SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 issue2EditorialPsychoactive drugs use among high school students author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.16 no.2 São Paulo Aug. 2014

 

PSICOLOGIA CLÍNICA

Sintomas depressivos em familiares de dependentes químicos

 

Depressive symptoms in family members of drug–addicts

 

Síntomas depresivos en familiares de dependientes químicos

 

 

Silvana Carneiro MacielI; Juliana Rízia Félix de MeloI; Camila Cristina Vasconcelos DiasI; Giselli Lucy Souza SilvaI; Yordan Bezerra GouveiaI
I Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa  – PB – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O objetivo deste estudo foi avaliar a sintomatologia depressiva em familiares de dependentes químicos e sua relação com variáveis sociodemográficas dos participantes. A amostra foi composta por 100 familiares de dependentes químicos, a maioria do sexo feminino. O estudo foi realizado em instituições de tratamento para dependentes químicos em João Pessoa/PB. Utilizaram–se um questionário sociodemográfico e o Beck Depression Inventory (BDI), e os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial. Constatou–se um índice de 66% de sintomatologia depressiva, dos quais 35% possuíam sintomas leves, 27%, moderados, e 4%, graves. A escolaridade mostrou–se significativamente relacionada com a sintomatologia depressiva, e identificaram–se maiores médias nos participantes com baixa escolaridade. Esses resultados são importantes porque os familiares são pouco estudados e assistidos pelas políticas públicas de saúde, embora sejam considerados relevantes no tratamento e na inclusão social dos dependentes químicos.

Palavras–chave: depressão; transtornos relacionados ao uso de substâncias; família; drogas; BDI


Abstract

The main goal of this research was to investigate the depressive symptomatology in family members of drug–addicts and its relationship with socio–demographic variables of participants. The sample was composed by family members of 100 drug addicts, most female. The study was held up in drug–addiction rehab centers in the city of João Pessoa/PB. A socio–demographic questionnaire and the Beck Depression Inventory (BDI) were used and the data were analyzed by means of inferential and descriptive statistics. A depressive symptomatology index of 66% was observed, 35% with mild symptoms, 27% moderate, and 4% severe. The level of education was significantly related to depressive symptoms, identifying higher averages in participants with low education. These results are important because the family is not well studied and assisted by public health policies, although they are considered relevant in the treatment and inclusion of drug addicts.

Keywords: depression; drug–related troubles; family; drugs; BDI


Resumen

El objetivo de este estudio fue evaluar la sintomatología depresiva en familiares de dependientes químicos y su relación con variables sociodemográficas de los participantes. La muestra fue compuesta por 100 familiares de dependientes químicos, la mayoría del sexo femenino. El estudio fue realizado en instituciones de tratamiento para dependientes químicos en João Pessoa/PB. Se utilizó un cuestionario sociodemográfico y el Beck Depression Inventory (BDI), siendo los datos analizados por medio de estadística descriptiva e inferencial. Se constató un índice de 66% de sintomatología depresiva, en que 35% poseían síntomas leves, 27% moderados y 4% graves. La escolaridad se mostró significativamente relacionada con la sintomatología depresiva, identificándose mayores medias en los participantes con baja escolaridad. Estos resultados son importantes porque los familiares son poco estudiados y asistidos por las políticas públicas de salud, aunque sean considerados relevantes en el tratamiento e inclusión social de los dependientes químicos.

Palabras clave: depresión; trastornos relacionados al uso de sustancias; familia; drogas; BDI


 

 

Atualmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera o uso abusivo de drogas como uma doença crônica e recorrente. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID–10), a dependência química caracteriza–se pela presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos, indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância, apesar de problemas significativos relacionados a ela (Sousa, Ribeiro, Melo, Maciel, & Oliveira, 2013).

