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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.2 São Paulo ago. 2013

 

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

O bullying escolar no Brasil: uma revisão de artigos científicos

 

School bullying in Brazil: a literature review of scientific articles

 

El bullying escolar en Brasil: una revisión de artículos científicos

 

 

Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto; Audri Inês Pasini; Gabriel Levandowski

Universidade Feevale, Novo Hamburgo - RS - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Bullying é um fenômeno que sugere atos de violência física ou verbal, que ocorrem de forma repetitiva e intencional contra um ou mais vítimas. O fenômeno começou a ser estudado na Suécia, na década de 1970. Este estudo buscou investigar os artigos científicos sobre bullying escolar, publicados em revistas científicas nacionais até o final de 2011. Para isso, pesquisamos a expressão "bullying escolar" nos bancos de dados do SciELO e Google Acadêmico. Foram encontrados 37 artigos científicos publicados entre 2009 e 2011. A revisão apontou que o fenômeno vem ganhando cada vez mais destaque nas publicações científicas, despertando o interesse de diferentes áreas de conhecimento, como a psicopedagogia, o direito, a educação física e a pedagogia, que desenvolveram pesquisas a partir de diferentes métodos, objetivos e focos. Até o final de 2011, no entanto, poucos artigos foram publicados no sentido de discutir a atuação do psicólogo.

Palavras-chave: bullying; violência; escola; educação; psicologia.


ABSTRACT

Bullying is a phenomenon which suggests acts of physical or verbal violence that occur repetitively and intentionally against one or more victims. The phenomenon began to be studied in Sweden in the 1970's. This study aimed to investigate scientific articles on school bullying published in Brazilian scientific journals up to the end of 2011. For this purpose, we performed a search using the term "bullying escolar" on SciELO and Google Scholar databases, finding 37 scientific articles published between 2009 and 2011. The literature review indicated that the phenomenon has become increasingly more prominent in scientific publications, arousing the interest of different knowledge areas, such as Psychopedagogy, Law, Physical Education, and Pedagogy, which developed studies based on different methods, objectives and focuses. However, up to the end of 2011, few articles were published with the aim of discussing the action of the psychologist.

Keywords: bullying; violence; school; education; psychology.


RESUMEN

Bullying es un fenómeno que sugiere actos de violencia física o verbal, que ocurren de forma repetitiva e intencional contra una o más víctimas. Se empezó a estudiar el fenómeno en Suecia, en la década de 1970. Este estudio pretendió investigar los artículos científicos sobre "bullying escolar" publicados en revistas científicas brasileñas hasta el final de 2011. Para ello, realizamos una investigación utilizando el término "bullying escolar" en las bases de datos de SciELO y Google Académico. Se encontraron 37 artículos científicos publicados entre 2009 e 2011. La revisión indicó que el fenómeno viene ganando cada vez más relieve en las publicaciones científicas, despertando el interés de diferentes áreas de conocimiento, como la psicopedagogía, el derecho, la educación física y la pedagogía, que desarrollaron investigaciones a partir de diferentes métodos, objetivos y focos. Hasta el final de 2011, sin embargo, se publicaron pocos artículos en el sentido de discutir la actuación del psicólogo.

Palabras clave: bullying; violencia; escuela; educación; psicología.


 

 

Bullying é um fenômeno que se caracteriza por atos de violência física ou verbal, que ocorrem de forma repetitiva e intencional contra uma ou mais vítimas. O fenômeno começou a ser estudado na Suécia, na década de 1970. No cenário brasileiro, foi, sobretudo, na década de 1990 que o bullying passou a ser discutido, mas foi, a partir de 2005, que o tema passou a ser objeto de discussão em artigos científicos (Lopes, 2005). Embora os estudos sobre o bullying escolar no Brasil sejam recentes, o fenômeno é antigo e preocupante, sobretudo em função de seus efeitos nocivos (Lopes, 2005; Trevisol & Dresch, 2011). Um exemplo dos efeitos nocivos desse fenômeno foi a tragédia na Columbine High School, em 1999, que, por seu destaque na mídia local e internacional, chamou a atenção de governantes, especialistas no assunto, familiares e pesquisadores (Vieira, Mendes, & Guimarães, 2009). Ainda na perspectiva dos efeitos nocivos, o estudo de Bandeira e Hutz (2010) revelou que o bullying pode ter um impacto negativo na autoestima dos alunos.

