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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.16 no.2 São Paulo Aug. 2014

 

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Estudo da dimensionalidade da escala de comprometimento organizacional pelo modelo de Rasch

 

Dimensionality study of the organizational compromising scale by Rasch model

 

Estudio da dimensionalidad de la escala de comprometimiento organizacional por el modelo de Rasch

 

 

Fermino Fernandes SistoI; Luis Torahiko TakahashiII; Dario Cecilio–FernandesIII
I Universidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre – MG – Brasil
II Universidade do Vale do Sapucaí, Jundiaí – SP – Brasil
III University of Groningen – Groningen – Holanda

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A pesquisa teve como objetivo analisar a dimensionalidade da escala de comprometimento organizacional pelo modelo Rasch. A escala é composta pelo fator afetivo e pelas subdimensões do fator instrumental. Participaram 184 trabalhadores, sendo 91 do sexo masculino (49,5%), cujas idades variavam de 18 a 61 anos (M = 27,44; DP = 7,12). A média para o infit foi 1,04 (DP = 0,19), variando de 0,72 a 1,53. O valor médio do outfit foi de 1,03 (DP = 0,24), e os valores variaram de 0,67 a 1,90. Em relação aos parâmetros de ajuste das pessoas, o valor médio do infit foi de 1,02 (DP = 0,49),e do outfit, de 1,03 (DP = 0,54). Foram selecionados os itens de maior saturação nas dimensões positiva e negativa, decorrentes da análise de componentes principais de resíduos. A correlação entre os itens positivos e negativos, após correção pela fórmula de profecia de Spearman–Brown, foi de r = 0,68. Após alguns ensaios de associação das categorias de respostas e respectivas análises, optou–se por realizar um agrupamento das categorias disfuncionais, reduzindo de sete para três alternativas de respostas. Com isso, conclui –se que a escala apresenta evidências que sustentam a hipótese de unidimensionalidade.

Palavras–chave: dimensionalidade; comprometimento organizacional; avaliação psicológica; psicometria; modelo Rasch


Abstract

This study aims to verify the dimensionality of the organizational compromising scale by Rasch model. The scale consists of the affective factor and sub–dimensions of the instrumental factor. Took part in this study 184 workers, 91 male (48.5%) with ages ranging from 18 to 61 (M = 27.44, SD = 7,12). Infit average was 1.04 (SD = 0.19) range from 0.72 to 1.53. Outif mean was 1.03 (SD = 0.54) with minimum value 0.67 and maximum of 1.90. Regarding people fit parameters, the infit mean was 1.02 (SD = 0.49) and outfit 1.03 (SD = 0.54). Items with higher loading in positive and negative dimension were selected. The correlation analysis between positive and negative items corrected by Spearman–Brown form was r = 0.68. After rehearsals for answered categories association and analysis, the dysfunctions categories were grouped, reducing from seven to three answer alternatives. Because of that, the scale shows evidence of one –dimensionality.

Keywords: dimensionality; organizational commitment; psychological assessment; psychometrics; Rasch model


Resumen

La investigación tuvo como objetivo analizar la dimensionalidad de la escala de compromiso organizacional. Participaron 184 trabajadores, 91 (49,5%) eran hombres de edades comprendidas entre los 18 y 61 años (M = 27,44, DP = 7,12). La media del infit fue de 1,04 (DP = 0,19) que van desde 0,72 hasta 1,53. El outfit promedio fue de 1,03 (DP = 0,24), y los valores oscilaron entre 0,67 y 1,90. En cuanto a los parámetros de ajuste de personas los valores medios de infit (1,02, DP = 0,49) y outfit (1,03, DP = 0,54). Se seleccionaron ítens con mayor carga en la dimensión positiva y negativa. El análisis de correlación entre los elementos positivos y negativos corregidas por Spearman–Brown formulario fue de r = 0,68. Después de ensayos de asociación de las categorías de respuesta y análisis, se decidió llevar a cabo una agrupación de categorías disfuncionales, lo que reduce siete para tres opciones de respuesta. Por lo tanto, se concluye que la escala presenta evidencia que apoya la hipótesis de escala unidimensionalidad.

