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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.16 no.3 São Paulo dez. 2014

 

PSICOLOGIA SOCIAL

Inclusão de pessoas com deficiência no trabalho: percepção dos universitáriosI

 

Inclusion of people with disabilities in the workplace: perception of university students

 

Inclusión de personas con discapacidad en el trabajo: percepciones de los universitarios

 

 

André Luiz Barreto SimasII; Jéssica Faria SoutoII; Maria Nivalda de Carvalho-FreitasII
I Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e ao Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
II Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei – MG – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

As percepções sobre as possibilidades de trabalho das pessoas com deficiência (PcDs) têm sido um tema amplamente discutido. O objetivo deste estudo foi analisar as possíveis associações entre as formas pelas quais os universitários percebem a deficiência, os fatores antecedentes – como conhecimento sobre a deficiência e experiência prévia – e a confiança. O estudo foi conduzido com 800 universitários, de quatro universidades públicas, localizadas em Minas Gerais. Utilizaram-se o Inventário de Concepções de Deficiência, um questionário de confiança e um questionário de caracterização sociodemográfica. Constatou-se que as percepções sobre a deficiência associam-se com o convívio com PcDs, com a confiança e com a formação acadêmica. Conclui-se que averiguar a percepção dos universitários sobre as PcDs traz contribuições importantes para a formação profissional, pois auxilia na identificação de aspectos que, se trabalhados, poderão influenciar na melhoria das ações profissionais, organizacionais e políticas relacionadas à deficiência.

Palavras-chave: universitários; pessoas com deficiência; inclusão; trabalho; percepção.


Abstract

Perceptions of employment opportunities for people with disabilities (PwD) have been a widely discussed topic. The aim of this study was to analyze the associations between the ways in which the university perceive disabilities, antecedent factors – such as knowledge about disabilities and previous experience – and trust. The study was conducted with 800 students from four public universities, located in Minas Gerais. It was used the Conceptions of Disability Inventory, the survey of trust, and the sociodemographic questionnaire. It was found that perceptions about disability are associated with living with PwD with trust, as well as graduation. We conclude that determine the perception of the university on PwD brings important contributions to training, it assists in identifying issues that, if addressed, may influence the improvement of professional actions, and organizational policies related to disability.

Keywords: university students; people with disability; inclusion; work; perception.


Resumen

La percepción de las oportunidades de empleo para las personas con discapacidad (PcD) ha sido un tema ampliamente debatido. El objetivo de este estudio fue analizar la asociación entre las formas en que la universidad percibe discapacidad, los factores antecedentes – como el conocimiento acerca de las discapacidades y la experiencia previa – y la confianza. El estudio se realizó con 800 estudiantes de cuatro universidades públicas, con sede en Minas Gerais. Utilizamos las concepciones de la discapacidad y una encuesta de confianza de la historia. Se encontró que las percepciones sobre la discapacidad se asocian a vivir con PcD con confianza, así como la graduación. Concluimos que determinan la percepción de la universidad en PcD trae importantes contribuciones a la formación, ayuda en la identificación de problemas que, de abordarse, pueden influir en la mejora de las acciones profesionales y políticas de la organización­ relacionados con la discapacidad.

Palabras clave: universitarios; personas con discapacidad; inclusión; trabajo; percepción.


 

 

A deficiência pode ser contemplada de diferentes formas, embora alguns elementos na definição do termo precisem ser identificados para que ela possa ser um objeto de estudo específico (Finkelstein, 1980). Tendo como referência a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) (World Health­ Organization [WHO], 2011), a compreensão e a definição acerca da deficiência ganharam novas diretrizes, sendo esta entendida não apenas pelas limitações físicas, mas também pela ênfase em fatores ambientais, em termos de aspectos físicos e sociais, como responsáveis pela criação da deficiência.

No Brasil, existem 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, de acordo com o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), o que representa 23,9% de sua população. Segundo os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o Brasil tinha, em 2010, 44.068.355 vínculos empregatícios formais, e o número de pessoas com deficiência (PcDs) no mercado de trabalho era de 306.013, correspondendo a 0,7% do total de vínculos (Ministério do Trabalho e Emprego, 2010). Desde a regulamentação da Lei de Cotas, em 1999, para empresas privadas (Decreto n. 3.298, 1999), e da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, para instituições públicas, as organizações têm um novo desafio: contratar e gerir o trabalho de PcDs.

