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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.3 São Paulo Dec. 2015

 

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Avaliação de alunos com síndrome de Down: aspectos cognitivo-linguísticos, educacionais e funcionais

 

Evaluation of students with Down syndrome: cognitive-linguistic educational and functional aspects

 

La evaluación de los alumnos con síndrome de Down: aspectos cognitivo-lingüísticos, educativos y funcionales

 

 

Andréa Aparecida Francisco VitalI; Camila MiccasI; Cintia Perez DuarteI; Maria Eloisa Famá D'AntinoI
I Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O objetivo desta pesquisa foi traçar o perfil de quatro alunos com síndrome de Down, matriculados em uma rede pública e regular de ensino, por meio de resultados obtidos em avaliação das potencialidades cognitivo-linguísticas dos alunos, da aquisição de conhecimentos e conteúdos acadêmicos e da funcionalidade destes. Os resultados das três avaliações foram analisados e possibilitaram traçar o perfil dos alunos, na faixa etária de 6 a 8 anos, matriculados no 1º e 2º anos do ensino fundamental. Como resultados da análise dos dados, tem-se que, independentemente da idade e ano frequentado, não foram observadas diferenças qualitativas nos resultados das avaliações. Conclui-se que a avaliação contínua, análise e seleção de recursos pedagógicos, assim como o planejamento das ações e as intervenções, devem ser uma constante em busca do aprimoramento do atendimento às necessidades educacionais do alunado com síndrome de Down.

Palavras-chave: educação inclusiva; avaliação; síndrome de Down; cognição; funcionalidade.


Abstract

The objective of this research was to establish a profile of four students with Down syndrome enrolled in the regular school system assessing the cognitive-linguistic potentialities, knowledge acquisition, and academic and functionality performance. For this, we confront the data obtained from the three types of assessments obtaining a profile of students. We note that, regardless of the ages and grades in which they were enrolled, no qualitative differences between assessments of intelligence, knowledge acquisition, academic content and functionality were observed. It is concluded that research, ongoing evaluation, analysis and recycling of educational resources and planning of educational activities must be in a constant search for improvement in meeting the needs of students with Down syndrome.

Keywords: inclusive education; assessment; Down syndrome; cognition; functionality.


Resumen

El objetivo de esta investigación fue establecer un perfil de cuatro alumnos con síndrome de Down matriculados en el sistema escolar regular por medio de resultados obtenidos en una evaluación de potencialidades cognitivas-lingüísticas, la adquisición de conocimientos, el contenido académico y la funcionalidad de estos. Para esto, fueron comparados los datos de los tres tipos de evaluaciones con el fin de obtener un perfil de los estudiantes. Independientemente de las edades y grados en que fueron matriculados, no se observaron diferencias cualitativas entre las evaluaciones de inteligencia, de la adquisición de conocimientos, del contenido académico y la funcionalidad. Se concluye que la investigación de la evaluación contínua, el análisis, el reciclaje de los recursos educativos y la planificación de las actividades educativas deben estar en una búsqueda constante de mejora en la satisfacción de las necesidades de los alumnos con síndrome de Down.

Palabras clave: educación inclusiva; evaluación; síndrome de Down; cognición; funcionalidad.


 

 

A síndrome de Down (SD), descrita pela primeira vez em 1866 por John Langdon, é uma das causas mais conhecidas da deficiência intelectual e caracteriza-se por uma alteração no cromossomo 21. Há três tipos possíveis de alteração que levam a esse quadro: trissomia do cromossomo 21, translocação e mosaicismo. A trissomia 21 é a forma mais comum observada, caracteriza-se pela ocorrência de um cromossomo 21 extra e afeta aproximadamente 95% dos casos. A translocação, que ocorre em menos de 5% dos casos, caracteriza-se pela união a outro cromossomo de parte do cromossomo 21 extra, agregando suas partes e configurando um rearranjo cromossômico. Por fim, o mosaicismo, de ocorrência muito rara, manifesta-se quando apenas algumas das células têm o cromossomo 21 extra, enquanto a maioria apresenta-se normal. Por esse motivo, o mosaicismo também já foi denominado de SD incompleta ou parcial (Schwartzman, 2003; Centers for Disease Control and Prevention, 2014).