Muitos estudos têm se ocupado com os fatores que motivam o bullying e com o perfil dos envolvidos (Carvalho, Trufem, & Paula, 2009). Nesse sentido, Pinheiro e Williams (2009) e Tortorelli, Carreiro e Araujo (2010) apontaram para a associação entre a violência doméstica e a violência escolar. Sobre o perfil dos envolvidos, Lisboa, Braga e Ebert (2009), Cristovam, Osaku, Gabriel e Alessi (2010) e Nikodem e Piber (2011) apontaram que o bullying está presente em meninos e meninas e que é necessário que os professores fiquem atentos ao que se passa na sala de aula e na escola como um todo. Moura, Cruz e Quevedo (2011), Diorio e Oliveira (2011) e Gomes e Rezende (2011) constataram que a maioria dos agressores é menino e as agressões mais frequentes são as verbais. Ao relacionarem gênero e bullying, Kuhn, Lyra e Tosi (2011) destacaram que meninos estão mais envolvidos com o bullying direto e meninas com o bullying indireto. O primeiro é caracterizado, sobretudo, por agressões físicas, e o segundo envolve agressões mais sutis, manifestando-se de forma verbal. Sendo assim, o bullying pode estar presente nas relações de modo explícito, mas também pode manifestar-se sutilmente, podendo ser confundido com brincadeiras típicas da idade. Por isso, é preciso que os profissionais da educação saibam identificar para intervir adequadamente (Francisco & Libório, 2009; Silva, 2010).

Muitos estudos apontaram para o papel da escola na prevenção desse fenômeno (Calbo, Busnello, Rigoli, Schaefer, & Kristensen, 2009; Campos & Jorge, 2010; Côrtes, Gontijo, & Alves, 2011; Gomes & Rezende, 2011; Lisboa et al., 2009; Lopes, 2005; Malta et al., 2010; Zoega & Rosim, 2009). Estudos como o de Tognetta e Vinha (2010) e Toro, Neves e Rezende (2010) apostaram na qualidade da relação professor-aluno para combater o bullying escolar. Outra alternativa de prevenção, que fora sugerido por Gomes (2011), seria incluir o tema do bullying no conteúdo escolar.

Os professores percebem que o bullying prejudica o trabalho em sala de aula (Ferreira, Rowe, & Oliveira, 2010), sobretudo porque eles veem uma relação entre bullies, indisciplina e dificuldades de aprendizagem (Trevisol & Dresch, 2011), mas alguns impasses podem surgir quando eles entendem que ações de combate ao bullying não estão na escola e sim no envolvimento do Conselho Tutelar e da Polícia Militar (Bernardini & Maia, 2010; Checa, 2011). O problema de tal concepção reside no fato de que assim o professor não se implica com aquilo que acontece sob o seu testemunho e não assume, juntamente com a família, a responsabilidade civil em relação aos atos de bullying (Costa, 2011). Sendo assim, possivelmente um dos maiores desafios da escola seja assumir a sua parcela na responsabilidade em relação aos atos de bullying. Para tanto, é fundamental fazer uma sensibilização do professor quanto ao bullying e às suas repercussões na vida das crianças e dos adolescentes. No entanto, mesmo que a maioria dos professores já tenha sofrido bullying em sua trajetória escolar, isso não significa que eles saberão identificar e adequadamente intervir (Nikodem & Piber, 2011).

A violência envolve uma complexidade de fatores, não podendo ser analisada de forma simplificada e reduzida. Assim, os agressores não podem ser os únicos responsáveis pelos atos de violência, uma vez que eles também são produto dela e, portanto, também vítimas (Gomes, 2011). Numa perspectiva social, analisar o bullying e a violência como um todo implica entendê-lo como consequência de diversos conflitos oriundos das mudanças que a sociedade vem passando ao longo dos anos (Reis & Costa, 2011).

