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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.18 no.2 São Paulo ago. 2016

http://dx.doi.org/10.15348/1980-6906/psicologia.v18n2p103-116 

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Sintomas depressivos e suporte familiar em idosos e adultos em hemodiálise

 

Depressive symptoms and family support for the elderly and adults on hemodialysis

 

Síntomas depresivos y soporte familiar en ancianos y adultos en hemodiálisis

 

 

Débora Soares de BastosI; Silvana Alba ScortegagnaI; Makilim Nunes BaptistaII; Gabriela da Silva CremascoII

IUniversidade de Passo Fundo, Passo Fundo - RS - Brasil
IIUniversidade São Francisco, Itatiba - SP - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo investigou a sintomatologia depressiva e a percepção do suporte familiar em idosos e adultos com doença renal crônica (DRC). Participaram 60 pacientes, entre 20 e 85 anos, distribuídos em dois grupos: sendo um grupo de idosos (GI) de 60 anos e mais, e outro grupo de adultos (GI) com até 59 anos, em tratamento de hemodiálise. Foram utilizados um protocolo com dados sociodemográficos, o Inventário de Depressão de Beck (BDI-II) e o Inventário de Percepção Suporte Familiar (IPSF). O BDI-II apontou níveis de depressão mínima e o IPSF, níveis elevados de percepção de suporte familiar, não sendo encontradas diferenças significativas entre os grupos. Houve uma correlação negativa (r = -0,36; p = 0,01) entre o BDI-II e o IPSF, indicando que quanto maior a percepção de suporte familiar, menor a sintomatologia depressiva.

Palavras-chave: avaliação psicológica; sintomas depressivos; suporte familiar; doença crônica; envelhecimento.


ABSTRACT

This study investigated the relationship of depressive symptoms with the perception of family support in elderly and adults with Chronic Kidney Disease (CKD). Participated 60 patients, between 20 and 85 years, distributed in two groups: one group with 60 years and more and another group aged up to 59 years, in hemodialysis treatment. We used a protocol with socio-demographic data, the Beck Depression Inventory (BDI-II) and the Inventory of Family-Support Perception (IPSF). The BDI-II pointed minimum depression levels and the IPSF high levels of perception of family support, and found significant differences between the groups. There was a negative correlation (r = -0.36; p = 0.01) between the BDI-II and the IPSF, indicating that the higher the perception of family support, less depressive symptoms.

Keywords: psychological assessment; depressive symptoms; family support; chronic disease; elderly.


RESUMEN

Este estudio ha investigado la relación de la sintomatología depresiva con la percepción del soporte de la familia en ancianos y adultos con Enfermedad Renal Crónica (ERC). Han participado del estudio 60 pacientes, con edades entre 20 y 80 años, organizados en dos grupos: uno con personas de 60 años o más y otro con personas con edades hasta 59 años, todos en tratamiento de hemodiálisis. Fueron utilizados un protocolo conteniendo datos sociodemográficos, el Inventario de Depresión de Beck (BDI-II) y el Inventario de Percepción Soporte Familiar (IPSF). El BDI-II mostró niveles de depresión muy pequeños y el IPSF niveles altos de percepción de soporte de la familia, lo que demuestra que no se cumple diferencias significativas entre los grupos. Hubo una correlación negativa (r = -0,36; p = 0,01) entre el BDI-II y el IPSF, lo que indica que cuanto mayor es la percepción de apoyo familiar, menos síntomas depresivos.

Palabras clave: evaluación psicológica; síntomas depresivos; soporte de la familia; enfermedad crónica; envejecimiento.


 

 

A Doença Renal Crônica (DRC) é considerada um problema de saúde pública que avança em todo o mundo impulsionada pelo envelhecimento da população, pela Diabetes Mellitus (DM), hipertensão arterial sistêmica (HAS) e enfermidades cardiovasculares (Levey & Coresh, 2012; Tetta, Roy, Gatti, & Cerutti, 2011). Para Levey e Coresh (2012), a enfermidade consiste na deterioração progressiva e irreversível do rim, afetando a sua estrutura e função.

