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Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.18 no.1 São Paulo abr. 2016

 

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Sentido pessoal atribuído à atividade de estudo no Ensino Fundamental

 

The eaning attributed to study activity by Elementary School Students

 

Sentido personal asignado a la actividad de estudio en la Primaria

 

 

Edimar Roberto de Lima SartoroI; Marli Lúcia Tonatto ZibettiII
I Grupo Athenas Educacional, Ji‑Paraná – RO – Brasil
II Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho – RO – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O objetivo do texto é discutir o sentido atribuído por alunos dos anos finais do Ensino Fundamental à atividade de estudo. Os dados foram obtidos em pesquisa com adolescentes de classes populares, multirrepetentes em uma escola pública no interior de Rondônia, utilizando‑se de encontros de grupo focal. Fundamentando‑se na Psicologia Histórico‑cultural, considera‑se que a educação escolar é uma atividade intencional que tem como função básica a socialização das conquistas humanas com vistas ao desenvolvimento pleno dos indivíduos. Os resultados indicam que, para os estudantes ouvidos, a escola não representa um local de aprendizagem, sendo o processo educativo significado como vazio, cansativo e repetitivo, no qual a aprovação passa a ter um fim em si mesma, enquanto o sentido do processo escolar é produzido pelas amizades e pelos encontros entre pares.

Palavras-chave: escolarização de adolescentes; psicologia histórico‑cultural; atividade de estudo; sentido pessoal; ensino fundamental.


Abstract

In this paper, we aim at discussing the meaning that elementary school students give to the study activity. Our research was conducted with lower class adolescents, students who had to repeat the school year in the state of Rondônia – Brazilian Amazon. For the conduct of our qualitative research, we used focus groups and interviews. Based on the Historical‑Cultural Psychology, we suggest that education is an intentional activity and its main function is to socialize human achievements in order to reach full development of individuals. Our study denotes that, for the students, school does not represent a place of learning, and the educational process is empty, tiresome and repetitive. The pass mark seems to be the only aim and the meaning of the school process is produced from friendships and encounters among school mates.

Keywords: adolescents schooling; historic‑cultural psychology; study activity; meaning; elementary school.


Resumen

El objetivo del texto es discutir el sentido asignado para la actividad de estudio por los estudiantes de los años finales de la escuela primaria. Los datos fueron obtenidos en una investigación con adolescentes de las clases más bajas, multirrepetentes en una escuela pública en Rondônia, por medio de reuniones de grupos focales. Razonados en las aportaciones de la Psicología Histórico‑Cultural, se considera que la educación es una actividad intencional que tiene un papel central en la socialización de los logros humanos con la finalidad del pleno desarrollo de los individuos. Los resultados señalan que para los estudiantes que participaran del estudio, la escuela no es un lugar de aprendizaje y el proceso educativo, vacío de significado, plantea‑se aburrido y repetitivo y la aprobación se convierte en un fin en sí misma. El sentido del proceso escolar se produce por las amistades y encuentros entre pares.

Palabras clave: escolarización de adolescentes; psicología histórico‑cultural; actividad de estudio; sentido personal; escuela primaria.


 

 

A psicologia histórico-cultural, proposta por Vigotski (1995, 1996, 2009) e por seus colaboradores constitui o marco teórico deste texto. Com base nas formulações marxistas, seus autores e continuadores partem da objetividade do real e apreendem a realidade humana como concreta – síntese de muitas determinações. Conforme assinala Vigotski (2010), a lei fundamental do desenvolvimento humano é que os indivíduos são formados na e pela sociedade em que vivem. A psicologia histórico-cultural constitui-se em uma psicologia crítica que busca romper com as perspectivas teóricas que tomam o percurso do desenvolvimento humano como um fenômeno natural, bem como aquelas que dicotomizam a compreensão dos indivíduos em corpo e mente, objetivo e subjetivo, natural e social.