Considerando que o bullying faz parte do cotidiano escolar, políticas públicas que se preocupam com a segurança precisam ser objeto da atenção da escola (Carvalho & Silva, 2011; Checa, 2011; Lima, Otani, & Helou, 2011; Vieira, 2009; Russell, 2011). Assim, tendo em vista a relevância da discussão sobre esse tema tão presente na vida de crianças e adolescentes e que nem sempre é facilmente identificado, este estudo buscou investigar os artigos científicos sobre bullying escolar no cenário brasileiro.

 

Método

O presente artigo resultou de uma pesquisa de revisão de artigos científicos, utilizando a expressão "bullying escolar" na base de dados SciELO e Google Acadêmico. Como critério de inclusão, foi delimitado o período de publicação de 2009 até o final de 2011. Além disso, o artigo deveria retratar o bullying escolar na realidade brasileira, bem como o periódico deveria ser nacional. Após a compilação dos artigos que se enquadraram nesses critérios, foi realizada a leitura deles e, posteriormente, uma análise de conteúdo temática (Bardin, 2002), no sentido de buscar a compreensão crítica das comunicações e de suas significações.

A utilização da revisão bibliográfica como método em um número significativo de estudos (Gomes, 2011; Gomes & Rezende, 2011; Lisboa et al., 2009; Lopes, 2005; Reis & Costa, 2011; Russell, 2011; Toro et al., 2010; Zoega & Rosim, 2009) denota, por um lado, a relevância do uso desse método e, por outro, uma tendência a conceitualizar e circunscrever o fenômeno, possivelmente por ainda ser muito recente a sua discussão no âmbito científico. Entre os estudos que realizaram revisão bibliográfica, encontramos semelhança com a pesquisa de Gomes e Rezende (2011), por também ter realizado uma revisão crítica dos principais artigos científicos utilizando a análise de conteúdo de Bardin (2002).

 

Discussão dos resultados

A primeira publicação de artigo científico sobre bullying escolar é Lopes (2005). Ao total, foram encontrados 50 artigos científicos publicados entre 2005 e 2011. Nos anos de 2009, 2010 e 2011, foram publicados, respectivamente, nove, 12 e 16 artigos científicos. Quanto ao processo de categorização dos artigos, foram reunidas cinco categorias temáticas, considerando os temas que foram centrais na discussão dos artigos: caracterização do bullying escolar; repercussões do bullying escolar; identificação, prevenção, intervenção e políticas públicas; escola e relação professor-aluno; análise social do bullying escolar.

Caracterização do bullying escolar

Do contingente dos artigos pesquisados, no período de 2009 ao final de 2011, 14 artigos buscaram caracterizar o bullying escolar. Na caracterização do bullying escolar, alguns artigos têm apontado para a associação entre violência familiar e bullying. Pinheiro e Williams (2009) aplicaram questionários em alunos do ensino fundamental e destacaram que há uma associação direta entre violência intrafamiliar e o envolvimento em casos de bullying escolar, geralmente no papel de alvo ou alvo/agressor. Com resultados semelhantes, Tortorelli et al. (2010) investigaram, a partir da aplicação de um questionário a alunos do ensino fundamental, a correlação entre a percepção da violência familiar e o relato de violência na escola.

Dentre as pesquisas que buscaram caracterizar o bullying, o estudo de Malta et al. (2010) destacou-se por envolver um significativo contingente de alunos, uma vez que a pesquisa foi baseada em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), oriundos de uma pesquisa em parceria com o Ministério da Saúde, com 60.973 alunos do 9º ano do ensino fundamental de 1.453 escolas públicas e privadas de todo o território nacional. O estudo constatou que meninos relatam mais bullying (6,0%) do que meninas (4,8%) e que não há diferença no índice de ocorrência entre escolas públicas e privadas.

