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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.19 no.2 São Paulo Aug. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n2p23-41 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Uso de substâncias psicoativas em idosos: uma revisão integrativa

 

El abuso de sustancias en los ancianos: una revisión integradora

 

 

Ana DinizI; Sandra Cristina PillonII; Sara MonteiroIII; Anabela PereiraIV; Joana GonçalvesV; Manoel Antônio dos SantosVI

IUniversidade de Aveiro, Portugal
IIUniversidade de São Paulo, SP, Brasil
IIIUniversidade de Aveiro, Portugal
IVUniversidade de Aveiro, Portugal
VUniversidade de Aveiro, Portugal
VIUniversidade de São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, que teve por objetivo analisar a produção científica sobre o uso de substâncias psicoativas em idosos, focalizando suas condições sociodemográficas e clínicas. Foi realizada uma busca sistemática utilizando-se as bases Scopus, Web of Knowledge, Academic Search Premier, PubMed e ScienceDirect. Considerando os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 13 estudos, sem restrição de período de tempo. Os idosos usuários de substâncias psicoativas caracterizam-se, predominantemente, por serem homens, com baixos níveis de escolaridade e renda, desocupação laboral, não casados e a habitar isoladamente, além de apresentarem comorbilidades orgânicas e psíquicas. O álcool é a droga mais comum nessa faixa etária, seguido do abuso de medicamentos; no entanto, o uso de substâncias ilícitas tem aumentado progressivamente. Ainda que as evidências sejam limitadas, estudos indicam menores taxas de comportamentos de alto risco para saúde em idosos. A literatura é consensual sobre a necessidade de mais estudos, de modo a preencher as lacunas do conhecimento e facilitar a identificação precoce desses utentes.

Palavras-chave: idosos; usuários de drogas; transtornos relacionados ao uso de substâncias; uso indevido de medicamentos sob prescrição; prática baseada em evidência.


RESUMEN

Este trabajo es una revisión integradora de la literatura, con el objetivo de analizar la producción científica sobre el uso de sustancias psicoactivas, así como las características demográficas y clínicas de los ancianos que utilizan estas sustancias. Se ha realizado una búsqueda sistemática utilizando las bases Scopus, Web of Knowledge, Academic Search Premier, PubMed y ScienceDirect, sin restricción de tiempo. Teniendo en cuenta los criterios de inclusión y exclusión, se seleccionaron 13 estudios, sin restricción del periodo de tiempo. Las personas mayores que utilizan sustancias psicoactivas se caracterizan por ser predominantemente hombres, con bajos niveles de educación e ingresos, desempleo laboral, no casados y viviendo solos. Muestran comorbilidades orgánicas y psicológicas. El alcohol es la droga más común a esta edad, seguido por el abuso de medicamentos, sin embargo, el uso de sustancias ilícitas ha aumentado incrementalmente. Aunque las evidencias sean limitadas, los estudios indican menores porcentajes de conductas de alto riesgo para la salud en las personas mayores. La literatura es consensual sobre la necesidad de más estudios a fin de colmar las lagunas de conocimiento y facilitar la identificación de dichos usuarios.

Palabras-claves: personas mayores; consumidores de drogas; trastornos relacionados con el consumo de sustancias; mal uso de medicamentos de venta con receta; práctica basada en la evidencia.


 

 

Introdução

A transição demográfica e epidemiológica pela qual o planeta está a passar tem como resultado o aumento do número de idosos na população mundial, prevendo-se que esse aumento continue e que em 2050 um quarto da população tenha 65 anos ou mais. A Europa é o continente com população mais envelhecida (EMCDDA, 2010) e Portugal, devido à baixa taxa de natalidade e ao aumento de esperança de vida, incrementou o seu índice de envelhecimento de 103 para 128 idosos a cada 100 jovens, entre 2001 e 2011, e, nesse mesmo período, a população com 65 anos ou mais cresceu de 16,6% para 19% (INE, 2013). Essa mudança no perfil demográfico traz novos desafios para a saúde pública, não apenas pelas crescentes demandas, mas também pela forma como os padrões de comportamento das gerações se têm modificado (Fahmy, Hatch, Hotopf, & Stewart, 2012).