Conforme Duarte (1999, p. 41), a atividade humana foi ao longo da história construindo formas superiores de objetivação: “[...] desde os objetos stricto sensu como a linguagem e as relações sociais entre os homens, até as formas mais elevadas de objetivações genéricas, como a arte, a filosofia e a ciência”. A objetivação, porém, não se realiza sem seu par dialético: a apropriação. Isso implica afirmar que para os indivíduos objetivarem-se em sociedade, para tornarem-se efetivamente seres partícipes de gênero humano, a apropriação do patrimônio material e cultural é uma exigência necessária.

O movimento decorrente do par dialético objetivação/apropriação exprime, por seu turno, características de um processo, eminentemente, educativo, podendo dar-se de forma intencional ou assistemática. Destacamos que a apropriação das conquistas do gênero humano pelos indivíduos não está restrita à educação escolar. Conforme Leontiev (1978), toda apropriação humana assume características de um processo educativo. As formas de atividade superior humanas não constituem um legado de nossa natureza biológica, pois o desenvolvimento produzido historicamente não é transmitido hereditariamente como mecanismos impressos no cérebro humano (Leontiev, 1978). Significa afirmar que não nascemos como seres humanos prontos, mas aprendemos a sentir, pensar, avaliar e agir como humanos em decorrência dos processos educativos a que somos submetidos ao longo da vida.

Para Vigotski (1995), a natureza psíquica do homem decorre da internalização das relações sociais que passam a constituir a forma e a estrutura da personalidade humana. Daí ser a apropriação da cultura um processo essencialmente educativo, mesmo quando ele não se realize de forma sistemática, organizada.

Partindo dessa concepção ampliada de educação, passemos à educação escolarizada. Essa, para Duarte (1998), tem papel fundamental na formação dos seres humanos, pois se interpondo entre os homens e a cultura, a educação escolar assume o caráter de mediadora das apropriações culturais de maneira sistemática e específica. Segundo Saviani (2000, p. 17), o processo educativo no interior das instituições escolares caracteriza-se pela sua intencionalidade e sistematicidade com vistas a produzir em cada indivíduo singular a “humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”.

No que tange à relação entre aprendizagem e desenvolvimento, Vigotski (2009) destaca que esses são processos com características próprias, mas que constituem uma unidade, pelas complexas inter-relações que os caracterizam. Alerta, entretanto, que a aprendizagem que verdadeiramente contribui para o desenvolvimento é aquela
que está à frente deste.

Para Vigotski (2009), o processo de desenvolvimento só pode ser apreendido quando analisado em sua dupla expressão, a saber: o nível de desenvolvimento atual e o próximo. Esses dois níveis são interatuantes: o primeiro diz respeito àquilo que já foi alcançado no curso do desenvolvimento pelo indivíduo; e o segundo, àquilo que está em vias de desenvolvimento, mas ainda não se efetivou. E é justamente o nível de desenvolvimento próximo que deve ser considerado pela educação escolar, conforme destaca Facci (2008, p. 182).

[...] as escolas e os professores devem ajudar os alunos a expressar, a desenvolver o que por si só não podem fazer. É necessário criar na criança [adolescentes] as premissas de desenvolvimento e as funções psíquicas que ainda não estão formadas. Isso pode ser realizado por meio dos conteúdos do conhecimento. O professor, nesse sentido, deve estruturar a atividade pedagógica de tal forma que oriente o conteúdo e os ritmos de desenvolvimento das FPS [funções psicológicas superiores].

Quando a atividade pedagógica for adequadamente organizada no processo de instrução formal, orientada por um professor, desenvolve-se a atividade de estudo a qual, segundo Elkonin (1987), é uma tarefa de extrema importância, pois tem a finalidade de transformar o próprio sujeito.

Para o entendimento da atividade de estudo, como define Davidov (1988), necessitamos, em primeiro lugar, tratar do conceito de atividade. A atividade, conforme sistematizou Leontiev (1978), possui duas dimensões: a orientação e a execução. A primeira compreende necessidades, motivos, objetos e tarefas; a segunda é constituída por ações e operações. Desse modo, a realização de uma atividade envolve sujeito, objeto e ferramentas. Dessa formulação decorre a teoria psicológica da atividade, a qual busca compreender como as formas sociais de atividade incidem sobre o desenvolvimento do psiquismo humano.

