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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.16 no.1 São Paulo Apr. 2014

 

PSICOLOGIA SOCIAL

Satisfação e autonomia nas atividades de lazer entre universitários

 

Satisfaction and autonomy in leisure activities among college students

 

Satisfacción y autonomía en las actividades de ocio entre los estudiantes universitarios

 

 

Maiana Farias Oliveira NunesI; Jeferson Gervasio Pires; Cecília Azevedo; Claudio Simon HutzII
I Faculdade Avantis, Balneário Camboriú – SC – Brasil
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

As atividades de lazer são definidas individualmente, recebem diversas influências sociais e culturais, e são guiadas no sentido da satisfação de necessidades pessoais e da obtenção de prazer. Estudos sobre o lazer podem auxiliar na elaboração de políticas públicas e de intervenções profissionais que promovam alternativas saudáveis de lazer. Esta pesquisa objetivou fazer um levantamento das atividades de lazer desenvolvidas por universitários e do grau de satisfação e autonomia para realização delas. Por meio da internet, coletaram-se dados de 273 estudantes universitários, de diversos Estados brasileiros. Verificou-se que o conceito de lazer é relacionado com o tempo livre de obrigações e que a escolha das atividades de lazer está relacionada com variáveis como sexo, se o sujeito trabalha e se tem filhos, além do status socioeconômico percebido. Na discussão dos dados, consideram-se os seguintes fatores: a interpretação das pessoas sobre o lazer, as motivações para as escolhas de atividades e a satisfação com atividades.

Palavras-chave: lazer; estudante universitário; qualidade de vida; atividades cotidianas; tempo livre


Abstract

Leisure activities are defined individually and influenced by the culture and social issues. They are also directed for satisfying personal needs and the attainment of pleasure. Describing leisure activities can help constructing and planning professional interventions that focus on healthy leisure activities and also help planning public policies. Data collection was conducted through the internet, with 273 students, who lived at many different Brazilian states. The concept of leisure is linked to the time free of obligations and the choice for leisure activities is related with variables such as gender, working status, if have children and socio-economic self-perception. The information is discussed considering how people interpret the leisure, their motivations and satisfaction with these choices.

Keywords: leisure; college students; life quality; daily activities; leisure time


Resumen

Actividades de entretenimiento se definen de forma individual, recibiendo diversas influencias sociales y culturales y las mismas son guidas por la satisfacción de las necesidades personales y el logro del placer. Los estudios sobre actividades de entretenimiento pueden ayudar a desarrollar políticas públicas e intervenciones profesionales para promover alternativas saludables para el tiempo libre. Este estudio tuvo como objetivo la encuesta las actividades de tiempo libre realizadas por estudiantes universitarios, el grado de satisfacción y autonomía para su cumplimiento. Los datos fueron recolectados mediante la internet en 273 estudiantes universitarios de diversos estados brasileños. Se encontró que el concepto de entretenimiento está relacionado con el tiempo libre de las obligaciones y que la elección de actividades de entretenimiento está relacionada con variables como el sexo, si el sujeto trabaja y si tiene hijos, y la percepción del nivel socio-económico. Los datos se analizaron con respecto a como las personas interpretan el entretenimiento, las motivaciones de estas opciones y la satisfacción con las mismas.

Palabras clave: entretenimiento; estudiantes universitarios; calidad de vida; actividades cotidianas; tiempo libre


 

 

O lazer é estudado por diferentes áreas, como a educação física, sociologia, economia, psicologia e outras. Na perspectiva psicológica, o lazer deve ser compreendido a partir do significado que cada pessoa dá a uma atividade, e não à atividade em si, de modo que ele pode assumir formas diversas para diferentes pessoas. Assim, o lazer é definido individualmente de acordo com os gostos e os recursos disponíveis para satisfazer necessidades e interesses pessoais (Ateca-Amestoy, Serrano-del-Rosal, & Vera- -Toscano, 2008). Em acréscimo, o lazer pode ser definido por meio de quatro dimensões, quais sejam, estar livre de obrigações (caráter libertário); não ter interesse em outros ganhos, ou seja, estar automotivado para a atividade (caráter desinteressado); permitir diversão ou satisfação (caráter hedonístico); e representar a satisfação de necessidades individuais (caráter pessoal) (Dumazedier, 1968, 1974).