Em virtude de ser um problema complexo, deve–se entender a dependência química como uma doença biopsicossocial, pois é influenciada por fatores orgânicos, psíquicos, sociológicos e culturais. Conforme Marcon, Rubira, Espinosa, Belasco e Barbosa (2012b), essa doença afeta a vida do indivíduo como um todo, prejudicando, dentre outras questões, o seu âmbito familiar. A convivência com a dependência química expõe os familiares dos usuários de drogas a situações estressantes, muitas vezes por um longo período de tempo, o que pode provocar o desenvolvimento de doenças, como a depressão.

Tal questão torna–se preocupante e é agravada pelo fato de que as políticas públicas na área da saúde são direcionadas principalmente ao dependente químico, não havendo uma assistência adequada aos seus familiares. Isso ocorre apesar de essas mesmas políticas preconizarem a participação efetiva da família no processo de recuperação do usuário de drogas. Nesse sentido, é de fundamental importância avaliar de modo adequado o sofrimento desses familiares, bem como os danos causados à sua qualidade de vida. Entretanto, estudos afirmam que são escassas as investigações feitas com familiares de usuários de drogas (Carvalho & Negreiros, 2011; Soares, 2009).

O uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas é um dos assuntos mais debatidos na atualidade, configurando–se como um problema de saúde pública relevante (Pratta & Santos, 2009). De acordo com Soares (2009), os problemas causados por abuso e dependência de substâncias químicas nas sociedades ocidentais são complexos e difíceis de resolver. Eles afetam não só os próprios dependentes de drogas, mas também as suas relações interpessoais, como trabalho, amigos, comunidade e, especialmente, a família.

Segundo Soares e Munari (2007), ao perceber que há um membro dependente químico, a família desequilibra–se e desenvolve uma espécie de luto, sob o qual tentará se reorganizar. Diante dessa nova realidade, cabe ao familiar cuidador se responsabilizar pelo suporte e assistência ante a necessidade do ente que está adoecido. Geralmente, esse cuidado desencadeia uma série de experiências subjetivas e problemas práticos que são potencialmente estressantes e geradores de sentimentos negativos.

Isso ocorre porque, dependendo do grau da adicção, os indivíduos que se tornam usuários frequentes colocam a droga de abuso em primeiro lugar em sua vida, havendo uma inversão na escala de suas motivações. Assim, a urgência em consumir a droga muda os valores que até então norteavam sua vida, fazendo com que, muitas vezes, passem a realizar atividades que colocam em risco sua integridade moral e física. O usuário acaba se descuidando da família, do seu próprio corpo, da sua situação financeira e da sua vida como um todo, provocando, assim, um intenso sofrimento e preocupação na vida dos seus familiares (Chaves, Sanchez, Ribeiro, & Nappo, 2011).

A esse sofrimento é acrescentado o fato de que a família, por ser a base fundamental do desenvolvimento do indivíduo, é socialmente responsabilizada por qualquer anormalidade que possa romper com a expectativa social de filho forte, saudável, preparado para viver na comunidade e capaz de exercer um papel no mercado de trabalho. Por isso, conforme aponta Maciel (2008), o uso abusivo de drogas por um filho provoca um abalo na autoestima da família, pois os pais sentem como se não tivessem conseguido prover uma boa formação à sua prole.

Sobre isso, Melman (2001) adverte que, nas sociedades ocidentais, o papel de amar os filhos e cuidar deles se coloca como um grande desafio e uma tarefa complexa e difícil. Essa dificuldade advém porque, no que diz respeito à educação e à formação das crianças até a idade adulta, são muitas as exigências e os deveres a que os pais estão submetidos. Nesse sentido, a constatação de uma doença pode gerar um desequilíbrio em toda a estrutura familiar, ocasionando uma quebra do vínculo entre os seus membros, levando–os a vivenciar profundas mudanças em suas vidas (Maruiti, Galdeano, & Farah, 2008).

