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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.1 São Paulo abr. 2015

 

PSICOLOGIA CLÍNICA

Depressão pós-parto: uma compreensão psicossocial

 

Post-partum depression: psycho-social understanding

 

Depresión posparto: una comprensión psicosocial

 

 

Bruna Rafaele Milhorini GreinertI; Rute Grossi MilaniI
I Centro Universitário de Maringá, Maringá – PR – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Este estudo buscou identificar os fatores psicossociais que podem favorecer o desenvolvimento da depressão pós-parto (DPP). Trata-se de uma pesquisa de cunho descritivo e qualitativo. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, numa amostra de oito mães com idade entre 20 e 38 anos e que foram diagnosticadas com DPP. Os resultados obtidos com a pesquisa possibilitaram a compreensão dos fatores psicossociais que exercem influência sobre a manifestação da patologia, pois se verificou que o sentimento de despreparo e de incapacidade ante a maternidade, a idealização da maternidade e a preocupação com a vida profissional e com a situação financeira contribuem para o desenvolvimento da DDP. Conclui-se que são necessários programas de prevenção da DPP que levem em consideração os fatores psicossociais descritos, os quais poderiam ser desenvolvidos durante a gravidez, pois as alterações físicas, emocionais e sociais já começam a florescer na futura mãe.

Palavras-chave: gestação; puerpério; maternidade; depressão materna; aspectos psicossociais.


Abstract

Current descriptive and qualitative analysis identifies psychological and social factors that favor the development of post-partum depression (PPD). Data were collected by half-structured interviews in a sample composed of eight mothers, aged between 20 and 38, diagnosed with PPD. Results provided the understanding of psychosocial factors that affected the manifestation of the pathology. Lack of preparation and inability to cope with motherhood, the idealization of motherhood and concern on the professional life and financial conditions contributed towards PPD. PPD prevention programs that take into consideration the described psychosocial factors are required. They may be developed during pregnancy since the physical, emotional and social changes are already blooming for the future mother.

Keywords: pregnancy; puerperium; motherhood; maternal depression; psychosocial aspects.


Resumen

Este estudio tuvo como objetivo identificar los factores psicológicos y sociales que pueden favorecer el desarrollo de la depresión posparto (DPP). Se trata de una investigación descriptiva y cualitativa. Los datos fueron recolectados por medio de entrevistas semiestructuradas realizadas con ocho madres que tenían entre 20 a 38 años y que habían sido diagnosticadas con DPP. Los resultados obtenidos con la investigación posibilitaron la comprensión de los factores psicosociales que influyen en la manifestación de la patología, pues se verificó que el sentimiento de falta de preparación y de incapacidad frente a la maternidad, la idealización de la maternidad, la preocupación con la vida profesional y con la situación financiera contribuyen para el desarrollo de la DPP. Se concluye que son necesarios programas de prevención de la DPP que tengan presente los factores psicosociales descriptos, los cuales podrían ser desarrollados en el período del embarazo.

Palabras clave: gestación; puerperio; maternidad; depresión materna; aspectos psicosociales.


 

 

A depressão pode ocorrer em qualquer fase da vida, até mesmo em momentos considerados felizes, alegres, de comemorações e de conquistas. A depressão pode manifestar-se em mulheres no pós-parto, pois os eventos naturais desse período somados à propensão psicológica e psicossocial agravam a vulnerabilidade da mulher, deixando-a fragilizada (Silva & Botti, 2005).

No período que compreende a gravidez, a mulher sofre intensas alterações fisiológicas que envolvem modificações hormonais e visíveis transformações corporais. Essas alterações são essenciais, pois darão condições para que a gestante consiga suprir as necessidades do feto que está em desenvolvimento. De acordo com Primo e Amorim (2008), ainda durante a gravidez, a mulher pode apresentar sintomas de muita angústia e ansiedade, devido à necessidade de adaptação a novas situações advindas das atividades da maternidade. Após o nascimento do bebê, a mãe inicia um novo período em sua vida, o puerpério. Essa fase inicia-se com o parto e finda quando o corpo da mulher retorna ao estágio prévio à gestação (Catafesta, Zagonel, Martins, & Venturi, 2009). Além das transformações fisiológicas, o puerpério proporciona alterações emocionais nas mulheres, sendo as mais citadas pelas mães o nervosismo, a tristeza e o choro fácil (Silva, Araújo, Araújo, Carvalho, & Caetano, 2010).