Dentre as variáveis que se relacionam com o lazer, o tempo livre e o trabalho contribuem para a sua definição. Tempo livre geralmente é compreendido como o tempo liberado do trabalho, porém nem todo tempo livre é transformado em lazer, uma vez que, dentro do tempo liberado do trabalho, há muitas outras obrigações e atividades que não são consideradas atividades de lazer. A título de exemplo, podem-se mencionar o deslocamento para e do trabalho, obrigações familiares, religiosas e outros (Dumazedier, 1974). Ainda, quando há percepção de poucos recursos sociais e/ou financeiros para a realização de atividades de lazer, as pessoas limitam-se a essa escolhas e não necessariamente irão realizar atividades de lazer durante seu tempo livre (Zuzanek, 2006). Em acréscimo, o lazer pode ser compreendido como uma compensação pelo ritmo de vida acelerado e como uma forma de se separar do trabalho ou, de outro modo, como uma extensão das atividades laborais (Haworth, 2006; Veal, 2006a, 2006b; Witt & Bishop, 2009).

O uso que se faz do tempo livre pode trazer tanto consequências positivas como negativas para as pessoas, de modo que elas podem desenvolver seus potenciais e aumentar seu bem-estar ou usar o tempo de forma alienada e prejudicial para seu desenvolvimento pessoal (Aquino & Martins, 2007; Pratta & Santos, 2007; Sarriera et al., 2007a). Sarriera, Tatim, Coelho e Bucker (2007b) referem a importância da realização de estudos que tratem do tempo livre como uma oportunidade para o desenvolvimento pessoal saudável, no sentido de auxiliar a elaboração de políticas públicas e intervenções que tragam alternativas saudáveis de lazer. Assim, mostra-se importante estudar atividades de lazer em diferentes grupos, de modo a conhecer suas características e estimular, em âmbitos variados, o uso do lazer para a promoção da qualidade de vida.

Em uma pesquisa com 159 adolescentes de classe popular, Sarriera et al. (2007b) avaliaram como esses jovens utilizavam o tempo livre. Nos finais de semana, a atividade de lazer mais realizada foi assistir à televisão (17,7%), seguida de realizar atividades esportivas/recreativas (7,5%), sair com os amigos (7,3%) e usar o computador ou jogos eletrônicos (5%). Desse total, apenas 2,6% participavam de atividades artísticas e culturais. Sugeriu-se que provavelmente essa configuração do uso do tempo livre se deu por limitações da família, comunidade e escola, no sentido de não oferecerem e/ou estimularem outras atividades de lazer.

Outro tópico pertinente é sobre os locais em que as atividades de lazer são realizadas. Alguns dão prioridade ao lazer doméstico em relação ao realizado em ambientes públicos, o que se relaciona com a produção de equipamentos eletrônicos para entretenimento doméstico, o medo do crime em espaços públicos, entre outros (Harrington, 2006). Assim, a análise dos hábitos de lazer deve ser sempre contextualizada, considerando as variáveis sociais e culturais que influenciam sua prática.

Sobre a satisfação com o lazer, realizou-se um censo na Espanha com 21 mil pessoas. O que caracterizou a satisfação com o lazer foi ter um tempo em que há controle pessoal da situação, em que se está livre de cobranças externas e não somente algum tempo fora do trabalho ou residual (Ateca-Amestoy et al., 2008). O estudo de Boniwell (2009) revelou que a satisfação com o lazer não está relacionada com ter mais tempo disponível, mas na congruência entre os objetivos de vida e a forma vida da pessoa, na percepção de ter controle do tempo e em saber lidar bem com a pressão de tempo e com a ansiedade despertada. Assim, o incremento na satisfação com o lazer relaciona-se a aspectos mais subjetivos, que envolvem como as pessoas administram o tempo e como se sentem durante a realização das atividades de lazer.

