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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.3 São Paulo Dec. 2015

 

DESENVOLVIMENTO HUMANO

Comunicação criança-acompanhante-pediatra: estudo observacional em diferentes níveis de assistênciaI

 

Child-caregiver-pediatrician communication: an observational study at different levels of care

 

Comunicación niño-acompañante-pediatra: estudio observacional en diferentes niveles de asistencia

 

 

Lilian Meire de Oliveira de CristoII; Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de AraujoII
I Pesquisa realizada pela primeira autora, sob a orientação da segunda autora, durante o curso de mestrado em Psicologia da Saúde da Universidade de Brasília. O trabalho recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento­ de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
II Universidade de Brasília, Brasília – DF – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A comunicação em contextos pediátricos apresenta muitos desafios, pois a presença de uma tríade (paciente-acompanhante-pediatra) exige competências específicas em cada etapa da consulta. Essa pesquisa visou analisar e comparar as comunicações de tríades entre os níveis de assistência primária (centro de saúde) e terciária (hospital). Doze tríades foram observadas, sendo os comportamentos registrados em protocolos específicos e gravações (áudio e vídeo). Desenvolveram-se dois subsistemas de análise interacional. Constatou-se que, no primeiro subsistema (finalidade dos conteúdos comunicacionais), os comportamentos de incentivo à participação, incentivo à interação e comunicar informações foram mais observados no centro de saúde. No segundo subsistema (recursos da comunicação), os comportamentos facilitadores e perturbadores também foram mais emitidos na assistência primária. Conclui-se que, no centro de saúde, prevaleceu uma consulta centrada no paciente, com maior incentivo à sua participação, e, no hospital, a consulta centrou-se preponderantemente no acompanhante ou no médico.

Palavras-chave: interação na tríade; comunicação criança-acompanhante-pediatra; saúde da criança; comunicação em saúde; pesquisa observacional.


Abstract

Communication in pediatric settings presents many challenges, because of the presence of a triad (patient-caregiver-pediatrician) which requires specific skills in each step of an encounter. This study aimed to analyze and compare the communication in triads between the primary (health center) and tertiary (hospital) care levels. Twelve triads were observed, with the behaviors registered in specific protocols and recordings (audio and video). Two subsystems of interactional analysis were developed. In the first subsystem (purpose of communication content), the behavior of encouraging participation, encouraging interaction and communicating information was more observed in the health center. In the second subsystem (communication resources), facilitating and disruptive behaviors were also more recurrent in the primary care setting. Therefore, we conclude that in the health care center, consultations focused on patients, prevailed with greater incentive towards participation. In the hospital, the appointments focused mainly on the caregiver or the doctor.

Keywords: interaction in the triad; child-caregiver-pediatrician; child health; health communication; observational research.


Resumen

La comunicación en el contexto pediátrico presenta muchos desafíos, porque la presencia de una tríada (paciente-acompañante-pediatra) requiere habilidades específicas en cada paso de la consulta. Este estudio tuvo con objetivo analizar y comparar las comunicaciones de tríadas entre los niveles de atención primaria (centro de salud) y terciaria (hospital). Doce tríadas fueron observadas, siendo los comportamientos registrados en protocolos específicos y grabaciones (audio y vídeo). Dos subsistemas de análisis interacciónale fueron desarrollados. Se encontró que, en el primer subsistema (propósito de los contenidos comunicacionales), los comportamientos de incentivo a la participación y comunicar informaciones fueron más observados en el centro de salud. En el segundo subsistema (recursos de la comunicación), los comportamientos facilitadores y perturbadores también fueron más emitidos en la asistencia primaria. Se concluyó que en el centro de salud ha prevalecido una consulta centrada en el paciente, con mayor incentivo a su participación y que en el hospital, la consulta se centró principalmente en el acompañante o en el médico.

Palabras clave: interacción en la tríada; comunicación niño-acompañante-pediatra; salud del niño; comunicación en salud; investigación observacional.


