíveis sinais de TEA em creches brasileiras. O método utilizado é replicável e de baixo custo, podendo servir de modelo para outras pesquisas com objetivos semelhantes e assim poder contribuir para a detecção precoce da doença em nível populacional, tratando-se de um país onde taxas epidemiológicas do transtorno precisam ser estabelecidas para o planejamento de políticas educacionais, sociais e de saúde.

O principal achado do estudo foi verificar que provavelmente a busca ativa para o contato social foi a área mais deficitária entre as crianças em risco para o desenvolvimento de TEA que fizeram parte do trabalho. Geralmente crianças com esse perfil psicopatológico podem responder a solicitações sociais, mas falham ao iniciá-las, sendo esse aspecto sutil de extrema relevância para identificação precoce de sinais do transtorno. Recomenda-se a ampliação do estudo nas creches restantes da rede municipal de educação, lócus do trabalho, com a finalidade de estabelecer dados epidemiológicos de prevalência de sinais precoces da doença. Esse tipo de estudo permitirá implementar programas de identificação e intervenção, os quais configuram uma das demandas atuais em relação ao estabelecimento de evidências epidemiológicas do transtorno no país.

 

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Endereço para correspondência:
Felipe Alckmin Carvalho
Departamento de Psicologia Clínica
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Avenida Professor Mello Moraes, 1721, prédio F, sala 19, Cidade Universitária
São Paulo - SP - Brasil. CEP: 05508-030
E-mail: felipcarvalho@usp.br

Submissão: 20.02.2013
Aceitação: 20.04.2013