Com o propósito de analisar a ocorrência de bullying na escola, Calbo et al. (2009) realizaram um estudo com estudantes da 5ª e 6ª séries. Os dados apontaram que 26,57% dos indivíduos já se envolveram em situações de bullying e que os meninos apresentam escores mais altos tanto em comportamentos de agressividade, como de vitimização. O estudo de Carvalho et al. (2009) envolveu entrevistas com adolescentes, que apontaram para diferentes perfis de agressores, vítimas e expectadores, e para diferentes fatores que levam ao bullying, razão pela qual não há fórmulas prontas para elaboração de programas anti-bullying. Lisboa et al. (2009), por meio de revisão crítica da literatura, discutiram sobre definição, manifestação, diferenças de gênero, papéis sociais, fatores de risco dos envolvidos no processo, possíveis causas, desencadeadores e consequências do fenômeno bullying. Nessa mesma perspectiva, porém por meio de uma pesquisa quanti-qualitativa, Francisco e Libório (2009) constataram a existência do fenômeno no ambiente escolar, bem como caracterizaram suas dimensões na realidade estudada.

O estudo de Cristovam et al. (2010) utilizou questionários com estudantes do ensino fundamental para identificar a frequência com que ocorrem as situações de bullying, os locais de maior ocorrência, os motivos que levam à violência, a aceitação, os pedidos de ajuda e o conhecimento sobre a punição. Os resultados revelaram que 78,8% dos alunos participantes estiveram envolvidos em atos de bullying e que as vítimas de bullying apresentam mais problemas de saúde e uma tendência quatro vezes maior para o suicídio em comparação a outros escolares.

Kuhn et al. (2011) investigaram, por meio de um questionário aplicado a estudantes do ensino fundamental, a frequência com que o bullying ocorre em diferentes contextos escolares, relacionando-a com o gênero. Os resultados revelaram que 91% dos participantes alegaram sofrer algum tipo de violência na escola. Além disso, foram constatadas diferenças com relação à manifestação da agressividade e ao gênero. Na mesma perspectiva, Nikodem e Piber (2011) estudaram a incidência do bullying por meio de questionários aplicados a alunos e professores. Os resultados apontaram para a ocorrência do bullying, sendo mais frequentes agressões verbais e agressores do sexo masculino. Questionários também foram utilizados na pesquisa de Moura et al. (2011) com alunos de ensino fundamental. Os resultados indicaram que o bullying ocorre com 17,6% da amostra investigada, sendo o tipo de intimidação mais frequente a verbal, seguida da física, emocional, racial e sexual. O bullying foi frequentemente associado ao sexo masculino, à hiperatividade e a problemas de relacionamento com os colegas. Além disso, os resultados apontaram que 47,1% das vítimas eram agressores também. Ainda buscando auxiliar na identificação do bullying e de seus fatores de risco no ambiente escolar, Stelko-Pereira, Williams e Freitas (2010) realizaram a validação do questionário de investigação de prevalência de violência escolar - versão estudantes.

Diante da tragédia na Columbine High School, em 1999, nos Estados Unidos, o estudo de Vieira et al. (2009) destacou o fenômeno school shooting associado ao bullying. Propôs, assim, uma reflexão sobre tal fenômeno, caracterizando os seus protagonistas.

Zaine, Reis e Padovani (2010) entrevistaram adolescentes em conflito com a lei que cumpriam medidas socioeducativas em regime de semiliberdade e liberdade assistida. Os resultados apontaram que eles tiveram maior envolvimento com o bullying como autores do que como vítimas. Além disso, os adolescentes em semiliberdade relataram maior frequência como alvos e autores de bullying do que os de liberdade assistida.

Os estudos apontam para a necessidade de mapear as caraterísticas associadas ao bullying para se pensar em estratégias de prevenção e intervenção. Sendo assim, a escola precisa estar atenta a tais fatores para combater o fenômeno.