Essas alterações resultam em um fenótipo específico, e, entre as características mais comuns, estão: mãos pequenas e dedos curtos, pés com espaçamento entre o primeiro e segundo dedo, prega palmar única, hipotonia muscular, nariz pequeno, face com perfil achatado, pregas epicânticas (pele no ângulo interior dos olhos), manchas de Brushfield (na íris), orelhas pequenas e lóbulos praticamente inexistentes, excesso de pele na nuca, boca pequena e falta de tônus muscular da língua, língua geográfica, dentes pequenos e com formas às vezes anormais, pele com aspecto manchado e tendência a ressecar como o decorrer dos anos, cabelo fino e ralo, e, por fim, atraso no crescimento. A forma da cabeça também pode apresentar-se alterada, com tamanhos menores do que os normais e com tamanho encefálico geralmente 3% inferior, quando comparados com dados padronizados referente a crianças normais. No entanto, raramente todas as características citadas são evidentes em um único caso.

Na maioria dos países, estima-se que a incidência da SD seja de 1:800/1.000 nascidos vivos, com prevalência de 1:2.000/3.000 pessoas. O aumento da idade materna é um fator importante nesse processo (Schwartzman, 2003), elevando o risco de má-formação do bebê, principalmente em anomalias de origem cromossômica. Para uma mulher com mais de 40 anos, o risco de ter um bebê com SD é de um em 52 nascimentos; na idade entre 20 e 29 anos, o risco diminui para um em cada 1.350 nascimentos. Porém, a idade materna não pode ser considerada o único fator interveniente (Moreira & Gusmão, 2002).

As crianças com SD apresentam, de modo geral, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e variados prejuízos nas funções cognitivas (Schwartzman, 2003), ou seja, apresentam deficiência intelectual em algum grau, definida como incapacidade caracterizada por limitações significativas tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo expresso em habilidades conceituais, sociais e práticas. Essa deficiência se origina antes dos 18 anos de idade (American Association on Intellectual and Developmental Disabilities, 2010).

Em relação ao desenvolvimento da linguagem verbal, estudos apontam que essas crianças emitem as primeiras palavras com quatro meses de atraso em relação à criança com desenvolvimento típico. Porém, não se verificou diferença na fase de aquisição de frases, que geralmente inicia-se com o uso de palavras soltas, emitindo as primeiras frases com duas palavras; entretanto, após essa fase, apresentam dificuldades crescentes na aquisição das regras gramaticais e na construção de sentenças, podendo apresentar dificuldades articulatórias que persistem na vida adulta (Schwartzman, 2003; Bissoto, 2005).

Apesar das inúmeras alterações no desenvolvimento global, o prognóstico é variado e não há como predeterminar até que estágio uma pessoa com SD irá se desenvolver. Por isso, faz-se necessário um acompanhamento e uma intervenção precoce realizada por equipe multidisciplinar, o que impacta os processos educacionais posteriores, os quais serão vivenciados na escola regular, como preconizado pela legislação educacional brasileira.

A educação para todos vem sendo discutida há tempo, e os direitos das pessoas com deficiência foram incorporados na legislação brasileira antes mesmo da Constituição Federal de 1988 que, no inciso III do artigo 208, faz referência expressa ao “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, de 1996), no artigo 2º, estão expressas as finalidades da educação: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Sendo dever do Estado, sua promoção é de responsabilidade do sistema educacional público, garantindo o acesso à educação básica obrigatória como direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão acionar o Poder Público para exigi-lo (artigo 5º).

Cabe assinalar o disposto na Resolução n. 2 do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica (CNE/CEB), de 11 de setembro de 2001, que, ao instituir as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, reitera a garantia do acesso de todos os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais com início na educação infantil, nas creches e pré-escolas, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. A educação especial é definida, no artigo 3º, como modalidade de educação escolar, que deve garantir a educação escolar e o desenvolvimento das potencialidades dos educandos em todas as etapas da educação básica: “um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns” (Resolução n. 2, 2001).

A garantia de acesso à educação, como direito fundamental, público e subjetivo da pessoa, na modalidade especial, encontra-se também expressa na Deliberação n. 68/2007 do Conselho Estadual de Educação de São Paulo. A modalidade especial, nessa deliberação, é definida como um processo que assegura recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar o ensino regular, bem como, em casos excepcionais, para substituí-lo, como expresso a seguir:

Art. 7º – As escolas poderão utilizar-se de instituições especializadas, dotadas de recursos humanos das áreas de saúde, educação e assistência, e de materiais diferenciados e específicos, para:

[...]