O uso de drogas ilegais por idosos, associado à aceleração da ocorrência das condições crónicas nessa faixa etária, caracteriza-se como um grave problema de saúde pública, gerando alto custo social e de saúde, bem como uma carga financeira pesada para os contribuintes e agências governamentais (EMCDDA, 2010; Schlaerth, Splawn, Ong, & Smith, 2004).

Existe ainda a ideia de que o uso de drogas se restringe aos jovens, especialmente aos que frequentam festas (EMCDDA, 2010). No entanto, há um incremento de evidência de que a idade nem sempre é protetora contra o abuso de drogas (Fahmy et al., 2012; Schlaerth et al., 2004; Lofwall, Schuster, & Strain, 2008; Sacco, Kuerbis, Goge, & Bucholz, 2013; Beynon, Roe, Duffy, & Pickering, 2009). O consumo de álcool, de nicotina e de drogas prescritas em idosos é referido como preferencial nessa população; no entanto, pouco se conhece sobre a epidemiologia do uso de drogas psicoativas nessa faixa etária (Simoni-Wastila & Yang, 2006). De acordo com o EMCDDA (2010, p. 7), o uso problemático de drogas é definido como "o uso de drogas injetáveis ou longa duração/uso regular de opiáceos, cocaína e/ou anfetaminas".

Definir "idoso" entre os consumidores de substâncias psicoativas é uma tarefa desafiadora (Lofwall et al., 2008), pois não há uma definição exata e existem variações de compreensão dos termos "idoso" (older) e "velhice" (elderly) mesmo na população geral (EMCDDA, 2010). A idade da reforma (aposentadoria) na Europa inicia-se geralmente aos 60 anos, mas a nível administrativo e legislativo mais comum é considerar-se a idade de 65 anos (EMCDDA, 2010), sendo esse o ponto de corte utilizado em Portugal para definir idoso (INE, 2013). No entanto, quando o caso é a dependência de substâncias, o ponto de corte para os indivíduos idosos é, normalmente, muito mais baixo. Em alguns casos é tão baixo que alcança os 35 anos; alguns estudos têm utilizado 40 anos (EMCDDA, 2010), e outros, ainda, têm adotado 50 anos ou mais (Beynon et al., 2009; Lofwall, Brooner, Bigelow, Kindbom, & Strain, 2005). Utilizar a idade de 40 anos como ponto de corte pode dever-se ao facto de os indivíduos dessa idade terem geralmente uma longa carreira de uso problemático de drogas, o que poderá exacerbar ou acelerar as condições associadas à idade, levando precocemente a um metabolismo próprio de idoso e complicações como arteriosclerose e doenças cardiopulmonares. Adicionalmente, nessa população, estima-se uma aceleração do processo de idade em pelo menos 15 anos (EMCDDA, 2010). Os estudos que adotam os 50 anos assumem que essa não é uma idade cronicamente idosa, mas assim a consideram devido aos pacientes idosos dependentes de substâncias terem níveis mais elevados de morbilidades médicas quando comparados aos mais jovens (Lofwall et al., 2005).

Álcool, nicotina e drogas consumidas sob prescrição médica têm sido as substâncias mais referidas de uso pelos adultos mais velhos. No entanto, já se previa que o consumo de drogas ilegais por parte dessa população iria aumentar (Simoni-Wastila & Yang, 2006). Nos Estados Unidos da América, têm sido cada vez mais frequentes os idosos a procurar ajuda devido a problemas relacionados ao uso de drogas (Sacco et al., 2013). Na Inglaterra, o uso de algumas drogas ilícitas tem aumentado rapidamente na meia-idade e na idade avançada (Fahmy et al., 2012). Ainda em relação à Europa, a evidência disponível indica que os níveis de drogas ilícitas em idosos europeus estão a aumentar significativamente, e Portugal, em 2008, tinha a percentagem mais alta entre os países da Europa de pessoas em tratamento entre os 40 e 49 anos (EMCDDA, 2010). Com o envelhecimento, a população que usa droga injetável também tem atingido idades mais avançadas, segundo estudos realizados na Austrália (Horyniak et al., 2013) e nos Estados Unidos (Armstrong, 2007).