Um dos tratamentos mais utilizados para substituir a função renal e manter a sobrevivência do paciente é a hemodiálise (HD) (Tetta et al., 2011). Trata-se de um processo mecânico extracorpóreo, que consiste na remoção de substâncias tóxicas e do excesso de líquido do organismo. O processo é doloroso e leva de três a quatro horas, exigindo que o paciente se desloque para a unidade de tratamento de duas a quatro vezes por semana (Freitas & Cosmo, 2010). Ao mesmo tempo que a HD promove a melhora de alguns sinais da doença, é relacionada a problemas psicossociais, como o estresse, a ansiedade, o isolamento e, sobretudo, a depressão, um dos principais problemas reportados entre os estudos realizados em diversos países.

Na República da Macedónia, Pop-Jordanova e Polenakovic (2012) encontraram significativa incidência de depressão (90,6%) em 128 pacientes em hemodiálise, empregando o Inventário de Depressão de Beck (BDI). Resultados semelhantes foram reportados por Tezel, Karabulutlu e Şahin (2011) na Turquia, em 78% dos pacientes. Os autores entendem que a depressão está associada à baixa qualidade de vida e à limitada sobrevivência.

No Brasil, Ferreira e Silva Filho (2011) compararam 130 pacientes em hemodiálise sem sintomas de depressão (65,15%), com aqueles que tinham sintomas de depressão (33,84%), utilizando o BDI e a Escala de Qualidade de Vida WHOQOL-bref (Fleck, Lousada, Xavier, Chachamovich, Vieira, Santos, & Pinzon, 2000). Os 33,84% pacientes com sintomas de depressão apresentaram sintomatologia leve (21,54%), moderada (11,54%) e grave (0,76%). Esses resultados corroboram estudos que demonstram que quase metade de todos os pacientes em diálise referem sintomas depressivos, mas, em me-nos de 25% deles, os sintomas são graves (García-Llana, Remor, Peso, & Selgas, 2014; Pop-Jordanova & Polenakovic, 2012), e os que apresentam os sintomas têm pior qualidade de vida (Pop-Jordanova & Polenakovic, 2012; Tezel et al., 2011). Os referidos autores destacam o fato da enfermidade ser subdiagnosticada e subtratada entre os motivos da variabilidade dos indicadores de depressão.

Para Pop-Jordanova e Polenakovic (2012), os sinais mais significativos da depressão, como mau humor, tristeza, desamparo e fadiga, podem ser vistos mais frequentemente em idosos. Nesta parcela da população, os sintomas depressivos apresentam particularidades, sendo mais evidentes a anedonia, a ausência de afeto positivo, a irritabilidade, a ansiedade e a maior preocupação com a incapacidade cognitiva (Smith, Haedtke, & Shibley, 2015; Taylor, 2014; Unützer & Park, 2012).

Além da idade avançada, outra variável como maior tempo de tratamento de hemodiálise, pode incidir em níveis mais elevados de sintomas depressivos (Ferreira & Silva Filho, 2011). Nesse contexto, a literatura destaca a necessidade do incremento de cuidado, especialmente do suporte familiar (Camargo, Capitão, & Filipe, 2014; Ferreira & Silva Filho, 2011; Langford, Bowsher, Maloney, & Lillis, 1997; Tezel et al., 2011).

Em uma revisão da literatura, Langford et al. (1997) constataram que o apoio familiar está relacionado com o senso de estabilidade, bem-estar psicológico, enfrentamento de problemas e a diminuição de sintomas da depressão. Uma definição para suporte familiar e social poderia ser a de que o indivíduo se percebe como sendo parte de uma rede de afeto, ajuda mútua e obrigações (Baptista, 2007).

Os sistemas de apoio familiar operam por meio de mecanismos diretos e indiretos. Por vias diretas, conforme Tezel et al. (2011), auxiliam na compreensão da doença, oferecem continência à ansiedade, à dor, ao medo, à culpa, à raiva, sentimentos que podem diminuir a autoestima e resultar em um comportamento de resistência ao tratamento e incidir no isolamento e na depressão. No amparo de forma indireta, de acordo com Tell et al. (1995), o apoio familiar pode influenciar a busca de informações sobre a doença, o acesso aos serviços médicos e de assistência à saúde pública e incrementar a qualidade de vida.