Adicionalmente, a percepção do nível/status social tem impacto sobre a satisfação com o lazer e não sobre a renda familiar propriamente dita. Quanto ao status de trabalho, aposentados demonstraram mais satisfação com o lazer que trabalhadores, porém não se observaram diferenças na satisfação entre as diferentes ocupações. Não foram observadas diferenças de sexo quando se controlaram as outras variáveis estudadas. Quanto à idade, a associação com a satisfação de lazer assumiu uma forma de “U”, com uma grande satisfação na adolescência e na velhice, porém com uma queda no nível de satisfação na idade adulta. Por fim, verificou-se que quanto mais filhos as pessoas tinham (com idade de até 16 anos), menor era a percepção de satisfação com o lazer, o que pode se relacionar com o tempo gasto no cuidado dos dependentes ou com o fato de os cuidadores ficarem mais estressados em função da atividade de cuidado em si e com isso obterem menos satisfação no lazer (Ateca-Amestoy et al., 2008).

Por fim, compreende-se que o lazer deve ser estimulado por três motivos principais, quais sejam, melhora da situação ou condição de uma pessoa ou coletivo, prevenção de doenças ou manutenção da saúde e uma experiência psicológica satisfatória (Aquino & Martins, 2007; Monteagudo, 2008; Sarriera et al., 2007a, 2007b). Nessa direção, este estudo teve como objetivo fazer um levantamento das atividades de lazer tipicamente desenvolvidas por estudantes universitários e de seu grau de satisfação com elas. Adicionalmente, foi analisada a relação entre lazer e aspectos sociodemográficos, como sexo, idade, nível socioeconômico, status de trabalho e se a pessoa possui filhos. Buscou-se contribuir para a descrição de atividades de lazer realizadas por adultos jovens brasileiros, no sentido de fornecer dados mais específicos para o planejamento de intervenções de profissionais da área da psicologia e de áreas afins.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 273 estudantes universitários, sendo a maioria mulheres (72,2%), de universidades particulares (74,7%), de cursos variados, sendo a maior parte do curso de Psicologia (N = 155), seguidos por alunos dos cursos de Administração (N = 33) e Sistemas de Informação (N = 15). A idade variou de 18 a 52 anos (M = 25,3, DP = 7,1). Para fins de análise de dados, os participantes foram divididos em dois grupos etários em função da mediana (23 anos), considerando os mais novos, com idade mais típica para cursos universitários (entre 17 e 23 anos) e os mais velhos (entre 24 e 52 anos). Os estudantes eram oriundos de oito Estados brasileiros, sendo a maioria de São Paulo (44,3%) e Santa Catarina (38,1%).

Instrumento

Elaborou-se um questionário com perguntas sobre formação acadêmica (curso de ensino superior e semestre), trabalho ou estágio, percepção sobre o status socioeconômico, idade, sexo e atividades de lazer. Nesse questionário, o entrevistado deveria apontar as atividades de lazer que costumava realizar em uma semana comum, e, em seguida, pedia-se a ele que indicasse qual atividade considerava mais importante. Questionaram-se também o grau de satisfação com as atividades de lazer e o grau de autonomia para escolher – quando e o que realizar nos momentos de lazer – (ambos avaliados quanto a níveis menores e maiores de satisfação e autonomia, em escala Likert de 1 a 5).

Procedimentos de coleta e análise de dados

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (protocolo nº 2010010). A coleta de dados se deu via internet. Os participantes receberam e-mails com convites para participação na pesquisa e responderam, posteriormente, ao questionário por meio de um site específico. Foram enviados e-mails para os alunos de uma faculdade particular em que um dos autores do artigo leciona (contava com cerca de 1.200 alunos matriculados, à época). Adicionalmente, alguns professores da rede de contatos dos autores convidaram seus alunos do semestre para responder ao questionário, porém não se tem a informação exata de quantos alunos foram convidados a participar da pesquisa. Todos os participantes indicaram seu consentimento por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ao final do projeto, forneceu-se, por e-mail, uma devolutiva individual sobre os resultados gerais da pesquisa.