Em decorrência dessas transformações, a mulher pode apresentar medos, dúvidas e angústias quanto à sua capacidade de cuidar do bebê, ao querer ou não estar grávida. As transformações que ocorrem com a mulher no período gravídico-puerperal proporcionam condições para o desenvolvimento da depressão pós-parto (DPP) e de outras patologias de ordem psíquica nas mães. Dessa forma, é necessário entender se os aspectos emocionais da mulher durante a gravidez podem influenciar o desenvolvimento da DPP.

Com essa compreensão dos aspectos psicológicos, pode-se inferir que a mulher, ao passar pela gestação e maternidade, enfrenta intensas mudanças. A mãe, ao passar pelo puerpério, pode sofrer um confronto entre seu mundo imaginário – que idealiza seu bebê – e a realidade. Após o nascimento da criança, a mãe depara-se com o bebê real, produção sua e que pode ser diferente daquele que imaginou. Algumas mães podem com facilidade gostar da imagem idealizada de seu filho, mas não do bebê real, fruto de sua produção (Maldonado, 1997). Essa criança agora precisa ser amamentada e cuidada, pois é totalmente dependente da mãe, que, nos primeiros dias, pode sentir-se cansada pelas novas atividades desenvolvidas com o advento da maternidade. Muitas vezes, a mãe idealiza uma criança tranquila e calma, mas, quando se depara com a realidade de muito choro e noites maldormidas, pode ficar assustada com essa nova fase de sua vida, uma vez que a maternidade lhe traz novas preocupações para com o cuidado do bebê.

Segundo Arrais (2005), é possível apontar alguns pontos relacionados com a explicação da manifestação da DPP. Para a autora, em alguns casos, não há uma preocupação com as dificuldades vivenciadas pela mãe. Além disso, a vida da mulher passa por alterações nos âmbitos profissional, social e emocional. Enquadrar-se nesses novos padrões pode gerar situações de crise. Dessa forma, a mãe vê-se obrigada a reprimir esses sentimentos negativos com medo de uma represália. Tal atitude pode levar a uma cristalização dos sintomas depressivos.

Não podemos afirmar que a DPP se dá apenas em mulheres que tiveram uma gravidez indesejada ou que estejam passando por problemas conjugais e crises financeiras. É certo que essas questões podem contribuir para o aparecimento da DPP, porém não é uma regra.

Em um estudo realizado por Moraes et al. (2006), que visou avaliar a prevalência e os fatores associados à DPP, verificou-se que as mães de menor escolaridade e nível socioeconômico mais baixo apresentaram maior prevalência da patologia. Tais conclusões são concordantes com os achados de Kerber, Falceto e Fernandes (2011) que também constataram a associação entre DPP e baixa renda familiar.

Rodrigues e Schiavo (2011) desenvolveram um estudo com o objetivo de descrever e comparar as fases do estresse de primigestas no terceiro trimestre de gestação e no pós-parto e correlacioná-las à ocorrência de DPP. Verificaram que 78% das entrevistadas manifestaram sinais de estresse no terceiro mês de gestação e 63% apresentaram no pós-parto. O estudo concluiu que há uma relação entre o estresse vivenciado pela mulher e a DPP. Figueira, Diniz e Silva (2011) corroboram tal afirmativa, pois, segundo os autores, há associação entre eventos estressantes na gravidez e o aparecimento da DPP.

Faisal-Cury e Menezes (2012) realizaram um estudo que visou estimar a relação entre a depressão pré-natal e a pós-natal em mulheres recrutadas de clínicas de atenção primária em São Paulo. Os autores constataram que a DPP é influenciada pela depressão pré-natal, o que seria o principal preditor para o desenvolvimento da patologia. Portanto, faz-se necessária a identificação do transtorno materno nas consultas pré-natais para que os profissionais da saúde realizem intervenções o mais precoces possível.

