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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.1 São Paulo abr. 2015

 

DESENVOLVIMENTO HUMANO

Hospital toy library: the view of the child accompanying

 

Hospital toy library: the view of the child accompanying

 

Ludoteca hospitalaria: la visión de los acompañantes de los niños

 

 

Mayara Barbosa Sindeaux LimaI; Luísa Sousa Monteiro OliveiraI; Celina Maria Colino MagalhãesI; Maria Luisa da SilvaI
I Universidade Federal do Pará, Belém – PA – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Nas últimas décadas, os hospitais têm criado estratégias que visam humanizar a assistência à saúde, entre as quais se destaca a implantação de brinquedotecas. Este estudo teve como objetivo geral investigar a percepção dos acompanhantes de pacientes pediátricos acerca desses espaços. Participaram 39 acompanhantes de quatro hospitais. Para esta investigação, utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturada, cujos dados foram analisados por meio da análise de conteúdo. Os resultados indicaram que os participantes conceituam a brinquedoteca a partir das atividades que são realizadas no espaço e das relações estabelecidas entre as pessoas e os objetos que lá se encontram. Além disso, consideram-na como promotora de desenvolvimento e bem-estar. O brincar foi compreendido pelos acompanhantes como parte da experiência de ser criança e permiti-lo no hospital favorece a preservação de um importante componente da rotina infantil. Em síntese, os acompanhantes avaliam a brinquedoteca como espaço promotor de saúde e desenvolvimento.

Palavras-chave: brincar; brinquedoteca; hospital; acompanhantes; criança.


Abstract

In the last decades, hospitals have created strategies to humanize the health assistance, among these there is the implementation of toy library. This study had as general objective investigate the perception of the accompanying of pediatric patients on these spaces. There were 39 accompanying participants of four hospitals. For this investigation we used a semi-structure interview script, and the collected data were analyzed using content analysis. The results indicated that the participants conceptualize the playroom from the activities that are held in the space and the relationships established between people and the objects found there. Also, they consider it as a promoter of development and welfare. The play was understood by accompanying as part of being a child experience and allows it in the hospital favors the preservation of an important component of children's routine. In summary, the accompanying evaluated the playroom as a space of health and development promotion.

Keywords: play; toy library; hospital; accompanying; child.


Resumen

En las últimas décadas, los hospitales crearon estrategias destinadas a humani­zar la asistencia sanitaria, entre ellas, se destaca la implantación de ludotecas. El estu­dio pretende investigar la percepción de los acompañantes de pacientes pediátricos sobre estos espacios. Participaron 39 acompañantes de cuatro hospitales. Fue utilizado un guión­ de entrevista semiestructurada, siendo los datos analizados mediante análisis de contenido. Los resultados indicaron que los participantes conceptúan la ludoteca a partir de las actividades que se realizan en el espacio y de las relaciones que se establecen­ entre las personas y de estas con los objetos que están allí. Además, la consideran como promotora de desarrollo y bienestar. Los acompañantes entendieron el juego como parte de la experiencia de ser un niño y dejarlo en el hospital promueve la preservación de un importante componente de la rutina infantil. En resumen, los acompañantes evalúan la ludoteca como espacio promotor de salud y desarrollo.

Palabras clave: jugar; ludoteca; hospital; acompañantes; niño.


 

 

Segundo Bronfenbrenner (1996), a pessoa é protagonista do próprio desenvolvimento, entendido como um processo em que o indivíduo adquire uma concepção mais ampliada, diferenciada e válida do meio ecológico. Nesse sentido, o brincar é propulsor do desenvolvimento humano, pois, quando a criança brinca, ela apreende o mundo à sua volta e participa ativamente da cultura lúdica e de uma cultura construí­da com seus pares. O brincar permite à criança exercitar suas capacidades e desenvolver os aspectos motores, cognitivos e socioafetivos (Cordazzo, Westphal, Tagliari, Vieira, & Oliveira, 2008).

Além dos estudos sobre o desenvolvimento humano, pesquisas na área de ciências da saúde também têm se voltado para o estudo do brincar, em especial sobre os efeitos da brincadeira para a promoção da saúde de crianças hospitalizadas (Drummond, Pinto, Santana, Modena, & Schall, 2009; Silva, Borges, & Mendonça, 2010).

