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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.1 São Paulo Apr. 2015

 

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Relação entre inclusão escolar de crianças com paralisia cerebral e estresse dos cuidadores familiaresI

 

Relationship between school inclusion of children with cerebral palsy and stress of family caregivers

 

Relación entre inclusión escolar de los niños con parálisis cerebral y el estrés de los cuidadores familiares

 

 

Carolina Cangemi GregoruttiII; Sadao OmoteIII
I Este relato é um recorte de uma pesquisa mais ampla relatada na dissertação de mestrado defendida pela primeira autora, com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (de fevereiro a abril de 2012) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp (Processo
n. 2011/15325-7)

II Universidade Estadual Paulista, Marília – SP – Brasil
III Departamento de Educação Especial da Universidade Estadual Paulista, campus de Marília, Universidade Estadual Paulista, Marília – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O objetivo deste estudo foi avaliar o estresse de cuidadores de criança com paralisia cerebral (PC) e discutir a sua relação com a inclusão. Participaram 18 cuidadores familiares de crianças com PC, atendidas em serviço especializado destinado a pessoas com deficiência e regularmente matriculadas em escolas de ensino fundamental. Para a coleta de dados, utilizaram-se a forma abreviada do questionário de recursos e estresse (QRS-F) e um roteiro de entrevista com 41 perguntas. A maioria dos cuidadores familiares apresentou estresse considerado baixo. Foram encontradas correlações significantes entre alguns dos quatro fatores que compõem o estresse. Evidenciou-se uma fraca correlação positiva entre o estresse e as condições que podem favorecer a inclusão escolar das crianças com PC. Ressalta-se que a atenção a essa população pode ser uma importante parte do processo para a efetiva construção da inclusão escolar.

Palavras-chave: educação especial; inclusão; cuidador familiar; estresse; crianças com deficiência.


Abstract

The objective of this study was to evaluate the stress of cerebral palsy child's caregiver and to discuss its relationship with the inclusion. The study was conducted with 18 family caregivers of CP children attended in a special service directed to disabled people, and were regularly enrolled in an elementary school. For data collection, the short form of questionnaire on resources and stress (QRS-F) and an interview with 41 questions were used. Most of the family caregivers presented low stress. Significant correlations among factors that compose the stress were found. A weak positive correlation was found bet­ween stress and conditions that can favor the CP children's school inclusion. It is pointed out that attention to this population can be an important part of the effective construction of school inclusion.

Keywords: special education; inclusion; family caregiver; stress; disabled children.


Resumen

Objetivo de estudio fue evaluar estrés de cuidadores de niños con parálisis cerebral (PC) y analizar su relación con inclusión. Asistió a 18 familiares cuidadores de niños con PC, con la asistencia en servicio especializado para personas con discapacidad y regularmente matriculados en escuelas primarias. Para recolección de los datos, utilizó la forma corta del cuestionario recursos y estrés (QRS-F) y guía de entrevista con 41 preguntas. Mayoría de cuidadores familiares presentan estrés considera bajo. Se encontraron correlaciones significativas entre algunos de los cuatro factores que componen el estrés. Los resultados mostraron una débil correlación positiva entre estrés y condiciones que pueden favorecer inclusión escolar de los niños con PC. Se hace hincapié en que atención a esta población puede ser una parte importante del proceso para la construcción efectiva de la inclusión escolar.

Palabras clave: educación especial; inclusión; cuidador familiar; estrés; niños con discapacidad.


 

 

No sistema de ensino regular, a temática da inclusão de deficientes tem sido amplamente discutida nas últimas décadas e continua sendo alvo de muitas pesquisas e debates, constituindo-se em assunto de grande relevância atual para aqueles que estão envolvidos com a área da educação escolar de maneira geral.