 

 

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) determina que, em cada nível de atenção – primário, secundário e terciário –, sejam organizadas ações para prevenir agravos, reduzir danos e promover mais qualidade de vida para os cidadãos. Embora cada nível possua sua especificidade, no contexto da saúde da criança, recomendam-se atendimentos com enfoque educativo que incentivem a aquisição de hábitos de vida saudáveis ao longo do desenvolvimento. Nesse sentido, Perosa, Gabarra, Bossolan, Ranzani e Perreira (2006) salientam que, de modo geral, o conteúdo comunicacional das consultas pediátricas deve incluir medidas específicas de prevenção e orientações destinadas à promoção de saúde.

É crescente o reconhecimento acerca da relevância da comunicação no campo da saúde para assegurar adesão ao tratamento, qualidade dos serviços, redução de custos no plano social e promoção de bem-estar para a população (Leite, Caprara, & Coelho, 2007). Apesar da relevância científica, profissional e social dessa temática, ainda hoje permanecem lacunas na produção de conhecimentos, como a identificação do padrão de comunicação das tríades em diferentes níveis assistenciais.

Considerando que, cada vez mais, as ações de saúde se diversificam, torna-se imperativo conhecer melhor os parâmetros específicos de comunicação nos diferentes contextos de cuidado e atenção (Araujo, 2009; Nussbaum, Ragan, & Whaley, 2003). No entanto, o alcance de tais metas envolve vários desafios, pois a comunicação em saúde é influenciada por inúmeros fatores, entre os quais se incluem: o contexto institucional, a organização dos serviços e as atitudes dos profissionais e dos usuários (Cosnier, Grosjean, & Lacoste, 1994; Martins & Araujo, 2008; Sousa & Carpigiani, 2010).

Na assistência pediátrica, os profissionais devem possuir competências específicas durante o processo de consulta, para que a comunicação se ajuste ao nível de desenvolvimento do paciente, à gravidade do problema clínico, ao local de atendimento e às demandas familiares (Leite et al., 2007; Nussbaum et al., 2003). Muitas vezes, os profissionais privilegiam a interação com o acompanhante por conceberem que os pacientes pediátricos, independentemente da idade, não compreenderão as informações e não poderão fazer escolhas e tomar decisões. Todavia, alguns profissionais desejam incluir os pacientes durante a consulta, mas não sabem como fazê-lo, desconhecem o tipo de linguagem mais apropriado ou a quantidade de informações mais adequada para que possam se comunicar com crianças e jovens (Armelin, Wallau, Sarti, & Pereira, 2005; Perosa et al., 2006; Tates & Meeuwesen, 2001; Tates, Meeuwesen, Bensing, & Elbers, 2004).

Uma análise da literatura especializada revela que os estudos sobre o tema tendem a focalizar interações diádicas, geralmente desenvolvidas durante consultas médicas (Glanz, Rimer, & Viswanath, 2008; Tates & Meeuwesen, 2001). Poucas pesquisas na área de comunicação em saúde têm se proposto a analisar a comunicação no contexto pediátrico e, quando o fazem, aplicam ferramentas de coleta e análise de dados enfocando a interação de apenas dois participantes da tríade. Corroborando essa afirmação, Tates e Meeuwesen (2001) encontraram 12 artigos sobre comunicação com tríades no contexto pediátrico, publicados entre 1968 e 1998. Metade dos artigos identificados realizou registros de imagens, mas apenas quatro pesquisas consideraram comportamentos não verbais. Sete estudos quantitativos aplicaram sistemas de categorização para codificar comportamentos verbais, mas nenhum permitiu captar efetivamente a interação dos três participantes. De acordo com os autores, embora as investigações estivessem voltadas para a interação entre médicos, crianças e pais, parte delas se restringiu à díade médico-acompanhante ou médico-criança.