A hospitalização impõe à criança e ao seu acompanhante a vivência de situações novas, como: rotina padronizada, procedimentos invasivos, afastamento do ambiente familiar e comunitário. Todas essas mudanças podem causar uma ruptura na rotina de vida da criança, o que pode ser prejudicial. Nesse sentido, a hospitalização pode se tornar um fator de risco ao desenvolvimento infantil (Hostert, Enumo, & Loss, 2014; Oliveira, Gabarra, Marcon, Silva, & Macchiaverni, 2009; Silva et al., 2010).

Salienta-se que o processo de desenvolvimento da criança é contínuo, a hospitalização não o interrompe, mas insere o infante em um novo microssistema. É a partir das relações mútuas que se estabelecem entre a criança e esse novo contexto que tal evento pode se tornar prejudicial ou mesmo favorecer o desenvolvimento saudável (Oliveira et al., 2009).

A promoção da saúde no contexto hospitalar deve envolver, portanto, mais que a busca pelo equilíbrio orgânico, incluindo a preservação e a estimulação dos aspectos saudáveis do desenvolvimento da criança. Nessa perspectiva, a implantação de brinquedotecas é essencial por favorecer e estimular o brincar (Hostert et al., 2014; Melo & Valle, 2010; Oliveira et al., 2009; Paula & Marques, 2011).

No Brasil, a Lei n. 11.104, de 21 de março de 2005, dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação. O artigo 2º da mesma lei considera a brinquedoteca como o espaço provido de brinquedos e jogos educativos destinados a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincar.

O brincar livre e espontâneo, experimentado pelas crianças e por seus acompanhantes na brinquedoteca, propicia a interação em momentos prazerosos. Somado a isso, os pais se sentem, em geral, mais tranquilos e satisfeitos quando veem sua criança hospitalizada brincando, uma vez que a percebem em condições de resgatar uma de suas atividades rotineiras (Carvalho & Begnis, 2006).

A brinquedoteca deve ser, portanto, um contexto que ofereça ao adulto suporte social e emocional, amplie sua visão acerca do brincar e incentive o comportamento lúdico do adulto, o que, além de favorecer um relacionamento mais estreito com a criança, pode facilitar a sua própria expressão de sentimentos e o aumento da sensação de bem-estar (Carvalho & Begnis, 2006; Drummond et al., 2009).

Estudos que investigam as ideias dos acompanhantes a respeito da brinquedoteca hospitalar indicam que esta beneficia tanto as crianças quanto seus familiares. Em geral, as pesquisas mostram que eles recomendam esse tipo de assistência a outras instituições e defendem que as atividades favorecem a adesão ao tratamento, a redução da ociosidade, a promoção de bem-estar, a socialização e a criação de rede de apoio (Azevedo, Santos, Justino, Miranda, & Simpson, 2008; Drummond et al., 2009; Hostert et al., 2014; Oliveira et al., 2009).

Pecoraro e Saggese (2008), ao investigarem os resultados de cinco anos do funcionamento de uma brinquedoteca situada no Instituto de Oncologia Pediátrica a partir da percepção de 60 acompanhantes, verificaram que estes avaliam as atividades lúdicas como: "Ótimas" (69%), "Ajudam o tratamento" (13%), "Ajudam a relaxar" (7%), "Ajudam o procedimento" (7%) e "Ajudam a adaptação" (4%).

No entanto, Vieira e Carneiro (2006), ao investigarem as representações de pais e médicos sobre o brincar em uma sala de espera que atendia crianças com doenças crônicas, encontraram tanto percepções favoráveis quanto desfavoráveis a esse espaço, tais como: a brincadeira era uma compensação ao sofrimento provocado pelo adoecimento e uma oportunidade para estreitar vínculos, e também um empecilho quando a criança queria, por exemplo, levar o brinquedo para casa ou resistia a sair da sala.

Pesquisas que explicitem as ideias e os sentimentos provocados pela brinquedoteca parecem fornecer relevantes indícios dos efeitos desse espaço no hospital e no bem-estar da sua clientela (criança e familiares). Diante disso, este estudo teve como objetivo geral investigar a percepção de acompanhantes de pacientes pediátricos acerca da brinquedoteca hospitalar de quatro hospitais públicos de uma capital da Região Norte do Brasil.