Existem diversos motivos que explicam esse fenómeno, entre eles o baby boom - são considerados baby boomers todos aqueles que nasceram entre 1946 e 1964. Essa geração, além de sua grande expressividade numérica, teve maior exposição a substâncias psicoativas. Estudo sobre o consumo em pessoas com 50 anos ou mais, nos Estados Unidos, estima que, no ano 2020, o uso de cannabis no "último ano" passe de 1% (719 mil) para 2,9% (cerca de 3,3 milhões) e o consumo de qualquer droga ilícita se eleve de 2,2% (1,6 milhão) para 3,1% (3,5 milhões), entre 1999-2001 e 2020 (Colliver, Compton, Gfroerer, & Condon, 2006). Quanto ao diagnóstico de transtornos por uso de substâncias psicoativas, prevê-se que aumente de 2,8 milhões para 5,7 milhões, entre 2002-2006 e 2020 (Han, Gfroerer, Colliver, & Penne, 2009). Estima-se ainda que a necessidade de tratamentos para a população idosa aumente de 1,7 milhão em 2000-2001 para 4,4 milhões em 2020 (Gfroerer, Penne, Pemberton, & Folsom, 2003). Para além disso, os dados mostram incremento significativo do tempo de vida dos consumidores em contacto com os serviços de tratamento de drogas (Beynon, McVeigh, Hurst, & Marr, 2010), o que os mantêm vinculados ao tratamento por vários anos ou décadas, continuamente ou com interrupções, alcançando a idade idosa durante o tratamento (EMCDDA, 2010). Por último, o maior envolvimento por parte do sistema judicial também poderá estar relacionado ao aumento de tratamentos do abuso de drogas nessas idades (Lofwall et al., 2008), visto que existem muito mais encaminhamentos desse sistema para os serviços de saúde e de tratamento.

Gossop e Moos (2008) referem que os consumidores de substâncias mais velhos podem ser classificados em duas categorias: "sobreviventes", ou seja, pessoas que iniciaram na juventude e que têm uma longa história de consumo, ou "reativos", que são aqueles que se iniciaram tardiamente no uso das drogas, provavelmente devido a problemas vivenciados no decorrer da vida. Independentemente dessa classificação, o processo de envelhecimento pode desencadear problemas psicológicos, sociais e de saúde que potencializam a probabilidade e a suscetibilidade ao abuso de substâncias, e o uso abusivo, por sua vez, simultaneamente agrava esses problemas preexistentes (Gossop & Moos, 2008). Fatores de risco, como deficit de recursos pessoais (baixa qualificação laboral, parca inteligência emocional, escassa crença nas próprias possibilidades, baixo autoconceito e sensação de incapacidade para dirigir a própria vida), bem como a ruptura progressiva dos laços sociais (familiares, laborais e de amizade) contribuem para incrementar a deterioração psíquica crónica, reforçando a necessidade de prover um alto nível de atenção sanitária específica (Roibás, Melendro, & Montes, 2010).

Entretanto, a aceleração das morbidades médicas e a progressão da deterioração orgânica desses indivíduos fazem com que essa população tenha necessidades únicas de tratamento (Lofwall et al., 2008; Roibás et al., 2010). Sabe-se que o avanço da idade altera as funções e a composição do corpo humano, o que torna imprescindível ajustar o tipo e a dosagem dos medicamentos. A função excretória dos rins diminui, especialmente nos indivíduos malnutridos e debilitados, e há uma gradual redução dos mecanismos de homeostase, o que leva a reações mais fortes em decorrência do uso de drogas, aumentando taxa, intensidade e efeitos adversos (Turnheim, 2003). Esses fatores, juntamente com a diminuição do conteúdo de água corporal, fazem com que os idosos possam manter os níveis de substâncias no sangue por mais tempo após o consumo. Essa suscetibilidade física afeta suas funções motoras e cognitivas, aumentando o risco de acidentes, quedas, lesões ou dificuldades na condução das Atividades da Vida Diária (AVD). Por AVD entendem-se as tarefas pessoais concernentes aos autocuidados, assim como a outras habilidades pertinentes ao cotidiano do indivíduo.