As respostas sobre as atividades de lazer passaram por uma análise de conteúdo temática, com o propósito de buscar categorias que permitissem uma organização inicial das informações (Bardin, 2009). Os participantes tinham a opção de listar até dez atividades de lazer que realizavam, sendo posteriormente categorizadas de acordo com a temática que representavam. Após a leitura flutuante das atividades listadas, foram criadas 21 categorias para analisá-las. Atividades com frequência igual ou menor que cinco foram reagrupadas na categoria “outros”, pois acreditou-se tratar de respostas muito específicas. Um mesmo bloco de resposta (a frase ou parágrafo escrito por um respondente) foi categorizado em até duas categorias, pois às vezes a mesma frase ou parágrafo indicavam duas situações diferentes (como “Sair para restaurantes em companhia dos amigos”, que engloba tanto frequentar restaurantes como estar num contexto social com amigos). Desse modo, a base de dados foi criada considerando a frequência com que a pessoa indicou um conteúdo que se enquadrava em cada categoria.

Após esse processo de categorização, analisou-se a distribuição de frequência dessas categorias em comparação com as variáveis sexo, idade (considerando dois grupos, de até 23 anos e entre 24 e 52 anos), nível socioeconômico percebido, se trabalhava e se possuía filhos, por meio da análise de qui-quadrado. Por fim, realizou-se a análise da diferença de média (teste T de Student e Anova) da satisfação com o lazer e grau de autonomia percebido para a realização de tais atividades, em relação às mesmas variáveis sociodemográficas supracitadas. Adotou-se como nível de significância p < 0,05.

 

Resultados

Após a limpeza da base de dados para excluir participantes que não responderam ao questionário em pelo menos 80% das questões, aproveitaram-se os dados dos 273 universitários descritos no método. Inicialmente havia 294 participantes, porém 21 deles não preencheram o questionário adequadamente e, por isso, foram excluídos da base de dados.

A maioria dos universitários trabalhava (60,8%) ou fazia estágio na sua área de estudo (33,7%). Do total, 76,6% eram solteiros, 83,2% não tinham filhos, 51,3% percebiam sua classe econômica como média. Quanto à carga horária média semanal de trabalho e lazer, obtiveram-se os seguintes resultados: 36,5 horas (DP =13,4) destinadas ao trabalho e 13 horas (DP = 12,6) ao lazer. Sobre as atividades de lazer, foram informadas e categorizadas 961 respostas. A frequência dessas atividades é apresentada na Tabela 1.

 

 

As atividades mais frequentemente mencionadas foram as de consumo de produções artísticas, as de cunho social e as de leitura e compreensão. Os dados foram analisados quanto a diferenças de frequência (teste do qui-quadrado), comparando-se o sexo dos participantes, a idade, se possuíam filhos, se trabalhavam e a classe social percebida, conforme Tabelas 2 e 3. Houve diferenças significativas relacionadas ao sexo nas atividades de produção artísticas (maior proporção de homens que mulheres), nas atividades físicas (mais mulheres que homens), nas atividades de sair para comer (mais mulheres que homens), nos jogos e brincadeiras (mais homens que mulheres), consumir bebidas alcoólicas (mais homens que mulheres) e nas atividades de lazer com animais (mais mulheres que homens).

 

 

No que respeita à análise das atividades de lazer em comparação com a idade, houve diferença significativa apenas na indicação de atividades como dormir/descansar (os mais novos indicaram mais necessidade de descanso) e no uso da internet e computador para o lazer (os mais novos reportaram maior frequência nesse quesito).

 

 

No que se refere à análise das diferenças de frequência nas atividades de lazer e ao fato de possuir (N = 38) ou não filhos (N = 235), observaram-se diferenças significativas na frequência das atividades românticas e/ou sexuais, em que ninguém que possuía filhos indicou esse tipo de atividade, no uso do computador e/ou internet como lazer (maior frequência dos que não possuem filhos) e nos passeios (maior frequência dos que não possuem filhos). Por sua vez, a comparação das atividades de lazer considerando se o estudante trabalhava (N = 166) ou não (N = 107) revelou diferenças significativas nas atividades de consumo de produções artísticas (maior consumo entre aqueles que trabalham), na atividade de lazer de cozinhar (maior frequên cia entre os que não trabalham) e na realização de jogos e brincadeiras (maior frequência entre os que trabalham).