Ressalta-se que o suporte familiar/social, percebido e recebido de cônjuges, familiares e amigos, em situação de estresse ou de crise, inibe o desenvolvimento de doenças, conforta e auxilia na recuperação da enfermidade e impele a adesão do paciente ao tratamento (Camargo et al., 2014; Kimmel, 2001; Pruchno, Wilson-Genderson, & Cartwright, 2009). Pruchno et al. (2009) examinaram as vivências de 315 idosos com DRC e seus cônjuges, demonstrando a associação entre sintomas depressivos e satisfação conjugal. A média e o tempo de sintomas depressivos variaram entre pacientes e cônjuges e foram associados com a própria satisfação conjugal. É interessante realçar que os resultados indicaram que o bem-estar do cônjuge afeta o nível de satisfação conjugal do paciente.

Nessa perspectiva de que as redes informais de apoio são particularmente úteis na presença de uma doença crônica, Tezel et al. (2011) em uma amostra de 147 pacientes em hemodiálise, verificaram uma correlação negativa entre os índices de depressão no BDI (r = -0,17; p < 0,05) e a escala de suporte familiar e de amigos (PSS-Fr, PSS-Fa). Os resultados foram semelhantes a pesquisa prévia que associou nível de depressão com suporte social (Elal & Krespi, 1999) e comprovaram uma relação inversa entre depressão e relações familiares em uma amostra de origem turca.

O estudo de Sette, Capitão e Carvalho (2016) teve como objetivo investigar os sintomas depressivos em pacientes oncológicos, bem como as diferenças em relação ao sexo, qualidade de vida e suporte social. Foram participantes da pesquisa 68 pacientes diagnosticados com câncer, com idades entre 25 e 83 anos (M = 55,4; DP = 13,3), sendo 85,3% do sexo feminino. Os pacientes responderam a um Questionário de Identificação, seguido da Escala de Percepção do Suporte Social - versão adulta (EPSUS-A), Medical Outcomes Short-Form Health Survey (SF-36) para avaliar qualidade de vida e a Escala Baptista de Depressão (versão Hospital-Ambulatório) - EBADEP-HOSP-AMB. Os resultados evidenciaram a presença de sintomatologia depressiva leve e, em relação à variável sexo, as mulheres apresentaram mais sintomas de depressão. Além disso, foi observado que as pessoas com menor percepção de suporte social apresentaram mais sintomas depressivos.

Vieira (2015) realizou uma pesquisa com 254 idosos, de ambos os sexos, com idades entre 60 e 90 anos (M = 70,15; DP = 7,51) que responderam a um Questionário Sociodemográfico, juntamente com o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), o Inventário de Percepção do Suporte Familiar para Idosos (IPSF-ID) e a Escala Geriátrica de Depressão - versão reduzida (GDS-15). Os resultados indicaram uma correlação negativa e moderada entre o IPSF-ID e a GDS- 15 (r = -0,42; p < 0,01), indicando que quanto maior a sintomatologia depressiva apresentada pelos idosos, menor a percepção do suporte familiar.

No Brasil, Baptista, Souza e Alves (2008) buscaram evidências de validade da Escala de Depressão (EDEP), atual Escala Baptista de Depressão - Versão Adulto (EBADEP-A) (Baptista, 2012) com 157 universitários, utilizando a EBADEP-A, o BDI e o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF). Os resultados apontaram correlações negativas e significativas entre a EBADEP-A e as dimensões do IPSF e entre a EBADEP-A e o IPSF Total (r = -0,42; p < 0,001), sugerindo que quanto maior a sintomatologia depressiva, menor a percepção de suporte familiar do indivíduo.

