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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.2 São Paulo ago. 2013

 

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Clientela adulta de serviço psicológico: características clínicas e sociodemográficas1

 

Adult clients of psychological service: clinical and sociodemographic characteristics

 

Clientes adultos del servicio de psicología: características clínicas y sociodemográficas

 

 

Margareth Silva OliveiraI; Paola Lucena-SantosII; Catherine BortolonIII

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS - Brasil
IIUniversidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
IIIUniversité de Montpellier, França

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No Brasil, é clara a necessidade de que a oferta de serviços de saúde mental vá ao encontro das necessidades e características da população que os procura. Este estudo objetivou caracterizar aspectos sociodemográficos e clínicos da clientela adulta da clínica-escola da faculdade de psicologia de uma universidade do Sul do Brasil. Durante o biênio 2009-2010, 577 adultos passaram pelo processo de triagem, dos quais 170 (29,46%) participaram deste estudo. Os participantes eram majoritariamente do sexo feminino (66,5%) e estavam na faixa do ensino superior (47,1%). A faixa etária de 20-29 anos foi a mais prevalente (41,8%). Segundo os resultados do Adult Self-Report, houve maior porcentagem de pessoas classificadas na faixa clínica nas subescalas que avaliam ansiedade, depressão, competência social e problemas familiares e ocupacionais. A coexistência de múltiplas queixas no mesmo paciente foi evidenciada.

Palavras-chave: clínicas-escola; psicologia clínica; avaliação psicológica; escala de autoavaliação; adultos.


ABSTRACT

In Brazil, there is a clear need for the offer of mental health services meet the needs and the characteristics of the population who seeks them. This study aimed to characterize clinical and demographic aspects of adult clients of a Psychology Clinic School at a university in the southern Brazil. During the 2009-2010 period, 557 adults passed through the process of triage. Of these, 170 (29.46%) participated in the present study. The participants were mostly women (66.5%) and attended college (47.1%). The most prevalent age group was between 20-29 years old (41.8%). The results obtained from the Adult Self-Report showed a higher percentage of individuals classified in the clinical range on the subscales of anxiety, depression, social competence, family and work problems. The co-existence of multiple complains at the same patients was evidenced.

Keywords: school-clinics; clinical psychology; psychological assessment; self-assessment scale; adults.


RESUMEN

En Brasil, hay una clara necesidad que la oferta de servicios de salud mental de satisfacer las necesidades y las características de la población que los busca. Este estudio tuvo como objetivo caracterizar los aspectos demográficos y clínicos de los clientes adultos de la escuela clínica de psicología de una universidad del Sur de Brasil. Durante el período 2009-2010, 577 adultos pasaron por el proceso de selección, pero 170 (29,46%) participaron en este estudio. Los participantes eran en su mayoría mujeres (66,5%) y estaban en la universidad (47,1%). El grupo de edad de 20-29 años fue lo más frecuente (41,8%). Los resultados del Adult Self-Report muestran un mayor porcentaje de personas clasificadas en el rango clínico para los problemas de ansiedad, depresión, competencia social y problemas familiares y laborales. La co-existencia de múltiples quejas en el mismo paciente se evidenció.

Palabras clave: escuela clínica; psicología clínica; evaluación psicológica; escala de autoevaluación; adultos.


 

 

A busca da caracterização da clientela entre os serviços de saúde mental brasileiros tem sido cada vez mais evidenciada, particularmente nos serviços ligados às clínicas-escola. A caracterização da clientela é uma importante fonte de informação para aprimoramento dos serviços oferecidos e para a criação de novas modalidades de atendimento ainda não existentes (Peres, Santos, & Coelho, 2004; Romaro & Capitão, 2003). Qualquer serviço psicológico deve levar em consideração a necessidade das pessoas que procuram atendimento e atuar de acordo com as demandas que surgem (Silva, Lopes, & Amaral, 2011).