Nesse sentido, é fundamental que os estudantes sejam envolvidos de tal forma nos processos de aprendizagem e sintam a necessidade de estudar, reconhecendo que é por meio de seu envolvimento com as tarefas de estudo que se apropriam do saber e de formas mais elaboradas de operar cognitivamente. Essas ações impulsionam os estudantes a assimilar os procedimentos de reprodução dos conhecimentos teóricos, conforme esclarece Davidov (1988, p. 178): “[...] a necessidade da atividade de estudo estimula os estudantes a assimilar os conhecimentos teóricos; os motivos, a assimilar os procedimentos de reprodução destes conhecimentos por meio das ações de estudo, dirigidas a resolver as tarefas de estudo”.

Desse modo, a função do professor é propor atividades que possibilitem aos estudantes a reconstrução, no plano do pensamento, do movimento dialético do objeto de estudo, ou seja, no processo de apropriação dos conhecimentos, deve ocorrer a reprodução do caminho histórico de elaboração do conceito, como se os alunos fossem “coparticipantes da busca científica” (Davidov, 1988, p. 169).

Nesse processo, o aluno aprende os conhecimentos que constituem os fundamentos das diversas formas de consciência social, desenvolvendo as capacidades e habilidades surgidas historicamente como a reflexão, a análise, a síntese e a avaliação, dentre outras. Portanto, a atividade de estudo deve produzir o movimento de ascensão do pensamento às formas mais elaboradas de consciência social e, por conseguinte, possibilitar a estruturação de um tipo particular de conhecimento: o conhecimento teórico.

Nessa perspectiva, a realização da atividade de estudo parte da premissa de que o aluno deve ser um sujeito ativo no processo de aprendizagem. A relevância dessa atividade está, pois, em sua especificidade, qual seja: desenvolver novas funções psicológicas no indivíduo. Para que o estudante se aproprie de certo material, sob a forma de atividade de estudo, é necessário que ele tenha uma necessidade e uma motivação que o direcionem para a obtenção dos conhecimentos como resultados da transformação do material dado. Sobre isso, é fundamental entendermos como as necessidades e motivos se relacionam com o sentido e significado da atividade.

Segundo Leontiev (1978), no decurso da experiência social, os seres humanos foram criando e fixando formas de realizar determinadas atividades, de se comunicar e expressar sentimentos, de agir, de pensar etc. Os significados são cristalizações da experiência humana objetivada sob a forma de conceitos, de um saber ou mesmo de um saber fazer. Quando a experiência das gerações precedentes é apropriada pelos indivíduos sob a forma de aquisições das significações, ela passa a fazer parte de sua consciência, ou seja, adquire um sentido pessoal.

A atribuição de sentido pessoal traduz a relação entre o motivo e o fim da atividade, conforme explicitado por Leontiev (1978, p. 97):

De um ponto de vista psicológico concreto, este sentido consciente é criado pela relação objetiva que se reflete no cérebro do homem, entre aquilo que o incita a agir e aquilo para o qual sua ação se orienta como resultado imediato.

Dessa forma, o sentido pessoal constitui-se como o resultado da relação ativa dos indivíduos com o mundo objetivo e é apreendido, apenas, quando desvelamos o motivo que lhe corresponde.

Em investigação sobre esse tema, Asbahr e Souza (2014), fundamentando-se nas obras de Leontiev (1978) e Davidov (1988), destacam que a escola deve ser referência para os estudantes, como elemento organizador de suas vidas. Porém, conforme apontam os resultados da pesquisa das autoras, as atividades desenvolvidas nas escolas têm produzido poucas transformações no desenvolvimento psíquico dos alunos. Diante disso, defendem que a atividade de estudo seja de fato atividade principal dos estudantes, devendo ocupar um lugar privilegiado na escola.