 

Método

Participantes

Fizeram parte do estudo 39 acompanhantes de pacientes pediátricos (entre 7 e 16 anos, desvio padrão: 2,14), que estavam em tratamento em um dos quatro hospitais investigados. Em cada hospital, entrevistaram-se dez acompanhantes, com exceção de um deles, em que houve nove participações. Os critérios de seleção da amostra foram os seguintes: o participante deveria ter 18 anos ou mais e ser o responsável formal por um paciente pediátrico em tratamento, no mínimo, há uma semana e que já frequentara a brinquedoteca.

Os participantes acompanhavam suas crianças em tempo integral e eram majoritariamente do sexo feminino, sendo 31 mães, três tias e duas avós; os demais eram pais. A idade dos acompanhantes variou de 20 a 71 anos, dos quais 21 estavam na faixa etária compreendida entre 30 e 40 anos. A maioria tinha baixa escolaridade, e apenas 14 haviam ingressado no ensino médio.

Ambiente

Para resguardar as identidades dos hospitais, foram utilizados os códigos: H1, H2, H3, H4.

O H1 tinha 44 leitos pediátricos de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (2010). Caracteriza-se como um hospital de referência para o tratamento de doenças respiratórias, renais, gástricas e para vítimas de escalpelamento ou abuso sexual. A brinquedoteca compreendia uma área de 65,66 m² e atendia crianças hospitalizadas, de zero a 12 anos, e seus acompanhantes. A equipe técnica desse espaço, no período da coleta de dados, era composta por dois terapeutas ocupacionais e um pedagogo.

O H2 oferecia 20 leitos pediátricos (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, 2010), sendo referência em cardiologia. A brinquedoteca tinha uma área de 41,9 m2 e atendia todos os pacientes pediátricos internados, de zero a 12 anos, e seus acompanhantes. Em relação à equipe técnica, atuavam, durante a coleta de dados, um terapeuta ocupacional e um psicólogo.

Já o H3 contava com 26 leitos pediátricos (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, 2010), sendo referência no tratamento oncológico. Esse hospital é o único cuja brinquedoteca é ambulatorial, com um espaço de 41,4 m² e clientela composta por pacientes com até 18 anos e seus acompanhantes. A equipe técnica era formada por duas pedagogas.

O H4 oferecia 43 leitos pediátricos, sendo referência em doenças infectocontagiosas e parasitárias. A brinquedoteca compreendia uma área de 52,8 m2 e sua clientela era composta de crianças de zero a 12 anos e seus acompanhantes. A equipe técnica dispunha de um terapeuta ocupacional.

Instrumentos ou materiais

Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada, elaborado pelas autoras, composto por nove tópicos, cujo objetivo foi coletar informações sobre dados socio­econômicos, a percepção dos acompanhantes acerca da brinquedoteca, incluindo o conceito e a função atribuídos a ela, a participação e avaliação do espaço e dos serviços.

Procedimento

Após a aprovação do projeto no Comitê de Ética de Pesquisas com Seres Humanos do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará (UFPA), foi feito um levantamento no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde das unidades que ofereciam internação pediátrica no município de Belém, no Estado do Pará, no ano de 2010, sendo encontradas 32. Realizou-se contato telefônico a fim de verificar se essas unidades tinham brinquedoteca, e cinco informaram que ofereciam esse serviço, das quais quatro permitiram a realização do estudo.

Antes do início da coleta de dados, os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o leram. Nesse momento, explicitaram-se os objetivos do estudo e o sigilo das informações, e foram esclarecidas possíveis dúvidas.

Os participantes foram entrevistados individualmente dentro da brinquedoteca ou na enfermaria. As entrevistas foram gravadas em áudio digital e posteriormente transcritas em programas do Microsoft Office. A coleta de dados ocorreu nos meses de maio a setembro de 2010.

Os dados foram analisados qualitativamente, pois trata-se da objetivação de um tipo de conhecimento cuja matéria-prima são ideias e representações sob a perspectiva dos atores em intersubjetividade (Minayo, 2012). Realizou-se a análise do conteúdo, definida como um conjunto de técnicas de análise de comunicação que objetiva obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008).