O foco de atenção dos educadores na educação inclusiva precisa estar direcionado para as particularidades e necessidades de cada aluno, para que sejam possíveis os necessários e adequados ajustes de demandas, atividades, recursos e eventualmente até dos objetivos. Só assim será possível o oferecimento do ensino de qualidade a todos os alunos indiscriminadamente, a despeito das suas peculiaridades. Especial atenção deve ser dada a alunos que tradicionalmente têm sido alijados do acesso ao ensino de qualidade. Para que esse contexto educacional torne-se acolhedor para esses alunos, não basta apenas modificar o ambiente físico-arquitetônico da escola. Um dos componentes essenciais para iniciar as mudanças é o meio social representado por diferentes segmentos da comunidade escolar e familiar (Omote, 2008).

Ao ir à escola, a criança encontra implicações que podem perpetuar-se pela vida toda. Quando a criança deficiente passa a frequentar essa comunidade escolar, poderá­ obter benefícios em vários aspectos psicossociais se puder sentir-se acolhida e expressar-se mais livremente, o que lhe permitirá o exercício das suas possibilidades em diferentes atividades.

Uma adequada e profícua parceria entre a escola e a família, na educação de crianças, sobretudo na daquelas que têm alguma deficiência, pode beneficiar não apenas o desenvolvimento e a aprendizagem delas, mas também dos familiares, que, de diferentes maneiras, também sofrem as consequências da deficiência. Em especial os cuidadores familiares das crianças com deficiência podem ser beneficiados quando elas vão à escola, com a qual as respectivas famílias podem manter um bom entrosamento, na medida em que podem confiar à escola os cuidados e dar continuidade ao seu percurso psicossocial, realizando atividades menos desgastantes do ponto de vista emocional (Beresford, 1994).

A produção científica nacional com foco no processo de escolarização da criança com paralisia cerebral (PC) revela que muito se tem estudado e discutido sobre as implicações educacionais trazidas pela proposta da inclusão escolar. Porém, existem ainda controvérsias sobre a efetividade dessas políticas (Lourenço, Teixeira, & Mendes, 2008). Certamente, para uma escolarização mais efetiva, qualquer que seja a deficiência da criança, a parceria entre a escola e a família para desenvolver ações colaborativas é um importante determinante.

A escola também precisa de informações da dinâmica interna familiar e do universo sociocultural vivenciado pelos alunos, a fim de que eles possam ser respeitados e compreendidos não só nas suas vicissitudes decorrentes da deficiência, mas também nas particularidades condicionadas pelo seu ambiente sociofamiliar. É fundamental que a escola possa prover condições adequadas para o desenvolvimento das crianças com deficiência, na expressão de sucesso e não apenas de fracasso (Sutter, 2007).

Nessa parceria, é necessário considerar que o desempenho do papel de cuidador familiar pode interferir na vida pessoal, familiar, laboral e social dos cuidadores, predispondo-os a desgastes de natureza psicossocial. Frequentemente, os cuidadores familiares estão sujeitos a situações de crise, manifestando sintomas como tensão, constrangimento, fadiga, estresse, frustração, redução de convívio social, depressão e alteração da autoestima (Matsukura et al., 2007), o que pode comprometer seriamente a inclusão das crianças com deficiência à medida que os cuidadores familiares não dispõem de condições emocionais para desenvolver ações colaborativas junto à escola.

Em se tratando de criança com alguma deficiência, a ação integrada e colaborativa entre a escola e a família pode assumir especial interesse, já que um bom acolhimento dado pela comunidade escolar possibilita aos cuidadores uma maior tranquilidade, permitindo a eles a realização de outras atividades possivelmente menos estressantes e desgastantes do ponto de vista emocional.

Naturalmente, a escola e a família podem compartilhar responsabilidades no exercício de papéis específicos e na execução de tarefas em benefício da criança com PC. Embora a escola possa ter papel indireto e importante no processo de adaptação psicossocial dos cuidadores familiares de crianças com PC, essa temática como recurso social tem sido pouco investigada.