A pesquisa de Oliveira (2012, p. 172) acrescenta elementos à discussão. Conforme o autor, quando um estudante não realiza as tarefas escolares conforme o esperado, podem estar ocorrendo aí problemas entre o sentido pessoal atribuído à escola e seu significado. Para o autor, os motivos das ações podem não ser suficientes para provocar o interesse pelo aprender no aluno, o que acaba impedindo-o de perceber a escola como relevante para seu desenvolvimento.

Oliveira (2012) observa, ainda, que há alunos que se negam a cumprir as tarefas de sala de aula, mas gostam de frequentar a escola, de rever os colegas ou de participar de programas extracurriculares. Recorrendo aos postulados de Elkonin (1987), sobre a atividade principal da adolescência, o autor conclui que o contato com os pares se revela mais importante para o aluno que o significado social da escola, havendo uma cisão entre significado e sentido.

O presente trabalho tem por objetivo discutir o sentido pessoal que alunos adolescentes, com histórico de múltiplas reprovações escolares, atribuem à atividade de estudo. Ouvir estudantes que vivenciaram experiências de múltiplas reprovações no percurso de sua escolarização pode trazer contribuições relevantes para a produção de mudanças nas práticas pedagógicas nos anos finais do Ensino Fundamental, etapa do ensino em que se concentram números expressivos de reprovações (Inep, 2014).

 

Método

Coerente com os pressupostos da psicologia histórico-cultural, cujas bases epistemológicas fundamentam-se no método materialista histórico-dialético, a presente pesquisa considera que a realidade humana pode ser efetivamente apreendida pelo pensamento teórico. É pela mediação das abstrações teóricas que o investigador, partindo do dado empírico, pode abandonar sua aparência factual e iniciar o processo de elevação do abstrato ao concreto. Para Marx (1982, p. 14, grifos do autor), tal elevação: “não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado”. Sem abstrairmos do dado fenomênico, não há possibilidade de chegarmos à sua reprodução ideal (no âmbito das ideias), de apreendermos seu movimento, sua essência.

Esse processo, por seu turno, exige a máxima fidelidade do investigador ao fenômeno pesquisado; sua captação pelo pensamento deve revelar o movimento do objeto real, em suas relações e determinações. Sob esse ponto de vista, o conhecimento teórico é entendido como reflexo subjetivo da realidade objetiva. “A reflexão teórica, nesta ótica, não ‘constrói’ um objeto: ela reconstrói o processo do objeto historicamente dado. A resultante da elaboração teórica, o produto teórico por excelência, é uma reprodução ideal de um processo real.” (Paulo Netto, 1989, p. 143).

A tarefa do pesquisador é, portanto, tomar a realidade investigada, o contexto imediato, à luz da totalidade do real. A ênfase em elementos isolados dessa relação provoca uma compreensão parcial e limitada da realidade humana, sua explicação torna-se um fetiche. É a partir do movimento de análise que explica o fenômeno, mas que também o implica a outros conjuntos de fenômenos, que podemos avançar do abstrato em direção ao concreto para, desse modo, reproduzir todo esse processo no plano do pensamento.

Esse exercício de análise foi desenvolvido nesta pesquisa, considerando-se a inserção dos estudantes em seus contextos sociais e escolares, e, a partir de seus discursos, procuramos apreender a atribuição de sentido à atividade de estudo nessa realidade específica que, por sua vez, é marcada pelos modos de organização próprios da sociedade capitalista e excludente em que vivemos.

Participantes

Participaram da pesquisa dez estudantes de classes populares, sendo cinco do sexo feminino e cinco do sexo masculino, na faixa etária entre 14 e 16 anos, matriculados nos 8o e 9o anos de uma escola pública de Ensino Fundamental e Médio em um município de 25 mil habitantes no interior do estado de Rondônia.