Nas unidades de significação elaboradas a partir do material coletado nas entrevistas, identificaram-se dois núcleos de significação: "conceito e função da brinquedoteca­ hospitalar" e "avaliação do espaço e dos serviços", que foram relacionados com a literatura da área.

Resultados

Conceito e função da brinquedoteca hospitalar

Verificou-se que a maioria dos acompanhantes (N = 37) conceituou a brinquedoteca a partir das atividades que são realizadas no espaço e das relações estabelecidas entre as pessoas e os objetos que lá se encontram, o que pode ser ilustrado pelas verbalizações apresentadas a seguir:

É onde eles brincam, tiram o estresse. As crianças vêm [ao hospital] assustadas, né?! Não pode ver uma pessoa de branco que já fica logo com medo. E lá [brinquedoteca] não, lá a gente pode brincar com eles, que às vezes a gente não tem tempo (H2-8).

É um espaço legal pras crianças, que ficam aqui muito tempo sem ter o que fazer [...]. Pra mim também [...] que eu venho pra cá pra enrolar o tempo (H2-4).

Eu acho que é uma diversão pras crianças, principalmente ela [filha] que vem pra cá deprimida (H3-1).

Local de descontração das crianças, pra verem que não é só sofrimento (H3-9).

Apenas dois participantes, ambos do H4, afirmaram não saber o que era uma brinquedoteca e argumentaram que nunca haviam estado em uma.

No que diz respeito à função da brinquedoteca hospitalar, a maioria (N = 36) dos acompanhantes retomou as ideias que já havia apresentado na conceituação, acrescentando ou aprofundando algum aspecto. Os demais responderam desconhecer qual seria a sua função, contudo foi verificado que haviam verbalizado acerca do papel desse espaço quando solicitados a discorrer sobre o conceito de brinquedoteca.

Ao discorrerem sobre o conceito e a função da brinquedoteca, os acompanhantes citaram diversas atividades (brincadeiras e atividades artísticas) que ocorriam no espaço e os benefícios que o brincar trazia às suas crianças. Verificou-se que os acompanhantes ora discursavam explicitamente acerca dos benefícios que atribuíam ao brincar e às demais atividades lúdicas, ora discutiam sobre as repercussões favoráveis da brinquedoteca sem mencionar a palavra brincar.

Esses benefícios podem ser organizados, apenas didaticamente, em duas unidades de sentido: saúde e desenvolvimento. A primeira seria ajudar na recuperação da saúde, a partir da promoção de sentimentos e sensações considerados favoráveis como alegria e liberdade, além da redução do medo, do estresse e da ociosidade. A segunda diz respeito à promoção do desenvolvimento por meio de atividades que estimulariam o aperfeiçoamento de habilidades físicas, cognitivas e sociais, o que pode ser exemplificado com as seguintes verbalizações:

[A brinquedoteca] distrai as crianças, elas aprendem coisas novas, as mães também, [...] serve pra várias coisas: pro aprendizado e pra fazer brincadeiras (H2-8).

Pra... interagir a criança... ocupar o tempo dela, exercitar a mente, no caso do meu filho é exercitar a mente, porque a cirurgia dele foi na cabeça (H3-7).

[...] nos outros hospitais não tem [brinquedoteca], não. A criança fica só ali na cama, triste, oprimida porque não tem como brincar [...]. Muitas vezes aquela doença nem é pra morte, mas a pessoa já morre ali só de tristeza [...] já é a segunda vez que eu fico aqui [no H1] que eu me sinto feliz [...] (H1-3).

Os acompanhantes parecem relacionar o brincar com o sentimento de liberdade, como se verifica em verbalizações semelhantes a estas:

[...] a criança que é acostumada a "tá" num lugar que tem um espaço pra brincar, né?! Ser solta, brincar, ter uma liberdade, aí chega aqui... e fica só no leito?! Ela se sente mais sufocada, aí eu acho bom [a brinquedoteca] [...] pelo menos as crianças vão se sentir mais em casa (H2-6).

É um meio de diversão pras crianças, porque num hospital a criança se sente muito presa [...]. Se todos os hospitais tivessem, seria muito bom pra recuperação da criança [...] (H2-3).