As pesquisas têm indicado que fatores antecedentes, como o contexto social e conhecimentos prévios, têm sido um aspecto relevante para compreender a inclusão de PcDs (Araújo & Schmidt, 2006; Shannon, Schoen, & Tansey, 2009). Outras pesquisas têm mostrado que o preconceito em relação à capacidade contributiva das PcDs se estabelece numa menor confiança, sobretudo nas suas habilidades de executar alguma atividade (Quintão, 2005).

Admitindo que as formas de ver a deficiência relacionam-se diretamente com as concepções de homem e mundo, conscientes ou não, foram buscadas, na literatura, referências que pudessem ajudar a identificar as percepções sobre a deficiência e que refletissem as crenças sobre as PcDs. As concepções de deficiência, nesta pesquisa, serão compreendidas como crenças acerca da deficiência que se manifestam por meio de ações que se relacionam com a inserção social e o trabalho das PcDs (Carvalho-Freitas & Marques, 2010). Omote (1999) destaca que a identificação das concepções de deficiência, historicamente construídas, coloca ênfase nas discussões das construções de significados sobre a deficiência feitas pela sociedade.

Utilizando-se de uma detalhada revisão histórica e literária das formas de ver a deficiência, Carvalho-Freitas e Marques (2010) operacionalizaram essa revisão, propondo seis concepções que foram objeto de análise no presente estudo: as matrizes espiritual, normativa e inclusiva, e os fatores vínculo, desempenho e benefício.

Considerando essas crenças como elementos constitutivos da disposição das pessoas­ para trabalhar com PcDs, busca-se, também, na presente pesquisa, verificar se essas crenças estão relacionadas com a questão da confiança. Numa visão ampliada, a confiança interpessoal pode ser definida como uma expectativa deposi­tada­, por um indivíduo ou um grupo, em uma palavra, uma promessa, verbal ou escrita, de outro indivíduo ou grupo (Mayer, Davis, & Schoorman, 1995).

No modelo desenvolvido pelos pesquisadores citados, eles concebem a confiança como uma disposição de alguém em estar vulnerável às ações de outro ator social, baseada nas expectativas de que o sujeito em quem se confia apresentará atitudes esperadas por aquele que depositou a confiança (Mayer et al., 1995; Schoorman, Mayer, & Davis, 2007).

Com base nas múltiplas dimensões do construto confiança, este estudo se concentrou em três dessas dimensões para procurar compreendê-las. São elas: confiança no compromisso, que ocorre quando o depositário da confiança acredita que a pessoa em quem se confia fala com sinceridade e honestidade sobre suas habilidades em rea­lizar as tarefas necessárias; confiança na integridade, que considera que o sujeito em quem se deposita confiança cumprirá honestamente com as tarefas propostas; e desconfiança (prudência), que, segundo Schoorman et al. (2007), não deve ser considerada um oposto teórico ou empírico da confiança, mas uma vulnerabilidade e disposição para assumir riscos nas relações interpessoais.

Diante disso e dos diversos debates que circundam a questão da inclusão de PcDs na sociedade, são de grande relevância estudos que investiguem como os fatores antecedentes e a propensão para confiar se relacionam com as formas de ver a deficiência, de modo a identificar como as crenças e experiências prévias dos futuros profissionais podem influenciá-los diante da possibilidade de virem a atuar com PcDs. Pesquisas apontam que as dificuldades das PcDs em se inserir no mercado de trabalho decorrem, sobretudo, da descrença quanto às suas possibilidades, de estigmas e estereótipos (Gartrell, 2010; Ribeiro & Carneiro, 2009). Tanaka e Manzini (2005) conduziram um estudo, por meio de entrevistas semiestruturadas, sobre o ponto de vista dos empregadores em relação ao trabalho das PcDs. De acordo com o discurso desses gestores, a deficiência é vista como um entrave para o trabalho, o que dificulta a inserção dessas pessoas nas empresas. No entanto, o estudo não investigou as análises dos conhecimentos prévios, como informações sobre deficiência e convivência com PcDs, e não explorou as concepções de deficiência desses profissionais de modo operacional.