Repercussões do bullying escolar

Ao total, seis artigos se ocuparam da discussão das repercussões do bullying escolar. Inúmeros estudos têm demonstrado que o bullying escolar tem efeitos nocivos naqueles que estão envolvidos com tal fenômeno, sobretudo nas vítimas. Bandeira e Hutz (2010) salientaram que o bullying tem implicações na autoestima de adolescentes. A partir de um questionário sobre bullying e da aplicação da escala de autoestima de Rosenberg, apontaram que houve diferentes resultados de autoestima no grupo de meninas, meninos, agressores, vítimas/agressores, vítimas e testemunhas. Trevisol e Dresch (2011) aplicaram um questionário a profissionais que trabalham nas escolas. Os resultados destacaram que as consequências do bullying atingem todos os envolvidos e que os profissionais da educação percebem que há, no caso dos bullies, relação entre indisciplina e dificuldade de aprendizagem. Gomes e Rezende (2011) e Ferreira et al. (2010) salientaram as repercussões do bullying na aprendizagem dos alunos.

A pesquisa de Cavalcanti (2009) analisou 42 laudos de exames de corpo de delito em crianças e adolescentes vítimas de violência escolar. Os dados revelaram que 61,9% das vítimas eram meninos, entre 13 e 17 anos, sendo os colegas de sala de aula os agressores mais frequentes (92,9%). O estudo apontou que é elevada a existência de injúrias na cavidade bucal em vítimas de agressão no ambiente escolar.

Além dessas pesquisas, cabe mencionar a discussão realizada no estudo de Vieira et al. (2009) sobre o fenômeno school shooting. Além de caracterizar os envolvidos, o estudo propôs-se a discutir as possíveis repercussões do bullying nos protagonistas do school shooting. Para tanto, os autores basearam-se nos episódios de Columbine High School e Virginia Tech.

As repercussões do bullying escolar apontaram para o papel da escola em oportunizar uma convivência sadia entre os estudantes. Além de repercussões físicas, o bullying escolar gera sequelas psíquicas, podendo estar associado ao risco de suicídio.

Identificação, prevenção, intervenção e políticas públicas

A discussão sobre identificação, prevenção e intervenção diante de situações de bullying, bem como sobre a elaboração de políticas públicas que atuem no combate da violência escolar, esteve em pauta em 13 artigos científicos. Silva (2010) aplicou questionários a professores e evidenciou que a falta de conhecimento sobre o assunto dificulta a identificação do bullying, o que reflete no monitoramento das dificuldades dos jovens em seu convívio social.

Zoega e Rosim (2009) realizaram uma revisão da literatura sobre bullying escolar e aplicaram questionários a estudantes de uma escola, chegando ao mesmo resultado. Gomes e Rezende (2011), por meio de análise crítica de artigos científicos, apontaram para a necessidade de um trabalho preventivo, no sentido de minimizar as possíveis complicações sociais e aquelas relacionadas à aprendizagem. Educadores foram entrevistados no estudo Campos e Jorge (2010), e os resultados apontaram que 83% deles já ouviram falar em bullying e 97,03% relataram que há necessidade de prevenção.

Guimarães (2011), por meio de um questionário aplicado a uma professora de educação física, de informações orais da equipe diretiva e do projeto político-pedagógico da escola, apontou que a educação física pode auxiliar no combate à violência. O estudo de Diorio e Oliveira (2011), por meio de um questionário aplicado a alunos do ensino fundamental, defendeu a importância do psicopedagogo para intervir nas relações interpessoais dos alunos. Côrtes et al. (2011), por meio de diários de campo de uma intervenção terapêutica ocupacional em uma escola, revelaram que as atividades realizadas permitiram a reflexão por parte dos adolescentes sobre a dinâmica da violência e sobre estratégias de enfrentamento, podendo ser uma possibilidade de trabalho de combate ao bullying. Outra possibilidade foi apontada pela revisão bibliográfica conduzida por Gomes (2011), que destacou que o bullying deve ser tratado como um conteúdo escolar.