Avaliação do espaço e dos serviços

Ao discorrerem acerca do que lhes agradava na brinquedoteca, a maioria dos acompanhantes (N = 31) fez referência a algum brinquedo ou jogo específico. Os acompanhantes mencionaram também o ato de observar a brincadeira das crianças e a alegria relacionada a ela, atividades artísticas ou artesanais, a leitura e a interação com as pessoas que estão no espaço, o que pode ser exemplificado nas verbalizações apresentadas a seguir:

Lá é legal de ficar, eu gostei de tudo. Tem criança brincando lá, é mais alegre do que tá aqui [enfermaria], o dia inteiro nesse quarto (H1-8).

Na terça-feira, as mães fizeram uma oficina de massa de modelar caseira, aí eu achei interessante, que eu já levo pra minha filha aprender, aí eu gostei (H2-8).

Eu gostei olha... Aliás de tudo, né? Que tem vários brinquedos; se eu fosse criança, eu pegaria alguns deles pra brincar (H4-10).

No tocante às repercussões do espaço para os acompanhantes, estes destacaram: a satisfação de observar a alegria e aspectos saudáveis da criança, a redução de sua ociosidade e estresse, participação em atividades dirigidas e a interação social. Esses dados oferecem indícios de que as brinquedotecas investigadas podem se tornar um ambiente de desenvolvimento para os acompanhantes que as frequentam.

Gosto de pintar, gosto de brincar com as bonecas com a [nome de sua filha], de jogo de memória, gosto de brincar de dama (H2-3).

É um espaço legal pras crianças, que ficam aqui muito tempo sem ter o que fazer [...]. Pra mim também [...] que eu venho pra cá pra enrolar o tempo (H2-4).

[...] conversar... compartilhar as dificuldades, né? Cria vínculo de amizade (H3-5).

No que tange às propostas de melhoria, os participantes de todos os hospitais discorreram sobre diversificar o acervo lúdico e as atividades que envolvem aspectos artísticos, curso profissionalizante para os acompanhantes e maior incentivo à leitura, tanto para os pais quanto para as crianças. Uma das verbalizações que apresentaram essas ideias foi de H2-7: "mais bonecas pras meninas [...] aqueles joguinhos eletrônicos também, que eles se entretêm muito com eles [...]. Poderia ter... leitura pra gente [acompanhantes], enquanto eles [crianças] ficassem brincando a gente ficava lendo [...]".

As equipes das brinquedotecas foram avaliadas favoravelmente por todos os participantes. Segundo eles, as equipes têm domínio sobre o acervo lúdico e se mostram pacientes, atenciosas e afetuosas com a clientela, o que pode ser verificado nas falas apresentadas a seguir:

As pessoas daqui dão bem atenção [...]. Eu acho muito importante pra criança esse carinho numa hora dessas. [...] Eles trataram bem a gente (H4-10).

Elas [profissionais da brinquedoteca] têm aquele amor pela criança [...] Também com as mães [...] elas são legais mesmo (H1-05).

 

Discussão

As quatro unidades de saúde estudadas apresentaram peculiaridades em relação à infraestrutura e são consideradas hospitais de referência no atendimento de patologias diversificadas, o que contribui para que cada brinquedoteca tenha características singulares (estrutura física, clientela, equipe).

Mesmo com essa diversidade, os resultados encontrados por hospital foram similares, uma vez que todos participantes apresentaram uma percepção favorável da brinquedoteca. Isso sugere que esses espaços têm atendido aos objetivos propostos pela literatura.

No entanto, é possível inferir que variáveis como pouco contato prévio com alguns materiais e brinquedos, especialmente quando dispostos em uma brinquedoteca, possam ter contribuído para uma percepção positiva.

A análise dos dados indica que os acompanhantes conceituam a brinquedoteca utilizando critérios similares àqueles contidos na Lei n. 11.104/05, a saber: "espaço provido de brinquedos e jogos educativos, destinado a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincar" (artigo 2º), o que foi complementado pela Portaria n. 2.261/05, que acrescenta a esse conceito a expressão "contribuindo para a construção e/ou fortalecimento das relações de vínculo e afeto entre as crianças e seu meio social" (artigo 3º).

O discurso dos acompanhantes aponta a brinquedoteca e as atividades lúdicas lá desenvolvidas como promotoras de bem-estar, adesão ao tratamento, redução da ociosidade e desenvolvimento integral no contexto hospitalar.