Diante do exposto, os objetivos deste estudo foram: 1. investigar, na perspectiva de universitários, a propensão para confiar e os fatores antecedentes, tais como a área
de formação acadêmica, os conhecimentos prévios acerca da deficiência e a frequência de convívio com PcDs em diferentes ambientes sociais; e 2. analisar as possíveis relações entre esses aspectos (antecedentes e confiança) e as formas como os graduandos percebem a deficiência (concepções de deficiência). Ressalta-se, também, que esta pesquisa pode contribuir para a identificação de elementos a serem considerados na formação de futuros profissionais, que poderão vir a trabalhar cotidianamente com PcDs, assim como todos os interessados que se dediquem a compreender os desafios acerca dessa dimensão da diversidade.

 

Método

Participantes

Participaram desta pesquisa 800 alunos de graduação dos cursos de Administração, Arquitetura, Ciência da Computação, Engenharias, Psicologia e licenciaturas de quatro universidades públicas do Estado de Minas Gerais. A escolha dessa população se deve ao fato de ser constituída por acadêmicos que poderão vir a atuar com PcDs devido à Lei de Cotas.

Quanto às características sociodemográficas dos universitários que participaram do estudo, a amostra foi composta por 50,1% de estudantes do sexo masculino e 49,9% do sexo feminino, com idade média de 23,78 anos (DP = 4,8), variando de 19 até 60 anos, das quais 1% tem algum tipo de deficiência. A distribuição dos graduandos, por curso, foi a seguinte: 28,5% de Engenharias, 28,4% de licenciaturas, 17,5% de Administração, 15,8% de Psicologia, 4% de Ciência da Computação, 3,9% de Teatro e 2,1% de Arquitetura.

Instrumentos

Questionário sociodemográfico e de identificação de antecedentes: objetivou caracterizar os participantes da pesquisa mediante variáveis sociais e demográficas, tais como curso, experiência prévia com PcDs, ambiente e frequência de convívio com essas pessoas.

Inventário de Concepções de Deficiência em Situações de Trabalho (ICD-ST): escala autoadministrada, proposta por Carvalho-Freitas e Marques (2010), para avaliação das concepções de deficiência historicamente reproduzidas. A análise das propriedades psicométricas, no estudo original, com 163 gerentes de 18 empresas brasileiras, obteve os seguintes resultados: consistência interna satisfatória e estrutura fatorial composta por seis fa tores principais, identificados em termos de matrizes e percepções, com coeficiente alfa de Cronbach variando de 0,53 a 0,81, que explicam 49% da variância total (Carvalho-Freitas & Marques, 2010).

Questionário de confiança: construído, no presente estudo, para avaliar a propensão para confiar dos universitários. É um questionário autoaplicável, composto por 11 itens, com escores variando de 0 (discordo totalmente) a 6 (concordo totalmente). A análise fatorial identificou três fatores que compõem o construto confiança, com coeficiente alfa de Cronbach variando de 0,469 a 0,671, que explicam 51,64% da variância total: compromisso, integridade e prudência. A construção desse questionário se ancorou nos pressupostos teóricos do modelo de confiança organizacional elaborado e revisado por Schoorman et al. (2007).

Procedimento

Antes da aplicação dos questionários, foi conduzido um estudo piloto com alguns universitários, para correção de eventuais problemas com os instrumentos. Os universitários participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da universidade.

Para o desenvolvimento dos objetivos da pesquisa, utilizaram-se os seguintes procedimentos estatísticos: estatística descritiva, a fim de conhecer a distribuição percentual das respostas dos questionários; teste estatístico de Shapiro-Wilk, para verificar se a distribuição amostral dos dados atendia aos pressupostos de normalidade; análise da correlação de Spearman, para verificar a ocorrência de correlações (direção e intensidade) entre os construtos estudados; e teste de qui-quadrado de Pearson, para a comparação e verificação de independência das variáveis categóricas. Adotaram-se, como intervalo de confiança, p < 0,05 e p < 0,01.

