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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.16 no.1 São Paulo Apr. 2014

 

PSICOLOGIA CLÍNICA

Caracterização da interconsulta psicológica em um hospital geral

 

Characterization of psychological consultation-liaison in a general hospital

 

Caracterización de la consulta psicológica de enlace en um hospital general

 

 

Thaís de Castro GazottiI; Helena Bazanelli Prebianchi
I Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A interconsulta psicológica é um instrumento utilizado pelo profissional para compreender e aprimorar a assistência ao paciente no hospital geral. Objetivou-se caracterizar o tipo de demanda atendida pela interconsulta psicológica de um hospital universitário. Realizou-se uma pesquisa documental e retrospectiva mediante o levantamento dos registros das interconsultas, no período de setembro de 2011 a fevereiro de 2012. Os resultados indicaram que a maioria dos pacientes é mulher, com 30 a 50 anos de idade, residente na cidade onde se localiza o hospital; as solicitações de interconsultas são feitas, frequentemente, por enfermeiros e médicos, com prevalência dos motivos de humor depressivo e ansiedade. Concluiu-se que a interconsulta é uma forma visível da aplicação do conceito de interdisciplinaridade e de inserção do psicólogo na equipe multiprofissional; contudo, a formação dos profissionais é falha quanto à padronização de condutas e habilidades para pesquisa.

Palavras-chave: hospital; interconsulta; psicologia; equipe multidisciplinar; interdisciplinaridade


Abstract

The psychological consultation-liaison is a psychological tool used by professional to understand and improve patient care in the general hospital. This study aimed to characterize the type of demand met by a psychological consultation-liaison from an university hospital. We performed a retrospective documentary research and a survey of the records of psychological Consultation-liaison, from September 2011 to February 2012. The results indicated that the majority of patients are female, with 30 to 50 years of age, residing in the city where the hospital is located; psychological consultation-liaison requests are made are often by nurses and doctors, with prevalence motives of depressive moods and anxiety. It concluded that the psychological consultation-liaison is a visible way of applying the concept of interdisciplinarity and integration of the psychologist in the multidisciplinary team, however, the training of professionals flawed as the standardization of procedures and skills to search.

Keywords: hospital; interconsultation; psychology; multidisciplinary staff; interdisciplinarity


Resumen

La consulta psicológica de enlace es una herramienta psicológica utilizada por el profesional para comprender y mejorar la atención al paciente en el hospital general. Este estudio tuvo como objetivo caracterizar el tipo de demanda atendida por la interconsulta psicológica del hospital universitario. Se realizó una investigación documental y un estudio retrospectivo de los registros de parecer, entre septiembre de 2011 febrero de 2012. Los resultados indicaron que la mayoría de los pacientes son mujeres, con 30 a 50 años de edad, con domicilio en la ciudad donde se encuentra el hospital, peticiones de interconsulta psicológica se hacen a menudo por los médicos y enfermeras, con una prevalencia de motivos de estados de ánimo depresivos y ansiedad. Se concluyó que la remisión a una interconsulta psicológica es una forma visible de la aplicación del concepto de la interdisciplinariedad y la integración del psicólogo en el equipe multidisciplinar, sin embargo, la formación de los profesionales es errónea como la estandarización de los procedimientos y habilidades para la investigación.

Palabras clave: hospital; parecer; psicología; equipo multidisciplinar; interdisciplinar


 

 

A presença da atividade de interconsulta é mais forte em hospitais universitários (Rossi, 2008), e, a partir do maior desenvolvimento e reconhecimento da psicologia hospitalar, nas últimas décadas, como área de atuação da psicologia, com um modelo próprio de atuação, adaptado à realidade institucional hospitalar, os psicólogos inseridos nesse contexto foram cada vez mais chamados à prestação desse serviço.