Palabras clave: dimensionalidad; compromiso organizacional; evaluación psicológica; psicometría; modelo de Rasch


 

 

Os estudos sobre as qualidades psicométricas dos instrumentos de medida aumentaram substancialmente nos últimos anos. No entanto, ainda é escassa a produção nacional destinada especificamente a avaliar a dimensionalidade dos testes, mais precisamente a suposição de unidimensionalidade (Freire & Almeida, 2007). A importância dessas pesquisas foi apontada por Freire e Almeida (2007) ao afirmarem que a maioria das análises estatísticas inferenciais realizadas a partir dos resultados dos testes psicológicos pressupõe a sua unidimensionalidade. Em adição, Sisto (2005) observou que a relevância de estudar a dimensionalidade está no fato de que é uma forma de buscar evidência de validade baseada na estrutura interna do instrumento, permitindo uma adequada interpretação dos resultados obtidos. Para Vitória, Almeida e Primi (2006), a literatura apontou que a avaliação da unidimensionalidade assumiu um papel central no processo de construção de testes psicológicos.

Com efeito, considerar um teste unidimensional significa afirmar que todos os seus itens medem o mesmo construto, ou seja, implica que o mesmo traço ou habilidade esteja presente nas respostas das pessoas para todos os itens (Sisto, 2005; Sisto, Rueda, & Bartholomeu, 2006; Sisto, Santos, & Noronha, 2007). Dessa forma, quando se soma a pontuação total de um protocolo, assume–se que cada item do instrumento avalia o mesmo construto (Freire & Almeida, 2007). Sisto (2005) ressalta que, ao se considerar a somatória dos pontos de um teste como procedimento para avaliação de determinado fenômeno, supõe–se que não há prejuízo da informação porque essa pontuação continha toda a informação necessária sobre o traço em questão e, além disso, que o total não abrangeu outra medida que não a da variável avaliada.

A dimensionalidade também é uma questão importante no estudo sobre o construto comprometimento organizacional. Segundo Menezes (2009), mais de meio século de pesquisas não levou a uma conclusão sobre a estrutura dimensional do comprometimento, constituindo–se na maior divergência entre os pesquisadores do tema. Na medida em que as escalas constituíram–se no principal instrumento adotado pelos pesquisadores para investigar o comprometimento organizacional, elas igualmente refletiram a diversidade de concepções. De tal modo, ainda segundo o mesmo autor, as escalas affective commitment scale (ACS), normative commitment scale (NCS) e commitment behavior scale (CBS), de Meyer, Allen e Smith (1993), mostraram –se unifatoriais. Já o organizational commitment questionnaire (OCQ), de 1979, elaborado por Mowday, Steers e Porter, a British organizational commitment scale (Bocs), de 1980, de autoria de Cook e Wall, e a continuance commitment scale (CCS), de 1984, de Meyer e Allen, apresentaram–se bifatoriais. No âmbito nacional, destacam –se a escala de bases de comprometimento organizacional (Ebaco), de 2005, de Medeiros et al., e a escala de intenções comportamentais de comprometimento organizacional (Eicco), de 2010 e 2011, de Menezes e Bastos, são consideradas multifatoriais. Para uma revisão mais detalhada, verificar Menezes (2009).

O comprometimento organizacional é um dos temas mais investigados no campo do comportamento organizacional. Desde a metade do século XX, esse construto tem sido intensamente estudado, pois os empregadores buscavam contratar e manter pessoas que se mostrassem comprometidas, que tivessem sentimentos e ações positivas em direção à organização na qual trabalham (Medeiros & Enders, 1998). Atualmente, no mundo globalizado, as pessoas comprometidas são valorizadas porque parecem contribuir de forma significativa para o alcance dos objetivos organizacionais (Magalhães, 2008).

Segundo Cavalcante (2005), o comprometimento organizacional relaciona–se ao vínculo do trabalhador com a organização e, na definição de Menezes (2009), caracteriza–se por se referir a um tipo específico de vínculo social estabelecido entre o trabalhador e a organização, que compreende uma dimensão afetiva e de identificação, a qual predispõe o indivíduo a intenções comportamentais de defesa da organização, proatividade, empenho adicional e participação. A complexidade da pesquisa sobre comprometimento organizacional apresentou uma ampla gama tanto de conceitos quanto de medidas (Magalhães, 2008).