Observa–se que a sobrecarga dos familiares é sempre a mesma, independentemente do local de tratamento, seja um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) ou hospitais, uma vez que os familiares sofrem pelo fato de terem na família um usuário de drogas. Acerca disso, em estudo sobre os modelos assistenciais em saúde mental e o impacto na família, Cavalheri (2010) afirma que a vivência com a enfermidade, seja ela de ordem física ou psiquiátrica, é algo complexo e exaustivo para os familiares. Essa situação exaustiva se eleva quando a doença é de longa duração, reincidente em suas manifestações agudas e experienciada como estigmatizadora e incapacitante. Tais condições, que geram uma sobrecarga emocional, física e econômica, modificam o funcionamento familiar e agravam a saúde, a vida social, as relações entre familiares, o lazer, a situação econômica, o desempenho profissional, as atividades domésticas e outros aspectos da vida.

Como corresponsáveis pelo processo de adoecimento e pelo tratamento do membro enfermo, sentimentos de fracasso e de culpa podem culminar no desenvolvimento de uma série de sintomas ansiosos e depressivos nos demais membros da família. Logo, os familiares de dependentes químicos se encontram vulneráveis ao desencadeamento de doenças, como a depressão (Maruiti et al., 2008).

Para Dias (2011), a depressão se configura como um estado de alterações do humor, que envolve irritabilidade, tristeza profunda, apatia, disforia, perda da capacidade de sentir prazer, alterações cognitivas, motoras e somáticas. Os sintomas mais frequentes são: humor deprimido, perda de interesse e prazer, redução da energia, fácil estado de exaustão, diminuição das atividades, fadiga em pequenos esforços, redução de concentração e atenção, redução na confiança e na autoestima, sentimento de culpa ou de inconveniência, desânimo e pessimismo em relação ao futuro, ideias ou atos de autodestruição ou suicídio e diminuição do apetite e da libido.

A depressão difere de uma tristeza normal pela intensidade e duração prolongada dos seus sintomas, os quais causam prejuízos em várias áreas da vida, como o autocuidado, as responsabilidades cotidianas e o funcionamento social e ocupacional do indivíduo. No caso dos familiares de dependentes químicos, a depressão pode ainda interferir no modo como eles lidam com os dependentes. De acordo com Scazufca (2000), estudos com familiares de pacientes com esquizofrenia demonstraram que um clima afetivo familiar crítico, hostil e de alto envolvimento emocional pode afetar negativamente o curso da doença. Tais estudos ainda apontam que quanto maior for o sentimento de sobrecarga relatado pelos familiares, maiores serão as chances de eles serem críticos, hostis e muito envolvidos emocionalmente com o membro doente.

Nesse sentido, observa–se a existência de uma inter–relação entre o sofrimento do familiar cuidador e o do paciente, com consequências desfavoráveis para ambos. Assim, se a família é afetada pela doença, as reações familiares também afetam o paciente. Percebe –se, portanto, que o processo de cuidar é bastante complexo, influenciando e sendo influenciado pelo adoecer, como aponta Dias (2011).

Além de afetar o cuidado com o usuário, a presença da depressão em familiares de dependentes químicos também tem implicações na qualidade de vida desses familiares (Marcon, Rubira, Espinosa, & Barbosa, 2012a). Em estudo efetuado com pais de usuários de crack (Vicentin, 2004, apud Rodrigues et al., 2012), verificou–se que a qualidade de vida e a saúde desses pais estavam seriamente prejudicadas. As maiores dificuldades relatadas pelos pais, ao conviverem com o uso de drogas dos seus filhos, foram a agressividade, o roubo e o furto. Além disso, o pensamento mais frequentemente mencionado foi o medo de morte e de prisão dos filhos.

Verifica–se, então, que a convivência dos familiares com o usuário de drogas é afetada em várias esferas e agravada à medida que a dependência química evolui e desenvolve–se, acarretando prejuízos incalculáveis. Entre esses prejuízos, há a instabilidade financeira e a violência física, verbal e psicológica, com a consequente redução da qualidade de vida, podendo desencadear a depressão (Marcon et al., 2012b).