Em vista do panorama apresentado, este estudo teve por objetivo avaliar o estresse do cuidador de criança com PC e promover a discussão da relação dele com a inclusão escolar dessa criança.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo cuidadores familiares de 18 crianças com PC, que eram atendidas no serviço especializado destinado a pessoas com deficiência, pertencente a uma universidade pública no interior do Estado de São Paulo. O projeto cadastrado sob n. 0112/2011 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em 24 de agosto de 2011.

A seleção dos participantes baseou-se na condição de serem cuidadores das crianças­ com PC que frequentavam a escola e recebiam assistência multiprofissional no serviço de atendimento especializado. Aos cuidadores foi facultada a participação na pesquisa em conformidade com o seu interesse.

A amostra contou com 14 cuidadores familiares do gênero feminino e quatro do gênero masculino, com idade variando de 15 a 67 anos. Doze eram mães das crianças com PC, dois pais, um padrasto, uma avó, uma irmã e um primo. Apenas um cuidador familiar da amostra não era alfabetizado, sete tinham o ensino fundamental completo, oito cuidadores familiares possuíam o ensino médio e dois tinham curso superior. Quanto à situação ocupacional, dez eram donas de casa, dois eram aposentados, cinco trabalhavam fora de casa e um era estudante.

Material

Para a coleta de dados, foi utilizado um roteiro de entrevista construído para fins desta pesquisa previamente testado por meio de um estudo piloto. Esse instrumento buscou descrever as condições sociais e familiares das crianças com PC. O roteiro foi composto por 41 perguntas, cujo objetivo foi levantar informações sobre: 1. caracterização da criança, 2. cotidiano da criança na escola, 3. fatores que podem favorecer a inclusão, 3. fatores que podem estar dificultando a inclusão, 4. caracterização do cuidador e 5. perfil socioeconômico da família da criança com PC.

O segundo instrumento utilizado foi a forma abreviada do questionário de recursos e estresse (questionnaire on resources and stress – QRS-F) proposto por Friedrich, Greenberg e Crnic (1983), que consiste em 52 itens relativos às dificuldades dos responsáveis, ao pessimismo, às características da criança e à deficiência física. Cada item é constituído por uma afirmação sobre a criança com deficiência e o respondente deve assinalar falso ou verdadeiro de acordo com sua opinião a respeito do conteúdo do enunciado. Do total de itens, 19 enunciados estão formulados de tal maneira que a resposta "falso" indica a presença de estresse, e "verdadeiro", a ausência. Os demais 33 enunciados têm conteúdo tal que a resposta "falso" indica a ausência de estresse, e "verdadeiro", a presença.

No QRS-F, são identificados quatro fatores:

Fator I (composto por 20 itens): relaciona-se a "pais e problemas familiares" e reflete a percepção e a reação de quem responde pelos problemas da criança com deficiência, dos outros membros da família ou de toda a família.

Fator II (composto por 11 itens): relaciona-se ao "pessimismo" e reflete o pessimismo imediato e futuro em relação às perspectivas de independência da criança.

Fator III (composto por 15 itens): refere-se às "características da criança" e reflete as dificuldades pessoais e as limitações ocupacionais e comportamentais dela.

Fator IV (composto por seis itens): relaciona-se à "incapacidade física" da criança e reflete as dificuldades em habilidades físicas e nos cuidados pessoais.

Procedimentos

Durante esse primeiro contato, foi confirmado com o cuidador familiar se a criança frequentava a escola. Em seguida, foi feito um esclarecimento sobre a pesquisa e verificou-se o interesse do cuidador familiar em responder à escala e ao roteiro de entrevista. Em uma sala do serviço de atendimento especializado, aplicou-se inicialmente a escala QRS-F e posteriormente o roteiro de entrevista. Ambos os instrumentos foram aplicados oralmente, preenchidos e transcritos pela pesquisadora.