As duas abordagens do comprometimento mais pesquisadas foram a atitudinal, que ressaltou o processo de identificação do colaborador com valores e objetivos organizacionais e focalizou atitudes que predispunham a pessoa a comportamentos de comprometimento, e a comportamental, segundo a qual o comprometimento se expressava em comportamentos. Enquanto a abordagem atitudinal considerava as atitudes que manifestavam crenças, afetos dirigidos à organização, a abordagem comportamental enfatizava os atos e as cognições que fortalecem o vínculo das pessoas com a organização. Na abordagem atitudinal, a questão central referia–se à dimensionalidade do comprometimento organizacional, já a abordagem comportamental preocupava –se em identificar descritores de comportamentos referentes a manifestações observáveis de comprometimento no contexto de trabalho (Menezes, 2009).

A concepção focada neste artigo será a atitudinal, pois constituiu a base teórica para a construção da escala analisada no presente trabalho. Dentro dessa abordagem, os trabalhos de Allen e Meyer (1990) conceituaram três componentes para o comprometimento organizacional: afetivo, instrumental e normativo. O primeiro, afetivo, refere–se a um apego com os objetivos e valores da organização. Para Meyer e Allen (1997), relaciona–se com determinadas características da organização e do trabalho, tais como descentralização, justiça percebida, comunicação adequada, autonomia na realização das tarefas, variabilidade de competências utilizadas no trabalho e relacionamento com o superior. Apoia–se no orgulho pelo trabalho realizado, na satisfação em fazer parte da organização e no bem–estar sentido tanto em relação ao ambiente físico quanto social (Magalhães, 2008). O segundo componente, instrumental, relaciona–se aos custos envolvidos para o empregado ao deixar a organização. Associa–se com perdas de tempo ou de dinheiro em caso de desligamento da organização, além da existência de alternativas à saída da mesma (Meyer & Allen, 1997). E por fim o componente normativo, que implicou no sentimento de obrigação em permanecer na organização, de lealdade à organização (Magalhães, 2008). O componente afetivo refere–se a atitudes gerais direcionadas à organização, já os componentes instrumental e normativo dizem respeito a formas mais específicas de comportamento (Solinger, Olffen, & Roe, 2008).

Vários estudos apontaram para uma sobreposição entre as dimensões afetiva e normativa, como os de Bastos (1994) e Menezes (2006). Isso se deu pelo fato de que o sentimento de obrigação e dever para com a organização, que caracteriza o componente normativo, decorre de uma identificação prévia com a organização, de um vínculo afetivo preexistente (Menezes, 2009). Ao lado disso, a dimensão instrumental pareceu constituir–se em construto diverso do comprometimento organizacional, como verificado nas pesquisas de Rodrigues (2009) e McGee e Ford (1987), por exemplo. Ela mostrou–se bifatorial nos estudos de McGee e Ford (1987), constituída por "falta de alternativas ou oportunidades de trabalho" (CC:LoAlt) e "sacrifícios percebidos ao deixar a organização" (CC:HiSac). Segundo Menezes (2009), a intenção de permanecer na organização, elemento tradicionalmente associado ao comprometimento organizacional dentro do componente instrumental, não pertence à estrutura fatorial desse construto, pois não traduz comportamentos de comprometimento, com fraca correlação com a dimensão afetiva. De tal forma, dentro da abordagem atitudinal, há uma tendência entre os pesquisadores de considerar como componente único do comprometimento organizacional atitudinal a dimensão afetiva.

Solinger et al. (2008) apontaram inconsistências no modelo tridimensional proposto por Allen e Meyer (1990), argumentando que os três tipos de comprometimento não são fatores do fenômeno atitudinal, haja vista que diferentes estudos apontam que o fator continuação não se correlaciona ou se correlaciona negativamente com os fatores afetivos e normativos. Por causa disso, os autores propuseram que o comprometimento atitudinal deveria ser unidimensional, composto apenas pelo fator afetivo.