Diante disso, o presente estudo objetivou avaliar a sintomatologia depressiva em familiares de dependentes químicos. Além disso, pretendeu–se verificar se há relação entre as variáveis sociodemográficas dos familiares e a sintomatologia depressiva. Espera–se que os resultados encontrados possam ampliar os estudos na área e ajudar os profissionais de saúde mental a prover um atendimento mais adequado às famílias de dependentes químicos. Ademais, espera–se fornecer dados científicos que contribuam para o desenvolvimento de políticas públicas que prestem assistência ao familiar do usuário de drogas, visando à prevenção da sintomatologia depressiva.

 

Método

Tipo de estudo e local

Trata–se de uma pesquisa descritiva, com uma abordagem quantitativa, realizada em instituições de tratamento para dependentes químicos, públicas e privadas, da cidade de João Pessoa/PB, tais como hospitais psiquiátricos e Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD).

Participantes

A amostra foi composta por 100 familiares de dependentes químicos institucionalizados. A amostragem foi não probabilística e de conveniência. Os critérios de inclusão na amostra foram: ser familiar de um dependente químico de álcool ou crack e ter mais de 18 anos.

Instrumentos

Utilizou–se um questionário sociodemográfico com as seguintes informações: sexo, idade, escolaridade, grau de parentesco com o dependente químico, principal droga pela qual o familiar dependente está internado (se álcool ou crack), renda e tempo de convivência com a dependência química. Além disso, administrou–se o Beck Depression Inventory (BDI), que é um questionário de autoavaliação validado para a população brasileira (Cunha, 2001).

O BDI é uma escala do tipo Likert que possui quatro alternativas, de 0 a 3, totalizando uma pontuação mínima de 0 e máxima de 63 pontos. Esse inventário possui 21 itens que avaliam indicativos de sintomatologia depressiva.

No presente estudo, os níveis de sintomatologia depressiva foram categorizados da seguinte forma: mínimo (0–11), leve (12–19), moderada (20–35) e grave (36–63), conforme Cunha (2001). Nesse sentido, quanto maior a pontuação, maior o nível de sintomatologia depressiva. A consistência interna da escala para a amostra estudada foi analisada pelo coeficiente alfa de Cronbach, e observou–se um índice satisfatório de 0,85.

Procedimento de coleta de dados e considerações éticas

Inicialmente, foram realizadas visitas às instituições, com o objetivo de apresentar a proposta da pesquisa aos gestores. Com a devida autorização do estudo, procedeu–se à coleta de informações. Os participantes foram abordados no ambiente institucional, individualmente. Os pesquisadores falavam acerca da pesquisa e anotavam as respostas dos participantes. Os princípios éticos da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com o protocolo CEP/HULW nº 214/10.

Análise dos dados

Os dados foram analisados por meio do Pacote Estatístico para as Ciências Sociais (Statistical Package for the Social Sciences – SPSS) para Windows versão 18.0, com a utilização de estatística descritiva e inferencial. Por meio dos gráficos de dispersão e do teste Kolmogorov–Smirnov, observou–se a normalidade das variáveis do estudo, optando–se pela utilização de testes paramétricos.

Desse modo, para testar a relação entre a sintomatologia depressiva e o sexo dos participantes, efetuou–se um Teste–t com o escore total do BDI. Esse mesmo teste foi utilizado para verificar a relação entre a principal droga utilizada pelo familiar dependente (crack ou álcool) e a sintomatologia depressiva. Foram realizadas Anovas One–Way para testar a relação entre a sintomatologia depressiva e as seguintes variáveis: escolaridade, grau de parentesco e renda. Efetuou–se ainda uma correlação r de Pearson para verificar a relação entre idade e sintomatologia depressiva, e desta com o tempo de convivência com a dependência química. Com isso, pôde–se verificar se há relação entre as variáveis sociodemográficas dos familiares e a sintomatologia depressiva.