Azevedo e Arrais (2006) desenvolveram um estudo que visou promover reflexões acerca da DPP, enfatizando os fatores psicossociais envolvidos, realizado por meio de um estudo de caso sobre uma das participantes do grupo de apoio e orientação a mães com DPP. Pôde-se observar a influência de muitas variáveis sobre o comportamento da entrevistada, como: sentimento de fracasso e incompetência para ser mãe, insônia e dificuldade para dar conta da vida profissional e familiar com êxito. Sobretudo, o estudo revela o quão prejudicial pode ser a idealização da maternidade como um estado de plena felicidade e perfeição, sendo este um dos fatores responsáveis pelo surgimento da patologia.

Sousa, Prado e Piccinini (2011), em um estudo que buscou investigar as representações acerca da maternidade no contexto da DPP, verificaram que se faz necessária uma reorganização da identidade da mãe às mudanças que ocorreram a partir da concepção do feto, pois agora a mulher deixa de ser filha para ser responsável pela formação de um novo ser, para ser mãe. Com este estudo, os autores concluíram que a DPP estaria ligada às representações negativas sobre a maternidade, como: sentir-se incapaz para o cuidado com o bebê e de não compreender as necessidades dele. Agora essas mães devem conciliar antigos e novos papéis de sua vida, o antes e o depois da gestação, pois são responsáveis pela criação e formação de um novo ser.

A mulher, ao exercer as novas funções advindas da maternidade, deve tentar conciliar a nova rotina de cuidados para com o bebê às funções que já exercia anteriormente à gestação, como a sua vida profissional, escolar e social. Entretanto, em um estudo realizado por Schwengber e Piccinini (2005), constatou-se que apenas as mães com indicadores de depressão relataram ter dificuldades para retornar ao emprego ou recomeçar os estudos, devido ao excesso de cuidado dispensado ao bebê. Além disso, as mães com DPP apresentaram-se menos satisfeitas com o apoio recebido de seu núcleo familiar.

Quanto ao ambiente familiar, um estudo realizado por Konradt et al. (2011) buscou verificar o impacto da percepção do suporte social durante a gestação como fator de proteção para a depressão no período de 30 a 60 dias após o parto. De acordo com esse estudo, o risco de desenvolver a patologia foi duas vezes maior em mulheres que não tiveram amparo de seus companheiros, familiares e/ou amigos durante a gestação. Os autores concluíram que o fortalecimento do suporte social à gestante por meio de uma intervenção precoce com a mãe e seu grupo social contribui para a diminuição de ocorrência de DPP. Tais conclusões são concordantes com os achados de Fonseca, Silva e Otta (2010), que constataram que o apoio social percebido pela mãe funciona como fator protetor para o desenvolvimento de sintomas depressivos.

Considerando a literatura exposta, pode-se inferir que a gestação e a maternidade são períodos que provocam intensas transformações na vida da mulher, já que tais modificações podem deixá-la emocionalmente mais vulnerável e fragilizada. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi compreender os fatores psicossociais que podem favorecer a manifestação da DPP.

Método

O presente estudo é uma pesquisa qualitativa que visa relacionar a questão da intencionalidade e do significado como inseparável às ações, estruturas e relações sociais humanas (Minayo, 2004). No que se refere aos seus objetivos, a pesquisa é descritiva, pois objetiva "a descrição das características de determinada população ou fenômeno" (Gil, 2002, p. 42).

Participantes

Selecionaram-se oito mulheres casadas que apresentavam diagnóstico médico de DPP e que tinham idade entre 20 e 38 anos. Os critérios de exclusão foram os seguintes: ser menor de 18 anos e ter recém-nascidos com má-formação congênita ou falecidos. As mulheres foram selecionadas por meio da técnica snowball, que visa à identificação de um grupo inicial de participantes que preenchem as características exigidas pelo estudo. Esse grupo inicial indica novos indivíduos que se enquadrem nas características da pesquisa, assim sucessivamente até que o número desejado de participantes seja atingido (Baldin & Munhoz, 2011).

Instrumentos

Utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturada, composto por algumas perguntas sobre os aspectos emocionais da mãe ao descobrir que estava grávida e o discurso dela quanto às mudanças provocadas pela gestação em sua autoimagem, nos aspectos psicológicos e na condição financeira.

Procedimento de coleta e análise dos dados

Inicialmente, foi feito contato com mães que haviam sido diagnosticadas com DPP para obter o consentimento delas para participar da pesquisa. Expuseram-se ainda o objetivo do presente trabalho e o modo como seria realizado. No contato com as entrevistadas, esclareceu-se qualquer dúvida apresentada pela mãe e informou-se que os dados obtidos na entrevista seriam confidenciais e protegidos pelo sigilo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Centro Universitário de Maringá, sob o Protocolo n. 307/2011.