Em relação à escala de comprometimento organizacional, que será utilizada neste artigo, Menezes e Bastos (2010) estudaram as propriedades psicométricas. Para a validade de construto do instrumento, foram utilizados os métodos de análise fatorial pela teoria clássica dos testes (TCT) e pela teoria de resposta ao item (TRI). Na dimensão afetiva, todos os itens apresentaram saturação item–total maior que 0,30. No estudo de consistência interna para a dimensão afetiva, o valor do alfa de Cronbach foi de 0,86, sem identificação de itens que, ao serem excluídos, ocasionassem melhora no nível geral de confiabilidade da medida. No tocante à dimensão instrumental, o cálculo dos eigenvalues indicou que 56,12% da variância do construto pode ser explicada considerando dois fatores: CC:LoAlt e CC:HiSac. A análise de componentes principais para a extração dos fatores, com rotação oblíqua Promax, revelou que todos os valores de carga fatorial da dimensão instrumental foram superiores a 0,30. Os valores do alfa de Cronbach foram os seguintes: 0,66 para a CC:LoAlt e 0,70 para a CC:HiSac. A análise de covariância resultou em uma correlação significativa e positiva entre Afet e CC:HiSac (β= 0,38, p < 0,001), entre Afet e CC:LoAlt (β= 0,10, p < 0,001), e entre CC:HiSac e CC:LoAlt (β= 0,0,52, p < 0,001).

No estudo de Menezes e Bastos (2010), a escala de comprometimento organizacional, nome genérico que designou a escala no presente trabalho, foi aplicada junto com a Eicco, validada também por Menezes e Bastos (2010). Isso foi realizado com o objetivo de verificar o poder preditivo das variáveis atitudinais sobre as intenções comportamentais de comprometimento organizacional. Em relação às escalas Afet e Eicco, a utilização do método de regressão linear forward resultou em correlação de ordem zero de r = 0,48, com variância explicada de 23% [F(1,1867) = 569,04, p < 0,001]. Constatou–se, pois, o valor preditivo da Afet. O resultado para CC:LoAlt e Eicco foi de r = 0,12 (p = 0,01) e variância explicada de 1,3% [F(1,1867) = 25,73, p = 0,001], denotando pequeno poder preditivo. Entre CC:HiSac e Eicco, o resultado foi de r = 0,02 (p = 0,455) com variância compartilhada de 0,7% [F(1,1867) = 13,42, p = 0,001], um poder preditivo ainda menor. Os autores sugerem novos estudos a fim de testar a dimensionalidade do comprometimento organizacional atitudinal. Além disso, descartaram o fator instrumental como parte do comprometimento organizacional atitudinal e sugerem que o vínculo entre trabalho e organização esteja relacionado pela dimensão afetiva.

Menezes (2009) aponta três importantes pontos que permeiam a discussão sobre a dimensionalidade do comprometimento organizacional. O primeiro está relacionado à sobreposição conceitual entre as dimensões afetiva e normativa. No segundo, o fator instrumental apresenta duas subdimensões distintas e não pertencentes ao comprometimento organizacional. E o último mostra que o comprometimento organizacional é um modelo unidimensional. Com base no exposto, o presente estudo teve como objetivo analisar a dimensionalidade da escala de comprometimento organizacional (Menezes, 2009) por meio da análise dos resíduos por componentes principais do modelo de Rasch, que permite que os construtos sejam avaliados quanto à sua unidimensionalidade (Chachamovich, 2007). Trata–se de um dos métodos mais robustos para tal verificação (Tennant & Pallant, 2006), e a análise apresentada aqui é diferente das propostas anteriores.

Neste estudo, a escala será utilizada conforme o trabalho de Menezes (2009), representada pelo fator afetividade e pelas duas subdimensões do fator instrumental. A escala foi selecionada em detrimento de outras por apresentar estudos de validades atuais e nacionais que utilizaram a dimensão afetividade, que, para Solinger et al. (2008), seria o único fator do comprometimento organizacional, e as duas subdimensões do fator instrumental, que, segundo Solinger et al. (2008) e Menezes e Bastos (2011), não pertencem ao comprometimento organizacional.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta de 184 trabalhadores, ocupantes de cargos variados, há pelo menos seis meses empregados em uma empresa privada localizada em uma cidade do interior do Estado de São Paulo. Do total, 91 (49,5%) eram homens, 86 (46,7%) mulheres e 7 (3,8%) não declararam o sexo. As idades variaram de 18 a 61 anos (M = 27,44; DP = 7,12).

