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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.1 São Paulo abr. 2015

 

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Desempenho de escolares em atenção e funções executivas no Nepsy e inteligência

 

Performance of school-aged children in attention and executive functions on the Nepsy and intelligence

 

Rendimiento de escolares en atención y funciones ejecutivas en el Nepsy e inteligencia

 

 

Beatriz ShayerI; Chrissie CarvalhoI; Marivania MotaI; Nayara ArgolloI; Neander AbreuI; Orlando Francisco Amodeo BuenoII
I Universidade Federal da Bahia, Salvador – BA – Brasil
II Universidade Federal de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O presente estudo teve por objetivo traçar o perfil do desempenho de escolares no domínio atenção/funções executivas e inteligência, além de comparar o desempenho de crianças de escola pública e particular, e analisar as relações entre as variáveis sociodemográficas. Participaram 60 escolares de 6 a 12 anos. Foram verificadas correlações significativas entre desempenho no Wisc III e no domínio de atenção/funções executivas da bateria Nepsy com as variáveis sexo, tipo de escola, renda familiar e escolaridade dos pais. Quando comparadas com as crianças de escola particular, as de escola pública obtiveram desempenho significativamente inferior em todos os testes avaliados. Compararam-se os resultados por tipo de escola com os dados de normatização norte-americana do Nepsy e percebeu-se que as crianças brasileiras de rede pública obtiveram resultado significativamente inferior apenas no subteste de atenção visual, ao passo que os estudantes de escolas particulares obtiveram melhores escores em atenção visual e auditiva, em tarefas de planejamento, seleção e alternância de estímulos.

Palavras-chave: funções executivas; atenção; inteligência; ambiente escolar; neuro­psicologia.


Abstract

The present study aimed to profile the performance of students in attention/executive functions and intelligence domains, compare the performance of children in public and private schools, and analyse the relation between sociodemographic varia­bles. Participants were 60 students aged 6 to 12 years old. Significant correlations were found between performance on the Wisc III and attention/executive functions domain (Nepsy batery) with the variables gender, school type, family income, parent education. Public school children had significantly lower performance in all tests assessed compared to private school children. The results was compared by type of school with the North American normative data of Nepsy and it was noticed that Brazilian public children had significantly lower result only in visual attention subtest, while students from private schools had better scores in visual and auditory attention, in planning tasks, selection and alternating stimuli.

Keywords: executive functions; attention; intelligence; school environment; neuro­psychology.


Resumen

Este estudio tuvo como objetivo hacer el perfil del rendimiento de los estudiantes en el dominio de atención/funciones ejecutivas y de inteligencia, además de comparar el desempeño de los niños de las escuelas públicas y privadas, y analizar la relación entre las variables sociodemográficas. Participaron 60 estudiantes de 6 a 12 años. Se encontraron correlaciones significativas entre el desempeño en el Wisc III y en el dominio de la atención/ funciones ejecutivas de la batería Nepsy con las variables sexo, tipo de escuela, el ingreso familiar, la educación de los padres. Los niños de las escuelas públicas obtuvieron rendimiento significativamente más bajo en todas las pruebas evaluadas en comparación a los niños de escuela privada. Los resultados fueron comparados por tipo de escuela con los datos normativos norteamericanos del Nepsy y se observó que el grupo de niños brasileños de las escuelas públicas obtuvieron resultados significativamente más bajos sólo en la prueba atención visual, mientras que los estudiantes de las escuelas privadas tuvieron mejores puntuaciones en la atención visual y auditiva, en las tareas de planificación, selección y estímulos alternados.

Palabras clave: funciones ejecutivas; atención; inteligencia; ambiente escolar; neuro­psicología.