Quando se traça um panorama sobre as ferramentas metodológicas de enfoque observacional para estudo das interações em diferentes contextos da assistência, notam-se várias limitações, pois os instrumentos: 1. não explicitam, simultaneamente, a sequência interacional e a situação observada; 2. privilegiam fatores interpessoais e afetivos quando focalizam o paciente e fatores informativos e técnicos ao analisarem o profissional; e 3. têm pouca aceitação por parte de alguns profissionais e instituições (Araujo, 2009).

Considerando, portanto, o interesse científico e assistencial de ampliar conhecimentos sobre a comunicação no campo da saúde da criança e, mais especificamente, em diferentes práticas assistenciais com tríades, realizou-se um estudo com o objetivo de analisar e comparar as interações entre paciente pediátrico, acompanhante e profissional (tríade) durante a consulta, em dois níveis de assistência: primário (centro de saúde) e terciário (hospital).

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 12 pacientes pediátricos (seis do centro de saúde e seis do hospital), entre 7 e 11 anos de idade, sendo quatro meninos e duas meninas, que cursavam o ensino fundamental. Em ambos os níveis assistenciais, os pacientes foram selecionados após se verificar que os sintomas apresentados não inviabilizariam sua participação na consulta. As crianças do centro de saúde foram diagnosticadas com bronquite, dermatite, enxaqueca, rinite alérgica e sinusite. No hospital, registraram-se bronquite, sinusite e herpes. Participaram também os 12 acompanhantes, sendo nove mães, um pai, uma madrasta e um irmão mais velho. Integraram ainda a investigação oito pediatras do sexo feminino, sendo três no nível primário e cinco no nível terciário, entre 42 e 55 anos de idade, com tempo de formação entre 19 e 31 anos (M = 22,3 no centro de saúde e M = 23,6 no hospital) e com tempo de atuação na instituição entre três meses e 27 anos (M = 13,6 no centro de saúde e M = 9,4 no hospital).

Instrumento e materiais

Empregaram-se uma câmera filmadora (digital HD portátil) e dois aparelhos digitais para gravações em áudio e imagem. Um protocolo de registro observacional foi utilizado para anotação dos dados obtidos durante cada sessão: data, tempo de início e término da observação; configuração do ambiente físico e social; caracterização dos participantes (posição e postura) e comportamentos da tríade observada.

Procedimentos

Após a aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (CEP/SES-DF) – Protocolo n. 400/2008 –, a pesquisadora responsável e uma auxiliar de pesquisa realizaram um período de familiarização de 30 dias nas instituições pesquisadas. A finalidade foi conhecer os profissionais envolvidos e seus procedimentos para atendimento, além de identificar os espaços de observação. Cabe explicitar que todos os participantes expressaram concordância mediante a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A coleta de dados foi iniciada após: 1. explicitação dos procedimentos a cada criança e acompanhante; 2. informe às médicas de que o paciente e seu acompanhante concordaram em participar; 3. preparação do consultório com instalação dos equipamentos de gravação; e 4. posicionamento da pesquisadora e da auxiliar de pesquisa para visualização adequada dos participantes. No que concerne aos equipamentos, a filmadora foi posicionada em cima de armários, parapeitos de janelas ou suportes de papel-toalha para evitar a distração dos participantes. Um gravador de áudio foi colocado sobre a mesa da médica e outro sobre a maca, onde seria realizado o exame físico. Durante o atendimento, a pesquisadora e a auxiliar preencheram o protocolo de observação.

Duas auxiliares de pesquisa transcreveram as gravações. Ulteriormente, a pesquisadora responsável revisou o material. As gravações das imagens, as transcrições de áudio e os registros do protocolo de observação foram integrados e organizados de acordo com o sistema múltiplo de categorias de Martins e Araujo (2008), adaptado conforme a necessidade do presente estudo: captar comportamentos verbais (pelas transcrições) e não verbais (pelas imagens) emitidos no contexto pediátrico. Após a adaptação do sistema múltiplo de categorias, dois juízes avaliaram, de forma independente, se as categorias estavam claras, eram excludentes, não ambíguas e contemplavam os comportamentos previamente definidos. No caso de discordância, reanalisava-se e discutia-se até que houvesse consenso.