No âmbito clínico, relacionado a enfermidades crônicas, Camargo et al. (2014) investigaram a associação entre saúde mental, suporte familiar e adesão ao tratamento com amostra de 73 pacientes com HIV/Aids. Houve correlações negativas entre os fatores do IPSF e o Questionário de Saúde Geral de Goldberg (QSG); correlações positivas entre os fatores do IPSF e as variáveis de adesão ao tratamento. Isto sugere que quanto maior a percepção de suporte familiar, menores os indicativos de transtornos mentais; e quanto maior a percepção de suporte familiar, maior a adesão ao tratamento. Considerando o exposto, este estudo investigou a sintomatologia depressiva e a percepção do suporte familiar em idosos e adultos com DRC.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 60 indivíduos, entre 20 e 85 anos, média de idade 53,5 ± 17 anos, do sexo masculino (58,3%), casados (63,3%), com ensino fundamental incompleto (51,7%), profissionais autônomos (31,7%), em tratamento de hemodiálise. A amostra de conveniência, procedente de um hospital geral, localizado ao norte do estado do Rio Grande do Sul, foi distribuída em dois grupos, a saber: um grupo de 28 (46,7%) idosos (GI) com idades a partir de 60 anos, média de idade 68,4 ± 6,1 anos, e outro grupo de 32 (53,35%) adultos (GA) com até 59 anos, média de idade 40,6 ± 12,1 anos. A divisão dos participantes em dois grupos teve como intuito verificar possíveis diferenças de percepção de suporte familiar entre os sujeitos adultos (com idades até 59 anos) e os idosos (com idades a partir de 60 anos), uma vez que a amostra normativa do Inventário de Percepção do Suporte Familiar (IPSF) foi composta em sua maioria por pessoas mais jovens e não há informações, até então, sobre diferenças de percepção entre adultos e idosos nas publicações do instrumento e mesmo em seu manual (Baptista, 2009).

Os critérios de inclusão foram: estar em tratamento de hemodiálise com frequência de três vezes por semana; ter idade mínima de 18 anos; e possuir capacidade de compreensão apropriada para responder aos instrumentos. Os dados de caracterização sociodemográfica dos participantes podem ser verificados na Tabela 1.

Instrumentos

Ficha de caracterização sociodemográfica: roteiro composto por informações sobre idade, gênero, escolaridade, estado marital, profissão, renda familiar, tempo em hemodiálise, doença de base, presença de outras patologias, história pregressa. Estas questões foram elaboradas pelos pesquisadores considerando os fatores relacionados à depressão e à DRC.

Inventário de Depressão de Beck - BDI-II (Beck, Steer, & Brown, 1996): adaptado por Gorenstein, Pang, Argimon e Werlang (2011) para a população brasileira, mensura a presença e a intensidade dos sintomas de depressão. Composto por 21 itens, cada um com quatro afirmativas de respostas (com exceção dos itens 16 e 18, em que existem sete afirmativas, sem, contudo, variar o escore), subentendendo graus crescentes de gravidade da depressão com escore de 0 a 3. Em sua composição, apresenta itens com conteúdos cognitivo-afetivos e somáticos, tais como pessimismo, sentimento de fracasso, retraimento social, tristeza, dentre outros. O escore total classifica em níveis a intensidade de depressão mínima (0-9), leve (10-16), moderada (17-29) e severa (3063). No estudo de fidedignidade, o coeficiente alfa de Cronbach do BDI II para os 500 pacientes ambulatoriais foi de 0,92, considerado índice alto.

Inventário de Percepção do Suporte Familiar (IPSF) (Baptista, 2009): é um instrumento que avalia como o indivíduo percebe o suporte que recebe da sua família, composto por 42 itens, divididos em três fatores. O fator Afetivo Consistente, com 21 itens sobre relações afetivas positivas, carinho, proximidade, clareza em papéis e regras dos integrantes da família e habilidade na resolução de problemas. O fator Adaptação Familiar, com 13 itens sobre sentimentos negativos sobre a família, como raiva, isolamento, exclusão, vergonha, incompreensão e desinteresse, sendo que este fator deve ser pontuado inversamente. O fator Autonomia Familiar, com 8 itens sobre relações de confiança, liberdade e privacidade. O IPSF é respondido por meio de uma escala tipo Likert de três pontos, com variação de zero a dois, e com pontuação mínima de zero e máxima de 84 pontos. Os índices de fidedignidade baseados no alfa de Cronbach demonstraram que a dimensão 1 apresentou alfa de 0,91; a dimensão 2, alfa de 0,90; a dimensão 3, alfa de 0,78, além do valor de 0,93 para o inventário total. Quanto maior a pontuação no instrumento, melhor o suporte familiar percebido pela pessoa.