O processo de coleta de dados foi realizado de maneira individual com o pesquisador, que agendou um horário a gosto da entrevistada, havendo o deslocamento dele até o local de preferência das participantes.

Após a coleta de dados, estes foram submetidos à análise e discussão. O procedimento utilizado foi a análise de conteúdo, que permite ao pesquisador ir além da compreensão simples da realidade e busca uma investigação mais profunda das comunicações (Bardin, 1977).

Resultados e discussão

Com base nos dados coletados, os resultados serão apresentados em quatro categorias: sentimento de despreparo e de incapacidade ante a maternidade, idealização da maternidade, preocupação com a vida profissional e preocupação com a situação financeira.

Sentimento de despreparo e de incapacidade ante a maternidade

A partir do relato das mães com histórico de DPP, pôde-se observar que elas, em algum momento, sentiram-se incapazes e despreparadas para enfrentar a gestação e a maternidade. Segundo Azevedo e Arrais (2006), a mulher com DPP pode apresentar sentimento de fracasso e incompetência para ser mãe. Os achados em nosso estudo corroboram tal afirmativa, pois, ante a descoberta da gravidez, algumas mães foram surpreendidas pelo sentimento de incapacidade e pelo pensamento de não terem condições para cuidar de uma criança:

Engravidei, e agora o que vai ser da minha vida? Parecia uma adolescente grávida. Meu Deus, e agora? Será que eu vou saber cuidar de uma criança? (E8).

Eu pensava também como que seria quando eu chegasse em casa com esse bebê, eu não sei fazer nada. Eu me sentia destruída, horrível. Isto porque eu tinha um bebê que só chorava, não sabia cuidar (E5).

Uma sensação de não ter condição para cuidar dele. Eu tinha medo de machucá-lo ao dar banho (E3).

As mães, ao passarem pela maternidade, sofrem intensas transformações, pois devem se adaptar às novas atividades que esse período proporciona (Primo & Amorim, 2008). Dessa forma, a mãe deve tentar conciliar as atividades que desenvolvia anteriormente à gestação às novas funções advindas da maternidade, adaptando-se a essas mudanças. Segundo Sousa et al. (2011), é necessário que a nova mãe reorganize sua identidade, devido às mudanças que a maternidade lhe trouxe. Antes da gravidez, a mulher ocupava o papel de filha, e, após o nascimento do bebê, ela deve ser responsável pelo cuidado e pela formação de seu filho, deve ocupar o papel de mãe. Porém, os relatos nos revelam que algumas mães podem não conseguir reorganizar sua identidade, tendo dificuldades para assumir o papel materno e ainda possuem forte dependência em relação à própria mãe:

É um baque muito grande você sair da casa da mãe e ir para a sua, você não acredita que é seu. Você sabe que tem que ficar em casa, mas você quer ficar com a sua mãe. Eu queria voltar para a casa dela, dormir na minha cama, não queria dormir com meu marido (E4).

Eu não queria ser cuidadora. Eu não queria ser mãe, não queria deixar de ser filha pra ser mãe. Era muito sofrido deixar de ser filha pra ser mãe, não me achava preparada e nem achava que daria conta de cuidar dela (E1).

Eu tinha um pensamento muito de "não nasci para ser mãe", não sei por que eu tive filho. A vida inteira agora essa criança depende de mim, nunca mais minha vida vai ser a mesma (E8).

A criança chorava sem parar. Nesses momentos, eu dava a criança para minha mãe e saía correndo. Eu mandava minha mãe cuidar, eu não sabia cuidar. Tampava meus ouvidos, ficava rodeando a criança, ficava nervosa. Não tinha o que eu fazer (E7).

Com base nessas considerações, percebe-se que a maternidade promove intensas alterações na vida da mulher, exigindo dela uma adaptação às novas funções advindas do cuidado com o bebê. Algumas mães, por não estarem psicologicamente preparadas para passar pela maternidade, podem apresentar dificuldades para assumir o papel materno, além de se sentirem incapazes de cuidar do bebê. Tais aspectos podem contribuir para o surgimento de sintomas depressivos e, consequentemente, da DPP.