Com o sistema múltiplo de categorias finalizado, procedeu-se à categorização da ocorrência dos comportamentos com base nos seguintes critérios: 1. cada ocorrência correspondeu a uma verbalização ou a um comportamento que se iniciava e terminava quando ocorria alguma interrupção (silêncio, interrupções de outras falas) ou alguma mudança de comportamento; 2. quando não houve pausa no discurso, o critério adotado foi uma mudança de conteúdo; 3. se a expressão se repetiu da mesma forma que no enunciado, foi registrada apenas uma vez, pois significou (com base na análise das gravações) que o receptor não havia escutado; 4. quando uma fala era feita utilizando novas palavras, registraram-se duas emissões, pois houve adaptação da linguagem para que o receptor compreendesse melhor a informação; 5. nos casos em que não foi possível observar quem era o receptor das informações repassadas (tanto pelo vídeo quanto pelo áudio), registrou-se a ocorrência para os dois receptores; e 6. houve casos em que os comportamentos foram registrados em mais de um subsistema. Por exemplo, nos casos em que a pediatra comunicou um procedimento detalhadamente para facilitar a compreensão do paciente, essa modalidade de emissão foi registrada nas categorias “comunicar procedimento” e “informação complementar” (Pinto, 2010).

 

Resultados e discussão

No centro de saúde, cada uma das três pediatras realizou dois atendimentos. No hospital, uma pediatra atendeu duas crianças, e as outras quatro tiveram um paciente em consulta. No que se refere à duração das consultas, constatou-se uma variação de 5,9 a 25,8 minutos (M = 21,16 no centro de saúde e M = 7,13 no hospital).

Quadro 1 apresenta o sistema de análise interacional das consultas pediátricas.

 

 

A seguir, serão apresentados e discutidos – em cada subsistema de análise interacional – os comportamentos categorizados.

Subsistema 1: finalidade dos conteúdos comunicacionais

São repertoriadas, nesse subsistema, três categorias distintas, de acordo com os propósitos da comunicação: incentivo à participação, incentivo à interação e comunicar informações.

Incentivo à participação (IP): essa categoria é composta por 11 tipos de comportamento – relacionados a queixas, ações e informações – que serão apresentados, seguidos de um exemplo extraído das consultas gravadas: 1. solicitar informações específicas sobre a queixa ao paciente (SIEQ-p): “desde quando você tosse?”; 2. solicitar informações específicas sobre a queixa ao acompanhante (SIEQ-a): “ele tosse com secreção?”; 3. solicitar ações ao paciente (SA-p): “abra a boca”; 4. solicitar ações ao acompanhante (SA-a): “deite-o na maca”; 5. solicitar informações durante exame ao paciente (SIEx-p): “sente algo aqui [apalpa as costas do paciente]?”; 6. solicitar informações durante exame ao acompanhante (SIEx-a): “onde é a dor dele?”; 7. solicitar confirmação de informações (SCI): “tem certeza de que ele não está com febre?”; 8. solicitar informações sobre características ao próprio paciente (SICP-p): “quanto você pesa?”; 9. solicitar informações sobre características do paciente ao acompanhante (SICP-a): “qual é a idade dela?”; 10. paciente solicita informação para esclarecer verbalização (P-SIEV): “o que você falou?”; 11. acompanhante solicita informação para esclarecer verbalização (A-SIEV): “doutora, isso é devido a quê?”.