 

Resultados e discussões

Os resultados dos dados sociodemográficos mostram que 59% dos dependentes químicos estavam internados principalmente em função do álcool e 41% por causa do crack. Apesar de a maioria estar internada por problemas com o álcool, é importante observar que o consumo do crack vem crescendo, o que o coloca em destaque nos dias atuais, havendo também um alto índice de hospitalizações em função dessa droga (Vargens, Cruz, & Santos, 2011). Além disso, muitos usuários de crack são internados em comunidades terapêuticas, uma vez que necessitam de um ambiente protegido por um período maior de tempo, em função da complexidade do tratamento desses casos. Não se observou relação significativa [t(98) = 0,80; p > 0,05] entre o tipo de droga utilizado pelo ente dependente químico, se crack ou álcool, e a sintomatologia depressiva do familiar. Esse dado pode sugerir que, para os familiares, as consequências nocivas da dependência química independem do tipo de droga de abuso.

O tempo de convivência com a dependência química variou de 1 a 33 anos, com uma média de 130 meses (DP = 89,9), sendo que 62% dos familiares possuíam de 1 a 11 anos de convivência, 29%, de 12 a 22 anos, e 8%, de 23 a 33 anos. Entretanto, observou –se que o tempo de convivência não se mostrou relacionado com a sintomatologia depressiva (r = –0,12; p > 0,05). Ainda assim, esses dados mostram que a dependência química é uma doença de difícil resolução e tratamento, que pode perdurar por muitos anos, trazendo sofrimento para o dependente e para a sua família, sendo marcada muitas vezes por frequentes recaídas. Em virtude disso, os modelos de tratamento necessitam de procedimentos mais ecléticos e efetivos, que incluam as diversas estratégias de abordagem do problema, considerando elementos biológicos, psicológicos e sociais, para que se consiga uma reabilitação mais precoce (Sousa et al., 2013).

A idade dos participantes variou de 18 a 74 anos (M = 46; DP = 13,4), sendo 21% na faixa etária entre 18 e 36 anos, 51% entre 37 e 55 anos, e 28% entre 56 e 74 anos, não sendo observada relação significativa (r = –0,10; p > 0,05) entre a idade dos participantes e a sintomatologia depressiva. O sexo dos participantes também não se mostrou relacionado com a sintomatologia depressiva [t(98) = –0,70; p > 0,05], sendo 91% da amostra composta por mulheres. Em relação ao grau de parentesco, 39% eram mães de dependentes químicos, 29%, esposas, 17%, irmãos, e 15%, outros parentes, não sendo encontrada relação significativa [F(3,96) = 2,16; p > 0,05] entre essa variável e a sintomatologia depressiva.

Esses resultados são corroborados por outras pesquisas em que se observa uma predominância do sexo feminino no grupo de cuidadores, os quais são representados majoritariamente por mães e esposas (Marcon et al., 2012a; Matos, Pinto, & Jorge, 2008). Essa predominância justifica–se pelo papel social ocupado pela mulher, à qual muitas vezes é delegada a função de cuidadora, reafirmando os achados da literatura especializada que refletem a tradição de responsabilizar a mulher pelos cuidados ao familiar doente (Gonçalves & Galera, 2010).

No que se refere à escolaridade, 9% eram analfabetos, 56% possuíam o ensino fundamental, 24%, o ensino médio, e 11%, o ensino superior. Por meio da Anova, observou–se que os níveis de escolaridade se diferenciaram significativamente em relação à depressão [F(3,96) = 2,80; p = 0,04]. Realizado o teste Post hoc LSD, verificou–se que o nível analfabeto (M = 19,0; DP = 8,7) se diferenciou significativamente (p = 0,04) do nível superior (M = 10,0; DP = 8,3); constatou–se ainda uma diferença significativa (p = 0,01) entre os níveis de ensino fundamental (M =18,1; DP = 10,1) e superior (M = 10,0; DP = 8,3).