Instrumento

A escala de comprometimento organizacionalconstruída por Menezes (2009), sem que a ela tivesse atribuído um nome na ocasião, foi desenvolvida para avaliar o comprometimento organizacional, de acordo com a abordagem atitudinal. Esse instrumento é composto por 24 itens, cada um com sete categorias de respostas do tipo Likert ("discordo plenamente", "discordo muito", "discordo levemente", "não discordo nem concordo", "concordo levemente", "concordo muito" e "concordo plenamente"). A escala contempla itens relativos aos fatores afetivos (Afet) e às duas subdimensões do fator instrumental: "falta de alternativas ou oportunidades de trabalho" (continuance commitment: low alternative – CC:LoAlt) e "sacrifícios percebidos ao deixar a organização" (continuance commitment: high sacrifices – CC:HiSac).

Procedimento

Após a concordância da empresa quanto à realização da coleta de dados em suas dependências, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco. Posteriormente, foram agendados os horários para aplicação do instrumento. Depois da aprovação, agendaram–se horários na empresa para que os colaboradores pudessem participar da pesquisa. A aplicação ocorreu de forma coletiva, e responderam à escala apenas os sujeitos que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O tempo médio de aplicação foi de cerca de 10 minutos.

Análise de dados

Utilizaram–se dois programas estatísticos para as análises estatísticas: Statistical Package for the Social Sciences 21.0 (SPSS) e Winsteps. Primeiramente, realizaram–se as análises descritivas da amostra. Posteriormente, foram realizadas as análises de índices de adequação dos itens e das pessoas pelo modelo Rasch, assim como mapa item–pessoa. Bond e Fox (2001) apontam que os valores de infit e outfit devem se aproximar de 1,00 e podem variar idealmente de 0,70 a 1,50 (Linacre, 2002). Em seguida foi realizada uma análise fatorial pelos componentes principais dos resíduos. Por último, analisaram–se as probabilidades de respostas em função das alternativas de respostas da escala.

Inicialmente, desenvolveu–se o modelo Rasch para trabalhar com alternativas binárias, e depois ele foi estendido para dados politômicos (Chachamovich, 2007). Esse modelo permite avaliar em que grau os itens da escala estão ajustados e quais são pertencentes ao mesmo traço (Sisto et al., 2007). A probabilidade de uma resposta correta aumenta em razão da habilidade do sujeito, ao mesmo tempo que diminui em razão da dificuldade do item. Quando o modelo apresenta um bom índice de ajuste, a pontuação total será um resumo da habilidade, e, caso não haja um bom ajuste, a pontuação total não será suficiente para indicar a quantidade de habilidades subjacentes. No entanto, apenas os índices de ajustes não são suficientes para indicar a unidimensionalidade, o que significa que são necessárias outras análises. Dentre as análises disponíveis, optou–se pela análise de componentes principais de resíduos (Linacre, 1996) que extrai a melhor dimensão dos dados, e, por meio da qual, podem–se encontrar indicações de estruturas secundárias. Para verificar a dimensionalidade, analisa–se a diferença entre o que o modelo prediz e o que é de fato, sendo essa diferença denominada resíduos. Posteriormente, selecionaram–se os itens de maior saturação em relação às dimensões positiva e negativa. Esses itens foram analisados separadamente pelo modelo Rasch e correlacionados. Foi assumida a hipótese de que se trataria de testes paralelos, sendo o limite mínimo de 0,51 para correlação de Pearson (Wright, 2000). Uma correlação acima de 0,51 indica a possibilidade de a escala ser unidimensional.

 

Resultados

Inicialmente, computaram–se a média, o desvio padrão, os valores mínimo e máximo e o alfa de Cronbach para caracterizar a amostra. A análise estatística descritiva mostrou que a média das pessoas foi de 106,03 (DP = 20,10), com valores que variaram entre o mínimo de 47 e o máximo de 153, na escala que contempla 24 itens. A consistência interna, obtida por meio do alfa de Cronbach, teve o valor de 0,86.

Em relação aos parâmetros de ajuste dos itens (Tabela 1), a média para o infit foi de 1,04 (DP = 0,19), valor que esteve de acordo com o padrão esperado de 1,00 (Bond & Fox, 2001). Além disso, observou–se que os valores infit ficaram entre 0,72 e 1,53, próximos do intervalo 0,70 –1,50 (Linacre, 2002), considerado como critério de ótimo ajuste. Mesmo assim, alguns valores superaram 1,50. O valor médio do outfit foi de 1,03 (DP = 0,24), igualmente dentro do aceitável. Os valores variaram entre 0,67 e 1,90, com apenas um item que superou 1,50, o que sugere bom ajuste.