A necessidade de formular políticas públicas foi pauta de discussão teórica do estudo de Vieira (2009). Políticas e programas que promovam a segurança para estudantes que sofrem com a homofobia foi objeto de estudo de Russell (2011). Gestores de escola, em resposta a um questionário, também apontaram para ações que objetivem a redução do problema da violência (Carvalho & Silva, 2011). Educadores revelaram que é preciso engajamento de vários segmentos sociais na construção de políticas públicas (Lima et al., 2011). Checa (2011) também encontrou resultados que indicaram a elaboração de políticas públicas que envolvam os professores, pois, conforme o estudo, há uma crise da autoridade docente.

Assim, os estudos apontaram que o bullying é um problema grave e de saúde pública, de modo que a sociedade precisa investir em prevenção, baseada em estratégias de identificação da violência escolar e combate a ela. Os professores, nesse cenário, são considerados agentes importantes, no sentido de trabalhar para que as relações no contexto escolar sejam saudáveis e promovam o desenvolvimento.

Escola e relação professor-aluno

A escola e a relação professor-aluno foram tema de discussão em cinco artigos. Abordar o bullying no contexto escolar requer uma reflexão crítica sobre a relação professor-aluno. Nesse sentido, Toro et al. (2010) realizaram uma revisão bibliográfica, observações participantes e entrevistas semiestruturadas envolvendo docentes, vice-diretora e supervisora pedagógica. A pesquisa revelou que a propagação do fenômeno, muitas vezes, se deve à forma como se estabelecem os vínculos professor-aluno. Ferreira et al. (2010) apontaram que os professores acreditam que o bullying prejudica o trabalho em sala de aula.

A pesquisa de Bernardini e Maia (2010), por meio de grupos focais com professores, apontou que estes entendem que a solução para o bullying não pode ser de responsabilidade somente dos professores, de modo que o envolvimento do Conselho Tutelar é fundamental. O estudo de Tognetta e Vinha (2010) envolveu a aplicação de um questionário a alunos do ensino fundamental e concluiu que há uma lacuna na escola quanto às formas utilizadas pelos educadores para intervir nos conflitos cotidianos, assim como em relação ao que pensam esses profissionais sobre a formação moral dos alunos. Por sua vez, Costa (2011) apontou para a necessidade de a sociedade tratar com seriedade as questões relacionadas ao bullying, cobrando das escolas, dos pais, dos alunos e dos educadores a responsabilidade dos acontecimentos relacionados ao fenômeno.

Os estudos destacaram a importância de um trabalho com os educadores, uma vez que estes estão próximos dos alunos no cotidiano escolar e podem identificar as situações de bullying. Apontaram para a responsabilidade da escola que, em parceria com a família, precisa atuar no sentido de criar um espaço de convívio sadio.

Análise social do bullying escolar

O bullying é um fenômeno complexo e requer uma análise social. Tal discussão foi central em quatro artigos. Por meio de revisão bibliográfica, Reis e Costa (2011) discutiram a relação entre o bullying e a contemporaneidade. Os resultados evidenciaram o bullying como consequência de diversos conflitos oriundos das mudanças que a sociedade vem passando ao longo dos anos. Numa perspectiva semelhante, o estudo de Toro et al. (2010) revelou que o bullying deve ser visto como um elemento significativo na sociedade contemporânea. Sendo assim, a forma como as relações estão se constituindo tem relação com o bullying. No contexto escolar, mais especificamente, relações de poder sustentadas por autoritarismo, repressão e falta de diálogo podem ter íntima relação com o bullying.

A violência simbólica foi objeto de investigação do estudo de Borba e Russo (2011), que, com base na concepção de Bourdieu, ressaltaram as manifestações excludentes e de violência no espaço escolar. Sendo assim, os autores discutiram a importância de promover ações coletivas que resgatem o principal papel da escola para que esta seja um local de desenvolvimento humano.

A fragilidade presente na nossa sociedade foi apontada pelo estudo de Vieira et al. (2009). A pesquisa destacou a violência no meio social e sua relação com o fenômeno do school shooting. Sendo assim, os autores destacaram falhas no que se refere ao atendimento aos adolescentes, antes que seus problemas os levem a protagonizar um massacre. Isso aponta para a importância do suporte social para as vítimas de bullying escolar.