A sensibilidade do idoso é ampliada, o que significa que eles sentem os efeitos induzidos pelo uso de substâncias psicoativas com menos quantidade consumida e sua tolerância diminui, o que faz com que eles não necessitem utilizar tanto como costumavam para a obtenção do mesmo efeito. Além disso, muitas prescrições medicamentosas utilizadas por essa população interagem de modo adverso com o consumo de substâncias psicoativas (Han, Gfroerer, & Colliver, 2009), seja anulando, seja potencializando seus efeitos. Os utilizadores de drogas continuam a morrer mais cedo comparativamente à população geral, e os tipos de mortes não relacionadas ao uso de substâncias mais comuns são doenças hepáticas, neoplasias, infeções crónicas respiratórias inferiores e hepatites. Essas condições mórbidas, apesar de não estarem classificadas como tal, podem estar associadas ao uso nocivo de substâncias (Beynon et al., 2010).

Os utentes, no entanto, nem sempre são identificados como pessoas que têm um problema relacionado ao uso de substâncias. O pouco conhecimento dos profissionais de saúde acerca desse fenómeno, por falta de capacitação técnica ou por crença errônea de que os consumos atingem apenas os jovens, bem como a escassez de relatos de consumo por parte dos idosos durante as consultas aos profissionais de saúde - por vergonha, medo, demência ou isolamento social - podem estar entre as causas da dificuldade de deteção (Pillon, Cardoso, Pereira, & Mello, 2010). Em estudo realizado em sala de urgências, apenas 2 dos 18 utentes com mais de 60 anos, nos quais foram encontrados metabolitos de cocaína na urina, foram identificados pelos médicos como utentes que apresentavam problema relacionado com o uso crônico de cocaína (Rivers et al., 2004).

A interação entre efeitos dos consumos e o processo de envelhecimento ainda não está bem compreendida (Beynon et al., 2009), o que contribui para a subnotificação desses utentes (Pillon et al., 2010), que poderão apresentar especificidades ao nível dos efeitos dos consumos e consequentes tratamentos (Lofwall et al., 2005). Assim, torna-se necessário conhecer as necessidades desse grupo etário (Pillon et al., 2010). Nesse contexto, este estudo teve por objetivo analisar a produção científica sobre o uso de substâncias psicoativas em idosos, focalizando suas condições sociodemográficas e clínicas (histórico de consumos, consumos atuais e saúde física e mental).

 

Método

Trata-se de um estudo de revisão integrativa, conduzido com base em produções científicas selecionadas nas seguintes bases de dados: Web of Knowledge, PubMed, Scopus, Academic Search Premier e ScienceDirect. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica combinando os seguintes descritores: elderly, older, old age, older adult ou aging com drugaddict, illicit drug dependence, addicts, illicit drug use, heroin, opiate, cocain, junkie, methadone ou injection drug.

Essa revisão baseou-se na seguinte questão norteadora: "Quais são as características sociodemográficas e clínicas de idosos que fazem uso de substâncias psicoativas?". A coleta de dados foi realizada entre janeiro e fevereiro de 2014.

Foram critérios de inclusão: artigos publicados nos idiomas português, inglês e espanhol; sem restrição de período de tempo. Excluíram-se os artigos que envolviam temas como consumo de tabaco, uso de medicamentos, experimentos com animais, opioides prescritos para alívio da dor; estudos que focalizavam exclusivamente o uso de álcool, faixas etárias jovens, bem como estudos de revisão. Também foram excluídos teses, dissertações, monografias, livros e capítulos.