III – o atendimento educacional especializado a crianças e jovens, cuja gravidade da deficiência ou distúrbio do desenvolvimento imprimam limitações severas às suas atividades de vida diária e comprometam seriamente sua possibilidade de acesso ao currículo da escola de ensino regular (Deliberação n. 68, 2007).

Mendes (2001, p. 28) aponta que “a ideia da inclusão se fundamenta numa filosofia que reconhece e aceita a diversidade na vida em sociedade”, o que significa a garantia de acesso de todos a todas as oportunidades, independentemente das peculiaridades e singularidades de cada indivíduo.

A proclamada “escola para todos” pressupõe mudança de concepções dos profissionais envolvidos com a educação, sendo imprescindível investir na sua formação, em níveis teórico e prático, em prol da promoção de uma educação que possibilite minimizar os fatores geradores de desvantagens nos processos de aprendizagem. Essa mudança poderia estar associada ao modelo integrador de avaliação apresentado pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que substitui o enfoque negativo de outras classificações por uma perspectiva positiva, considerando como funcionalidade todas as funções do corpo e como o indivíduo participa das atividades de seu meio e cotidiano (Farias & Buchalla, 2005; Organização Mundial da Saúde [OMS], 2008).

Dessa forma, para uma avaliação integradora, envolvendo também o ambiente escolar, esperam-se dos profissionais da educação atitudes favoráveis à aceitação da diferença. Acredita-se que um passo primordial para enfrentar barreiras do preconceito e trilhar um caminho promissor do desenvolvimento da criança e do jovem com deficiência seja o próprio processo avaliativo direcionado ao estabelecimento de programas de intervenção. Sendo assim, as ações educacionais devem se pautar em resultados de avaliações individuais e sistemáticas, capazes de fornecer as bases para intervenções pedagógicas apropriadas, com adoção de uma gama diversificada de estratégias e recursos.

Para Marchesi (2004), a avaliação dos alunos com deficiência deve pretender desenvolver as potencialidades e implementar seus processos de aprendizagem, e apontar, ao mesmo tempo, quais serão os recursos necessários a uma educação integradora. Sendo assim, a avaliação no âmbito escolar dos alunos com deficiência deve considerar o desempenho global deles e ser utilizada pelo professor como ponto inicial para planejar as adaptações curriculares (Carvalho, 2000).

Com o número expressivo e crescente de alunos com deficiência frequentando o ensino regular, faz-se necessário um olhar diferenciado aos processos educacionais destinados a eles, um olhar analítico capaz de perceber se esses alunos estão, de fato, sendo beneficiados por esses processos. Isso justifica a necessidade de estudos e pesquisas sobre a avaliação, pois são ferramentas capazes de orientar o planejamento das intervenções, em prol do melhor desenvolvimento do alunado com SD.

Assim, este trabalho teve por objetivo traçar o perfil de alunos com SD, a partir da análise e comparação de resultados da avaliação de suas habilidades cognitivo-linguísticas, conhecimentos e conteúdos acadêmicos, bem como a funcionalidade deles, por meio de instrumentos específicos, descritos a seguir.

 

Método

As avaliações realizadas com escolares com SD fizeram parte de três projetos de mestrados, previamente aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) sob os seguintes registros: UPM n. 1086/10/2008 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (Caae) n. 0064.0.272.000-08; UPM n. 1321/03/2011 e Caae n. 0016.0.272.000-11; UPM n. 1090/10/2008 e Caae n. 0068.0.272.000-08.

Participantes

Participaram do estudo quatro alunos com SD, com idades entre 6 a 8 anos, que frequentavam o 1º (3) e 2º (1) anos do ensino fundamental, matriculados na rede regular de ensino de um município de São Paulo, e suas respectivas professoras da sala regular, que foram as responsáveis pela aplicação do Protocolo de Avaliação de Escolares com Deficiência Intelectual (Paedi).