Assim, pode–se perceber que os indivíduos com baixa escolaridade apresentaram maiores médias de sintomatologia depressiva. Essa baixa escolaridade da maioria dos participantes pode estar refletindo na sua renda, pois se observou que 56% deles recebiam até um salário mínimo, 19%, de um a dois salários mínimos, 23%, de dois a quatro salários mínimos, e apenas 1% recebia mais de quatro salários mínimos. Entretanto, a renda não se mostrou significativamente relacionada com a sintomatologia depressiva [F(3,94) = 1,31; p > 0,05].

Esses resultados revelam que a maioria desses familiares faz parte das "camadas populares" da sociedade. Essa expressão designa a população cujas condições de vida são precárias, niveladas pela pobreza, com renda reduzida e serviços básicos de saneamento, transporte, educação e atendimento médico deficitários (Pegoraro & Caldana, 2008). Além das condições precárias de vida, os familiares ainda precisam arcar com o sustento financeiro dos usuários, que pouco colaboram ou até mesmo prejudicam o orçamento familiar.

Essas condições precárias de sobrevivência, na qual essas famílias estão inseridas, revelam problemas sociais que podem ter influenciado os membros adictos a procurar substâncias químicas e aderir ao uso delas. Além disso, tais condições de vida podem ter influência no aparecimento e/ou agravamento de quadros depressivos nos familiares. A depressão está relacionada com a existência de fatores de vulnerabilidade e com a influência do meio social; desse modo, precárias condições de sobrevivência tornam algumas pessoas mais predispostas à depressão do que outras (Coutinho, Gontiès, Araújo, & Sá, 2003).

Em relação aos resultados obtidos por meio do BDI, observou–se que o escore médio dos participantes foi de 16,29 (DP = 10,16). A prevalência de depressão foi de 66%, e, desse montante, 35% dos participantes possuíam sintomatologia depressiva leve, 27%, moderada, e 4%, grave. Diante disso, pode–se constatar um nível considerável de sintomatologia depressiva em familiares de dependentes químicos.

Esse resultado encontra–se em consonância com pesquisa realizada por Marcon et al. (2012b) com 109 familiares de dependentes químicos, em que foi observado que 23,8% dos participantes apresentaram sintomas depressivos, e 12,8%, disforia, isto é, sentimentos recorrentes de tristeza, angústia e mal–estar. O estudo demonstrou ainda o comprometimento da qualidade de vida e uma alta sobrecarga de cuidado nos familiares de dependentes químicos.

Em estudo conduzido por Lima, Amazonas e Motta (2007), com 31 esposas de portadores da síndrome de dependência do álcool, constatou–se que 29 delas apresentavam um quadro de estresse. As principais fontes de estresseapontadas pelas participantes foram: sobrecarga por assumir todas as responsabilidades na família, falta de apoio em relação à dependência do marido, agressões verbais por parte dele, não percepção de alternativas que ajudem na recuperação do marido, sentimento de raiva ao vê–lo alcoolizado e tensão e preocupação quando ele sai de casa.

Assim, conclui–se que a exposição prolongada a esse tipo de situação pode provocar nos familiares de dependentes químicos doenças graves como a depressão. Nesse sentido, fica claro que as consequências da dependência química não atingem apenas quem faz uso da droga, mas também seus familiares, tornando–os vulneráveis à depressão e provocando sérias alterações em sua estabilidade física e emocional (Lima et al., 2007).

Os resultados encontrados no presente estudo mostram–se preocupantes, sobretudo na atual configuração da saúde mental brasileira, em que é preconizada a desinstitucionalização. Dessa forma, evidencia–se a necessidade de apoio a esses familiares, para que não se sintam desamparados na responsabilidade de cuidar, em casa, do seu familiar dependente químico (Soares & Munari, 2007).