Para a avaliação do estresse, foram calculados os escores a partir de respostas obtidas no QRS-F. Preliminarmente, as respostas aos itens foram pontuadas de acordo com as indicações de Friedrich et al. (1983). Cada resposta que indica a presença de estresse recebeu um ponto e a que indica a ausência recebeu zero. O escore total é dado pela soma dos pontos obtidos nos 52 itens. Calcularam-se também os escores parciais relativos aos quatro fatores.

O escore total do QRS-F pode variar de 0 a 52, sendo considerado estresse baixo o escore menor que 26 pontos e estresse alto o valor acima dessa pontuação (Friedrich et al., 1983). Os escores parciais variam conforme o número de itens correspondentes a eles. Ressalta-se que, na análise e discussão dos escores de estresse, são utilizadas respostas a algumas questões da entrevista.

 

Resultados e discussão

Os escores de estresse de 18 cuidadores variaram de 8 a 36, com a mediana de 18,5, quartil 1 de 13,25 e quartil 3 de 26,75. Considerando que o escopo da escala é de 0 a 52, os escores obtidos são relativamente baixos. Na realidade, cinco cuidadores obtiveram escore acima do ponto de corte de 26, conforme critério estabelecido por Friedrich et al. (1983).

O fato de os participantes do presente estudo serem cuidadores familiares de crianças que estão recebendo apoio multiprofissional e estão inseridas em classes de ensino comum pode ser um determinante do baixo nível de estresse encontrado. Esses atendimentos dispensados a crianças com PC podem permitir que os cuidadores familiares alimentem expectativas com relação à possibilidade de melhor desenvolvimento das crianças com PC. Além disso, no período em que a criança está na escola, o que representa uma parte considerável do dia, os cuidadores podem ocupar-se com outras atividades não tão desgastantes emocionalmente.

Em contrapartida, as famílias que se encontram em circunstâncias especiais, sem assistência especializada à criança com PC, necessitando elas mesmas de cuidar integralmente das crianças, buscando promover autonomia em relação a atividades essenciais da vida diária, como as de autocuidado, podem deparar-se com uma sobrecarga de tarefas e exigências especiais, as quais podem constituir-se em situações potencialmente indutoras de estresse e tensão emocional.

O estresse pode ser compreendido como decorrência da presença de uma condição ou situação com uma acentuada diferença entre as demandas externas ao organismo e a avaliação do indivíduo sobre sua capacidade de responder a elas. Nesse sentido, a participação da criança com PC em atividades rotineiras da classe de ensino comum pode ser uma fonte adicional tanto de redução quanto de aumento do estresse do cuidador familiar, dependendo de como este percebe a demanda imposta pelos compromissos da educação inclusiva e a sua capacidade para corresponder a essa demanda. Assim, parece plausível a ideia de que possa existir relação funcional entre o modo como enfrenta as demandas representadas pela frequência da criança com PC à classe de ensino comum e o nível de estresse do respectivo cuidador familiar.

No questionário, havia 14 perguntas abertas relacionadas à frequência escolar e inclusão de crianças com PC. Com base nas respostas a essas perguntas, solicitamos a dois juízes que realizassem o escalonamento de forma decrescente a partir das falas apresentadas a respeito dos participantes considerados mais favoráveis aos menos favoráveis à inclusão da criança com PC. Após realizarmos os devidos cálculos de concordância entre juízes e pesquisadora, ordenaram-se os 18 casos em função das condições favoráveis para a inclusão escolar, e o escalonamento assim obtido foi comparado com a magnitude do estresse manifestado pelos cuidadores familiares.

Conforme o grau de favorabilidade da inclusão a partir das falas dos participantes, em medidas proporcionais, os participantes que apresentaram escores baixos para estresse estão nas primeiras posições do escalonamento. O oposto também acontece, ou seja, para altos escores de estresse, estão os participantes situados nas últimas posições do escalonamento. Essa análise nos permite esclarecer o quanto os aspectos emocionais dos cuidadores familiares podem guardar alguma relação com a inclusão.