Instrumentos

Para avaliação cognitivo-linguística, foi aplicada a Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – Wisc-III (Wechsler, 2002), que possibilita avaliar a capacidade intelectual de crianças com idade entre 6 anos e 16 anos e 11 meses. Além do quociente intelectual (QI) total, também possibilita a avaliação do QI verbal e do QI de execução, utilizando-se de treze subtestes que avaliam habilidades de raciocínio variadas, tais como: vocabulário, discriminação visual, memória de trabalho, automatização motora, entre outras.

A avaliação de conhecimentos e conteúdos acadêmicos foi realizada por meio da aplicação do instrumento Avaliação Global 2008 – Língua Portuguesa, utilizado pela Secretaria de Educação do Município em questão para avaliar a aprendizagem do seu alunado, composta por questões correspondentes aos conteúdos curriculares da disciplina de Língua Portuguesa – ensino fundamental.

A avaliação da funcionalidade dos alunos foi realizada por meio do Paedi, elaborado por Miccas e D’Antino (2011), que tem como fundamentação teórica a CIF (OMS, 2008). Tem por objetivo avaliar a funcionalidade de alunos com deficiência intelectual no domínio de atividades e participação, composto por breve introdução com informações sobre os seus objetivos e forma de preenchimento, identificação do aluno, com 52 itens sobre atividades e participação. O instrumento traz três classificadores para os itens 1 a 40, a saber: “Não”, “Às vezes” e “Sim”; três classificadores para os itens 51 a 52, a saber: “Não realiza”, “Realiza com ajuda” e “Realiza independentemente”; e tabela de pontuação total.

O instrumento é preenchido pelo professor que aponta a classificação que melhor descreve o aluno em cada um dos itens. Ao final, é gerada uma pontuação que é utilizada para fins de pesquisa e controle de melhorias no desenvolvimento do aluno. A pontuação total do protocolo é de 104 para os que pontuarem “Sim” e “Realiza independentemente” em todos os itens.

Procedimentos

No primeiro momento, realizaram-se o levantamento e a análise de dados referentes ao processo de escolarização dos alunos, recorrendo-se aos seus prontuários pedagógicos.

As avaliações dos conhecimentos e conteúdos acadêmicos e das capacidades cognitivo-linguísticas dos alunos ocorreram de maneira estruturada nas escolas frequentadas pelos alunos, em sala com condições adequadas para a aplicação dos testes. A aplicação do instrumento para avaliação das capacidades cognitivo-linguísticas dos alunos ocorreu em dia distinto da avaliação pedagógica, e, para os participantes com dificuldades de manter a atenção por longo tempo ou com necessidade de tempo mais elevado para realização do teste Wisc-III, a aplicação ocorreu em dois dias.

Para avaliação da funcionalidade dos alunos, os professores das salas regulares foram contatados via telefone, e marcou-se uma reunião com uma das pesquisadoras responsáveis para orientá-los sobre a aplicação do Paedi. Como a avaliação da funcionalidade por meio do Paedi ocorreu em época diferente das avaliações já mencionadas, percebe-se uma diferença entre as idades demonstradas nas tabelas e nos quadros e os resultados das três avaliações.

 

Resultados e discussão

Realizaram-se levantamentos nos prontuários pedagógicos, em busca de dados referentes ao processo de escolarização dos alunos com SD, em especial informações sobre a alfabetização, qual seja, leitura e escrita. No Quadro 1, estão descritos os dados das quatro crianças: idade, ano em que estavam matriculadas, níveis de leitura e escrita, de acordo com registro dos professores; todos os alunos foram classificados pelos professores como pré-silábicos, considerando suas produções e interpretações da escrita.

 

 

Como informações adicionais localizadas nos prontuários, tem-se que dois alunos não eram verbais fluentes (o sujeito 1 se comunicava por meio de palavras isoladas, e o sujeito 4 verbalizava de forma segmentada, com emissão apenas das sílabas finais das palavras); nenhuma das crianças era capaz de ler, fazer nomeação de letras isoladas ou diferenciar letras de números. Os prontuários dos alunos com SD se mostraram precários, com informações insuficientes no que se refere à leitura e escrita, sem detalhamento dos processos avaliativos, das produções deles ou dos critérios para acompanhamento do progresso dos alunos. Cabe aqui considerar que pela idade dos alunos (de 6 a 8 anos), com diagnóstico de SD no que se refere à leitura e escrita, não se poderia esperar desempenho diferente daquele descrito nos prontuários, entretanto esperava-se encontrar dados mais consistentes relativos ao processo de escolarização, como aqueles descritivos e preditivos de futuras aprendizagens, posto que estes se apresentam como importantes indicadores para os planejamentos pedagógicos individualizados, previstos na legislação brasileira ao tratar do processo de inclusão escolar no ensino regular de alunos com necessidades educacionais especiais.