Procedimentos

Todos os cuidados éticos inerentes à pesquisa com seres humanos foram cumpridos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo (CEP-UPF), sob o protocolo de número 186.774, em 18.01.2013, e pela Comissão de Pesquisa e Pós-Graduação (CPPG) do hospital onde o estudo foi conduzido, em 07.01.2013. Os indivíduos que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) responderam à ficha de caracterização sociodemográfica, o BDI-II e o IPSF, individualmente, de maneira assistida, durante a hemodiálise, em uma seção aproximada de 60 minutos. Aqueles que apresentaram depressão no BDI-II (pontuação total >13) foram encaminhados para tratamento.

Análise dos dados

Para análise dos resultados, foi utilizado o programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 22.0. Para as variáveis quantitativas do BDI- II e do IPSF, foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney na comparação entre os grupos de adultos idosos e adultos (GI e GA). A correlação de Spearman foi realizada entre o BDI-II e o IPSF. Aplicou-se o teste Shapiro Wilk para avaliar a normalidade de variáveis quantitativas. As médias do tempo de hemodiálise entre os dois grupos foram comparadas por meio do teste paramétrico t de Student. Para todos os testes, foi considerado como significância estatística o valor de p < 0,05.

 

Resultados

Apresentam-se os resultados do BDI-II, geral e dos dois grupos. Na sequência, são demonstrados os resultados do ISFP por faixa etária e sua soma em razão da classificação geral, fator afetivo consistente, fator adaptação familiar e fator autonomia familiar.

Como se pode observar na Tabela 2, os resultados demonstraram níveis distintos de sintomas de depressão. A maior parte dos participantes apresentou nível de depressão mínimo, seguido de leve, moderado e grave. Na comparação entre os dois grupos, não houve diferenças significativas permanecendo em nível mínimo no GI, participantes com idades a partir de 60 anos (64,3%) e no GA, participantes com idade até 59 anos (65,7%). Foi verificada a associação entre o BDI-II e o IPSF, sendo encontrada uma correlação negativa (r = -0,36; p = 0,01) entre os dois instrumentos.

Em relação ao gênero, torna-se importante ressaltar que na presente pesquisa a maior parcela dos entrevistados eram homens (58,3%), casados (63,3%), com tempo de hemodiálise, em média, de três anos. Estes dados podem ter contribuído para a maioria dos participantes apresentarem depressão mínima no BDI-II.

Quanto ao tempo de tratamento no GI, a média foi de 39,9 meses e, no GA, a média geral do tempo de hemodiálise foi de 35,2 meses. Constata-se que o tempo de hemodiálise entre os dois grupos foi semelhante, conforme o teste t de Student (p = 0,622). Em média, o tempo de hemodiálise permaneceu por três anos. A seguir, na Tabela 3 podem ser visualizados os resultados do IPSF.

Observa-se na Tabela 3 que os participantes do GI apresentaram níveis altos no fator geral, no fator afetivo consistente, no fator adaptação familiar e no fator autonomia familiar (53,6%). Os participantes do GA também pontuaram escores altos no fator geral, no fator afetivo consistente, no fator adaptação familiar e no fator autonomia familiar, não denotando diferenças significativas entre os grupos.

 

Discussão

Este estudo investigou a sintomatologia depressiva e a percepção do suporte familiar em pacientes idosos e adultos, com DRC. Na comparação entre os dois grupos, não houve diferenças significativas no BDI-II, permanecendo em nível mínimo no GI, pacientes com idades a partir de 60 anos e no GA, pacientes com idade até 59 anos. Em ambos os grupos estudados, foi possível verificar uma correlação negativa entre o BDI-II e o IPSF (r = -0,36; p = 0,01), sugerindo que a sintomatologia depressiva se relaciona inversamente com a percepção do suporte familiar. As pontuações altas em todos os fatores da IPSF revelam que os pacientes: 1. percebem suas famílias como afetivas para com eles, interessadas em suas atividades (fator afetivo consistente); 2. sentem-se compreendidos, acolhidos pelas suas famílias (fator adaptação familiar); e 3. sentem-se motivados para tomar decisões e realizar suas tarefas (fator autonomia familiar).