Segundo Rossi (2008), a interconsulta psicológica tem como objetivos auxiliar profissionais de outras áreas no diagnóstico e tratamento de pacientes com problemas psiquiátricos ou psicossociais (situações emocionais emergentes) e intermediar a relação entre os envolvidos na situação (equipe de saúde, pacientes e familiares), facilitando a comunicação, a cooperação e a elaboração de conflitos.

Nogueira-Martins (1995) descreve assim os passos da interconsulta psicológica: 1. coleta de informações com médicos, enfermeiros, paciente, familiares e outros; 2. elaboração de diagnósticos situacionais; 3. devolução e assessoramento; e 4. acompanhamento diário da evolução da situação.

Considerando as reais necessidades dos pacientes, incluindo atenção ao contexto em que estão inseridos e a relação com a equipe que o atende, é importante que o psicólogo interconsultor possa, inicialmente, realizar uma análise funcional do ambiente e das demandas impostas por paciente e equipe (Gorayeb, 2001). A partir de tais avaliações e do entendimento sobre o funcionamento do paciente, da família e equipe, e sua inter-relação contextualizada no ambiente hospitalar, as estratégias de intervenção podem ser traçadas e colocadas em prática.

Diferentes motivos podem ser determinantes da solicitação de uma interconsulta psicológica por médicos e outros membros da equipe. Alguns dos mais frequentemente encontrados em estudos realizados no Brasil (Botega, 2002; Smaira, Kerr-Corrêa & Contel, 2003) são: colaboração para o diagnóstico diferencial de patologias orgânicas e psicológicas, persistência de comportamento queixoso do paciente, comportamento de paciente que altera o funcionamento da enfermaria, sensibilização da equipe pelas atitudes do paciente, dificuldade da equipe em lidar com sentimentos e reações decorrentes do adoecer, risco e/ou tentativa de suicídio, pacientes com transtornos psiquiátricos e desajustes na relação médico-paciente.

Dessa forma, ao se constituir como uma modalidade de intervenção que permite considerar a demanda institucional que inclui a subjetividade nas relações da equipe e a assistência psicológica aos pacientes e seus familiares, a interconsulta psicológicaé uma das formas mais visíveis da aplicação do conceito de interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade pode ser considerada como uma troca intensa de saberes profissionais em diversos campos, exercendo, dentro de um mesmo cenário, uma ação de re ciprocidade, mutualidade, que pressupõe uma atitude diferenciada diante de um determinado caso (Oliveira et al., 2011).

Aumentar e difundir o conhecimento sobre essa atividade, portanto, é imprescindívelà consolidação de seu exercício, ao reconhecimento e à legitimização dos modelos e das práticas profissionais do psicólogo hospitalar. Tendo isso em consideração, objetivou-se, neste trabalho, caracterizar, quanto às suas condições sociodemográficas e clínicas, a clientela atendida pela interconsulta psicológica de um hospital universitário e identificar as especialidades solicitantes desse atendimento e os motivos desses pedidos.

 

Método

Contexto

A pesquisa documental foi realizada num hospital universitário, que é uma das principais instituições hospitalares de atuação terciária da cidade de Campinas, no interior paulista, e de sua região metropolitana. Atualmente, conta com 353 leitos ativos, sendo 243 destinados exclusivamente ao convênio do Sistema Único de Saúde (SUS). Participa no atendimento à população com uma média mensal de 20 mil consultas ambulatoriais, 15 mil atendimentos nas unidades de urgência e emergência, 1.250 procedimentos cirúrgicos, além de 1.600 internações.

Em relação ao serviço de psicologia (atuando desde 1990), o hospital universitário possuía três psicólogos assistenciais contratados, quatro psicólogos do Programa de Residência em Psicologia da Saúde/Hospitalar e três psicólogos do Programa de Aprimoramento Profissional em Psicologia da Saúde/Hospitalar.

Instrumentos

As informações foram obtidas por meio dos registros das interconsultas psicológicas prestadas pelo serviço de psicologia e dos formulários de solicitação de interconsulta padronizados, nos quais são identificados os seguintes aspectos.