Em um primeiro momento, foram lidos os títulos e os resumos, o que permitiu excluir os estudos que se distanciavam do escopo da revisão, de acordo com os critérios de inclusão/exclusão adotados. Por meio da leitura preliminar dos documentos, foram selecionados 53 artigos. Os estudos que permaneceram nessa etapa preliminar tiveram seus textos na íntegra localizados e recuperados. Em seguida, procedeu-se à leitura exaustiva dos textos completos, aplicando-se novamente os critérios de inclusão/exclusão estabelecidos. Após releitura minuciosa de todo o material, a amostra final foi constituída por 13 artigos. Essas etapas foram realizadas de forma independente por dois pesquisadores que, posteriormente, discutiram as dúvidas que ocasionalmente emergiram durante o processo. Eventuais discordâncias quanto à inclusão/exclusão de algum artigo foram sanadas por consenso entre os dois pesquisadores.

O mesmo procedimento foi utilizado para classificar o Nível de Evidência (NE) de cada artigo. No contexto da prática baseada em evidência, o NE é um indicador que permite classificar a qualidade metodológica das pesquisas publicadas, com vistas a oferecer subsídios para incorporar modificações na prática profissional que resultem na melhoria do cuidado (Valdanha, Scorsolini-Comin, Peres, & Santos, 2013). Esse indicador tem sido utilizado como um critério universal de avaliação em diversas áreas do conhecimento, a partir da apreciação do delineamento metodológico escolhido (Solomons & Spross, 2011).

O NE é categorizado em seis níveis, de acordo com a classificação proposta pela Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ). NE 1 corresponde a metanálises conduzidas a partir de diversos estudos controlados. NE 2 envolve estudos com delineamento experimental. NE 3 abrange pesquisas com desenho quase-experimental, como estudos conduzidos sem aleatorização com grupo único pré e pós-teste, longitudinais ou caso-controle. NE 4 refere-se a estudos não experimentais, como pesquisas descritivas correlacionais e qualitativas, ou a estudos de caso. NE 5 corresponde a relatos de caso e a avaliações de programas. NE 6 aplica-se a opiniões de autoridades respeitadas na área ou de especialistas, incluindo informações não fundamentadas em pesquisas (Hughes, 2008).

 

Resultados

Como resultado, foi encontrada inicialmente a seguinte ocorrência de estudos, de acordo com as bases de dados consultadas: Web of Knowledge (1170), PubMed (395), Scopus (208), Academic Search Premier (853) e ScienceDirect (976). Mediante a leitura preliminar dos documentos, tarefa que envolveu a análise cuidadosa dos títulos e resumos, foram selecionados 53 artigos. Uma releitura minuciosa de todo o material, que envolveu a leitura completa de todos os textos, a partir dos critérios de inclusão/exclusão estabelecidos, propiciou a seleção de 13 artigos.

O Quadro 1 apresenta uma síntese das informações contidas nos artigos compilados nesta revisão: oito são oriundos de estudos realizados nos Estados Unidos; dois, no Reino Unido; e um em cada um dos seguintes países: Brasil, Espanha e Austrália. Desses, sete referiam-se a dados extraídos de estudos epidemiológicos, realizados para monitorar a população (Armstrong, 2007; Blazer & Wu, 2009; Fahmy et al., 2012; Han et al., 2009; Horyniak et al., 2013; Lofwall et al., 2008; Sacco et al., 2013), e foram baseados em grandes amostras - entre 3.417 e 452.567 indivíduos; quatro estudos reportavam dados obtidos por meio da aplicação de questionários, avaliações ou análise de histórias clínicas de utentes de serviços de tratamento para problemas relacionados ao uso de drogas (Beynon et al., 2009; Lofwall et al., 2005; Pillon et al., 2010; Roibás et al., 2010). Dois artigos reportavam dados relativos a análises de urina em serviços de urgências (Rivers et al., 2004; Schlaerth et al., 2004).