 

 

O desenvolvimento cognitivo sofre influência de uma série de fatores biológicos e ambientais, como os contextos familiar e escolar, o nível de estimulação disponibilizado e as oportunidades de aprendizagem. No Brasil, a influência do ambiente escolar no desenvolvimento cognitivo e socioemocional do ser humano traz consequências importantes sobre o sucesso ou fracasso acadêmico. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (2013), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), divulgou, com base nos censos de 2013 das crianças brasileiras matriculadas no ensino fundamental I, que 15% têm idade superior à adequada à série em curso, com uma discrepância entre a rede pública com 18% e a rede privada com 5%. No quinto ano, a taxa de distorção idade-série é de 31% para a rede pública e de 7% para a rede privada. Quando se compara a taxa de reprovação do 1º ao 5º ano, observa-se a diferença­ entre os tipos de escola: 6,9% para rede pública e 2% para a privada. Tal discrepância historicamente conhecida na realidade brasileira entre as oportunidades de ensino e nível socioconômico demonstra que existem cursos diferentes no desenvolvimento cognitivo para cada criança.

A qualidade da escolarização recebida também tem sido foco de estudo (Dykeman, 1998; Engel de Abreu et al., 2014). Evidências do impacto de investimento financeiro em recursos físicos e ambientais das escolas, em qualificação dos recursos humanos, de características de comportamentos específicos do professor e da organização do ambiente de aprendizagem sobre medidas de inteligência e de desempenho escolar têm sido relatadas. A educação é um dos aspectos mais importantes do desenvolvimento de recursos pessoais a que toda criança tem o direito e a oportunidade de alcançar dentro do seu potencial máximo (Karande & Kulkarni, 2005). É na escola que a criança tem boa parte das oportunidades de se desenvolver cognitiva, social e afetivamente. Assim, compreender melhor as influências do ensino sobre o desempenho cognitivo e escolar é de fundamental importância para o desenvolvimento de estratégias voltadas para a melhoria do desempenho cognitivo e escolar dela. Portanto, avaliar os aspectos que estão envolvidos no desenvolvimento acadêmico e nas funções neuropsicológicas, como inteligência, atenção e funções executivas, permite descrever o perfil cognitivo relacionado a diferentes contextos socio­econômicos e de aprendizado.

Tradicionalmente utilizados para avaliar doenças neurológicas e psiquiátricas, os testes neuropsicológicos são importantes instrumentos que avaliam aspectos quantitativos e qualitativos do desempenho acadêmico (Argollo et al., 2009), sendo útil para identificação de perfis cognitivos de grupos clínicos específicos (Haase et al., 2012). A avaliação neuropsicológica tem demonstrado ser uma ferramenta eficaz, uma vez que fornece medidas padronizadas, objetivas e confiáveis dos diversos aspectos do comportamento humano, permitindo que se trace um perfil específico do funcionamento de cada indivíduo (Anderson, Northam, Hendy, & Wrennall, 2001; Baron, 2004). Quando associada a dados qualitativos, culturais e ambientais, a avaliação neuropsicológica colabora para uma melhor compreensão da pessoa (Baron, 2004) e deve fornecer dados­ para posterior programa de reabilitação ou remediação (Anderson, Northam et al., 2001; Baron, 2004).

Nesse contexto, começam a aparecer grupos dedicados ao estudo não apenas de crianças com alterações cerebrais e/ou cognitivas, mas também da população escolar típica para formar bancos de dados normativos em culturas específicas, como nos Estados Unidos, na Austrália, no Brasil e na Zâmbia (Anderson, Anderson, Northam, Jacobs, & Catroppa, 2001; Coelho, Rosário, Mastrorosa, Miranda, & Bueno, 2012; Korkman, Lahti-Nuuttila, Laasonen, Kemp, & Holdnack, 2013; Mulenga, Ahonen, & Aro, 2001). Estudos com grupos de normatização permitem conhecer os diversos aspectos quantitativos e qualitativos das mudanças no desenvolvimento das diversas funções cognitivas e da maturação cerebral (Korkman, Kemp, & Kirk, 2001; Korkman et al., 2013).