Na referida escola havia 229 estudantes matriculados em três turmas de 8o e quatro turmas de 9o ano. Inicialmente, levantamos nas atas finais os dados sobre reprovação e verificamos que 47 estudantes reprovaram nessas turmas no ano anterior à pesquisa (2009).

Ao analisar as pastas individuais dos 47 estudantes, identificamos 17 que possuíam duas ou mais reprovações, os quais foram convidados a participar da pesquisa. Dez deles retornaram os termos de Consentimento Livre e Esclarecido assinados por eles e pelos responsáveis (conforme projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o Protocolo n. 14/2009/CEP/NUSAU/UNIR) concordando em participar da investigação.

Instrumentos e procedimentos

Os dados analisados neste texto foram obtidos por meio de dois encontros de grupos focais que foram gravados e posteriormente transcritos para análise. Os encontros, conduzidos por um dos pesquisadores, duraram em média duas horas cada um e foram realizados na própria escola em horário contrário às aulas. No primeiro encontro, buscamos conhecer a visão dos adolescentes sobre o processo de escolarização e, no segundo, como eles avaliavam o ensino na escola.

Para análise dos dados foram realizadas várias leituras das transcrições dos encontros, nas quais procuramos organizar os relatos dos adolescentes, considerando suas similaridades, complementaridades ou contradições. Para este, selecionamos alguns dos depoimentos obtidos durante os encontros de grupo focal que nos permitiram compreender nas narrativas dos estudantes como eles significam a atividade de estudo no processo de escolarização que vivenciam.

 

Resultados

Ao perguntarmos aos participantes sobre a importância das aprendizagens escolares, esses reconhecem alguma relevância, mas revelam que sua assimilação tem uma finalidade particular: garantir nota na prova para passar de ano. O relato de Débora é significativo ao enunciar a relação dos estudantes com o processo de ensino.

Aprendizado! Ninguém se interessa. Ele se esforça não para aprender, mas para tirar nota. A maioria eu acredito ligam mais para nota, se no final do ano vai passar ou não. Para muitos que eu conheço o aprendizado não importa. Por que é assim: chega na escola no final do bimestre: ah! quanto você tirou? Tirei isso, mas pergunta o que eles aprenderam... (Débora ) (Grupo focal I).

Aprender exige esforço. Envolve interesse. Mas o que é evidenciado é a finalidade que o conhecimento ganha na escola: garantir nota na prova. Eis o motivo da atividade de estudo. “Se for para aprender para saber depois, ninguém se esforça.” (Débora). “É só para passar naquele ano. Eu também não me interesso.” (Leandro).

Nesses relatos, observamos que a nota, com vistas à progressão nos estudos, põe-se para o grupo de alunos como objetivo primeiro da escolarização. A nota e não a aprendizagem é, aqui, valorizada, havendo, portanto, uma cisão entre o significado e o sentido.

Além disso, há questionamentos sobre os conteúdos trabalhados na escola, como destaca Andressa: “[...] tem muitas coisas na escola que você aprende que você olha assim... Para que eu preciso disso? Para que eu preciso daquilo?” (Grupo focal I). Conforme evidenciado por Oliveira (2012), a atribuição de sentido pessoal passa, fundamentalmente, pela clareza que se tem ou não acerca do significado social da escola e pelos motivos e fins da atividade de estudo. Concordamos com o autor quando afirma que os problemas quanto à atribuição de sentido pessoal à escola são indícios de que os motivos das ações podem não estar sendo suficientes para provocar o interesse no aluno.

No relato a seguir, Débora destaca o que se espera de um aluno na escola. “Ter presença em dia, ganhar boa nota, permanecer na aula, prestar atenção na aula, não conversar quando o professor está explicando. Perguntar se tiver alguma dúvida.” Entendemos que, ao buscar cumprir solicitações ligadas apenas ao comportamento disciplinar, os adolescentes realizam um ato mecânico, externo, pouco capaz de produzir um sentido que se vincule à apropriação do pensamento teórico, comprometendo a atividade de estudo. As ações deixam de ter um significado ligado ao objeto da atividade e passam a ter valor por aquilo que ela pode garantir, como “tirar nota, chegar ao terceiro ano e pegar seu diploma” (Andressa) (Grupo focal I).