A avaliação dos aspectos cognitivo-linguísticos, por meio da aplicação do teste de inteligência, resultou na classificação “intelectualmente deficiente” para os três participantes que realizaram as tarefas (Tabela 1), tanto para o QI verbal quanto para o de execução. O sujeito 3 não realizou o teste porque tinha dificuldades de compreensão da escala executiva e por não ser verbal. Cogitou-se, para esse sujeito, lançar mão de outros instrumentos de avaliação, que foram descartados, dadas suas dificuldades de compreensão de instruções simples. A Tabela 1 apresenta os resultados da aplicação do teste.

 

 

Quanto à aplicação da Avaliação Global 2008 – Língua Portuguesa, optou-se por realização individual, buscando, assim, aproximação com as condições escolares. Após agendamento, as avaliações ocorreram em horário predeterminado, de modo a não comprometer as atividades pedagógicas.

 

 

Independentemente da série cursada, da idade e das capacidades intelectuais avaliadas, não se observaram diferenças qualitativas no nível de desenvolvimento e aprendizagem de conteúdos e habilidades preditivos de futuras aquisições escolares. Desse modo, no que se refere aos processos de alfabetização no contexto escolar, que deve ocorrer bem antes da chamada alfabetização propriamente dita, esses alunos encontram-se no mesmo nível, e, possivelmente, não lhes é disponibilizado um currículo individualizado, com objetivos minimamente voltados ao ensino de habilidade que são pré-requisitos para a alfabetização. Observou-se que os alunos apresentavam produção da língua escrita incompatível com o instrumento utilizado pelo município para avaliação, com baixa tolerância para realizar as atividades propostas pelo instrumento. Esse fato nos leva a inferir que não houve, por parte da escola, adaptações curriculares e práticas pedagógicas compatíveis com as especificidades desses alunos, a fim de que as dificuldades deles em acompanhar a rotina escolar pudessem ser superadas. Encontram-se aqui dois dos maiores desafios do sistema educacional brasileiro: o primeiro refere-se à alfabetização, e o segundo, à educação inclusiva – temas que têm gerado muitos estudos, debates e discussões.

Evidencia-se, com base nos resultados das avaliações, a necessidade de práticas pedagógicas diversificadas e significativas, assim como o necessário envolvimento de todos os profissionais da educação, em especial o professor, que atuam nos processos de desenvolvimento e aprendizagens de alunos com deficiência intelectual, buscando mobilizar seus interesses e suas capacidades atuais e potenciais por meio de conteúdos curriculares significativos e de estratégias e recursos pedagógicos transformadores das práticas correntes.

Faz-se necessário um plano de ensino individualizado, com objetivos bem delineados e estratégias de ensino que sejam eficazes e cientificamente comprovadas. Ainda que apresentem comprometimentos significativos nas habilidades cognitivas em geral, estudos mostram que intervenções bem programadas e que atendam às necessidades desse alunado podem favorecer avanços consideráveis e contribuir para a efetivação destes (Oliveira, 2010; Silva & Oliveira, 2006; Silva & Kleinhans, 2006).

Tendo em vista essas questões, Silva e Kleinhans (2006) destacam a importância da plasticidade cerebral no desenvolvimento e na aquisição da aprendizagem, pois quanto mais o ambiente e as experiências proporcionadas forem enriquecidos e favoráveis, maiores serão as chances de potencializar as habilidades e capacidades, minimizando limitações na comunicação e transmissão dos sistemas neurais, que repercutem favoravelmente nos processos de aprendizagem.

A educação das pessoas com deficiência, em grande parte, não ocorre de maneira satisfatória, e, consequentemente, as aprendizagens não se concretizam. Por isso, reformulações precisam ser pensadas para garantir mais qualidade no ensino, seja ele regular ou especial. Tais reformulações precisam se basear também em estudos e modelos de processamento de informações, pois, como afirma Laws (2002), investigar e conhecer as fraquezas e potencialidades das pessoas com SD influencia diretamente as propostas de intervenções adotadas, tornando-se mais eficazes.