Com o intuito de suprir a carência no Brasil de instrumentos neuropsicológicos validados, Argollo et al. (2009) realizaram a tradução e adaptação transcultural do Nepsy-II, que se encontra em fase de validação. Esse instrumento foi publicado em 2007, sendo uma revisão da primeira versão do "Nepsy: avaliação neuropsicológica do desenvolvimento". A primeira versão do Nepsy é formada por 27 subtestes divididos em cinco sessões que as autoras denominaram de domínios funcionais: atenção/funções executivas, linguagem, processamento visuoespacial, função sensório-motora, aprendizagem/memória (Argollo et al., 2009). A versão mais atual, o Nepsy II, tem o acréscimo de nove subtestes do domínio cognição social. Os estudos com o Nepsy II têm demonstrado que o instrumento permite a avaliação do desenvolvimento neuropsicológico por meio da geração de dados sobre desempenho por idade.

A neuropsicologia do desenvolvimeto tem evidenciado a importância da compreensão dos processos de maturação cerebral, destacando a importância da atenção e das funções executivas como capacidades básicas no processo de ensino e aprendizagem. Em geral, os modelos de atenção são conceituados como um construto complexo com vários componentes que interagem entre si e que permitem ao indivíduo filtrar a informação relevante ou irrelevante do contexto. Esses modelos são geralmente divididos em atenção sustentada, atenção seletiva, alerta ou vigilância e atenção dividida ou alternada (Strauss, Sherman, & Spreen, 2006).

Commodari e Guarnera (2005) defendem a ideia de que a atenção seja condição fundamental e necessária para o progresso na escolarização regular. As autoras apontam o papel da atenção no processamento de informações, na integração de informações selecionadas, nos processos mnêmicos e na programação de respostas motoras e comportamentais. Acrescentam que a capacidade de focalizar um estímulo por algum período de tempo e inibir a interferência de estímulos não pertinentes à situação é uma habilidade importante para a aprendizagem eficiente.

As funções executivas caracterizam-se por um conjunto de processos cognitivos que envolvem o controle consciente do pensamento, do comportamento e da afetividade, como a memória operacional, o controle atencional, o controle inibitório e a tomada de decisões (Stelzer, Cervigni, & Martino, 2010). A adaptação às demandas e exigências diárias é importante para a execução de uma tarefa ou o delineamento de um objetivo. Nesse caso, é necessário planejar e criar, com base em nossas experiências prévias, alternativas capazes de solucionar problemas e ser flexível. Diamond (2013) resume as definições atuais de FE como a capacidade da manutenção de metas, a habilidade de inibir distrações de forma a manter-se focado em atividades relevantes e a capacidade de pensar de forma flexível, enxergando por várias perspectivas. O modelo conceitual das funções executivas proposto por Diamond (2013) baseia-se em três dimensões principais: memória operacional, controle inibitório e flexibilidade cognitiva. Essas dimensões atuam de forma conjunta, de modo a fornecer suporte para a expressão de funções de alto nível, como raciocínio, resolução de problemas e planejamento, que são moduladas pela capacidade de autorregulação.

Dessa forma, as funções executivas constituem um domínio cognitivo multifacetado que envolve uma série de operações complexas, como alternância de tarefas, geração de hipóteses, resolução de problemas, formação de conceito, raciocínio abstrato, planejamento, organização, estabelecimento de metas e objetivos, memória operacional, controle inibitório, automonitoramento, flexibilidade cognitiva, antecipação e autorregulação (Anderson, Anderson et al., 2001; Diamond, 2013; Stelzer et al., 2010). Comprometimento nas funções executivas tem sido associado a desempenho escolar (León, Rodrigues, Seabra, & Dias, 2013), transtorno do déficit de atenção e hiperatividade – TDAH (Aguiar, Eubig, & Schantz, 2010), ansiedade, depressão e estresse (Enumo, Ferrão, & Ribeiro, 2006), crianças expostas a metais (Carvalho et al., 2014) e baixo nível socioeconômico (Engel de Abreu et al., 2014; Lipina et al., 2013).