Idealmente, preconiza-se que todos os pacientes que buscam os serviços de saúde passem por uma avaliação clínica e sejam encaminhados para a modalidade terapêutica, considerada, segundo a literatura científica, como a mais efetiva para a problemática evidenciada (Painter, 2009). Para isso, a equipe de profissionais deve estar habilitada para trabalhar com a abordagem terapêutica mais indicada (Ollendick & King, 2004) ou, se isso não for possível, realizar o encaminhamento para serviços de saúde mental que ofereçam o tratamento recomendado. Nesse contexto, o conhecimento de aspectos clínicos e sociais dos usuários que procuram os serviços tem se mostrado muito importante na prática clínica, visto que torna possível o preparo prévio por parte dos profissionais de saúde que neles atuam, além de proporcionar o planejamento de intervenções mais efetivas e adequadas às suas necessidades e características.

É importante que o processo avaliativo contemple o uso de medidas objetivas de avaliação, uma vez que isso permite que haja alguma uniformidade na avaliação realizada por diferentes integrantes da equipe, para além da facilidade de aplicação, da otimização de tempo e do baixo custo (Major & Seabra-Santos, 2013). Além disso, o uso de medidas objetivas permite a comparação das características de clientelas de serviços distintos, o que aumenta a robustez das pesquisas realizadas na área.

Apesar de sua reconhecida importância, são escassas as pesquisas brasileiras que se destinaram a realizar a caracterização da clientela adulta de clínicas-escola, já que as autoras deste trabalho não identificaram, em nenhum estudo brasileiro, o uso de medidas objetivas para a efetivação de tal avaliação. Assim, o presente estudo visa caracterizar, mediante o uso de medida objetiva, aspectos sociodemográficos (faixa etária, sexo, escolaridade, situação ocupacional) e clínicos da clientela adulta que buscou atendimento psicológico no Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em 2009 e 2010.

 

Métodos

Delineamento

Trata-se de um estudo transversal, de cunho descritivo.

Aspectos éticos

O presente estudo faz parte de um projeto maior, o qual foi aprovado pela Comissão Científica da Faculdade de Psicologia e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob registro CEP 09/04941 (de acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde). Mediante aprovação, foi dado início à coleta de dados. Aos participantes, foi garantido sigilo e anonimato, e a avaliação só foi realizada após compreensão dos objetivos do projeto, aceite em participar e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Instrumento de avaliação

O uso de autorrelatos tem se configurado como uma forma efetiva de caracterizar as demandas do público que busca os serviços de saúde mental. Ademais, mesmo em pessoas portadoras de transtornos mentais, a influência da sintomatologia para distorção dos autorrelatos é mínima, sendo tais instrumentos considerados recursos essenciais para avaliações de qualidade e que oportunizem maior otimização de tempo disponível para sua realização (Achenbach, Kruskowski, Dumenci, & Ivanova, 2005).

O Adult Self-Report (ASR) é uma escala Achenbach System of Empirically Based Assessment (Aseba) de fácil e rápida aplicação, destinado especificamente a indivíduos de 18 a 59 anos. Esse instrumento de autorrelato visa avaliar aspectos do funcionamento adaptativo e psicopatológico e é constituído de 126 itens distintos (Achenbach & Rescorla, 2003). Estudos de evidências de validade do ASR para a realidade brasileira já foram realizados (Lucena-Santos, Moraes, & Oliveira, no prelo), com índices de consistência interna considerados satisfatórios. O instrumento é dividido em grandes áreas de avaliação, subdivididas em escalas, e existem pontos de corte específicos para cada escala avaliada, os quais classificam a pontuação obtida em faixa normal, limítrofe ou clínica (Achenbach & Rescorla, 2003). Este estudo considerará somente a prevalência de participantes que ficaram classificados na faixa clínica.

As áreas de avaliação do inquérito - e subescalas que as compõem - são:

Escalas que avaliam síndromes: ansiedade e depressão, isolamento e depressão, queixas somáticas (essas três escalas correspondem aos comportamentos internalizantes ou de internalização); problemas de pensamento; problemas de atenção; comportamento agressivo e comportamento de quebra de regras (essas duas últimas escalas correspondem aos comportamentos externalizantes ou de externalização); comportamentos intrusivos.

Escalas que avaliam o funcionamento adaptativo: família, trabalho, casamento, amizades, educação e média adaptativa geral.

Escalas que avaliam o uso de substâncias: tabaco, álcool, drogas e média de uso de substâncias.

Escalas orientadas pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos metais (DSM): depressão, ansiedade, problemas somáticos, problemas relacionados a personalidade esquiva, problemas de déficit de atenção-hiperatividade e problemas relacionados a personalidade antissocial (Achenbach & Rescorla, 2003).