Os estudos evidenciaram que a violência não pode ser analisada de forma simplificada e que requer uma reflexão sobre as transformações sociais e sobre como as relações estão sendo constituídas. A violência e o bullying escolar, nesse sentido, são vistos como uma extensão da problemática social. Sendo assim, políticas de combate ao bullying devem considerar a violência e suas causas desde uma perspectiva social.

A revisão de artigos científicos publicados em periódicos nacionais evidenciou que o bullying escolar vem ganhando cada vez mais destaque nas publicações científicas. Prova disso é o significativo aumento de publicações ao longo dos anos. Além disso, foi possível perceber o interesse de diferentes áreas de conhecimento por esse tema, como a pediatria, a psicopedagogia, o direito, a educação física e a pedagogia, assim co-mo o estudo do assunto a partir de diferentes métodos, objetivos e focos.

Percebemos uma grande concentração de estudos com o objetivo de identificar e explorar a definição do bullying e a sua incidência em escolas do Brasil, possivelmente porque o fenômeno, embora antigo, esteja sendo recentemente pesquisado no cenário nacional. As publicações que envolveram estudos empíricos indicaram que a escola, a família e a sociedade em geral ainda apresentam dificuldades para identificar e compreender o fenômeno e trabalhar nas perspectivas de intervenção e de prevenção do bullying escolar. Sendo assim, reconhecer a complexidade desse fenômeno e suas consequências nocivas aos envolvidos requer que esse tema seja ainda objeto de discussão, sobretudo a partir de estudos empíricos.

Quanto ao gênero, as pesquisas indicaram que a grande maioria dos agressores é do sexo masculino e que estes praticam a violência de forma direta, por meio de agressões físicas e intimidações. As meninas costumam praticar a violência de forma indireta, por meio de boatos maldosos, exclusões do grupo, entre outros. Os estudos também ressaltaram que a manifestação dessa violência pode mudar conforme a etapa do desenvolvimento. Nesse sentido, o tipo de violência praticada por alunos das séries iniciais costuma ser diferente e menos perigosa que aquela praticada por adolescentes.

O estudo revelou que poucos artigos foram publicados no sentido de discutir a atuação da psicologia, de modo que tal discussão aponta para um campo fértil para a realização de estudos sobre o fenômeno. Os psicólogos podem ajudar a escola a lidar com o fenômeno e atuar preventivamente nos efeitos nocivos do bullying escolar e na orientação de pais e professores quanto ao manejo dessas situações. No que se refere às limitações do presente estudo, é importante mencionar que ele envolveu apenas artigos oriundos da base de dados SciELO e Google Acadêmico. Além disso, a pesquisa considerou somente os artigos publicados em periódicos nacionais. Sendo assim, indicamos que pesquisas envolvam outras bases de dados, sobretudo o portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), bem como publicações no cenário internacional.

Quanto aos temas que foram objeto de discussão dos artigos, cabe salientar a importância de a escola estar atenta às manifestações do bullying, uma vez que esse fenômeno tem sequelas físicas e psíquicas nos envolvidos. No que se refere às repercussões, ainda é fundamental que estudos sejam realizados nessa perspectiva, envolvendo todos os atores que participam do bullying, pois assim será possível trabalhar no nível de políticas de prevenção, uma vez que esse fenômeno tem sido considerado um grave problema de saúde pública. Os estudos destacaram a importância de preparar os professores, que, muitas vezes, não sabem identificar as situações de bullying nem lidar com elas. Além disso, a escola como um todo precisa ser repensada, buscando praticar não somente os conteúdos mínimos das diretrizes curriculares, mas também um trabalho pautado na importância da constituição dos princípios de tolerância e de respeito.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto
Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes
Universidade Feevale, ERS-239, 2755
Novo Hamburgo - RS - Brasil. CEP: 93352-000
E-mail: lisianeoliveira@feevale.br

Submissão: 18.12.2012
Aceitação: 10.05.2013