 

 

Em relação aos parâmetros de ajuste dos itens das pessoas (Tabela 1), os valores médios do infit (1,02; DP = 0,49)e do outfit (1,03; DP = 0,54) ficaram próximos ao valor padrão de 1,00. No entanto, os intervalos de valores do infit e outfit foram amplos, pois o infit apresentou um valor mínimo de 0,21 e máximo de 2,35, e o outfit um mínimo de 0,26 e máximo de 3,21. Ao lado disso, 18,48% das pessoas ficaram em nível de desajuste no infit, e 17,39% foram casos anômalos segundo o outfit. A Figura 1 apresenta a distribuição dos itens na escala.

 

 

Nota–se que os itens localizaram–se dentro do intervalo –1 e +1. A letra M repre– senta a média das pessoas, na coluna de pessoas, e dos itens, na coluna de itens. Percebe–se que a média das pessoas é superior à média dos itens. Após a análise de componentes principais dos resíduos, expressa na Tabela 2, cuja precisão foi de 0,83, selecionaram–se os itens de maior saturação positiva – 20, 22 e 9 – e os de maior saturação negativa – 3, 5 e 8 –, resultando em três itens de cada, preservando a homogeneidade do conjunto em termos de carga fatorial.

 

 

Cada conjunto de itens escolhidos, positivo e negativo, foi considerado como escalas distintas e novamente submetido ao modelo de Rasch, com seus valores correlacionados. O coeficiente de correlação de Pearson verificado foi de r = 0,21. Esse índice foi corrigido pela fórmula de profecia Spearman–Brown, com base nos 24 itens da escala, evidenciando um valor de r = 0,68. Quando se analisou o gráfico relativo à probabilidade de respostas em função das sete alternativas de respostas, percebeu–se a ocorrência do chamado threshold disorder, situação na qual ocorre uma distribuição inadequada das categorias de respostas, indicando que algumas das alternativas seriam dispensáveis à escala (Chachamovich, 2007).

Após alguns ensaios de associação das categorias de respostas e respectivas análises, houve uma redução de sete para três alternativas de respostas, e obteve–se a curva apresentada na Figura 2, que representa uma distribuição mais adequada das categorias de respostas. Foram agrupadas inicialmente as alternativas 1 ("discordo plenamente") e 2 ("discordo muito"); depois as alternativas 3 ("discordo levemente"), 4 ("não discordo nem concordo") e 5 ("concordo levemente"); e finalmente as categorias 6 ("concordo muito") e 7 ("concordo plenamente").

 

 

A partir dessa nova configuração para a escala, procedeu–se à análise de componentes principais dos resíduos, cuja precisão ficou em 0,81. Selecionaram–se os itens 20, 9 e 22 na dimensão positiva, e os itens 3, 5 e 18 na dimensão negativa. A correlação entre as pontuações das duas dimensões resultou no coeficiente de Pearson de r =  –0,156, que, após a correção pela fórmula de profecia de Spearman–Brown, com base nos 24 itens da escala, resultou em um valor de r =  –0,59.

 

Discussão e conclusão

O estudo do comprometimento organizacional é central na compreensão do funcionamento de equipes de trabalho e das comunidades corporativas, pois a aquisição e manutenção de vantagens competitivas e o alcance de objetivos organizacionais dependem de pessoas comprometidas com os valores e a missão organizacional (Müller, Rauski, Eying, & Moreira, 2005; Magalhães, 2008; Menezes, 2009). O objetivo do presente estudo foi analisar a dimensionalidade da escala de comprometimento organizacional (Menezes, 2009) por meio do modelo de Rasch.

Em relação ao ajuste dos itens e das pessoas, as médias dos infits e outfits deambos mostraram–se muito próximas do padrão esperado, e apenas um item se mostrou desajustado, com valor do infit de 1,53, não extrapolando o valor de 2 considerado por Linacre (2002) como limite máximo para aceitação de um item interferir na validade do teste. Além disso, foi possível analisar a discrepância entre o predito pelo modelo e o real observado. A partir da análise dos componentes principais desses resíduos, é possível verificar a existência de subdimensões nos dados (Sisto, 2005; Sisto et al., 2007). A análise inicial realizada neste estudo, mantendo as sete alternativas de respostas originais da escala, resultou numa correlação de r = 0,68, indicando boa evidência de unidimensionalidade da escala (Wright, 2000).