Utilizando a correlação de Spearman, o coeficiente encontrado foi de 0,38. Portanto, há uma pequena relação direta entre a favorabilidade das condições para a inclusão escolar e a magnitude do estresse do cuidador familiar. Essa correlação não chega a ser estatisticamente significante (p > 0,05), mas talvez, mediante a ampliação da amostra e outros arranjos para tornar o delineamento mais sensível, possa evidenciar que as condições favoráveis para a inclusão escolar e a magnitude do estresse vivenciado pelo cuidador familiar se correlacionam significantemente. Parece plausível a ideia de que, ao menos nas circunstâncias atuais, o fato de os cuidadores serem favoráveis à inclusão e providenciarem arranjos para torná-la realidade possa gerar estresse, mais do que na presumida posição mais confortável de alienação em relação a essa demanda atual.

A decomposição do escore total de estresse em escores parciais correspondentes aos quatro fatores pode indicar com mais precisão as áreas nas quais a presença de criança com PC pode estar afetando mais acentuadamente o cuidador familiar. Os resultados dessa decomposição estão apresentados na Tabela 1, por meio dos valores de variação indicada pelo menor e maior escore, mediana, dispersão indicada pelos quartis 1 e 3 e escopo de cada fator. O fator I corresponde ao problema dos pais e da família; o fator II, ao pessimismo; o fator III, às características da criança; e o fator IV, à incapacidade física.

 

 

Conforme descrito na subseção "Material", o número de itens para cada fator é variável. Portanto, os escores dos fatores não podem ser comparados diretamente. Fez-se uso de artifício aritmético, dividindo o escore de cada participante pelo número de itens do respectivo fator, obtendo-se um quociente com duas casas decimais. Os valores assim obtidos para os quatro fatores foram comparados por meio da prova de Freedman. Verificou-se assim que os escores do fator III, características da criança, são significantemente inferiores aos do fator II, pessimismo (p < 0,01), e aos do fator IV, incapacidade física (p < 0,05). Isso significa que os cuidadores familiares apresentam estresse mais acentuado nas questões relacionadas ao pessimismo e à incapacidade física da criança do que a outras características da criança. Os escores do fator I também tendem a ser inferiores aos dos fatores II e IV, porém a diferença não chega a ser significante (p > 0,05). A maioria dos cuidadores já apresenta nível de estresse considerado baixo, mas pode-se sugerir que o pessimismo e as preocupações associadas à incapacidade física são mais acentuados que questões relacionadas às características da criança com PC e aos problemas dos pais e da família. Pode ser um indicativo importante para trabalho a ser feito com os cuidadores familiares de crianças com PC.

Uma relação de outra natureza entre esses quatro fatores, a relação de dependência linear entre os fatores indicada pela correlação, pode acrescentar mais elementos para a compreensão sobre como o estresse do cuidador familiar se comporta. Preliminarmente, foi calculado o W de Kendall, que exprime o grau de associação entre três ou mais conjuntos de variáveis, encontrando-se o valor 0,33, que é estatisticamente significante (p < 0,01). Na sequência, foram calculadas as correlações de Spearman entre os quatro fatores para identificar aqueles entre os quais existe essa relação de dependência linear, cujos resultados encontram-se na Tabela 2.

 

 

Entre os fatores I e o fator II foi encontrado o coeficiente de 0,69, que é estatisticamente significante (p < 0,01). O fator I reflete a percepção e reação de quem responde pelos problemas da criança e dos outros membros da família, e o fator II reflete o pessimismo imediato e futuro em relação às perspectivas de independência dessa criança. Portanto, o pessimismo se relaciona diretamente com a maneira como o cuidador familiar ou outros membros familiares percebem a situação de ter uma criança com PC e reagem a essa condição.