Estes achados demonstram que os participantes deste estudo foram menos propensos a apresentarem sintomas depressivos e evidenciaram satisfação com os seus relacionamentos familiares. Assim, uma boa percepção do suporte familiar poderia auxiliar na saúde e bem-estar dos pacientes, corroborando a visão de alguns autores que destacam a importância do apoio informal no tratamento da DRC (Camargo et al., 2014; Kimmel, 2001; Langford et al.,1997; Tell et al., 1995; Tezel et al., 2011).

Em relação ao sexo, a maioria dos pacientes com DRC eram homens. Resultados semelhantes foram encontrados no Censo Brasileiro de Diálise de 2011 com porcentagem similar (Sesso et al., 2012). Os participantes homens, que apresentaram depressão mínima, eram casados (63,3%). Os do GI de 60 anos e mais exibiram média geral do tempo de hemodiálise de 39,9 meses, e os do GA, de até 59 anos, atingiram uma média geral do tempo de hemodiálise de 35,2 meses, não houve diferenças importantes entre os dois grupos (p = 0,622).

Pode-se pressupor que, com uma média de tempo de três anos de hemodiálise, os pacientes deste estudo não vivenciam o período de adaptação inicial ao tratamento e nem a fase final, o que contribui para um melhor ajustamento ao cotidiano desta terapêutica. Esta média de tempo praticamente não diferiu entre os grupos e compreende-se que estas características, e que demonstram certa homogeneidade da amostra, podem ter contribuído para não confirmar níveis mais elevados de sintomas de depressão em pacientes com maior tempo de tratamento, como evidenciado no estudo de Ferreira e Silva Filho (2011), já que não houve diferenças marcantes entre os grupos.

Estes achados são consistentes com os de Pop-Jordanova e Polenakovic (2012) que relataram depressão mais pronunciada no período inicial da hemodiálise, quando os pacientes se encontram pouco adaptados à rotina e ao esquema terapêutico rigoroso, à dependência de uma máquina, e precisam ajustar o convívio social com o trabalho; e, no período final da hemodiálise, quando o declínio funcional e os sintomas crônicos, irreversíveis e incuráveis se agravam. Igualmente encontram consonância com demais pesquisadores que mostraram sintomas depressivos na maior parte dos pacientes com DRC, mas em menos de 25% os sintomas foram graves (Ferreira & Silva Filho, 2011; García-Llana et al., 2014; Pop-Jordanova & Polenakovic, 2012) e com aqueles que exibiram que a doença é frequentemente sub-reconhecida (Pop-Jordanova & Polenakovic, 2012; Tezel et al., 2011), lembrando que foi avaliada a sintomatologia e não o diagnóstico.

É importante ressaltar que nas pesquisas de Ferreira e Silva Filho (2011) e de Tezel et al. (2011) também foram encontradas baixa prevalência de sintomas depressivos. No primeiro estudo, os resultados mostraram que o suporte social, psicológico e físico, colaboraram com a melhora dos pacientes e, na segunda pesquisa, as pessoas que perceberam o suporte familiar como insatisfatório tiveram escores mais altos de depressão.

Desse modo, duas questões devem ser discutidas: a primeira diz respeito à maior parte dos pacientes deste estudo que possuíam uma percepção de apoio familiar adequada, eram casados ou residiam com companheiros, o que se constitui em um bom indicador para o enfrentamento das dificuldades físicas, emocionais e socioeconômicas, resultantes da enfermidade e do tratamento hemodialítico, e que também parece ter contribuído para minimizar os seus principais efeitos (a sintomatologia depressiva); a segunda, a relevância da satisfação dos pacientes com tais relações, uma vez que para Pruchno et al. (2009) a interação social não só declina com a idade, mas, para os pacientes com DRC, há certa obrigatoriedade de se retirar de outras relações, como as sociais e ocupacionais por exemplo, restando assim, apenas, as relações entre os membros da família.

Na primeira questão, compreendendo a dinâmica familiar e a importância desta no desenvolvimento de seus integrantes, observa-se que suas influências podem ser tanto positivas quanto negativas. Baptista et al. (2008) e Langford et al. (1997) apontam que a família pode promover a saúde emocional entre os seus membros quando desempenha um papel flexível, interage como suporte, e o indivíduo percebe-se como sendo parte de uma rede de afeto, o que foi encontrado neste estudo. As pesquisas de Sette, Capitão e Carvalho (2016) e Vieira (2015) também indicaram que os indivíduos que tiveram uma menor percepção de suporte familiar/social apresentaram mais sintomas depressivos.