Teixeira (2011) define inteligência como a capacidade que o homem tem para resolver problemas mais complexos usando suas habilidades de reunir experiências passadas e formar novos conceitos. Conforme lembrado por Anastasi e Urbina (2000), o termo inteligência tem diferentes significados para o público leigo, para diferentes disciplinas (biologia, filosofia e educação) e para psicólogos de diferentes abordagens teóricas. Apesar das dificuldades e das críticas aos testes de inteligência, estes têm sido usados na avaliação psicológica em ampla gama de objetivos e contextos, como na avaliação e no acompanhamento de crianças com problemas de aprendizagem (Tabaquim, 2003) e deficiência intelectual (Spiridigliozzi et al., 2007), e na identificação e classificação de crianças com necessidades educativas especiais (Tessaro, 2005).

As funções cognitivas exercem grande impacto no desempenho do indivíduo em idade escolar. Dificuldades nas funções executivas influenciam o processo de aprendizagem, uma vez que a criança não consegue lidar com a sobrecarga de informações, e, por conta disso, há desorganização e dificuldade de iniciar ou terminar uma tarefa (Meltzer, 2010). Considerando a importância de funções como atenção, FE e inteligência para o bom desempenho cognitivo, escolar, social e emocional, o presente estudo objetivou 1. traçar o perfil do desempenho de escolares entre 6 e 12 anos nos domínios atenção/funções executivas e inteligência, e 2. comparar o desempenho de crianças de escolas pública e particular, e analisar a correlação com variáveis sociodemográficas.

 

Métodos

Participantes

Os dados utilizados foram originalmente coletados entre a população escolar da cidade de Salvador-BA, no ano de 2006, e aprovados pelo Comitê de Ética do Hospital Santa Izabel – processo do Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Sisnep), folha de rosto (FR) n. 98513. Os dados coletados fizeram parte do estudo de adaptação e validação no Brasil da primeira versão do Nepsy, com desenho do tipo tranversal, o qual deu origem ao banco original com 117 participantes entre 3 e 12 anos. A amostra do banco original teve como critério de exclusão: crianças com antecedentes de doenças físicas ou neuropsiquiátricas, com histórico de nascimento prematuro ou com baixo peso, ou que fossem consideradas pela escola como alunos com necessidades educativas especiais ou repetentes. Nenhuma criança foi excluída em função de baixo desempenho escolar ou de critérios de disciplina. Para o presente estudo, foram selecionadas do banco original as crianças entre 6 e 12 anos de idade, um total de 60 crianças, sendo 50% para cada tipo de escola (públicas e particulares da rede regular de ensino). Para a análise, selecionaram-se as variáveis sociodemográficas sexo, idade em anos, tipo de escola, escolaridade dos pais (anos de estudo) e renda familiar presentes no banco original. As crianças que participaram do estudo original foram avaliadas individualmente pelo mesmo avaliador em sala silenciosa disponibilizada nas escolas participantes. Como se tratou de um estudo de validação do Nepsy, os participantes responderam à bateria completa e à escala Wechsler de inteligência para crianças, – Wisc III (Wechsler, 2002) em sete sessões de 30 minutos cada.

Procedimentos e instrumentos

Para este estudo, analisou-se o desempenho das crianças nos subtestes do Wisc III (Wechsler, 2002) e nos subtestes que compõem o domínio atenção/funções executivas da primeira versão da bateria Nepsy (Korkman, Kirk, & Kemp, 1998), sendo eles: 1. torre; 2. conjunto de respostas e atenção auditiva; 3. atenção visual.

O subteste torre é composto por 20 itens que avaliam a criança nas capacidades de planejar, criar estratégias e monitorar performance em tarefas de resolução de problemas não verbais com regras. É pedido à criança que arrume bolas coloridas em três pinos, de forma a reproduzir um estímulo pictórico e seguir regras com relação ao número de movimentos permitidos; analisam-se o número de movimentos e o tempo de execução (Korkman et al., 1998, 2001).