Essas reações do cuidador familiar e dos demais membros da família, por sua vez, parecem depender diretamente das características da criança com PC, uma vez que, entre os fatores I e III, foi encontrado o coeficiente de correlação de 0,43, estatisticamente significante (p < 0,05). De forma coerente, foi encontrada a correlação 0,53, estatisticamente significante, entre os fatores II e III. Portanto, pode-se sugerir que as características da criança com PC se relacionam com a maneira como os cuidadores e demais membros familiares percebem e reagem e também com o pessimismo do cuidador. Parece plausível a ideia de que a natureza das características da criança com PC pode influenciar a maneira como o cuidador e seus familiares percebem e reagem, encontrando-se o pessimismo como parte do padrão de reação diante da situação.

O fator IV, que envolve questões relacionadas à incapacidade física da criança, apresenta uma fraca relação direta com o fator II (rs = 0,20; p > 0,05), uma relação inversa não significante com o fator III (rs = -0,33; p > 0,05) e uma relação de dependência linear virtualmente nula com o fator I (rs = -0,02; p > 0,05). Portanto, pode-se sugerir que o pessimismo do cuidador familiar pode depender, ainda que de modo fraco, da magnitude da incapacidade física da criança com PC, e essa magnitude, embora não de modo conclusivo, parece depender inversamente das outras características da criança. De qualquer modo, novas pesquisas com delineamento mais sensível são necessárias para um resultado mais conclusivo.

Em síntese, embora não se possa sugerir nenhuma relação de causalidade por meio das correlações, parece interessante a ideia de que características da criança positivamente percebidas podem reduzir a magnitude percebida da incapacidade, que, por sua vez, pode reduzir o pessimismo do cuidador familiar. Em tudo isso, a maneira como o cuidador e os demais membros familiares percebem os fatos e reagem diante da situação de ter uma criança com PC parece desempenhar papel relevante, podendo ser influenciada não pela própria incapacidade da criança, mas pelas demais características dela.

Esse circuito interpretativo traz uma perspectiva positiva para eventual intervenção que deve ser feita seja junto a cuidadores familiares seja junto a toda família, visando, em última instância, favorecer a educação ou terapia das crianças com PC e promover melhoria na qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas. Mediante abordagem adequada, as percepções e reações dos cuidadores e demais membros familiares podem ser modificadas (Kanner, 1961). Ao mesmo tempo, mediante intervenção educativa ou terapêutica adequada, muitas das características das crianças com PC podem ser modificadas.

Nessa conexão, devem ser destacados estudos sobre a percepção dos pais de crianças com deficiências. Na realidade, o alerta com relação à necessidade de especial atenção a famílias, na ocasião do diagnóstico, no sentido de, por exemplo, informar o diagnóstico o mais cedo possível, na presença de ambos os pais, com sinceridade e educação, esclarecer todas as dúvidas e curiosidades, discutir o plano terapêutico da criança etc., foi dado há mais de meio século (Patterson, 1956). Os estudos mais recentes­ mostram que muitos desses problemas continuam essencialmente inalterados (Cunha, Blascovi-Assis, & Fiamenghi, 2010; Fujisawa, Tanaka, Camargo, & Sasaki, 2009; Hiratuka & Matsukura, 2009).

Na medida em que as mães não recebem a necessária orientação, parece que vão aprendendo a lidar com a criança com deficiência conforme as demandas que vão surgindo (Hiratuka & Matsukura, 2009). Essa observação indica que, logo ao nascimento, as mães já apresentam demandas de orientações importantes, que vão além do reconhecimento e da compreensão do diagnóstico. Salvo atenção básica para a preservação da vida ou integridade física do bebê com deficiência, são os pais que parecem necessitar mais de assistência especializada imediatamente após o diagnóstico ser revelado (Omote, no prelo).