O brincar parece ser compreendido pelos acompanhantes como experiência intrínseca à infância. Desse modo, permitir a brincadeira no hospital é possibilitar que parte da rotina infantil esteja preservada. Se, por um lado, existem dor e restrição da liberdade no ambiente hospitalar, há, por outro, alegria, brinquedos e carinho.

Resultados semelhantes a esses têm sido descritos na literatura, uma vez que identificaram uma percepção positiva dos familiares em relação à brinquedoteca, com destaque para o favorecimento do bem-estar e da alegria, uma maior a adesão ao tratamento e uma sensação de que o tempo passa mais rápido, além da promoção de socialização e do desenvolvimento neuropsicomotor (Azevedo et al., 2008; Hostert et al., 2014; Jesus, Borges, Pedro, & Nascimento, 2010; Oliveira et al., 2009; Paula & Marques, 2011; Silva et al., 2010).

Em conformidade com isso, Drummond et al. (2009) investigaram as repercussões atribuídas por 57 acompanhantes à brinquedoteca hospitalar. Os discursos dos participantes indicaram esse espaço como um aspecto positivo no tratamento de seus filhos, pois tratava-se de um local onde era possível esquecer um pouco os procedimentos médicos e suas intercorrências. Logo, os filhos ficavam mais calmos e propensos a aderir ao tratamento. Tais resultados endossam a argumentação de Carvalho e Begnis (2006) de que os pais se sentem mais tranquilos e satisfeitos quando veem sua criança hospitalizada brincando.

Estudos acerca dos comportamentos de crianças que participaram de atividades lúdicas no hospital apontam benefícios semelhantes àqueles apresentados pelos participantes desta pesquisa, como: aumento da frequência de interações, redução de comportamentos agressivos, melhora do humor, menor resistência à submissão de procedimentos e maior cooperação a estes (Drummond et al., 2009; Oliveira et al., 2009; Silva et al., 2010).

Nesse sentido, mesmo a hospitalização sendo um evento potencialmente estressante à criança e à sua família, nem sempre representa uma experiência prejudicial ao desenvolvimento. O hospital apresenta uma dimensão educativa, pois pode oferecer novas experiências, sensações e a oportunidade de se relacionar com pessoas de forma imediata e formar novos parceiros (Oliveira et al., 2009).

Ao avaliarem as brinquedotecas, os participantes fizeram comparações entre internações pregressas ocorridas em hospitais que não possuíam brinquedoteca e a interna­ção atual. Os hospitais sem brinquedoteca foram avaliados de forma desfavorável. Dessa forma, foi valorizada a importância da inclusão desses espaços nos hospitais.

A respeito das equipes interdisciplinares que atuam nessas brinquedotecas, a avaliação foi positiva. Os relatos acerca das equipes são condizentes com o que a literatura preconiza como comportamentos adequados ao brinquedista, uma vez que esse profissional é peça fundamental para que uma brinquedoteca sobreviva e atinja seus objetivos, visto que atua como facilitador do brincar e no gerenciamento do espaço (Sakamoto & Bomtempo, 2010).

Diante desse quadro, conclui-se que este estudo sinaliza a importância de assegurar a implantação e o funcionamento efetivo das brinquedotecas hospitalares. A partir da percepção dos acompanhantes, verifica-se que a brinquedoteca é um espaço peculiar que pode oferecer um novo significado ao processo de hospitalização, à medida que agrega aspectos positivos e salutares ao hospital.

Avanços estão sendo feitos progressivamente, como no caso dos hospitais investigados nesta pesquisa. Porém, constata-se que maiores esforços devem ser empreendidos­ para que, de fato, os hospitais se tornem locais mais humanizados e promotores do desenvolvimento infantil. Apesar do amparo legal, muitos hospitais ainda não atendem à obrigatoriedade de instalação da brinquedoteca, como identificado nesta investigação, uma vez que, dos 32 hospitais do município que constam no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (2010) como prestadores de assistência hospitalar pediátrica, apenas cinco informaram que tinham brinquedoteca.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Mayara Barbosa Sindeaux Lima
Avenida São Paulo, 142, Jardim Belo Horizonte
Marabá – PA – Brasil. CEP: 68502-380
E-mail: mayarasindeaux@gmail.com

Submissão: 9.10.2014
Aceitação: 7.12.2014

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