Amostra

A amostra deste estudo é composta por pacientes adultos que buscaram atendimento no Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia (Sapp) da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e que responderam ao ASR no seu processo de triagem do serviço. Durante os anos de 2009 e 2010, 577 adultos passaram pelo processo de triagem no serviço, dos quais 170 (29,46% do total) participaram do presente estudo.

Análise dos dados

Os dados foram processados no Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0, cuja análise foi realizada por meio de estatística descritiva (frequências, desvio padrão etc.).

 

Resultados

Foram avaliadas 170 pessoas neste estudo, das quais 66,5% são do sexo feminino. A média de idade dos participantes foi de 32,87 anos (DP = 10,45), com idade mínima de 18 e máxima de 59 anos. Na Tabela 1, pode ser observada a distribuição da clientela em faixas etárias, em termos de frequências e porcentagens.

 

 

Quanto à situação ocupacional, a maioria dos participantes do estudo relatou que exerceu algum tipo de atividade remunerada nos últimos seis meses (66,47%, n = 113). Em relação à escolaridade, observou-se predominância de participantes na faixa do ensino superior (48,4%, n = 82), seguida do ensino médio (38,9%, n = 66) e ensino fundamental (12,7%, n = 22). Do total de participantes, 52,35% (89) não realizaram atividades educacionais nos últimos seis meses.

Na Tabela 2, é possível observar a prevalência de problemas classificados nas faixas clínica e limítrofe, em cada área avaliada pelo ASR no processo de triagem do Sapp.

As maiores prevalências de problemas clínicos registradas foram no âmbito familiar, nas amizades e no ambiente de trabalho. Em relação à sintomatologia psicopatológica, sintomas de ansiedade e depressão foram os mais prevalentes nas escalas orientadas pelo DSM, o que foi corroborado pelos resultados registrados nas esca-las sindrômicas, em que as escalas de ansiedade e depressão e isolamento e depressão foram as mais prevalentes. Problemas relacionados ao uso de álcool e drogas apresentaram prevalência baixa nesta amostra.

A prevalência de problemas classificados em nível clínico, de acordo com o sexo e número de problemas clínicos observados simultaneamente em cada grande área avaliada, pode ser observada na Tabela 3.

No que diz respeito à multiplicidade de queixas que merecem atenção clínica e que são observadas simultaneamente, 32,4% dos participantes apresentaram simultaneamente três problemas de funcionamento adaptativo em nível clínico. Quanto aos problemas internalizantes, 21,2% dos participantes apresentaram dois problemas em nível clínico, enquanto somente 8,2% apresentaram dois problemas externalizantes merecedores de atenção clínica. Observou-se ainda que 15,9% dos adultos apresentaram mais de uma escala sindrômica em nível clínico simultaneamente. Quanto às escalas orientadas pelo DSM, 20,6% dos participantes ficaram classificados na faixa clínica em duas diferentes escalas simultaneamente.

 

Discussão

Os participantes eram majoritariamente do sexo feminino (66,5%), e a predominância desse sexo também foi observada em outros estudos realizados em clínicas-escola. No estudo de Coelho, Santos e Peres (2004), por exemplo, 83% dos participantes eram mulheres. Pesquisa realizada em clientela adulta de uma clínica-escola da cidade de São Paulo verificou que 78,5% eram do sexo feminino (Romaro & Oliveira, 2008). A população atendida, a partir dos 20 anos de idade, na clínica-escola de psicologia da Universidade São Francisco totalizou 298 participantes, dos quais 76,2% eram mulheres (Romaro & Capitão, 2003). Peres et al. (2004) igualmente observaram predominância do sexo feminino (aproximadamente 83,5%). Culturalmente, existe maior aceitação social quando as mulheres demonstram suas problemáticas emocionais, quando comparadas com os homens. Ao passo que estes últimos, por sofrerem mais pressão da sociedade, encaram a demonstração de seus sentimentos como uma fraqueza, podendo apresentar maior abuso de substâncias (Addis & Cohane, 2005). Talvez isso possa explicar, ao menos parcialmente, a maior procura de atendimento por parte das mulheres.