Nos relatos a seguir, os adolescentes expressam o modo como entendem o ensino:

Tem professor que é sempre a mesma coisa. A gente já entendeu, não precisa tantas explicações, não precisa ficar explicando sempre. Eles falam e falam (Débora).

O professor Marcelo, ele só vai lá e escreve no quadro todo. Mais da metade da aula a gente passa copiando. Daí quando chega quase no final é que ele vai explicar os detalhes mais principais (Leandro) (Grupo focal II).

O processo educativo mostra-se como algo cansativo, repetitivo para os alunos. As aulas que são “sempre a mesma coisa”, com professor “falando, falando” e com atividades de cópia, não têm conseguido produzir nos estudantes motivos ou necessidades pelo aprender. Para Sforni (2004, p. 25), a escola tem dificuldades em tornar o conhecimento significativo para os estudantes. Esse fenômeno não se dá simplesmente por omissão dos sistemas públicos de ensino, mas principalmente pela inadequação dos objetos de aprendizagens oferecidos, bem como dos métodos utilizados nas ações pedagógicas.

Por essa perspectiva, no processo de ensino e aprendizagem, o professor que recorre apenas ao recurso da exposição oral e de cópias obterá apenas uma assimilação vazia do conteúdo trabalhado (Facci, 2008). Podemos perceber que a recusa às práticas mecânicas resulta do próprio processo de ensino, que os direciona para outros fins, como descreve Henrique: “Às vezes eu levo muito na brincadeira, na bagunça. Chega ao final do ano reprovo” (Grupo focal II).

Depreendemos, então, que não se trata de esperar que os estudantes estejam naturalmente motivados para aprender. É preciso que a necessidade pela apropriação das experiências histórico-culturais seja criada na e pela própria atividade de estudo, a qual deve ser organizada de modo a produzir, nos estudantes, necessidades novas.

Conforme Moura, Araujo, Ribeiro, Panossian, & Moretti (2010, p. 90), “A atividade de ensino do professor deve gerar e promover a atividade do estudante”. Deve, desse modo, criar no aluno um motivo especial para a sua atividade: estudar e aprender teoricamente sobre a realidade. Contudo, tarefas de estudo como a descrita a seguir pouco contribuem para o aprendizado escolar, pois atuam sobre aquilo que já foi conquistado pelo indivíduo em termos de desenvolvimento psíquico.

Com a professora de Artes a gente desenha e pinta, ela passou também um negócio de plástico lá, para fazer um bonequinho de litro. O ano passado a gente fez também. E esse ano a gente perguntou se poderia trazer o mesmo ela respondeu: “Não, tem que fazer outro” (Henrique) (Grupo focal II).

Conforme podemos observar, a atividade proposta pela disciplina de Artes, além de infantilizar os adolescentes, não está orientada para o “amanhã do desenvolvimento”, como propõe Vigotski (1996), mas para o “ontem”. Ações como essa deixam de ser significativas para os alunos, uma vez que não consideram o potencial de aprendizagem apresentado por eles, não gerando motivos ou necessidades novas que resultem em aprendizagem (Sforni, 2004).

Dentro desse contexto, os alunos evidenciam que as ações que apresentam sentido na escola são aquelas que não envolvem diretamente o processo de ensino. A convivência com os pares, por exemplo, é tida como fundamental. “A gente vem para a escola mais para brincar, mesmo! Não vem para a escola para aprender. Vem mais para brincar.” (Gustavo) “A gente vem para ver os amigos.” (Leandro) (Grupo focal II) Para Oliveira (2012), esse fenômeno ocorre pela cisão que se dá entre o significado e o sentido atribuído à atividade de estudo, evidenciando o contato com os pares como sendo mais importante para o aluno do que a função principal da escola: garantir o acesso ao conhecimento sistematizado.