Nessa categoria, constatou-se que, dos 11 comportamentos descritos anteriormente, sete tiveram maior ocorrência no centro de saúde, especialmente “solicitar informações específicas da queixa ao paciente (SIEQ-p)”. Em contrapartida, três tipos de comportamento apresentaram maior ocorrência no hospital: “solicitar ações ao paciente (SA-p)”, “solicitar informações sobre características do paciente ao acompanhante (SICP-a)” e “solicitar ações ao acompanhante (SA-a)”. Apenas a frequência do comportamento “solicitar confirmação de informações (SCI)” alcançou cômputo semelhante nos dois níveis assistenciais.

No nível de assistência primário, identificaram-se 366 comportamentos categorizados como IP, em contraposição a 154 comportamentos registrados no nível terciário. Tal disparidade é particularmente significativa quando se verifica que o comportamento “solicitar informações específicas sobre a queixa ao paciente (SIEQ-p)” foi o comportamento que apresentou maior diferença. No centro de saúde, o comportamento SIEQ-p foi muito mais frequente do que no hospital. Isso sugere que, na assistência primária, o paciente pediátrico interage mais do que na assistência terciária, quando compararam as consultas de natureza semelhante nos dois níveis diferentes.

Vale destacar que comportamentos, tais como SIEQ-p, fornecem informações adicionais sobre o modo peculiar de compreensão do paciente a respeito de doenças e tratamentos, indicando ao médico os conteúdos e os recursos comunicacionais a serem adotados em cada caso (Nussbaum et al., 2003). É possível supor também que a diferença observada quando o “paciente solicita informação para esclarecer verbalização (P-SIEV)” revela uma reação do paciente pediátrico ao incentivo que lhe é dado para participar no nível primário, o que pode propiciar mais adesão aos cuidados orientados (Bonvicini et al., 2009; Jangland, Gunningberg, & Carlsson, 2009).

Incentivo à interação (II): essa categoria reúne cinco comportamentos – relacionados a saudações e despedidas, socialização e reflexões sugeridas pelo profissional – que serão exemplificados por meio dos registros feitos durante as consultas: 1. saudações e despedidas (SD): “olá, tudo bom?”; 2. socialização com paciente (SO-p): “você gosta de qual time de futebol?”; 3. socialização com acompanhante (SO-a): “a senhora ainda vai para o trabalho hoje?”; 4. incentivar reflexão do paciente (IR-p): “por que você acha que entrou em crise?”; 5. incentivar reflexão do acompanhante (IR-a): “você deve saber por que começou esta crise, não é?!”.

A maior parte dos comportamentos dessa categoria foi observada no centro de saúde (n = 4), todavia “incentivar reflexão do acompanhante (IR-a)” foi mais registrado no hospital. O cálculo do somatório (∑) dos comportamentos dessa categoria indicou ∑ = 157 no centro de saúde, em contraste com ∑ = 49 no hospital. Isso denota que, comparativamente, os profissionais do nível primário investiram mais em comportamentos associados ao acolhimento e à socialização, os quais influenciam no estabelecimento de vínculos terapêuticos mais eficazes (Cosnier et al., 1994; Lambert et al., 1997). Especificamente em relação à despedida, é importante insistir que o profissional deve utilizar estratégias que assegurem ao paciente as habilidades pessoais para seguir prescrições e orientações. De modo semelhante, ele precisa oferecer condições para que o paciente formule dúvidas finais e deseje retornar à próxima consulta (Cosnier et al., 1994; Glanz et al., 2008).