 

Resultados

Concepções de deficiência predominantes entre os universitários

A Tabela 1 mostra as médias referentes às concepções de deficiência da amostra pesquisada, em uma escala que varia de 1 a 6. Os resultados apresentados a seguir indicam os escores para cada fator.

 

Na matriz espiritual, a média obtida foi de 2,02, o que demonstra que os respondentes discordam muito dos pressupostos de que a deficiência tem uma origem divina ou sobrenatural. Na concepção baseada na normalidade, a média encontrada foi de 3,20, indicando que os universitários discordam pouco de que as PcDs são mais vulneráveis e tendem a ter atitudes inadequadas no trabalho. Em contrapartida, a concepção baseada na inclusão (M = 4,61) foi a que obteve maior média dentre todos os fatores, o que indica que essa amostra de futuros profissionais concorda que, se oferecidas as condições necessárias, as PcDs podem exercer qualquer função, assim como é possível a inclusão delas nos mais diversos espaços sociais.

No fator desempenho, foi obtida uma média de 1,89, o que indica, na percepção dos universitários, um alto nível de discordância de que o trabalho das PcDs seja in­ferior e improdutivo se comparado ao das demais pessoas. No fator vínculo, encontrou-se média de 3,14, o que evidencia uma tendência a discordar de que as PcDs são, em geral, mais comprometidas e estáveis no trabalho. E o fator benefício, cuja média foi de 4,29, aponta que esses universitários percebem que a contratação de PcDs é um elemento importante, em termos de imagem perante os clientes e funcionários, para a organização em que podem vir a atuar.

Confiança dos universitários

A Tabela 2 mostra os resultados das médias referentes a prudência, integridade e compromisso dos universitários, em uma escala que varia de 1 a 6. Os resultados apresentados a seguir indicam que os universitários apresentaram escores baixos nos fatores pesquisados.

 

 

A análise realizada para cada fator teve como objetivo identificar, na percepção dos universitários, as diferentes dimensões da confiança em relação às outras pessoas. De acordo com os valores das médias, o fator prudência foi o que apresentou maior resultado (M = 4,27), o que indica que os universitários concordam em ser prudentes ao delegarem tarefas e monitorarem o trabalho do outro. Observou-se ainda que o fator integridade, que avalia a confiança de que o outro cumprirá as tarefas que lhe são delegadas, obteve média de 3,80. Por último, o fator compromisso, que se refere à sinceridade e honestidade do outro ao falar de suas habilidades, em termos de qualificações técnicas, obteve média de 3,52, apresentando o menor valor entre os fatores pesquisados.

Concepções de deficiência, antecedentes e confiança: correlações entre os construtos

Para analisar as relações entre concepções de deficiência e as percepções de confiança, correlacionaram-se os fatores do questionário construído especificamente para este estudo com os fatores ICD-ST (Carvalho-Freitas & Marques, 2010). Primeiramente, utilizou-se o teste de normalidade de Shapiro-Wilk, tendo sido constatado o não atendimento dos pressupostos de normalidade estatisticamente recomendados. Decidiu-se, portanto, por utilizar o coeficiente de correlação de Spearman.

Quanto às correlações dos fatores (Tabela 3), embora apresentem baixa intensidade, observam-se as seguintes indicações:

Compromisso e inclusão: os resultados evidenciam que há uma correlação positiva entre a confiança no compromisso ou capacidade do outro e os pressupostos da inclusão (p = 0,08; p < 0,05). Nesse sentido, um universitário que deposita confiança no compromisso das pessoas em geral, isto é, que acredita que as pessoas descrevem honestamente suas capacidades e habilidades técnicas, também tenderá a acreditar que as PcDs desempenharão suas atividades de maneira competente se lhes derem as condições necessárias para o trabalho (concepção basea­da na inclusão).

Compromisso e normalidade: os resultados indicam que há uma correlação negativa entre a crença no compromisso e a concepção normativa (p = -0,076; p < 0,05) da deficiência. Nessa perspectiva, aqueles universitários que confiam no compromisso das pessoas também acreditam que a PcD não deve ser vista a partir da deficiência, mas sim priorizando o seu potencial para o trabalho.