É necessário que as equipes de saúde mental atentem para a realidade das famílias, considerando suas reais condições e propiciando oportunidades de superação das dificuldades e minimização da sobrecarga, de modo que esses familiares se sintam não somente acolhidos, mas assistidos em suas demandas. Assim, a reformulação da atenção dirigida à família é necessária nos serviços e na comunidade, precisando haver o entendimento de que as intervenções das equipes de saúde, junto aos familiares, devem objetivar a instrumentalização deles não apenas como cuidadores, mas também como pessoas que precisam de cuidados.

Por fim, ressalta–se a importância dos resultados da presente pesquisa para os estudos na área da saúde mental e dependência química, tendo em vista que os familiares, que constituem um fator de grande peso na recuperação dos dependentes químicos, são pouco estudados e cuidados. Juntamente com a baixa escolaridade, que geralmente está associada à baixa renda, a depressão pode ser um fator de vulnerabilidade para essa parcela da população, o que pode prejudicar sua saúde geral e sua qualidade de vida.

Apesar das contribuições trazidas por este estudo, foram observadas algumas limitações. Primeiramente, seus resultados não podem ser generalizados para todos os familiares de dependentes químicos, em virtude do seu delineamento metodológico, especialmente no que concerne às especificidades da amostra usada. Ademais, o índice de sintomatologia depressiva encontrado deve ser entendido como um indicativo de depressão, e não como um diagnóstico definitivo da doença, pois o instrumento utilizado, o BDI, sozinho, não é suficiente para diagnosticar essa patologia. Para uma avaliação diagnóstica apropriada, faz–se necessária a aplicação de uma bateria de testes. Contudo, o BDI mostrou–se adequado aos objetivos do presente estudo, possibilitando o acesso aos resultados encontrados.

Destaque–se também que, devido ao seu delineamento metodológico, o presente estudo não tem pretensões de afirmar que o índice de sintomatologia depressiva encontrado nesta amostra é causado pela situação de convivência com um dependente químico, embora a literatura existente sobre esses temas permita fazer tal associação. Apesar de a sintomatologia depressiva dos participantes poder ser creditada a outros fatores que não a dependência química do familiar, sabe–se que esse é um fator importante no desencadeamento ou agravamento da depressão.

Sugere–se a realização de outros estudos com familiares de usuários de drogas que contemplem outras temáticas de saúde mental, utilizando outros tipos de delineamento e amostras mais representativas. Tais estudos devem objetivar contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas mais efetivas na área da dependência química, visando, sobretudo, ao fortalecimento da saúde mental dos familiares dos dependentes químicos.

 

Referências

Carvalho, L. S., & Negreiros, F. (2011). A co–dependência na perspectiva de quem sofre. Boletim de psicologia, 61(135), 139–148

Cavalheri, S. C. (2010). Transformações do modelo assistencial em saúde mental e seu impacto na família. Revista Brasileira de Enfermagem, 63(1), 51–57.

Chaves, T. V., Sanchez, Z. M., Ribeiro, L. A., & Nappo, A. S. (2011). Fissura por crack: comportamentos e estratégias de controle de usuários e ex–usuários. Cadernos de Saúde Pública, 45(6), 1168–1175.

Coutinho, M. P. L., Gontiès, B., Araújo, L. F., & Sá, R. C. N. (2003). Depressão, um sofrimento sem fronteira: representações sociais entre crianças e idosos. Revista Psico–USF, 8(2), 183–192.

Cunha, J. A. (2001). Manual da versão em português das escalas de Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Dias, E. A. (2011). Sobrecarga vivenciada por familiares cuidadores de pacientes esquizofrênicos e sua relação com a depressão. Dissertação de mestrado, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.         [ Links ]

Gonçalves, J. R. L., & Galera, S. A. F. (2010). Assistência ao familiar cuidador em convívio com o alcoolista, por meio da técnica de solução de problemas. Revista Latino–Americana de Enfermagem, 18(n. esp.), 543–549.