 

Discussões

De acordo com Davidov (1988) e Vigotski (1996), a fase da adolescência é de grande relevância para a constituição do pensamento teórico, para a apropriação dos resultados da experiência histórico-cultural, pois, como defendem esses autores, é nesse período do desenvolvimento que os estudantes começam a necessitar de fontes mais ampliadas de conhecimento.

Por meio dos discursos enunciados pelos estudantes, podemos constatar que eles são capazes de refletir criticamente sobre suas trajetórias escolares. Eles conhecem e expressam suas dificuldades, avançam em algumas discussões, recuam em outras, bem como apontam problemas relativos às práticas educativas. Pelos relatos, o que emerge é desinteresse, tédio pelas atividades escolares, pelo cumprimento das tarefas para se obter apenas uma nota para passar. E, dessa forma, os sentidos atribuídos não coincidem com o significado social da escola, sobressaindo a relação entre os pares em detrimento da apropriação criativa das formas mais elaboradas de conhecimento humano sistematizado.

Embora os adolescentes acreditem que, quando a questão é aprendizagem, “ninguém se esforça”, conforme afirma Débora, a gênese explicativa não está nesse ou naquele fator isolado, mas na totalidade do complexo da escolarização, o qual não existe em si mesmo, mas apenas mediado pelas condições e circunstâncias sociais, políticas, econômicas, bem como pedagógicas.

Diante do exposto, concordamos com Sforni (2004, p. 22), quando afirma que a escola possui função decisiva no desenvolvimento psicológico dos indivíduos, mas que sua contribuição “não chega a ser tão significativa no desenvolvimento intelectual quanto permite o potencial de aprendizagem das crianças [adolescentes], normalmente evidenciado em situações não-escolares”.

A boa aprendizagem é aquela que se adianta ao desenvolvimento, cabendo aos professores ajudar os alunos a desenvolver aquilo que sozinhos não podem fazer. O ensino, portanto, tem singular importância no curso do desenvolvimento dos indivíduos. Sua relevância constitui-se no fato de exigir “[...] da criança [adolescente] mais do que ela pode dar hoje, ou seja, na escola a criança [adolescente] desenvolve uma atividade que a obriga a colocar-se acima de si mesma” (Vigotski, 2009, p. 336). A organização do ensino deve promover a atividade de estudo dos alunos, dirigida à apropriação dos conteúdos sistematizados de forma a ampliar as possibilidades de desenvolvimento das funções psicológicas superiores, tornando o processo de escolarização mais significativo, tanto para os alunos como para os professores.

A aquisição da cultura humana, por conseguinte, não implica apenas conteúdos sistematizados, mas, também, os diversos saberes produzidos coletivamente pelo gênero humano objetivados na linguagem, na arte, nos valores, nos comportamentos etc. Com esse direcionamento, esperamos que as reflexões realizadas neste artigo possam promover discussões acerca do sentido e significado da escola, como também sobre a importância da organização do ensino em diferentes oportunidades de apropriação da cultura, possibilitando o desenvolvimento do sujeito que está em atividade de estudo.

Muitas outras investigações são necessárias para esclarecer como a escola e os sujeitos que a constituem podem, de fato, transformar práticas que não envolvem os estudantes em processos de ensino que priorizem a atividade de estudo. O número reduzido de sujeitos, bem como a não inclusão dos professores e pais no processo de pesquisa podem ser considerados fatores limitadores do estudo. Por isso, a realização de pesquisas com públicos mais amplos que incluam os demais envolvidos no processo de escolarização pode contribuir para a ampliação da compreensão dos elementos que interferem na atividade de estudo no Ensino Fundamental.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Edimar Roberto de Lima Sartoro
Rua Treze de Setembro, 55, Bairro Jardim dos Migrantes
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E-mail: edimarsartoro@gmail.com

Submissão: 24.4.2014
Aceitação: 19.11.2015

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