A maior prevalência na amostra deste estudo, quanto à escolaridade, estava na faixa do ensino superior (47,1%), seguida do ensino médio (38,9%). Da mesma forma, estudo realizado por Romaro e Capitão (2003) observou maior prevalência de adultos na faixa do ensino superior (38,15%), seguida do ensino médio (33,73%). Esses dados também se assemelham aos obtidos por Louzada (2003) em serviço psicológico da Universidade Federal do Espírito Santo.

A faixa etária de 20 a 29 anos foi a mais prevalente nesta pesquisa (41,8%), seguida da faixa de 30 a 39 anos (29,4%). Esses achados são corroborados por outros estudos realizados com adultos atendidos em clínicas-escola. O trabalho de Campezato e Nunes (2007), realizado em oito clínicas-escola distintas, encontrou, entre os pacientes adultos (21 a 60 anos, n = 1.668), maior prevalência da faixa etária de 21 a 30 anos (35,96%), seguida da faixa de 31 a 40 anos (27,26%). Corroborando essa tendência, a pesquisa de Romaro e Capitão (2003) encontrou maior concentração nas faixas etárias de 20 a 29 anos (22,7%), seguida da faixa de 30 a 39 anos (15,6%). Acredita-se que a predominância de tal população se deve principalmente ao fato de essas clínicas-escola se situarem dentro do ambiente universitário, onde se concentram jovens em formação superior. Além disso, esse é um período no qual os estudantes universitários precisam lidar com diversas mudanças na vida social e acadêmica, solidão, problemas financeiros, além de questões relacionadas à definição de suas carreiras (Özdemir & Tuncay, 2008), o que pode resultar no aparecimento de depressão, ansiedade e estresse, problemas de saúde e acadêmicos e prejuízo da qualidade de vida (Bayram & Bilgel, 2008).

Em relação à sintomatologia em faixa clínica, observou-se uma maior porcentagem de problemas relacionados à ansiedade e depressão tanto nas subescalas sindrômicas como nas subescalas orientadas pelo DSM. Corroborando esses achados, o estudo de Campezato e Nunes (2007) encontrou prevalência de 27,88% de queixas relacionadas a dificuldades no comportamento afetivo, como ansiedade, isolamento social, depressão, choro frequente e temores. Em adultos separados atendidos em clínica-escola (Romaro & Oliveira, 2008), duas das três queixas predominantes foram problemas relacionados a ansiedade, segurança e medo (14%) e depressão (10,4%). No estudo de Silva et al. (2011), 42,9% das queixas relatadas referiam-se à ansiedade. É importante salientar que sintomas de ansiedade e depressão não ocorrem somente em pacientes com depressão maior ou de transtornos de ansiedade em geral, mas também em pacientes com quadros mistos de ansiedade e depressão que não apresentam critérios suficientes para fechar diagnóstico. Os transtornos psiquiátricos considerados subclínicos são causa de enorme sofrimento, principalmente quando associados à incapacidade, e representam alto custo individual, social e econômico (Lima, 2011).

Na clientela avaliada neste estudo, houve baixa prevalência de pessoas classificadas na faixa clínica nas subescalas que avaliam o uso de substâncias psicoativas (tabaco = 1,8%, outras drogas = 3,5% e álcool = 4,1%). No estudo de Louzada (2003), o uso de drogas não foi muito relatado (duas queixas de um total de 60), à semelhança dos dados apresentados neste estudo. É importante ressaltar que o Sapp não é um serviço referência de atendimento a usuários de drogas, o que provavelmente explicaria a baixa procura desse público por atendimentos no serviço.

Observa-se que, nas escalas relacionadas a trabalho, educação e casamento, o número de sujeitos foi inferior ao número total da amostra, em razão de nem todos os indivíduos estarem, nos últimos seis meses, exercendo qualquer atividade remunerada, frequentando alguma escola, universidade ou qualquer outro programa educacional, e pelo fato de nunca terem se casado. Quanto aos resultados encontrados, foram evidenciados problemas de competência social merecedores de atenção clínica principalmente dentro do ambiente familiar, nos relacionamentos interpessoais com os pares e no ambiente de trabalho. Campezato e Nunes (2007) também reportaram problemas nessas áreas. As autoras registraram que 23% dos clientes da clínica-escola denominada G apresentavam problemas relacionados a profissão/trabalho, ao mesmo tempo que 14,53% dos pacientes apresentavam dificuldades de relacionamento interpessoal. Simultaneamente, observa-se que a terceira queixa predominante no estudo de Romaro e Oliveira (2008) referia-se a problemas de relacionamento entre pais e filhos (10,4%). Ademais, o trabalho de Peres et al. (2004) revelou que aproximadamente 43% das queixas encontradas eram relacionadas às dificuldades de funcionamento adaptativo, enquanto o estudo de Louzada (2003) observou que dificuldades de relacionamento familiar e de relacionamentos em geral estavam entre as queixas predominantes.