Lima, R. A. D. S., Amazonas, M. C. L. D. A., & Motta, J. A. G. (2007). Incidência de stress e fontes estressoras em esposas de portadores da síndrome de dependência do álcool. Estudos de Psicologia, 24(4), 431–439.

Maciel, S. C. (2008). A importância da família na prevenção às drogas. In D. R. Barros, L. L. Espínola & R. M. S. Serrano (Orgs.). Toxicomanias: prevenção e intervenção (pp. 31–43). João Pessoa: Editora Universitária–UFPB.

Marcon, S. R., Rubira, E. A., Espinosa, M. M., & Barbosa, D. A. (2012a). Qualidade de vida e sintomas depressivos entre cuidadores e dependentes de drogas. Revista Latino–Americana de Enfermagem, 20(1), 1–8.

Marcon, S. R., Rubira, E. A., Espinosa, M. M., Belasco, A., & Barbosa, D. A. (2012b). Qualidade de vida e sobrecarga de cuidados em cuidadores de dependentes químicos. Acta Paulista de Enfermagem, 25(n. esp. 2), 7–12.

Maruiti, M. R., Galdeano, L. E., & Farah, O. G. D. (2008). Ansiedade e depressão em familiares de pacientes internados em unidade de cuidados intensivos. Acta Paulista de Enfermagem, 21(4), 636–642.

Matos, M. T. S., Pinto, F. J. M., & Jorge, M. S. B. (2008). Grupo de orientação familiar em dependência química: uma avaliação sob a percepção dos familiares participantes. Revista Baiana de Saúde Pública, 32(1), 58–71.

Melman, J. (2001). Família e doença mental: repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares. São Paulo: Escrituras.         [ Links ]

Pegoraro, R. F., & Caldana, R. H. (2008). Sofrimento psíquico em familiares de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Comunicação, Saúde e Educação, 12(25), 295–307.

Pratta, E. M. M., & Santos, M. A. (2009). O processo saúde–doença e a dependência química: interfaces e evolução. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(2), 203–211.

Rodrigues, D. S., Backes, D. S., Freitas, H. M. B., Zamberlan, C., Gelhen, M. H., & Colomé, J. S. (2012). Conhecimentos produzidos acerca do crack: uma incursão nas dissertações e teses brasileiras. Ciência & Saúde Coletiva, 17(5), 1247–1258.

Scazufca, M. (2000). Abordagem familiar em esquizofrenia. Revista Brasileira de Psiquiatria, 22, 50–52.

Soares, A. J. A. (2009). Variáveis psicossociais e reactividade emocional em cuidadores de dependentes de substâncias. Tese de doutorado, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal.         [ Links ]

Soares, C. B., & Munari, D. B. (2007). Considerações acerca da sobrecarga em familiares de pessoas com transtornos mentais. Ciência, Cuidado e Saúde, 6(3), 357–362.

Sousa, P. F., Ribeiro, L. C. M., Melo, J. R. F., Maciel, S. C., & Oliveira, M. X. (2013). Dependentes químicos em tratamento: um estudo sobre a motivação para mudança. Temas em Psicologia, 21(1), 259–268.

Vargens, R. W., Cruz, M. S., & Santos, M. A. (2011). Comparação entre usuários de crack e de outras drogas em serviço ambulatorial especializado de hospital universitário. Revista Latino–Americana de Enfermagem, 19(n. esp.), 804–812.

 

 

Endereço para correspondência:
Silvana Carneiro Maciel
Rua Vereador Gumercindo B. Dunda, 378/1.401, Bessa
João Pessoa – PB – Brasil. CEP: 58036–850
E–mail: silcamaciel@gmail.com

Submissão: 30.9.2013
Aceitação: 30.4.2014