Idealização da maternidade

A idealização da maternidade foi observada no relato das participantes do estudo, uma vez que estas imaginavam o filho como um bebê calmo e tranquilo e, quando se depararam com a realidade do recém-nascido que chora, tem cólicas, precisa ser amamentado e passa noites maldormidas, ficaram confusas e apresentaram dificuldades para fazer essa transição do bebê idealizado para o real. Segundo Maldonado (1997), a mãe pode com facilidade amar o filho que idealizou, mas não o bebê real que produziu.

Eu pensava que ia ser tranquilo, pensava que a maternidade ia ser normal. Mas, quando o meu filho nasceu, ele ficou a noite toda sem dormir. Os quatro primeiros meses ele passou chorando de cólica. Isso eu não esperava, não imaginava que ia ser assim. Pensava que ia ser tudo tranquilo, não esperava esses problemas (E8).

Ela quase não dormia e chorava, chorava. Eu ia amamentá-la e ela não queria. Foi desesperador, eu só chorava. Isso foi por quase seis meses. Isso me deixava superarrasada, nervosa, estressada, e teve vezes de eu querer ir embora, largar tudo, e desaparecer e dormir. Ter um silêncio meu de paz, de descanso. Eu pensava quando que eu teria uma noite de sono inteira, porque eu não sabia mais o que era dormir, nem de dia nem à noite (E5).

Segundo Azevedo e Arrais (2006), um dos fatores que influenciam o desenvolvimento da DPP seria a idealização da maternidade como um momento de pleno gozo e perfeição. Esse fato evidencia-se em nosso estudo, uma vez que as mães imaginavam a maternidade como um estado de plena felicidade, mas, ao se depararem com a realidade, sentiam-se angustiadas e frustradas:

O fator que me deixou mais estressada foi a amamentação, porque eu não conseguia amamentar. Eu desejei tanto aquele bebê que eu não me conformava de não conseguir amamentar. Então, quando ele chorava, parecia que eu ficava com raiva, sabe? Era isso que me doía. Eu queria tanto esse filho, mas, a hora que chegou em casa, eu não queria ele perto de mim. É que a gente cria uma percepção de tudo perfeito. E não foi perfeito (E6).

A mãe, ao idealizar a maternidade e a chegada do recém-nascido como um momento de pura alegria e felicidade, esquecendo-se das dificuldades que poderá enfrentar para cuidar dele, como amamentação, cólicas e noites maldormidas, pode sentir-se frustrada e não entender o motivo de sua tristeza.

Preocupação com a vida profissional

Foi possível verificar que as mães apresentaram preocupação com a vida profissional. Segundo Arrais (2005), a gestação e a maternidade geram transformações na vida da mulher, que irão refletir em sua vida profissional. Algumas mães, durante esse processo, têm que abrir mão de sua carreira profissional, e esse é um fator que gera preocupação e um sentimento de tristeza na mulher. Esse fato é confirmado pelos relatos apresentados a seguir:

Meu sofrimento não foi devido à gestação, mas sim à minha profissão, porque eu estava no primeiro ano trabalhando na clínica. Eu sou autônoma, eu que faço o meu horário. Então, eu fiquei preocupada um pouco como seria com os pacientes, se eles retornariam (E3).

Como grávida não consegue emprego, fiquei todo esse período sem trabalhar. Eu ficava triste, porque só meu marido trabalhava, e eu tinha ficar em casa o dia inteiro e não podia ajudar ele (E8).

Quando eu estava com seis meses, minha médica proibiu de viagens, porque eu viajava a trabalho, eu dirigia. Então tinha sempre que contar com a ajuda de algum colega de trabalho que fosse comigo, só como motorista. Então, eu acho que isso foi prejudicial para minha carreira (E5).

Logo tive que me afastar do trabalho devido ao risco da gravidez. pois o médico disse que minha gravidez era de risco, por isso não poderia fazer esforços (E2).

De acordo com Schwengber e Piccinini (2005), mães com indicadores de depressão apresentam dificuldades para retornar ao emprego devido ao excesso de cuidado dispensado ao bebê. Tal informação é concordante com os achados em nosso estudo, pois as mães apresentaram dificuldades para retornar ao mercado de trabalho após a gestação e conciliar sua vida profissional ao cuidado dispensado ao filho.