Contudo, quando se percebeu a ocorrência de treshold disorder,optou–se por corrigir a distorção agrupando algumas categorias de respostas (1 e 2; 3, 4 e 5; 6 e 7), o que resultou em uma redução funcional de sete para três alternativas. Essa nova configuração mostrou–se mais apropriada para a escala. De fato, outra vantagem do modelo de Rasch é que permite a avaliação do comportamento das categorias de respostas em escalas politômicas (Chachamovich, 2007). Quando se analisou a curva de probabilidade de respostas, notou–se que algumas alternativas mostraram–se pouco prováveis de ser observadas. Procedeu–se então ao ajuste delas porque, nas escalas politômicas, as categorias de respostas devem ter intensidades que discriminem adequadamente para o respondente, favorecendo uma interpretação correta dos resultados. Uma escala com quantidade de alternativas superior ou inferior ao necessário prejudica a interpretação dos resultados, na medida em que a variável medida não se encontra devidamente representada (Sisto, Santos, & Noronha, 2006). Segundo Pallant, Miller e Tennant (2006), esse problema de desempenho das categorias de respostas deve ser resolvido agrupando as categorias que se mostraram disfuncionais, o que foi feito no caso.

Ajustada a configuração das categorias de respostas, tornou–se necessário submeter os novos dados à análise de componentes principais de resíduos. A precisão foi de 0,81, próxima do valor da precisão da primeira análise, que foi de 0,83, ambos satisfatórios. Selecionados os itens das dimensões positiva e negativa, procedeu–se novamente à verificação da correlação pelo coeficiente de Pearson, que dessa vez resultou em valor negativo (r =  –0,16). Corrigido pela profecia de Spearman–Brown, resultou no valor de r = –0,59. Essa nova configuração de alternativa de resposta ainda está acima do valor de r = 0,51 indicando a unidimensionalidade da escala (Wright, 2000). Esses achados vão contra ao encontrado na literatura de comprometimento organizacional e de Menezes e Bastos (2011) que sugeriram que o fator instrumental possui duas dimensões e não pertencem ao construto comprometimento organizacional. No entanto, autores defendem a unidimensionalidade do construto e sugerem a utilização apenas do fator afetivo. A análise de comprometimento organizacional pode ser olhada por outro prisma. No entanto, essa análise foge do escopo deste artigo, haja vista que o objetivo é verificar a dimensionalidade da escala, e não do construto. Além disso, existem outros estudos, como de Menezes e Bastos (2011), que sugerem que o fator instrumental não faça parte do construto, pois possui duas subdimensões.

Esta pesquisa não se propôs a responder a todas as limitações encontradas na literatura e apontadas por Menezes (2009). As limitações deste trabalho referem–se ao número de participantes e ao fato de eles serem de apenas uma região. A escala utilizada era composta com os fatores afetivo e instrumental, não contendo o fator normativo. Por causa disso, os resultados não podem ser generalizados ao construto comprometimento organizacional. Os achados apresentados nesta pesquisa vão contra a literatura encontrada, tanto internacional como nacional, em relação ao fator instrumental e afetivo. Sugerem–se novos estudos, por meio da análise de componentes principais de resíduos pelo modelo Rasch, em outras escalas que utilizem o três fatores proposto por Allen e Meyer (1990). Além disso, devem–se utilizar outros métodos disponíveis para análise de dimensionalidade. Por último, sugere–se um novo estudo com a escala com três alternativas de respostas, para verificar se as propriedades psicométricas se mantêm adequadas.

Apesar das limitações, o presente trabalho atingiu os objetivos propostos, trazendo uma nova análise para o comprometimento organizacional e sugerindo que possa ser um construto unidimensional, haja vista que, neste estudo, evidenciaram–se a unidimensionalidade da escala, por meio dos fatores afetivo e instrumental, e a alta correlação encontrada em outros estudos entre os fatores normativo e afetivo. Conclui–se, pelas análises realizadas neste artigo, que a escala apresenta evidências de unidimensionalidade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Luis Torahiko Takahashi
Departamento de Psicologia do Centro Universitário Padre Anchieta
Rua Bom Jesus de Pirapora, 140, Centro
Jundiaí – SP – Brasil. CEP: 13207–270
E–mail: takahashi_sp@uol.com.br

Submissão: 11.4.2013
Aceitação: 11.4.2014