O subteste conjunto de respostas e atenção auditiva é dividido em duas partes:

Conjunto de respostas: avalia a atenção auditiva complexa e a habilidade de alternar e manter conjunto (set) de estímulos tanto contrastantes quanto semelhantes (pegar um quadrado vermelho toda vez que ouvir a palavra amarelo e pegar um quadrado azul toda vez que ouvir a palavra azul).

Atenção auditiva: mensura atenção auditiva simples a um grupo de estímulos rapidamente apresentados e propositalmente entediantes (é solicitado que a criança, toda vez que ouvir a palavra vermelho, pegue um quadrado vermelho e o coloque na caixa).

O subteste atenção visual é composto de duas partes (gatos e faces) aplicadas sequencialmente. O objetivo é avaliar a rapidez e a precisão com a qual a criança focaliza seletivamente e mantém a atenção em um alvo visual misturado em um conjunto de estímulos visuais. Na primeira parte, gatos, é dada à criança uma tarefa de busca visual simples na qual tem que rapidamente localizar e marcar com lápis os 20 desenhos de gatos misturados em um conjunto de outros estímulos visuais, organizados de forma linear. Na segunda parte, faces, esses estímulos visuais estão organizados de forma não linear.

Análise estatística

As análises descritivas foram utlizadas para os dados sociodemográficos e dos resultados no Wisc III e do Nepsy. A distribuição dos dados foi testada para distribuição normal pelo método de Kolmogorov-Smirnov, histograma com curva normal e respectivas skewness e kurtosis, além de comparação entre média, mediana e moda. Como a distribuição foi normal, usaram-se testes paramétricos. Realizaram-se análises de frequência de todas as variáveis. Para análise dos subtestes do Nepsy e do Wisc III, foi realizada análise inferencial (teste t) para comparação de médias de resultados obtidos pelos grupos escola pública e escola particular, e utilizou-se a correlação de Pearson. O nível de significância adotado foi p < 0,05, e utilizou-se o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences para Windows (SPSSPW), versão 11.5.

 

Resultados

A caracterização da amostra por tipo de escola encontra-se descrita na Tabela 1. A distribuição de renda evidenciou que 100% da amostra procedente de escolas públicas tinha a menor faixa de renda (inferior ou igual a cinco salários mínimos) e 70% dos participantes provenientes das escolas particulares declararam a maior faixa de renda familiar (superior a 20 salários mínimos). Na amostra procedente de escola pública, 77% das mães e 63,4% dos pais tinham sete ou menos anos de escolarização, o que representa, na categorização adotada pelo MEC, o ensino fundamental incompleto. Das famílias procedentes das escolas particulares, 86,7% das mães e dos pais declararam mais de 15 anos de escolarização, o que corresponde ao curso superior completo.

 

 

A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos no Wisc III e nos subtestes do domínio atenção/funções executivas do Nepsy por tipo de escola. Os alunos de escolas públicas tiveram desempenho significativamente inferior àqueles de escolas particulares em todas as medidas. As crianças de escola pública obtiveram menor desempenho nos subtestes semelhanças e arranjo de figuras com mais de um desvio padrão abaixo da amostra normativa (Wechsler, 2002). As crianças procedentes de escolas particulares obtiveram nos 12 subtestes do Wisc III médias acima de 10, e, em cinco subtestes, as médias obtidas estiveram acima de um desvio padrão da amostra normativa brasileira (Wechsler, 2002). Fenômeno semelhante ao relatado para a comparação dos resultados do Wisc III por escola é observado no domínio atenção/funções executivas. O menor desempenho dos dois grupos foi no subteste atenção visual, já que o grupo de escola pública obteve resultados abaixo de um desvio padrão da amostra normativa norte-americana.