Na segunda questão, os achados de Pruchno et al. (2009) enfatizam o papel central dos sintomas depressivos para predizer a satisfação conjugal, mas salientam que o bem-estar do cônjuge afeta o grau do paciente de satisfação, e que os efeitos depressivos para a situação inversa não são evidentes. Consequentemente, pode-se supor, também, a existência de uma boa interação conjugal entre os participantes desta pesquisa. Sugere-se a realização de estudos futuros que avaliem o bem-estar, o relacionamento entre casal, a sintomatologia depressiva e o suporte social dos cuidadores.

A influência destes moderadores pode atuar como agente de prevenção no desenvolvimento de transtornos psicológicos, como nos de humor, comumente presentes na DRC, ou seja, o suporte familiar, conjugal, pode prevenir ou reduzir os efeitos deletérios do estresse elevado, vinculados ao aumento da sobrevida nestes pacientes, como observado neste estudo. Tais constatações asseguram a importância das relações de cuidado informal, de proximidade afetiva, relacionadas à promoção da saúde e de adesão ao tratamento, já referido na literatura precedente (Camargo et al., 2014; Kimmel, 2001; Pruchno et al., 2009; Tezel et al., 2011).

Embora parte da adesão ao tratamento dependa do paciente, tal suporte é imprescindível no que se refere a sua manutenção. Aliado a isso, a equipe multidisciplinar é parte fundamental no fortalecimento do vínculo terapêutico. Para Tezel et al. (2011), os programas educativos dirigidos aos profissionais da equipe devem enfatizar a compreensão integral do DRC, no sentido de oferecer cuidado multidimensional, para além dos aspectos técnicos. Necessitam incentivar os pacientes a expressar seus sentimentos sobre sua família, devem estar atentos para possíveis fontes de emoções negativas, que podem ser decorrentes da doença ou não, e estar cientes de que os membros da família são importantes provedores de apoio. As intervenções precisam incluir esforços para fortalecer e ampliar as redes sociais e, portanto, aliviar ou reduzir os encargos familiares.

Os resultados deste estudo têm implicações práticas e levam a sugerir alguns direcionamentos. Entre estes, destacam-se: a necessidade de incrementar intervenções psicossociais para amparar o familiar/cuidador, a fim de que possa seguir como recurso de saúde diante dos inúmeros estressores resultantes da doença e do tratamento; e o desenvolvimento de estratégias para manter o bem-estar do cônjuge, visto que os efeitos dos sintomas depressivos deste afetam significativamente o bem-estar do paciente.

Algumas das limitações deste estudo devem ser reconhecidas. A utilização de uma amostra não probabilística e o número circunscrito de participantes restringem as generalizações dos resultados que devem ser tomadas com moderação. Certamente, estudos com amostras mais representativas e o uso de outros critérios, outras variáveis não contempladas neste estudo, podem contribuir para melhor elucidar as questões que permeiam a relação entre a sintomatologia depressiva e a percepção do suporte familiar, na DRC.

Pesquisas futuras podem ampliar as investigações e avaliar a relação entre os sintomas depressivos e os tipos de suporte para os pacientes com DRC. Especificamente, no âmbito familiar, o suporte conjugal precisa ser melhor explorado, pois tem implicações relevantes para o bem-estar do paciente. Em relação aos outros tipos de recursos, destaca-se o uso das redes de Tecnologias da informação e Comunicação (TIC), uma tendência crescente mundial, e a necessidade de se avaliar a qualidade desta ferramenta como suporte social.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Débora Soares de Bastos
Universidade de Passo Fundo
BR 285, Km 171, Caixa Postal 611, Bairro São José
Passo Fundo - RS - Brasil. CEP: 99052-900
E-mail: deborabastospsi@hotmail.com

Silvana Alba Scortegagna
Universidade de Passo Fundo
BR 285, Km 171, Caixa Postal 611, Bairro São José
Passo Fundo - RS - Brasil. CEP: 99052-900
E-mail: silvanalba@upf.br

Submissão: 10.2.2015
Aceitação: 23.3.2016

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