Em relação à multiplicidade de queixas, constatou-se com frequência, nas subescalas que avaliam comportamentos internalizantes, comportamentos externalizantes, síndromes e sintomas psicopatológicos, que o mesmo sujeito pontuou, em nível clínico, de uma (mais comum) a duas subescalas de cada área. Entretanto, na área de funcionamento adaptativo, a resposta mais frequente foi a classificação do mesmo participante em três subescalas, simultaneamente.

Essa multiplicidade de queixas também foi encontrada por Romaro e Capitão (2003) que reportaram uma média de 2,3 queixas por adolescente. Semelhantemente, Silva et al. (2011) afirmaram que o fato de o mesmo paciente apresentar mais de uma queixa foi comum. Houve em média 3,1 queixas por adulto avaliado no estudo de Romaro e Oliveira (2008). Esses dados evidenciam que a clientela dos serviços-escola é, de forma geral, formada por pacientes com múltiplas queixas. A comorbidade entre diversos transtornos psiquiátricos deve ser levada em consideração na prática clínica, uma vez que está associada a pior e mais severo prognóstico (Wang et al., 2005).

Com base nos dados levantados por este estudo, pode-se observar que a população atendida pelo Sapp entre 2009 e 2010 foi, em sua maioria, do sexo feminino, na faixa do ensino superior, com predominância de sintomas de ansiedade e depressão e de funcionamento adaptativo. A coexistência de duas ou mais queixas em um mesmo paciente também foi evidenciada.

Poucas pesquisas recentes com a população adulta que busca atendimento em clínicas-escola foram encontradas. Mesmo revelando dados semelhantes, os estudos citados neste trabalho não utilizaram instrumentos padronizados para avaliar o funcionamento global dos pacientes, o que poderia ser visto como uma limitação encontrada nas publicações brasileiras da área.

Dentre as limitações encontradas no nosso estudo, constatou-se que apenas 29,46% do total de adultos que passaram pelo processo de triagem no Sapp responderam ao ASR. Acredita-se que essa diferença entre o número de pacientes triados e ASR aplicados se deve ao fato de que, durante o período da coleta dos dados, o sistema de triagens da clínica-escola se encontrava em processo de implementação do instrumento e que, durante o período estudado, houve diversas trocas entre os membros da equipe (já que se trata de clínica-escola com estagiários com tempos diversos de duração de suas práticas), os quais necessitavam de treinamento prévio para posterior aplicação do ASR.

Estudos que visam conhecer a população atendida em clínicas-escola possibilitam a produção de dados de pesquisa e futuras reflexões sobre as práticas cotidianas, a fim de melhor atender os pacientes. Acredita-se que a utilização de instrumentos padronizados no processo de triagem permite obter uma visão mais ampla, e empiricamente embasada, acerca do perfil clínico dos indivíduos, tornando-se um importante recurso que, somado à escuta, possibilita diagnósticos e encaminhamentos mais precisos. Por esse motivo, sugere-se que novos estudos utilizem instrumentos padronizados para a realização do levantamento de características sociodemográficas e clínicas da clientela adulta que busca atendimento nos serviços de psicologia do contexto brasileiro.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Margareth Silva Oliveira
Programa de Pós-Graduação
Faculdade de Psicologia
Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul
Avenida Ipiranga, 6681, Prédio 11, sala 927, Partenon
Porto Alegre - RS - Brasil. CEP: 90169-900
E-mail: marga@pucrs.com

Submissão: 08.02.2013
Aceitação: 10.05.2013

 

 

1 As autoras agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a bolsa de produtividade em pesquisa outorgada à primeira autora deste trabalho. Igualmente agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a bolsa de doutorado pleno no exterior concedida à segunda autora.