Registros de interconsultas psicológicas: idade, sexo e procedência do paciente; especialidade médica responsável pelo paciente; formação do profissional de saúde solicitante; e motivo alegado para solicitação.

Formulário de solicitação de interconsulta padronizado pelo hospital: especialidade solicitante; intervalo médio entre a data da solicitação e de sua realização; motivo da solicitação; e a quem foi dispensado atendimento psicológico (pacientes e/ou familiares).

Procedimento

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sob protocolo nº 0598/11.

Após a ciência do responsável técnico pelo serviço de psicologia do hospital, sobre a utilização dos registros documentais, foi realizada uma leitura minuciosa das informações contidas nos registros de interconsulta psicológica e nos formulários de solicitação de interconsulta preenchidos de setembro a dezembro de 2011 T.

Analisaram-se 111 registros de interconsulta psicológica, contudo apenas 67 formulários de solicitação de interconsulta referentes a esses registros puderam ser incluídos no estudo, uma vez que os outros 44 prontuários não possuíam seu respectivo formulário de solicitação de interconsulta corretamente preenchido.

Dessa forma, mediante a tabulação das informações coletadas em 111 registros de interconsulta psicológica e 67 formulários de solicitação de interconsulta, procedeu-seà análise dos resultados.

 

Resultados

Quanto às características sociodemográficas dos pacientes, os resultados revelam que, dos 111 pacientes atendidos, 84% residem na cidade na qual se localiza o hospital universitário, e os outros 16% estão distribuídos em municípios próximos à região metropolitana da referida cidade. A maioria dos pacientes (75%) é mulher, sendo a faixa etária mais frequente entre 30 e 50 anos (60%) e as menos frequentes encontradas entre 1 e 10 anos e entre 81 e 90 anos.

A Tabela 1 apresenta as condições clínicas desses 111 pacientes, no que se refereà especialidade médica responsável pelo paciente e à formação do profissional de saúde solicitante da interconsulta psicológica:

 

 

Conforme se observa na Tabela 1, os pacientes mais referidos para interconsulta psicológica foram aqueles internados sob a supervisão da ginecologia e obstetrícia, da clínica médica e da cardiologia, e, na primeira especialidade citada, o total de encaminhamentos (21,64%) foi quase que o dobro de ambas as outras, que têm 12,63% e 10,83% encaminhamentos, respectivamente. Em seguida, aparecem os pacientes do serviço de cirurgia em urgência e trauma (9,90%), neurocirurgia (8,10%) e, com metade do número de encaminhamentos dessa primeira especialidade, oncologia, ortopedia e pediatria, com 5,40%, tendo pouca diferença com a quantidade de pacientes da cirurgia (4,50%) e de moléstias infectocontagiosas (4,50%). Poucas indicações dos pacientes internados na nefrologia (2,70%), dermatologia (1,80%), endocrinologia (1,80%), coloproctologia (0,90%), neurologia (0,90%), psiquiatria (0,90%) e reumatologia (0,90%) foram encontradas.

Em relação à formação do profissional que realizou os encaminhamentos ou fez solicitações de interconsulta psicológica, constata-se que, na grande maioria das vezes, as solicitações foram feitas pelos enfermeiros (51,35%), principalmente quando se tratava de pacientes da ginecologia e obstetrícia (66,67%), do serviço de cirurgia em urgência e trauma (72,73%), da neurocirurgia (77,78%) e da clínica médica (35,71%). Os médicos (os segundos mais frequentes) encaminharam menos que a metade do número de pacientes (18,03%) referidos pelos profissionais de enfermagem, e as maiores quantidades de suas indicações se referiram aos pacientes da cardiologia (41,66%) e clínica médica (35,71%), seguidos pelos da pediatria (66,67%) e, menos frequentemente, os da ginecologia e obstetrícia (8,33%), endocrinologia (50%), cirurgia (20%), nefrologia (33,33%) e serviço de cirurgia em urgência e trauma (9,09%). Nenhum paciente internado na coloproctologia, dermatologia, gastrologia, nefrologia, neurocirurgia, neurologia, oncologia, ortopedia, psiquiatria, reumatologia e moléstias infectocontagiosas foi referido para interconsulta psicológica pelos médicos.