Prudência e benefício: os resultados indicaram uma correlação positiva entre o fator benefício (p = 0,084; p < 0,05) e a prudência dos universitários. Nesse sentido, o que predomina, nessa interpretação, é que os benefícios que podem ser gerados pela contratação de PcDs, em termos de prestígio da imagem da organização diante de funcionários e clientes, são também acompanhados de prudência, na percepção dos graduandos, entendida, nesta pesquisa, como uma necessidade de cautela e monitoramento quando se contratam PcDs, sobretudo no que se refere às funções e aos cargos que irão ocupar no contexto organizacional.

Prudência e desempenho: quanto maior a prudência, na percepção dos graduandos, maior a crença de que o desempenho (p = 0,074; p < 0,05) do trabalho das PcDs é inferior e de baixa qualidade. Nessa análise, para os universitários, prevalece a crença de que o trabalho das PcDs não corresponderá às suas expectativas, e, por conseguinte, isso implicará comportamentos de monitoramento, em situações de trabalho, e maior atenção nas atividades por elas desempenhadas.

Prudência e normalidade: quanto maior a prudência, maior a crença na concepção normativa (p = 0,193; p < 0,01) da deficiência. Esse resultado indica que os universitários que são mais prudentes em relação às pessoas, no geral, também apresentam uma tendência a acreditar nos pressupostos da matriz da normali­dade. Nesse sentido, essa interpretação, que concebe a deficiência como um desvio da norma social, num contexto de trabalho, pode significar que esses universitários, ao lidarem com PcDs, provavelmente terão mais cautela em relação a esse público e também apresentarão comportamentos de monitoramento ao lhe pedirem alguma tarefa.

 

 

Visando à consecução do segundo objetivo específico do presente estudo, buscou-se verificar se existiam possíveis relações entre alguns fatores antecedentes, tais como o convívio e a frequência desse convívio com PcDs, em diferentes ambientes sociais, com as crenças que os universitários tinham em relação à deficiência. No que se refere aos antecedentes, foi possível observar que o contato anterior com PcDs, seja na família, seja na escola, por si só, não influencia nas concepções dos universitários acerca da deficiência. Os resultados das correlações (Tabela 3) indicam:

Trabalho e vínculo: os resultados evidenciam que quanto maior a convivência com PcDs no ambiente de trabalho (p = 0,07; p < 0,01), maior a percepção do comprometimento e estabilidade no trabalho dessas pessoas, o que denota que o contato com PcDs pode representar um fator distintivo, sobretudo em relação ao vínculo no contexto de trabalho.

Universidade, social e normalidade: a análise desse resultado mostra que os universitários, em especial aqueles que convivem com PcDs no cotidiano acadêmico (p = -0,07; p < 0,05) ou nos mais diversos ambientes sociais (p = -0,07; p < 0,05), tendem a discordar dos pressupostos da normalidade, ou seja, de que as PcDs precisam ser separadas das demais, quer seja em setores específicos da universidade, quer seja nos mais diversos contextos sociais.

Universidade, social e inclusão: observa-se, em contrapartida ao resultado anterior, uma correlação positiva entre a convivência nos ambientes acadêmicos (p = 0,09; p < 0,01) e sociais (p = 0,07; p < 0,01) e a concordância com os pressupostos inclusivos da deficiência. Nesse cenário, é possível pensar que aqueles universitários que convivem com PcDs, nesses ambientes, acreditam na possibilidade plena de inclusão dessas pessoas e, além disso, concordam que elas podem desempenhar qualquer atividade, desde que a sociedade se prepare para recebê-las adequadamente, respeitando suas particularidades.

Concepções de deficiência e antecedentes: relações de independência

Por fim, para verificar se havia relações de dependência entre as concepções de deficiência e variáveis antecedentes, foi realizado o teste de qui-quadrado de Pearson. Nessa análise, em termos de antecedentes, organizados categoricamente, foram contemplados os seguintes aspectos: se os universitários trabalhavam atualmente, o curso no qual estavam graduando, a experiência prévia com PcDs (positiva ou negativa) e as informações que possuíam sobre necessidade de adequação do ambiente.