Comunicar informações (CI): essa terceira categoria abrange dez comportamentos – relacionados a execução de procedimentos, condutas terapêuticas, mudanças de hábitos, hipóteses diagnósticas e informações sobre estado de saúde. Tal como proposto para as categorias precedentes, esses comportamentos serão reportados e exemplificados com base nas trocas comunicacionais registradas durante as sessões de observação: 1. comunicar procedimentos ao paciente (CP-p): “olha, vou auscultar seu coração”; 2. comunicar procedimentos ao acompanhante (CP-a): “vou apalpar aqui para ver se tem algo errado com ele”; 3. comunicar condutas terapêuticas ao paciente (CCT-p): “você vai ter que tomar injeção”; 4. comunicar condutas terapêuticas ao acompanhante (CCT-a): “ele terá que fazer exames”; 5. comunicar necessidade de mudanças de hábitos ao paciente (CMH-p): “você terá que comer mais verduras e frutas”; 6. comunicar necessidade de mudanças de hábitos ao acompanhante (CMH-a): “mãe, não dê nada gelado para ele!”; 7. comunicar hipóteses diagnósticas ao paciente (CHD-p): “você está com rinite, com o nariz inflamado”; 8. comunicar hipóteses diagnósticas ao acompanhante (CHD-a): “ele tem bronquite”; 9. comunicar informações sobre seu estado de saúde (CIES-p): “estou com dor há três dias”; 10. comunicar informações sobre estado de saúde do paciente (CIES-a): “ele está com febre há dois dias”.

O Gráfico 1 ilustra a distribuição dos comportamentos de “comunicar informações”. É necessário enfatizar que a maior diferença entre níveis assistenciais corresponde a “comunicar informações sobre seu estado de saúde (CIES-p)” – emitida pelo paciente – e a menor diferença relaciona-se a “comunicar procedimentos ao acompanhante (CP-a)”. Ressalta-se ainda que as diferenças são mais acentuadas na medida em que envolvem o paciente, a saber: CIES-p, CHD-p e CMH-p.

 

 

O maior número de registros ocorreu no centro de saúde (n = 679), já que no hospital foram observados 203 comportamentos na categoria “comunicar informações”. Tendo em vista a literatura, é preciso alertar, uma vez mais, que direcionar a comunicação para o acompanhante, em detrimento do paciente pediátrico, limita as condições de adesão ao tratamento e de mudanças de hábitos que possam promover uma maior qualidade de vida para esse paciente (Bonvicini et al., 2009; Jangland et al., 2009; Maldonado & Canella, 2009). Embora os acompanhantes comuniquem informações essenciais para estabelecimento do diagnóstico, é crucial considerar o ponto de vista do paciente, pois nem sempre a percepção dos adultos reflete sentimentos e necessidades da criança (Nussbaum et al., 2003; Tates & Meeuwesen, 2001).

Quanto ao comportamento “comunicar hipóteses diagnósticas ao paciente (CHD-p)”, constata-se grande discrepância entre centro de saúde e hospital, em favor de mais atenção direcionada ao paciente no primeiro nível de assistência. Essa constatação converge para o que se reconhece como uma comunicação eficiente em saúde, durante a qual o profissional avalia as vivências e os conhecimentos prévios do paciente e utiliza linguagem compatível com o seu desenvolvimento sociocognitivo para informar sobre o diagnóstico. Em consonância com essa tendência comportamental, o comportamento “comunicar necessidade de mudanças de hábitos ao paciente (CMH-p)” foi evidenciado somente no centro de saúde (Jangland et al., 2009; Lambert et al., 1997; Nussbaum et al., 2003; Perosa et al., 2006).

Subsistema 2: recursos comunicacionais

Nesse subsistema, encontram-se verbalizações emitidas por profissional, paciente ou acompanhante que podem facilitar ou dificultar a comunicação na tríade.

Recursos facilitadores (RF): essa primeira categoria envolve seis comportamentos – associados a detalhamento de informações, verificação de compreensão, recomendações contextualizadas e repetição de falas: 1. informação complementar (IC): “ele tem bronquite, parece uma alergia”; 2. verificação da compreensão do paciente (VC-p): “e aí, você entendeu tudo que eu falei?”; 3. verificação da compreensão do acompanhante (VC-a): “pai, está claro?”; 4. acompanhante incentiva fala do paciente (AIF-p): “filho, você é quem tem que dizer, porque você é quem sabe onde dói!”; 5. recomendações contextualizadas (RC): “você consegue engolir comprimido ou eu passo um xarope?; 6. repetir falas (RF): “exatamente isso, eu falei que você deve ir a um especialista em outro hospital”.