Quase tanto quanto os médicos, os terapeutas ocupacionais solicitaram interconsulta psicológica para os pacientes da clínica médica (28,58%) e da cardiologia (25%). Encaminharam, no entanto, mais frequentemente que a equipe médica, os indivíduos internados em cirurgia (60%), oncologia (33,33%), ortopedia (33,33%), dermatologia (50%), reumatologia (100%), serviço de cirurgia em urgência e trauma (9,09%) e moléstias infectocontagiosas (20%).

Os profissionais de serviço social e Fisioterapia fizeram poucas solicitações de interconsulta (respectivamente, 7,20% e 6,30%), quando comparados aos enfermeiros, aos médicos e aos terapeutas ocupacionais, e, nesse caso, os pacientes mais indicados foram: os da ginecologia e obstetrícia (25%), pelos assistentes sociais, e pediatria (33,33%), pelos fisioterapeutas. Os nutricionistas encaminharam apenas um paciente da cardiologia.

Finalmente, a Tabela 1 permite constatar que os pacientes que mais receberam indicação de interconsulta por diferentes profissionais (quatro dos seis encontrados) foram os do serviço de cirurgia em urgência e trauma e da cardiologia, seguidos pelos da clínica Médica, ginecologia obstetrícia, nefrologia, neurocirurgia, ortopedia e moléstias infectocontagiosas (todos com três indicações). Menos profissionais (2) solicitaram interconsulta para os pacientes da endocrinologia e pediatria, e os pacientes da coloproctologia, dermatologia, gastrologia, neurologia, psiquiatria, reumatologia e vascular foram referidos por um profissional apenas.

A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos por meio da análise dos 67 formulários de solicitação de interconsulta, preenchidos pelo psicólogo que realizou o serviço. Lembrando que a análise dos dados coletados com os dois instrumentos (registro de interconsulta psicológica e formulário de solicitação de interconsulta) permitiu conhecer o intervalo médio entre a data de solicitação e a de sua realização, é importante citar que os resultados mostraram que esse intervalo foi de 12 horas.

Encontram-se categorizados, na Tabela 2, os motivos indicados pelo profissional solicitante e a relação entre os motivos indicados e os solicitantes. Observa-se que os itens ansiedade e humor depressivo encontram-se subdivididos – o que foi possibilitado pela descrição formulada pelo solicitante ao proceder ao encaminhamento.

 

 

Conforme apresentado na Tabela 2, os motivos mais indicados para a solicitação de interconsulta psicológica foram o humor depressivo dos pacientes (32,83% no total) e a evidente ansiedade (28,36% no total).

Nos pacientes referidos com humor depressivo, 16,42% (maior número de indicações nesse item) não tiveram atribuição de causa para isso e, portanto, aparecem na tabela como "não especificado". O motivo humor depressivo relacionado ao longo período de internação foi identificado pelos solicitantes 7 (10,45%) vezes, e a relação entre o humor depressivo no período pós-operatório e entre o humor depressivo e luto foram citados em 2 solicitações cada (2,98%).

A ansiedade do paciente perante o diagnóstico motivou 8 encaminhamentos (11,95%), seguida de perto pela ansiedade diante da internação (8,95%) e no período pré-operatório (7,46%).

O terceiro motivo mais indicado pelos profissionais solicitantes de interconsulta foi a necessidade de suporte psicológico em função do quadro clínico do paciente (13,43%). A indicação para interconsulta psicológica motivada pela necessidade de diagnóstico/avaliação ocorreu em 4 (5,98%) casos; em 3 (4,48%) solicitações, o motivo alegado foi a necessidade de orientação aos familiares dos pacientes; e, em outros 3 (4,48%), buscava-se a coleta de dados sobre a história dos pacientes.