O ajustamento à situação de ter uma criança com PC pode ser um processo complicado e permanente. Nesse processo, "nem sempre a demanda é considerada um estressor e as avaliações da situação constituem um processo contextualizado, dependendo de fatores relacionados ao próprio cuidador, ao doente e ao ambiente familiar onde vivem", conforme apontam Medeiros, Ferraz, & Quaresma (1998, p. 190). Medeiros et al. (1998) acrescentam que são as avaliações subjetivas de cada cuidador que determinam as respostas às demandas. Essas avaliações, por sua vez, são influenciadas por diversas variáveis, entre as quais a percepção de contar com o apoio de pessoas significativas e do suporte social.

A percepção de que a criança com deficiência é estigmatizada, por sua vez, pode tornar penosa a tarefa de cuidar dela, gerando impacto emocional e social tanto para o cuidador quanto para a criança. As crianças cujas mães esperam reações negativas dos outros interagem menos com seus pares coetâneos (Green, 2003).

O suporte social pode ser um importante determinante da qualidade de vida dos cuidadores e de toda a família. A qualidade do suporte recebido e a natureza das práticas parentais podem ser elementos importantes para o desenvolvimento da resistência ou da vulnerabilidade ao estresse. Algumas pesquisam caminham na mesma direção e apontam que o apoio social, a satisfação com o papel de pai ou mãe, o funcionamento familiar incluindo o apoio do cônjuge e a participação ativa na vida social podem ser fatores que reduzem o estresse nos pais e/ou cuidadores de crianças com PC (Ribeiro, Porto, & Vandenberghe, 2013).

Os participantes do presente estudo são cuidadores familiares de crianças com PC que frequentavam classes de ensino comum em escolas da comunidade e recebiam atendimento especializado em um centro de prestação de serviço vinculado a uma universidade pública. Todo esse ambiente pode constituir-se direta ou indiretamente em uma rede de apoio social para os cuidadores e a família. Talvez por isso, a maioria dos cuidadores tenha apresentado estresse considerado baixo. Os relatos dos participantes, nas entrevistas, podem fornecer alguns indícios com relação à satisfação que encontravam nesses atendimentos.

Os participantes reportaram nas entrevistas a satisfação das crianças com PC em frequentar a escola. Os relatos sugerem que a escola pode constituir-se em um bom suporte para os cuidadores familiares, na medida em que as crianças podem permanecer um período do dia em um ambiente de que gostam, e, durante esse período, os cuidadores podem ocupar-se de outras atividades talvez menos estressantes. Na verdade, para que a inclusão seja bem-sucedida, entre outras consequências, precisa também gerar benefícios para toda a família. Sem a devida sintonia entre a escola e a família, a inclusão escolar da criança pode ser comprometida e eventualmente até pode gerar situações estressoras para toda a família. As seguintes falas dos cuidadores familiares ilustram essa satisfação das crianças com a sua escola.

Gosta, porque ela se diverte. Tenta se arrumar correndo para sair e ir pra escola. É lindo ver (C3).

Gosta um pouco, lá ele se adapta e se interage com os amigos e as professoras. Mas todos pegam muito no pé dele (C12).

Ama, nos finais de semana ele quer ir pra escola. Ele planeja (C14).

Ainda que as crianças com PC gostem de frequentar a escola, naturalmente a sua condição clínica pode constituir-se em obstáculo para um engajamento e desempenho satisfatórios nas atividades desenvolvidas no ambiente escolar. Os participantes da presente pesquisa revelam ter conhecimento tanto dessas dificuldades quanto das restrições sociais, que podem limitar a inclusão das crianças, conforme os recortes a seguir apontam.

Ele tem muitas limitações na cabeça. Olha o jeito que ele é. Acho que não acompanha os alunos. Ele falta muito por causa das alergias e das doenças. Não pode faltar quando cresce, né? Ele falta muito. Ele tem paralisia cerebral. Ele não lê, não escreve, acho que isso impede ele de tudo (C2).