No que tange à classe socioeconômica, 19 participantes indicaram se considerar da classe baixa, 73 da média baixa, 140 da média, 39 da média alta e dois da alta; estes dois foram reagrupados na classe “média alta” para fins de análises de dados. Houve diferenças significativas apenas na atividade de dormir e descansar (maior frequência na classe média), na atividade de ir a bares e restaurantes (maior frequência nas classes média e média alta, e nenhuma indicação dessa atividade por pessoas de classe baixa) e em ir a festas (maior frequência nas classes média baixa e média alta).

Foi pedido aos participantes que indicassem, entre as dez atividades de lazer listadas, aquela que consideravam mais importante, 235 indicaram essa informação, e os demais a omitiram. As categorias das atividades consideradas mais importantes foram as de interação social (F = 54), as atividades físicas (F = 30), as de leitura e compreensão (F = 29), os passeios (F = 25), as atividades artísticas de consumo (F = 19), as amorosas/ sexuais (F = 17) e frequentar bar ou restaurante (F = 11). Nos demais casos, a frequência foi menor que oito citações. A atividade de lazer considerada mais importante teve sua distribuição analisada em função das mesmas variáveis recém-mencionadas. Para tanto, repetiu-se o procedimento de análise do qui-quadrado.

No que se refere a sexo, idade e classe social percebida, não houve diferenças significativas na atividade de lazer considerada mais importante. Quando se aplicou essa análise ao fato de possuir ou não filhos, houve diferença significativa (χ2 [20] = 43,604; p = 0,002) no tipo de atividade considerada mais importante, em que aqueles que não tinham filhos indicaram mais frequentemente atividades sociais (N = 51), físicas (N = 27), de leitura e compreensão (N = 25) e românticas/sexuais (N = 17), enquanto os que possuíam filhos apontaram como atividade mais importante os passeios (N = 11), como ir a parques, shoppings, praias ou locais com paisagem natural. Nos demais casos, o número de sujeitos que indicou as categorias foi inferior a dez.

Quando se consideraram as pessoas que trabalhavam ou que apenas estudavam, houve diferença significativa na categoria de lazer mais importante (χ2 [20] = 32,281; p = 0,04). Aqueles que trabalhavam valorizaram mais os passeios (N = 18), enquanto os que apenas estudavam mencionaram mais frequentemente atividades românticas/ sexuais (N = 11). Nos demais casos, a frequência foi menor que oito.

Por fim, no que se refere à satisfação com as atividades de lazer, a maioria dos participantes se mostrou mais ou menos satisfeita (M = 3,3, DP = 1,13), indicou grande autonomia para escolher a atividade (M = 4,1, DP 0,94) e mencionou o momento de lazer (M = 3,8, DP = 1,09). Não houve diferença significativa de média por sexo ou idade em nenhum desses aspectos. No que se refere a essa comparação considerando o fato de ter filhos ou não, as diferenças foram significativas (t[229] = 2,267, p = 0,02) para a liberdade de escolher qual atividade de lazer realizar, em que os que não possuem filhos indicaram maior liberdade nesse quesito. Entre os que trabalham e não trabalham, houve diferença significativa apenas quanto à satisfação com as atividades de lazer (t[233] = -2,701, p = 0,007), em que os que não trabalham indicaram ser mais satisfeitos. Por fim, no que diz respeito à classe social percebida, houve diferença apenas na satisfação com o lazer (F[231,3] = 5,060, p = 0,002), em que as médias na satisfação com o lazer foram maiores conforme a percepção de melhor condição socioeconômica.