Finalmente, com 2 (2,98%) solicitações cada um, identificaram-se os seguintes motivos: agressividade, não aceitação do tratamento/falta de colaboração e solicitação do próprio paciente ou familiar feita ao profissional de saúde (não psicólogo) que o atendia. Já o fornecimento informações ao paciente sobre diagnóstico e procedimento motivou apenas uma solicitação (1,50%) de interconsulta.

Observa-se que os enfermeiros e os médicos foram os profissionais que mais solicitaram o serviço (34 [50,74%] e 17 [25,37%] vezes, respectivamente), e os profissionais de enfermagem identificaram como o motivo mais frequente a necessidade de suporte psicológico em função do quadro clínico do paciente (77,77%) e, depois, ansiedade diante da internação (83,34%) e o humor depressivo "não especificado" (45,45%), humor depressivo no período pós-operatório (100%), humor depressivo por luto (100%), ansiedade no período pré-operatório (40%), não aceitação do tratamento/falta de colaboração (50%), coleta de dados sobre a história dos pacientes (33,33%), fornecimento informações ao paciente sobre diagnóstico e procedimento (100%), diagnóstico/avaliação (25%) e orientação aos familiares (33,33%).

Para os médicos, os motivos mais indicados foram humor depressivo "não especificado" (27,28%), humor depressivo relacionado ao longo período de internação (42,85%) e ansiedade do paciente perante o diagnóstico (37,50%). Menos frequente foram as solicitações motivadas por ansiedade no período pré-operatório (40%), suporte psicológico em função do quadro clínico do paciente (22,23%), solicitação do próprio paciente ou familiar (100%), orientação aos familiares (33,33%) e agressividade (50%).

Os terapeutas ocupacionais foram os profissionais que, depois dos médicos, mais fizeram indicações de pacientes para a interconsulta psicológica (total de 7 [10,47%]), e, para eles, os motivos mais frequentes foram: ansiedade do paciente perante o diagnóstico (25%) e necessidade de diagnóstico/avaliação (50%). Os motivos humor depressivo"não especificado" (9,09%), humor depressivo relacionado ao longo período de internação (14,30%) e orientação aos familiares (33,33%) também foram identificados.

Com relação aos assistentes sociais que fizeram 5 (7,46%) solicitações de interconsulta, constataram-se os seguintes resultados: coleta de dados sobre a história dos pacientes (66,67%), alegações de humor depressivo "não especificado" (9,09%), ansiedade no período pré-operatório (20%) e necessidade de diagnóstico/avaliação (25%).

Os profissionais de fisioterapia foram aqueles que menos solicitaram interconsulta psicológica (4 no total [5,96%]) para os pacientes por eles atendidos e, quando o fizeram, indicaram os motivos: humor depressivo "não especificado" (9,09%), ansiedade diante da internação (16,66%), agressividade (50%) e não aceitação do tratamento/falta de colaboração (50%).

De modo geral, constata-se, na Tabela 2, que humor depressivo e ansiedade foram os motivos mais citados por todos os profissionais para a solicitação de interconsulta psicológica, principalmente humor depressivo "não especificado", ansiedade no período pré-Operatório e a ansiedade perante o diagnóstico. Já os motivos de necessidade de diagnóstico/avaliação e orientação aos familiares foram indicados por três das cinco categorias de profissionais, dentre as quais não se encontram os médicos.

 

Discussão

Os resultados apontaram que, no âmbito hospitalar onde ocorreu o estudo, a inserção da psicologia nas equipes profissionais é um fato reconhecido, conforme indicado pela alta demanda de seus serviços. Como indicado por Angerami-Camom (2010), a psicologia hospitalar, como área de atuação da psicologia, tem assumido um modelo próprio de atuação, adaptado à realidade institucional dos hospitais, a fim de atenderàs necessidades de pacientes, familiares e equipe. Nesse sentido, o estudo realizado confirma que uma das atividades principais do psicólogo hospitalar, principalmente nos hospitais-escola, é a interconsulta (Rossi, 2008), ainda que, para Botega (2000 como citado em Carvalho & Lustosa, 2008), ela seja uma atividade desconsiderada pela equipe.