Conforme mostra o Gráfico 2, observaram-se todos os recursos facilitadores nos dois níveis assistenciais, mas o maior número de ocorrências foi evidenciado no centro de saúde.

 

 

Computaram-se 144 comportamentos categorizados como recursos facilitadores no centro de saúde e 28 no hospital. Ambos os níveis assistenciais diferenciaram-se notadamente em relação ao fornecimento de “informação complementar (IC)” direcionada ao paciente e acompanhante. Pouca diferença foi encontrada no comportamento “repetir falas (RF)”.

Um dos recursos mais apontados pela literatura como facilitador da comunicação, a “informação complementar”, foi encontrado nas instituições pesquisadas. De fato, o detalhamento de informações auxilia na compreensão tanto do paciente quanto do acompanhante, e costuma-se sublinhar que uma comunicação adequada em saúde requer: 1. compreender expectativas e experiências de pacientes e familiares; 2. fazer recomendações sustentadas por julgamento clínico e norteadas pelas preferências dos usuários; e 3. avaliar entendimento e engajamento nas orientações fornecidas (Glanz et al., 2008; Leite et al., 2007).

Recursos perturbadores (RP): essa categoria lista sete comportamentos – relacionados a uso de termos técnicos, tocar corpo do paciente sem aviso, interrupções, tangencializações, desatenção e introdução de assuntos externos à consulta: 1. uso de jargões médicos (JM): “isto é um vírus herpético”; 2. tocar paciente sem informar (TPSI): tirar blusa da criança para auscultar e/ou apalpar sem prévio aviso; 3. interrupções da fala do paciente (IFP): a médica pergunta o que o paciente sente e a acompanhante responde imediatamente por ele; 4. interrupções no atendimento (IA): outro profissional entra na sala de consulta ou uso de telefone celular pelo profissional; 5. introdução de assuntos externos (IAE): “eu queria saber se minha vizinha pode dar leite de vaca para seu bebê de dois meses”; 6. tangencializações (TAN): profissional não responde com clareza e busca mudar de assunto: “é mais ou menos isso. Vamos ao exame”; 7. desatenção à fala do paciente (DFP): profissional ou acompanhante ignoram fala emitida pelo paciente.

O Gráfico 3 expõe os comportamentos perturbadores da comunicação, discriminados por nível de assistência. No centro de saúde, os comportamentos mais registrados foram: “tocar paciente sem informar (TPSI)”, “interrupções da fala do paciente (IFP)”, “uso de jargões médicos (JM)” e “introdução de assuntos externos (IAE)”. Já no hospital, sobressaíram JM e TPSI. Comportamentos de “interrupções no atendimento (IA)” tiveram taxas semelhantes. A IAE não foi observada no hospital. A diferença mais acentuada, entre níveis assistenciais, refere-se a IFP.

 

 

De modo geral, os comportamentos de “tocar paciente sem informar (TPSI)” e “o uso de jargões médicos (JM)” alcançaram taxas elevadas. Nesse sentido, Cosnier et al. (1994) alertam que não avisar o paciente sobre a região do corpo que será examinada, nem orientá-lo que deve informar dor ou incômodo transmite uma expectativa de passividade, nem sempre desejável em um atendimento. Por sua vez, a utilização de jargões, para alguns autores, fornece informações que poderão ser úteis (como uma denominação nosológica). Contudo, consideram fundamental complementar o “repasse de informações” com exemplos compreensíveis e contextualizados à reali dade de cada paciente (Bonvicini et al., 2009; Jangland et al., 2009; Martins & Araujo, 2008; Sousa & Carpigiani, 2010).

Vale ressaltar que houve mais comportamentos perturbadores no centro de saúde (n = 99), em comparação com o hospital (n = 67). Entretanto, como a duração média das consultas, no primeiro, foi de 21,16 minutos e 7,13 minutos no segundo, verifica-se que a frequência de comportamentos perturbadores no centro de saúde foi – proporcionalmente – menor do que no hospital.