 

Discussão

A definição pessoal do que é uma atividade de lazer relaciona-se com o conceito que se tem de tempo livre, do que gera prazer e satisfaz necessidades pessoais. Assim, não é possível pensar em uma única atividade de lazer que agrade a todos da mesma maneira, ou mesmo que certa atividade seja vista exclusivamente como um lazer. Nesse sentido, uma atividade como ler o jornal durante o intervalo do trabalho pode significar lazer para alguns e para outros apenas o intervalo de trabalho, invalidando a característica de “lazer” desse momento, apenas por estar relacionado ao horário de trabalho. Assim, o que influencia o fato de uma atividade ser ou não considerada lazer é como a pessoa interpreta um momento particular e o relaciona com o tempo liberado de obrigações.

Nesta pesquisa, foram encontrados alguns dados relevantes sobre os hábitos de lazer de universitários. As atividades mais frequentemente mencionadas foram as de consumo de produções artísticas, as de interação social e de leitura e compreensão. As atividades de lazer consideradas mais importantes foram as de interação social, as atividades físicas, as de leitura e compreensão, os passeios, as atividades de consumo de produções artísticas, as atividades amorosas/sexuais e frequentar bar ou restaurante. Esses dados diferem, em sua maioria, dos observados por Sarriera et al. (2007b) em sua pesquisa com adolescentes de classe popular. Com exceção do hábito de assistir à televisão, constataram-se diferenças no que foi observado nas duas pesquisas. Assim, é possível que tanto o momento de desenvolvimento (adolescência versus fase adulta) e necessidades/possibilidades mais típicas de cada faixa etária como a condição socioeconômica tenham contribuído para as diferenças verificadas. Na presente pesquisa, observou-se maior variedade nas atividades de lazer realizadas, sugerindo mais autonomia e/ou mais oportunidades diferenciadas para o grupo. Não se encontraram outras pesquisas brasileiras que tratassem da temática com o público adulto jovem, de modo que não foi possível realizar outras comparações.

Houve diferenças estatisticamente significativas entre os universitários que possuíam filhos e os que não possuíam, tendo este último grupo indicado ter mais autonomia para a realização de atividades de lazer, porém não indicaram mais satisfação com a realização delas. Esse grupo também indicou como atividades de lazer mais importantes as sociais, físicas, de leitura e compreensão e românticas/sexuais, enquanto os que possuíam filhos apontaram como mais importante os passeios como ir a parques, shoppings, praias ou locais com paisagem natural (ainda que o façam com baixa frequência). Assim, o fato de ter filhos não apresentou impacto na satisfação com o lazer (Ateca-Amestoy et al., 2008), mas sim no padrão de atividades realizadas e valorizadas por cada grupo.

Houve diferença significativa quanto à satisfação com as atividades de lazer entre os que trabalham e os que não trabalham, e os que não trabalham indicaram ser mais satisfeitos. Esse resultado mostra-se coerente com os resultados do estudo de Ateca- -Amestoy et al. (2008), em que os aposentados mostraram-se mais satisfeitos com o lazer que os trabalhadores, porém o fato tratar-se de faixas etárias tão diferentes nos dois estudos limita essa comparação. Ainda, vale questionar em que medida os estudantes que não trabalham mostram-se mais satisfeitos por terem mais tempo para o lazer, por valorizarem mais esses momentos ou por “interpretarem” mais atividades cotidianas como lazer que as pessoas que trabalham e estudam.

No que se refere ao tipo de atividade de lazer em relação ao sexo dos participantes, houve maior frequência nas atividades físicas e de sair para comer para as mulheres, enquanto os homens indicaram mais atividades de produções artísticas, jogos e sair para beber. A esse respeito, reiteram-se os apontamentos de que as práticas de socialização reforçam os estereótipos de gênero, inclusive nas atividades de lazer (Henderson & Shaw, 2006; White, 2004).