Na maioria das vezes, o serviço de interconsulta é solicitado por outro profissional da equipe multidisciplinar, principalmente por médicos e enfermeiros, como indicam os resultados obtidos. Essa situação decorre, provavelmente, do fato de que os médicos e os enfermeiros são os profissionais que, dentro da instituição hospitalar, mantêm um contato mais significativo com os pacientes, na medida em que fazem seu acompanhamento desde a entrada na instituição hospitalar até a alta.

Além disso, conforme afirmado por Rossi (2008), apesar de o médico ainda ser considerado o profissional símbolo da instituição, atualmente precisa dividir o poder e o doente com outros profissionais da saúde. Essa realidade também foi contatada no presente trabalho, tendo em vista as várias categorias profissionais encontradas entre os profissionais solicitantes de interconsulta psicológica. Provavelmente, o fato de tratar-se de um hospital-escola, que, além de profissionais contratados, conta com profissionais docentes e residentes de medicina e de outras dez áreas da saúde, favorece, no contexto estudado, a busca pela prática dos conceitos de interdisciplinaridade e equipe multiprofissional.

O trabalho multiprofissional, na lógica da interdisciplinaridade, é uma possibilidade de ampliar a capacidade humana de compreender a realidade e os problemas que nela se apresentam. O multiprofissionalismo refere-se à recomposição de diferentes processos, que devem flexibilizar a divisão do trabalho, preservar as diferenças técnicas entre os trabalhadores especializados, diminuir as desigualdades na valorização dos distintos trabalhos e respectivos agentes, bem como nos processos decisórios, e compreender a interdependência dos saberes para a execução e o cumprimento do mesmo objetivo (Oliveira et al., 2011).

Contudo, quando se consideram as condições clínicas dos pacientes, os profissionais de saúde divergem, em larga escala, quanto à percepção de necessidade de encaminhamento para o serviço de psicologia – o que denota a dificuldade de envolver diferentes profissionais que estejam preparados para intercambiar saberes de forma que se complementem, gerando alternativas e soluções pertinentes e eficazes para cada caso abordado (Carvalho & Lustosa, 2008). O despreparo dos profissionais da saúde para a interdisciplinaridade, aliás, não pode ser creditado apenas à sua formação, mas também às condições para o exercício profissional, ou seja, considerada da perspectiva das definições políticas mais amplas, a baixa prioridade dada pelo governo brasileiro à questão da saúde tem impacto negativo sobre a estrutura, a organização e o funcionamento das instituições a ela relacionadas.

Quanto aos motivos que levam os diferentes profissionais a solicitar a interconsulta, os resultados encontrados são semelhantes aos trabalhos anteriormente citados de Botega (2002) e Smaira, Kerr-Corrêa e Contel (2003); entretanto, no estudo aqui apresentado, os médicos nunca solicitam colaboração no diagnóstico, o que pode indicar, como demonstrou Carvalho (2005), que os médicos têm uma falta real de conhecimento acerca da psicologia, pois a relacionam a uma função assistencialista, fortemente associadaà psicologia clínica, e tal defasagem provém da própria formação médica e se estende na atuação, na medida em que não encontra, nos hospitais, a psicologia hospitalar como uma área delimitada e de profissionais com papéis bem definidos.

Em relação ao alto índice geral de solicitações para atendimento em interconsulta de pacientes identificados com humor depressivo, pode-se pensar que as respostas do indivíduo à doença e/ou à internação podem acarretar mudanças no autoconceito e na autoimagem do indivíduo, em seu estilo de vida, na dinâmica dos relacionamentos familiar e social (Scherer, Scherer, & Labate, 2002). E quando ocorre a permanência prolongada do paciente no hospital, esta pode não apenas ser consequência direta da patologia, mas também da severidade de relações patológicas estabelecidas no ambiente hospitalar, tornando o tratamento mais difícil (Andreoli & Mari, 2002).