Não obstante, quando se analisaram a área de formação e as crenças acerca da deficiência, encontrou-se relação de dependência com as concepções referentes aos fatores benefício (χ2 = 285,039, p = 0,02) e inclusão (χ2 = 218,127, p = 0,00). Dessa forma, é possível inferir que a percepção de pressupostos inclusivos da deficiência, assim como dos benefícios que a contratação de PcDs pode trazer para as organizações, depende da área de formação profissional dos universitários.

Em relação aos fatores inclusão e benefício, as médias apresentaram discrepâncias. Os cursos com enfoque nas ciências humanas, como Teatro (M = 5,20), Letras (M = 4,97), Arquitetura (M = 4,85), Psicologia, (M = 4,81), Educação Física (M = 4,80) e Pedagogia (M = 4,79), apresentaram as maiores médias em relação aos pressupostos da inclusão. No que diz respeito ao fator benefício, as maiores médias foram Engenharia de Produção (M = 4,85) e Engenharia Elétrica (M = 4,65).

No que se refere ao tipo de experiência (positiva ou negativa) que os universitários tiveram previamente com PcDs, há dependência com os fatores benefício (χ2 = 56,992, p = 0,00) e desempenho (χ2 = 50,926, p = 0,01). Esse resultado evidencia que a percepção de benefícios e o desempenho no trabalho das PcDs, em contextos organizacionais, dependem do contato prévio que os universitários tiveram com essas pessoas, se positivo ou negativo.

 

Discussão

Considerando a confiança, os resultados evidenciam que aqueles universitários que têm maior predisposição para confiar no compromisso das pessoas também tendem a concordar com os pressupostos inclusivos da deficiência, ou seja, acreditam que essas pessoas podem executar qualquer trabalho, com competência e qualidade, se lhes forem dadas as condições e práticas adequadas. Além disso, percebem que é necessária­ a modificação do ambiente para que essa inclusão ocorra. Esse resultado está em conformidade com pesquisas dos cenários nacional e internacional (Louvet, Rohmer, & Dubois, 2009; Tanaka & Manzini, 2005), que também identificaram, porém entre empregadores, percepções positivas sobre a capacidade de trabalho das PcDs, desde que fossem feitas as adequações sociais e arquitetônicas necessárias para sua consecução.

Não obstante, os resultados também apontam que uma pessoa com uma inclinação pautada na prudência perante os outros, tenderá de maneira geral, também a desconfiar das potencialidades das PcDs e do seu desempenho no trabalho, considerando necessária a sua segregação em departamentos específicos, no contexto organizacional, e também o monitoramento de suas tarefas, haja vista o risco de realizar o trabalho com baixa qualidade. Esse resultado reflete os cenários de algumas empresas nacionais e estrangeiras, apresentados em diversos estudos (Gartrell, 2010; Ribeiro & Carneiro, 2009), que apontaram que as PcDs ocupavam, na maioria das situações, cargos que exigiam baixa qualificação e também eram segregadas no ambiente de trabalho.

Em concordância com as literaturas nacional e internacional (Araújo & Schmidt, 2006; Carvalho-Freitas & Marques, 2010; Louvet et al., 2009; Shannon et al., 2009), quando os universitários já tiveram alguma forma de contato com PcDs, sobretudo em ambientes sociais, tais como no trabalho ou na academia, observa-se uma percepção mais positiva deles em relação à legítima inclusão dessa diversidade nos diferentes espaços sociais. Esse resultado evidencia que o contexto social no qual a PcD está inserida pode exercer influência nas percepções das pessoas em relação ao seu potencial para o trabalho. Não obstante, constatou-se que o contato prévio, realizado com PcDs, seja na família, seja na escola, não apresenta influência na forma de perceber a deficiência.