Não penso nunca na possibilidade dele ir passando de série, algo me machuca, sofro muito com isso (C6).

Ele é doente. Lá na escola não tem adaptação para cadeirante, e ele está no meio de criança maior. É mais difícil, porque elas são mais maldosas (C7).

O medo e a angústia fazem parte do processo vivenciado por esses cuidadores familiares e, em decorrência, possivelmente também pelas crianças com PC. Sá e Rabinovich (2006) apontam a relevância do apoio familiar para a socialização e o desenvolvimento da criança com deficiência. O investimento que os cuidadores familiares fazem para assegurar a inserção escolar de suas crianças recomenda a capacitação deles, munindo-os de diferentes recursos para o desempenho propositado de seus papéis.

A capacitação dos pais pode ter impacto positivo no desempenho acadêmico dos filhos. Segundo Cia e Barham (2009), um dos fatores que podem estar relacionados com o desempenho acadêmico das crianças é a qualidade de interação entre pais e filhos. Quando se melhora a qualidade do investimento parental, as crianças têm mais motivação para ir à escola, estudam com mais afinco e apresentam melhor desempenho acadêmico (Dunn, 2004). Especificamente em relação aos cuidadores familiares, Cia, Pamplin e Williams (2008) apontam que a participação ativa deles na vida escolar das crianças com deficiência pode repercutir diretamente na melhora do desempenho acadêmico delas.

Há evidência abundante da necessidade de uma competente parceria entre a escola e a família em benefício das crianças com deficiência. Entretanto, essa parceria colaborativa ainda é difícil de se efetivar nas escolas brasileiras. A natureza das expectativas de uma parte em relação à outra sugere que há entendimento um pouco equivocado a respeito das responsabilidades de cada parte. Assim, Silva e Mendes (2008) chamam a atenção para o fato de que tanto os familiares quanto os profissionais da comunidade escolar ainda necessitam amadurecer no sentido de saber qual é o papel que exercem nessa parceria.

Da parte dos participantes da presente pesquisa, cuidadores familiares de crianças com PC que frequentam classes de ensino comum e recebem assistência especializada em um serviço de atendimento especializado, parece haver estratégia de enfrentamento que contribui para a redução do estresse. As características positivamente percebidas pelos cuidadores familiares, conforme os relatos transcritos, podem reduzir a magnitude percebida da incapacidade física das crianças com PC, o que, por sua vez, pode contribuir para reduzir o pessimismo e o estresse. Assim, dar destaque às características positivas das crianças com deficiência pode ser uma estratégia eficiente na capacitação de cuidadores familiares. Melhor ainda, muitas dessas características, diferentemente da incapacidade física, podem ser modificadas mediante intervenção educativa ou terapêutica. Tudo isso sugere quão complexas podem ser as relações interpessoais e sociais que se constroem em torno de crianças com deficiência e que precisam ser rigorosamente consideradas em qualquer intervenção a ser feita com elas.

Muitos outros estudos são necessários para esclarecer as complexas questões psicos­sociais envolvidas na construção de um ambiente inclusivo. Nesse sentido, as caracte­rísticas das pessoas diretamente envolvidas, como o estresse que o cuidado com crianças com PC pode gerar, podem sugerir algumas importantes pistas para a construção de parceria colaborativa produtiva, que deve existir entre escola e família, na concretização da meta comum de educação inclusiva. Esse precisa ser o caminho inevitável, dado que a criança que frequenta a escola é influenciada por diferentes olhares, tanto dos professores como dos familiares.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Carolina Cangemi Gregorutti
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual Paulista, campus de Marília
Avenida Hygino Muzzi Filho, 737, sala 17, Prédio de Humanidades, Mirante
Marília – SP – Brasil. CEP: 17.525-000
E-mail: carol.terapeut@gmail.com

Submissão: 11.11.2013
Aceitação: 5.11.2014

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