Muitas solicitações de interconsulta foram feitas para pacientes que se encontravam diante do diagnóstico e nos períodos pré e pós-operatório. Esse resultado é consonante com a indicação de Sebastiani e Maia (2005), de que, apesar do avanço tecnológico das cirurgias e anestesias, o paciente cirúrgico nunca se sente totalmente seguro, uma vez que esse procedimento tende a gerar intenso desconforto emocional. Assim, diante da necessidade de realizar uma cirurgia, o paciente sente ameaçada a sua integridade física e psicológica, manifestando sentimento de impotência, medo da morte, medos das mudanças que a cirurgia poderá acarretar, entre outros.

Desse modo, quando analisada pela perspectiva da elevada demanda e de sua motivação, pode-se pensar que, no cenário estudado, a interconsulta psicológica seria um recurso fundamental para favorecer o período de internação do paciente, a relação entre a equipe de saúde e o paciente e seus familiares, e entre os próprios profissionais da equipe de saúde.

No entanto, as falhas encontradas no preenchimento dos formulários de solicitação de interconsulta, inclusive aquelas referentes à finalização da intervenção, revelam as limitações ainda envolvidas nesse serviço, conforme já apontado por Smith (2003), a saber: a formação insuficiente, sem uma uniformização de conduta e adequação para pesquisa, inviabiliza a verificação da efetividade das atuações e repercussões dos serviços prestados por interconsultores, prejudicando o aperfeiçoamento das intervenções realizadas. Como afirmado por Santos, Slonczewski, Prebianchi, Oliveira e Cardoso (2011), a interconsulta psicológica deve ser operada por um profissional que seja devidamente habilitado e adote, para pensar e agir, o referencial teórico predominante. De certa forma, nos últimos anos, a marca da atuação do psicólogo nos hospitais tem sido a busca (ainda) pela definição do seu espaço e de atividades no interior da instituição hospitalar, uma espécie de profissional polivalente, de prontidão para atuar quando e onde se fizer necessário, ainda que despreparado para enfrentar as exigências do setor da saúde e precisando, por isso, ir além da simples extensão da precária formação tradicional a uma modalidade diversa de ação, para a adoção de posturas radicalmente diversas (Yamamoto & Cunha, 1998).

O estudo realizado permitiu concluir que, de fato, a interconsulta psicológica se constitui como uma das formas mais frequentes de inserção do psicólogo na equipe e, portanto, influencia diretamente a delimitação e o reconhecimento do campo de atuação da psicologia hospitalar. Contudo, o verdadeiro potencial da interconsulta acaba por ser prejudicado pela formação falha dos profissionais. Nesse sentido, são necessárias uma revisão de práticas e conhecimentos a partir de uma postura de constante investigação e uma melhor instrumentalização técnica, fundamentada em desenvolvimentos teóricos mais consistentes, para subsidiar as ações que ampliam os limites tradicionais, possibilitando a utilização de recursos que se coadunam com as novas exigências desse alargamento de fronteiras profissionais dos psicólogos.

E tendo em consideração a importância da interconsulta psicológica como atividade interdisciplinar que assegura a humanização do atendimento ao paciente hospitalar, recomendam-se novos estudos sobre o tema, tanto pela necessidade de aumentar a visibilidade dessa atividade profissional, contribuindo assim para a consolidação de sua prática, como para construir conhecimentos que possam ser revertidos aos interconsultores e, por conseguinte, à população que usufrui dos seus serviços.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Thaís de Castro Gazotti
Rua Tiradentes, 235, ap. 141, Centro
Limeira - SP - Brasil. CEP: 13480-080
E-mail: thaisgazotti@yahoo.com

Submissão: 6.12.2012
Aceitação: 3.11.2013