Por sua vez, a análise da diferença de frequência das atividades de lazer relacionada à classe socioeconômica percebida apontou diferenças significativas que podem se relacionar com estereótipos socioculturais. Em específico, pessoas que se consideram de classe média indicaram mais frequentemente a atividade de dormir e descansar como lazer, e maior frequência de idas a bares, restaurantes e festas. Assim, é possível refletir que existem festas, bares e restaurantes destinados a todas as classes sociais, porém pode ser que os que se percebem como de classe baixa queiram economizar mais de modo geral com as atividades de lazer ou que tenham hábitos distintos de lazer (independentemente de “poderem” gastar dinheiro com esse tipo de atividade), em comparação com pessoas que se percebem como de classe média ou média alta. Adicionalmente, deve-se lembrar que, neste grupo, quanto menor o nível socioeconômico percebido, menor a satisfação com o lazer, sugerindo que seria interessante intervir com esse público no sentido de descobrir que atividades poderiam realizar suas necessidades pessoais e assim melhorar sua satisfação com lazer e promover mais qualidade de vida.

Uma ressalva deve ser feita quanto à variedade das atividades de lazer mencionadas. É possível que algumas pessoas, em função da valorização social diferenciada de certas atividades, não considerem algumas atividades que fazem como lazer. Por exemplo, se alguém ouve música e se diverte com isso no deslocamento entre a casa e o trabalho, essa não é só uma atividade “obrigatória”, como também pode ser considerada lazer, por ser livremente escolhida pela pessoa, não possuir fim utilitário e proporcionar prazer. Assim, este tipo de estudo pode sofrer uma diminuição da variedade de atividades mencionadas em função das influências sociais e culturais que nem sempre identificamos e compreendemos claramente (Zuzanek, 2006).

Em outros casos, deve-se cuidar para não achar que uma atividade é pouco mencionada por falta de interesse da população (Zuzanek, 2006). A título de exemplo, entre os dados que coletamos, a atividade de lazer “realizar viagens” possui forte componente econômico, pois pode ser financeiramente impraticável para a maior parte dos brasileiros. Desse modo, as opções de atividades de lazer estão relacionadas com o próprio conceito de lazer, com as opções culturalmente estimuladas e percebidas como financeiramente viáveis.

Um comentário deve ser feito também com relação à baixa frequência da atividade de “trabalho” como lazer. Possivelmente essa é uma visão consoante com a noção tradicional de que o lazer se opõe ao trabalho, enquanto os autores mais contemporâneos indicam que qualquer atividade pode se tornar lazer, a depender do significado conferido a ela, o que sugere que o trabalho também pode ser uma forma de lazer (Ateca-Amestoy et al., 2008; Haworth, 2006; Veal, 2006a, 2006b).

Entre as características deste estudo, deve-se mencionar a coleta de dados via internet tanto em suas vantagens, por permitir obter informações de universitários de diferentes Estados brasileiros, retratando diferentes realidades, como desvantagens, quanto à falta de controle das condições de aplicação. Assim, essa estratégia de coleta de dados permite não apenas ampliar a variabilidade das características da amostra, mas também pode comprometer as condições de coleta. Outro limite do estudo é que a maioria dos participantes cursava Psicologia, o que pode ter trazido um viés nas informações coletadas e dificultado a generalização dos resultados. Assim, sugere-se que estudos futuros abordem universitários de cursos variados, em diferentes Estados brasileiros, de modo que possam se aprofundar nas reflexões. No entanto, o presente estudo é um ponto de partida para o estudo de atividades de lazer em universitários.

Por fim, destaca-se a importância de ampliar a realização de pesquisas sobre o lazer em universitários, uma vez que o estudo sobre atividades de lazer e satisfação tem impacto na qualidade de vida das pessoas (Aquino & Martins, 2007; Boniwell, 2009; Haworth, 2006; Monteagudo, 2008). Estimula-se que a psicologia contribua mais ativamente para os estudos da área, que mais recentemente tem recebido atenção preponderante de autores de outras áreas, como educação física, sociologia e economia (Peixoto, 2007).

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Maiana Farias Oliveira Nunes
Curso de Psicologia, Faculdade Avantis
Avenida Marginal Leste, 3.600, Km 132, Bairro dos Estados
Balneário Camboriú – SC – Brasil. CEP: 88339-125
E-mail: maiana@avantis.edu.br

Submissão: 28.11.2011
Aceitação: 15.10.2013