Também é preciso ponderar que tal discrepância pode ser compreendida de outra maneira, já que o comportamento “interrupções da fala do paciente (IFP)” é associado à ocorrência de categorias vinculadas à participação do paciente – “solicitar informações específicas acerca da queixa ao paciente (SIEQ-p)”; “solicitar informações sobre características ao próprio paciente (SICP-p)” e “comunicar informações sobre seu estado de saúde (CIES-p)”. Em outras palavras, foram observadas mais interrupções na fala do paciente no centro de saúde, porque, nesse nível de assistência, constatou- se maior número de interações com esse membro da tríade. Por exemplo, reuniram- se 167 registros de SIEQ-p no centro de saúde, e, no hospital, foram feitos somente dez registros.

Em resumo, a comunicação no centro de saúde parece mais efetiva para atingir as metas da assistência primária. No hospital, parece haver maior preocupação com o exame clínico e a manifestação de habilidades por parte dos próprios profissionais, o que se coaduna com as características do nível terciário de assistência. Entretanto, essa restrição de modalidades de comunicação no hospital não atende, em essência, aos objetivos de uma instituição de saúde, uma vez que constitui uma limitação à qualidade assistencial.

 

Considerações finais

Os resultados obtidos revelam que os profissionais adotam estilos diferenciados de comunicação com os pacientes e acompanhantes em função do nível de assistência no qual se inserem as instituições de trabalho. No centro de saúde, prevaleceu uma consulta centrada no paciente, pois as maiores frequências de comportamentos emitidos pelas pediatras tinham por finalidade incentivar a participação do paciente, interagir com o paciente e mantê-lo informado. No hospital, a consulta foi centrada ora no profissional, ora no acompanhante; observaram-se menores frequências de emissões verbais destinadas ao paciente ou ao acompanhante no que diz respeito ao “fechamento” do diagnóstico e à elaboração das indicações terapêuticas. Isso pode sugerir que foi dada maior importância ao exame clínico (enfatizando conhecimentos e habilidades de natureza técnica durante o atendimento), em detrimento das informações e experiências compartilhadas pelos pacientes e acompanhantes.

Esta investigação não teve como propósito identificar que estilos de consulta associam-se à maior satisfação em cada nível de saúde. Entretanto, é possível ponderar que, quando se adota um estilo compartilhado de consulta – centrado nas necessidades do paciente –, favorece-se uma capacitação dos usuários (inclusive crianças) em relação à adoção de hábitos de vida mais saudáveis, à adesão terapêutica e à adaptação às condições impostas pelo adoecimento.

Cumpre comentar ainda que, em razão do tamanho amostral, torna-se limitada a generalização para outros contextos assistenciais ou mesmo para pacientes com mais ou menos idade, já que diferenças de amadurecimento cognitivo ou experiências anteriores podem ter influência sobre seu desempenho em situações similares.

Recomenda-se a condução de estudos futuros que adotem enfoque observacional no campo da comunicação em saúde. Para tanto, sugere-se um planejamento cuidadoso visando obter a concordância dos envolvidos, evitar problemas técnicos decorrentes do manuseio de muitos equipamentos de registro, treinar a equipe de pesquisadores e prever um período de familiarização institucional antes da coleta definitiva.

Por fim, é válido realçar que os conhecimentos obtidos com a presente pesquisa oferecem contribuições teóricas e metodológicas para a área da saúde da criança, além de fornecer elementos essenciais para elaboração de programas de capacitação e treinamento profissional em habilidades comunicacionais.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Lilian Meire de Oliveira de Cristo
Rua 31 Sul, Lote 8, Edifício Sedgwick, Torre A, ap. 703, Águas Claras Sul
Brasília – DF. CEP: 71929-720
E-mail: lilianmeiredeoliveira@hotmail.com

Submissão: 6.12.2012
Aceitação: 10.8.2015

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