Quanto aos resultados da avaliação da funcionalidade dos quatro alunos com SD, cuja pontuação média de crianças com desenvolvimento típico é de 104 a 99 pontos (Miccas & D’Antino, 2011), eles obtiveram pontuação total abaixo da média das crianças sem deficiência (Tabela 2), principalmente em itens relacionados às atividades e à participação no âmbito escolar.

 

 

Considerando a necessidade de adaptação curricular para alunos com deficiência intelectual, é de extrema importância que aspectos funcionais relacionados ao comportamento adaptativo do aluno sejam incorporados à proposta de trabalho da instituição escolar e ensinados na medida do possível. Entendemos assim que a escola tem papel fundamental no desenvolvimento de habilidades que vão além dos conteúdos acadêmicos. Essas habilidades relacionadas à funcionalidade das crianças com deficiência devem também ser incorporadas ao currículo e, portanto, trabalhadas e avaliadas pelos professores.

Independentemente das diferenças das idades e séries em que os alunos estavam matriculados, não foram observadas diferenças qualitativas nos resultados das avaliações cognitivo-linguísticos, na aquisição de conhecimentos e conteúdos acadêmicos, e na funcionalidade dos alunos. Os resultados obtidos, em especial os registros constantes nos prontuários pedagógicos, também não nos permitiram verificar avanços dos alunos ao longo da escolaridade, embora curta considerando-se a faixa etária dos alunos – de 6 a 8 anos. Entretanto, considerando a qualidade das supostas intervenções pedagógicas, a ausência de registros de possíveis produções dos alunos e a falta de proposta cur ricular individualizada, é possível inferir que os prognósticos dos processos de escolarização dos discentes são desoladores.

Bissoto (2005) corrobora essas observações ao apontar que o desenvolvimento do indivíduo, independentemente de ter ou não SD, é resultado de influências, sociais culturais e genéticas e dos aspectos afetivo-emocionais da aprendizagem, bem como das expectativas do outro, o professor, quanto às potencialidades e capacidades da criança. Sendo assim, fica evidente que a criança e o jovem com síndrome do Down necessitam de um atendimento em um ambiente motivador, promotor de autonomia e estimulador de suas potencialidades, em um espaço no qual a motivação e os desafios possam ser maiores do que os obstáculos para o enfrentamento das possíveis áreas em que o indivíduo apresenta maior dificuldade.

Diversos aspectos sobre a SD têm sido discutidos há décadas, incluindo fatores biológicos, educacionais e sociais. Apesar da complexidade, a tentativa de compreender a ação desses fatores e suas interações é de extrema relevância para nortear programas de avaliação e intervenção destinados a uma população com características peculiares que necessita de atendimento especializado. Tendo em vista as peculiaridades dos processos de desenvolvimento e aprendizagem das pessoas com SD, é preciso que os programas de intervenção sejam bem estruturados, visando estimular os aspectos mais prejudicados e potencializar os demais. De acordo com Silva e Kleinhans (2006), a plasticidade cerebral pode influenciar no desenvolvimento de habilidades e na aquisição de aprendizagem, focando um ambiente enriquecido que ofereça estímulos adequados como um dos maiores potencializadores do processo. Desse modo, o objetivo é minimizar as limitações na comunicação e transmissão dos sistemas neurais, que afetam diretamente os processos de aprendizagem.

Conclui-se que a avaliação contínua, a análise e o aprimoramento dos recursos educacionais e pedagógicos, bem como o planejamento de ações pedagógicas que contemplem as demandas dos alunos com SD, impostas pelas especificidades de seus processos de desenvolvimento e aprendizagem, devem ser uma constante em busca do aprimoramento do atendimento às necessidades desse alunado – sujeitos da educação especial, para quem a educação inclusiva está sendo significada apenas como acesso à escola, distante, portanto, da concretização da inclusão pela via dos processos de escolarização, como ilustrado nas trajetórias em construção dos sujeitos desta pesquisa.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Maria Eloisa Famá D’Antino
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Alameda Itu, 402, ap. 12,
Jardim Paulista – SP – Brasil. CEP: 01421-000
E-mail: eloidantino@gmail.com

Submissão: 17.3.2014
Aceitação: 10.8.2015

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