De acordo com as contribuições de Shannon et al. (2009), a área de formação profissional também pode influenciar na percepção, positiva ou negativa, acerca da deficiência. A conclusão desses autores está em concordância com o resultado­ encontrado nesta pesquisa, que identificou que a concepção de deficiência, baseada na inclusão, depende da área de formação acadêmica. Ainda de acordo com esses pesquisadores, os cursos com enfoque social são os que apresentam percepções mais positivas sobre a deficiência. E, na presente pesquisa, aqueles universitários de cursos relacionados às ciências sociais e humanas também apresentaram concepções de deficiência pautadas na inclusão.

Conclui-se que a deficiência, por si só, não é um atributo que modifica a percepção das pessoas, ou seja, pessoas com maior tendência a confiar nas demais (compromisso) também tendem a ter uma concepção mais inclusiva da deficiência, e pessoas com maior tendência a desconfiar (prudência) têm uma percepção mais negativa das possibilidades das PcDs. Esse resultado indica que a percepção da deficiência e das possibilidades das PcDs é um fenômeno complexo que envolve outros elementos da experiência das pessoas. Essa constatação é reforçada pelos resultados relacionados à frequência de contato com PcDs em espaços valorizados socialmente, como a universidade, influenciando positivamente a percepção das pessoas sobre a inclusão delas. Esses resultados referendam empiricamente as políticas afirmativas governamentais em seus esforços de incluir PcDs nos cursos superiores, no trabalho e nos diversos espaços sociais, além de ratificar, no contexto brasileiro, resultados da pesquisa de Shannon et al. (2009), que indicam que a convivência com PcDs em situação de maior status social favorece a ressignificação da visão do potencial dessas pessoas.

Sem dúvida, o Brasil oferece políticas de ação afirmativa bastante avançadas no que tange aos direitos da PcDs (Tanaka & Manzini, 2005). Entretanto, como advertem Ribeiro e Carneiro (2009), infelizmente, a simples criação de mecanismos legais de inserção não é suficiente para a garantia de uma efetiva inclusão, sobretudo se esta não for acompanhada de mudanças mais profundas no ambiente de trabalho, o que evidencia que as políticas devem também abranger e assegurar critérios de adequação nos espaços físicos das instituições – equipamentos apropriados –, de modo a garantir a inclusão e permanência de PcDs em ambientes com condições para que possam desenvolver seu trabalho. Em consonância a essa ideia, pesquisas também têm evidenciado as contribuições dessas adequações associadas à necessidade­ de melhoria da formação profissional para essas pessoas e da promoção da acessibilidade física e do desenvolvimento de estratégias de formação para o trabalho (Passerino & Pereira, 2014; Silva, Delalibera & Tanaka, 2012).

Pode-se dizer, portanto, que, em mais de 20 anos desde a sua primeira formulação, a Lei de Cotas trouxe contribuições e conquistas fundamentais para a garantia dos direitos das PcDs. Percebe-se isso nos resultados deste estudo, o qual identificou uma visão inclusiva de universitários quanto à possibilidade de vir a trabalhar com esse grupo de pessoas. No entanto, para que essa ideia se fortaleça e se consolide, torna-se necessária maior fiscalização, sobretudo dos órgãos governamentais, de maneira a cobrar as empresas quanto ao cumprimento da Lei de Cotas não apenas no aspecto da contratação, mas também no investimento em recursos na formação de PcDs e em sua carreira, e na modernização da estrutura física dos espaços, tornando-os mais acessíveis, tal como investigado e sugerido por autores da literatura nacional (Simonelli & Camarotto, 2011; Araújo & Schmidt, 2006; Quintão, 2005; Ribeiro & Carneiro 2009; Tanaka & Manzini, 2005).

Por fim, faz-se necessário considerar que esta pesquisa utilizou uma amostra de conveniência e que esses resultados devem ser investigados em outros segmentos populacionais. Além disso, é preciso contemplar, em futuras pesquisas, outros aspectos relacionados às experiências e aos valores das pessoas na configuração da percepção sobre a deficiência.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
André Luiz Barreto Simas
La­boratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (Lapip)
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei
Praça Dom Helvécio, 74, sala 2.07
São João del-Rei – MG – Brasil. CEP: 36301-160
E-mail: a.luiz88@gmail.com

Submissão: 29.5.2013
Aceitação: 20.9.2014

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