A gravidez afetou minha vida profissional, porque daí já não é a mesma coisa, eu já não me concentrava mais. A profissão que me deixou preocupada, porque eu queria cuidar do meu filho e trabalhar. Isso foi difícil, tive que abrir mão da minha carreira (E6).

Falei para eles que eu tinha toda intenção de voltar a trabalhar depois da gravidez. Foi algo que não aconteceu (E5).

A gestação e a maternidade exigem da mãe um novo ritmo de vida, pois agora deve ser responsável pelo cuidado de uma criança. Essa nova fase de sua vida pode desencadear dificuldades em conciliar o cuidado materno com a vida profissional, e, em alguns casos, a mulher abre mão de sua profissão para dedicar-se apenas à maternidade, fator que pode gerar um intenso sentimento de tristeza na mãe.

Preocupação com a situação financeira

As mães apresentaram, em seus relatos, intensa preocupação com a condição financeira, uma vez que a chegada do bebê exige novos gastos e alterações na renda familiar.

Tínhamos a intenção de financiar uma casa quando eu descobri a gravidez [...] e de repente ter que continuar no aluguel, porque não íamos poder contar com esse salário. E custos, todo mundo falava: "Criança dá gasto, criança dá gasto". E a gente não sabia realmente quanto, o que seria esse gasto. Foi meio assustador (E5).

Além da preocupação com os novos gastos com o bebê, a baixa renda familiar pode afetar o estado emocional da mãe. Segundo Moraes et al. (2006) e Kerber et al. (2011), a DPP está associada à baixa renda familiar. Esse dado foi constatado em nossa pesquisa, uma vez que metade das mães relatou que, durante o período da gestação e maternidade, a condição financeira e econômica estava restrita, e, em alguns casos, apenas o marido trabalhava para suprir as necessidades da casa.

Eu lembro que a gente, graças a Deus, nunca deixou de pagar uma conta, nunca. Mas, por outras condições, a gente passou um pouco de necessidade em alimentos. Graças a Deus que eu não era daquelas grávidas que tinha vontade de comer tudo. [...] a gente não tinha condições. Eu ficava muito triste com isso (E8).

A gestação afetou nossa renda. Porque minha gravidez foi de risco e eu tive que passar tudo para o particular. Eu comecei pelo SUS, mas tive que passar para o particular porque foi de risco. Era tudo muito caro (E4).

Foi bem difícil. Neste momento, nossa renda familiar estava pouca. Não trabalhei fora durante a gestação e maternidade, só meu marido (E7).

Dentre as várias dificuldades enfrentadas pela mulher, a situação financeira seria uma das que mais causam preocupações nas mães, pois os medos dos gastos advindos da maternidade e a baixa renda familiar as deixam mais vulneráveis para o desenvolvimento da DPP.

Este trabalho visou identificar os fatores psicológicos e sociais que favorecem a DPP. Com base nos dados coletados, evidenciou-se que o sentimento de despreparo e de incapacidade da mulher ante a maternidade é um fator preponderante para o desenvolvimento da patologia, deixando-a suscetível ao sentimento de fracasso e de incompetência para ser mãe. Observou-se que os fatores sociais irão reforçar os sintomas depressivos da mulher, pois, em decorrência da maternidade, sua vida profissional, financeira e social será afetada, exigindo uma nova adaptação de sua rotina aos cuidados com o bebê.

O estudo revela a necessidade de novas pesquisas empíricas que contribuam para a compreensão dos fatores psicossociais que irão influenciar o desenvolvimento da DPP, pois auxiliariam a explanar os cuidados e as recomendações para a elaboração de novos programas de intervenção voltados à saúde mental da mulher. Conclui-se que são necessários programas de prevenção da DPP e que estes poderiam ser desenvolvidos no período da gravidez, pois as alterações físicas, emocionais e sociais já começam a florescer na futura mãe.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Bruna Rafaele Milhorini Greinert
Avenida Guedner, 1.610, Bloco 7, Jardim Aclimação
Maringá – PR – Brasil. CEP: 87050-900
E-mail: brunamilhorini@hotmail.com

Submissão: 11.12.2013
Aceitação: 26.11.2014

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