 

 

Quando realizada a comparação das amostras de escolas públicas e particulares com a amostra de normatização norte-americana (Korkman et al., 1998), observou-se que o escore total do domínio atenção/funções executivas foi significativamente diferente do obtido pela amostra norte-americana (Tabela 3). Enquanto os participantes de escolas públicas tiveram média significativamente inferior à amostra norte-americana em atenção visual, os participantes de escolas particulares obtiveram desempenho significativamente maior em torre e conjunto de respostas e atenção auditiva. Os resultados da análise de correlação mostraram correlações fracas a moderadas entre a maioria dos subtestes e do domínio do Nepsy e os subtestes e escores do Wisc III (Tabela 4). As associações mais fortes, com coeficiente acima de 0,70, foram encontradas entre o escore total do domínio atenção/funções executivas do Nepsy e o QI de execução e QI total do Wisc III.

 

 

 

Discussão

Este estudo confirma achados de outras pesquisas nacionais e internacionais sobre a importância das variáveis escolaridade da mãe e do pai, nível socioeconômico e tipo de escola como preditivas de desempenho em avaliação cognitiva. Estudos internacionais com crianças de países em desenvolvimento (Alves, 1998; Ardila, Rosselli, Matute, & Guajardo, 2005; Ceci, 1991; Karande & Kulkarni, 2005; Lipina et al., 2013; Rosselli, Matute, & Ardila, 2006) encontraram correlações significativas entre baixa escolaridade­ materna e paterna, condições de estimulação domiciliar, idade e tipo de escola, pobreza e condições gerais de saúde com o desempenho cognitivo, social e escolar. Mesmo antes de as crianças brasileiras entrarem na idade escolar, o desempenho cognitivo delas é influenciado pela qualidade do estímulo doméstico, do nível de escolaridade materna, da ordem de nascimento na família e do convívio com maior ou menor número de crianças com idade inferior a 5 anos, entre outras variáveis ambientais (Andrade et al., 2005). As correlações significativas entre as variáveis tipo de escola, renda familiar e escolaridade materna e paterna confirmam que o desempenho cognitivo das crianças procedentes de tipos diferentes de escola também sofre influências ambientais extraescolares. A literatura aponta outros fatores ambientais relacionados ao desempenho acadêmico, como escolaridade dos pais, renda e oportunidades de aprendizado, como acesso a livros, arte, esporte e cultura em geral (Dykeman, 1998).

Quando se separou a amostra por tipo de escola, observou-se que os participantes de escolas públicas obtiveram resultados estatisticamente mais baixos do que a amostra de referência norte-americana em todos os subtestes, domínios e fatores do Wisc III. As crianças de escolas particulares alcançaram desempenho significativamente superior aos alcançados pela amostra normativa norte-americana. Alguns autores (Ceci, 1991; Dykeman, 1998; Rosselli et al., 2006) discutem o impacto da escolarização, em termos de anos completados, e da sua qualidade sobre o QI. O efeito das variáveis socioeconômicas sobre o desempenho cognitivo e o efeito do desempenho cognitivo sobre o desempenho escolar já estão estabelecidos na literatura (Anastasi & Urbina, 2000; Ardila, 1999; Ardila et al., 2005; Ceci, 1991; Karande & Kulkarni, 2005; Lipina et al., 2013; Rosselli et al., 2006).

O desempenho do grupo total foi semelhante ao da amostra de normatização norte-americana no domínio atenção/funções executivas (Korkman et al., 1998) e nos subtestes torre e conjunto de respostas auditivas. A exceção foi para o subteste atenção visual, em que o desempenho das crianças brasileiras foi estatisticamente inferior ao desempenho das crianças da normalização norte-americana. Esse mesmo resultado foi encontrado na amostra de crianças da Zâmbia, onde a utilidade do instrumento também foi testada (Mulenga et al., 2001). No caso das crianças da Zâmbia, os autores explicaram a diferença observada como sendo uma função do tempo para compleição da tarefa e não uma função da precisão de resposta. O estudo conduzido na Argentina, ao comparar grupos socioeconômicos distintos, reportou menor desempenho do grupo de crianças vulneráveis (necessidades não satisfeitas) em tarefas não verbais de funções executivas: controle inibitório, planejamento, atenção, memória operacional visuoespacial e inteligência fluida (Lipina et al., 2013).

Quando as amostras de escolas públicas e particulares foram comparadas, verificou-se que as médias das escolas diferiram estatisticamente entre si em todas as medidas do Wisc III e do domínio de atenção/funções executivas. Em relação aos dados normativos da amostra norte-americana, as crianças brasileiras de escola pública obtiveram diferença apenas no subteste de atenção visual; a média obtida estava mais de um desvio padrão menor. Os participantes de ambas as escolas tiveram desempenho mais baixo em atenção visual do que nos subtestes torre e conjunto de respostas e atenção auditiva. Além disso, as crianças que obtiveram resultados na média ou acima da média em atenção visual tiveram escores mais elevados no domínio atenção/funções executivas como um todo. Por sua vez, as crianças que obtiveram escore particularmente baixo em atenção visual e tiveram desempenho abaixo da média em torre ou conjunto de respostas e atenção auditiva demonstraram que os resultados do domínio atenção/funções executivas ficaram abaixo da média. O fato de a medida de atenção visual parecer ser a de maior dificuldade para a amostra deste estudo justifica o aprofundamento da sua análise em estudos subsequentes. Novos percentis relativos aos limites considerados médios ou às respostas consideradas dentro do esperado para a faixa etária foram encontrados e, mais uma vez, reforçam a necessidade do desenvolvimento de tabelas normativas específicas para a população estudada.

Em função da complexidade teórica no estudo e na mensuração das funções atenção e funções executivas, é mais adequado, na avaliação clínica, a utilização do máximo de informações e não apenas das produzidas pelos subtestes da bateria central. Sugere-se que a escolha dos testes para avaliação da atenção e das funções executivas em função das hipóteses diagnósticas ou questões de encaminhamento a serem respondidas recaia apenas sobre os subtestes da bateria expandida dos demais domínios avaliados pelo Nepsy. Essa sugestão é corroborada pelos achados de Perugini, Harvey, Lovejoy, Sandstrom,e Webb (2000) que encontraram maior sensibilidade em abordagens de avaliação que utilizam baterias do que a sensibilidade e o poder preditivo encontrados com avaliações de teste único.

Correlações moderadas, na sua maioria, foram encontradas entre os subtestes e domínios do Wisc III e do Nepsy. Tal resultado, encontrado anteriormente em outros estudos (Korkman et al., 1998; Stinnet, Oehler-Stinnett, Fuqua, & Palmer, 2002) gerou considerável controvérsia. A correlação mais forte encontrada entre o escore total do domínio atenção/funções executivas e o QI de execução indica que os subtestes de execução são mais dependentes da atenção e funções executivas, conforme era esperado. Esta pesquisa aponta algumas limitações, como o número reduzido da amostra e o fato de o estudo ter sido transversal. Sugerem-se futuros estudos que busquem explorar fatores do ambiente escolar ou familiar que possam mediar a relação das funções executivas e o contexto escolar relacionado a níveis socioenonômicos desfavoráveis, como o estudo realizado por Lipina et al. (2013).

Os resultados mostraram diferenças significativas entre o desempenho dos alunos de escolas pública e aquele obtido pelos alunos das escolas particulares em todas as dimensões avaliadas, com melhores escores para estes em atenção visual e auditiva, tarefas de planejamento, seleção e alternância de estímulos. Essas diferenças sugerem que o desempenho dos escolares está associado ao ambiente, à renda familiar e à escolaridade dos pais. Diante do exposto, compreende-se a necessidade de maiores investimentos nos ambientes de educação pública, além de um trabalho mais consistente sobre a importância da estimulação.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Nayara Argollo
Faculdade de Medicina da Bahia (UFBA)
Avenida Reitor Miguel Calmon, s/n, Vale do Canela
Salvador – BA – Brasil. CEP: 40110-100
E-mail: nayaraargollo@me.com

Submissão: 13.6.2014
Aceitação: 11.12.2014

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