Para avaliar o NE dos estudos, analisou-se a metodologia científica que fundamenta os artigos selecionados. O Quadro 1 mostra que os estudos recuperados se enquadram nos níveis 3 e 4 de evidência. São bem delineados, desenvolvidos em séries temporais (nível 3), bem como apresentam desenho metodológico não experimental, realizados em mais de um centro ou grupo de pesquisa (nível 4).

Estudos mostraram que o uso de algumas drogas ilícitas, tais como cocaína, crack, cannabis, opiáceos, cogumelo e anfetamina, tem aumentado rapidamente na meia-idade e na idade avançada (Beynon et al., 2009; Fahmy et al., 2012; Sacco et al., 2013; Schlaerth et al., 2004). Utentes com mais de 60 anos representam 3,2% de um serviço de atendimento a usuários de drogas (Pillon et al., 2010) e 11,7% dos atendimentos realizados são direcionados a pessoas com 50 anos ou mais (Roibás et al., 2010). Em serviços de urgências, 3,1% dos utentes com mais de 50 anos apresentavam metabolitos no teste de urina para drogas (Schlaerth et al., 2004) e 2% testaram positivo para cocaína (60 anos ou mais) (Rivers et al., 2004).

Em todos os estudos que fazem referência a sexo, os homens consumidores apresentam-se em número bastante superior relativamente às mulheres consumidoras, e representam 90,6% (Pillon et al., 2010) e 87,6% (Roibás et al., 2010) da população com mais de 60 e 50 anos, respetivamente, dos serviços especializados, e 69,2% (Schlaerth et al., 2004) e 88,9% (Rivers et al., 2004) das análises positivas para drogas ilícitas e cocaína, respetivamente, nas urgências de hospitais. Nos estudos epidemiológicos, o género masculino também se mantém prevalente (Blazer & Wu, 2009; Han et al., 2009). Em estudo que comparou amostras colhidas com dez anos de intervalo, os homens mantiveram-se em maior número em ambas as amostras (Sacco et al., 2013). Outro estudo confirmou que as admissões por abuso de drogas e de álcool e a combinação de ambos foram majoritariamente em homens; no entanto, notou-se que essa percentagem foi decrescendo entre 1992 e 2005 para todas as drogas (Lofwall et al., 2008).

Relativamente à escolaridade, encontra-se baixa educação na população que consome substâncias psicoativas (Han et al., 2009); 78,5% tinham completado o 9º ano e 12,6% eram analfabetos (Pillon et al., 2010); menos de 15% tinham alcançado os estudos superiores (Roibás et al., 2010). Não obstante, outra investigação não encontrou associação entre o uso de drogas ilícitas e a educação, mas associou significativamente o consumo de álcool aos idosos mais educados (Blazer & Wu, 2009); no entanto, os níveis educacionais subiram entre 1991-1992 e 2001-2002 (Sacco et al., 2013), bem como a percentagem de idosos com o 12º ano de estudo ou mais, no período de 1992 a 2005 para todas as drogas (Lofwall et al., 2008). Quanto à situação profissional, o desemprego tem-se associado ao consumo de drogas ilícitas (Han et al., 2009); constatou-se que 45% dos idosos em tratamento eram aposentados e 34%, desempregados (Pillon et al., 2010); outro estudo mostrou que 61,7% estavam desocupados laboralmente (61,7%) (Roibás et al., 2010), e entre 1992 e 2005 a percentagem de desemprego aumentou (Lofwall et al., 2008). Por sua vez, os baixos rendimentos e os problemas económicos são bastante comuns (Han et al., 2009; Roibás et al., 2010), e em 2001-2002 os idosos que procuraram ajuda eram mais propensos a ter baixos rendimentos comparativamente a 1991-1992 (Sacco et al., 2013).

Ao contrário do que ocorre com o consumo de álcool (Blazer & Wu, 2009), o uso de drogas ilícitas é mais comum em indivíduos não casados (Blazer & Wu, 2009; Han et al., 2009), verificando-se desorganização e carência de apoio familiar. Em um centro de tratamento especializado, apenas 34,5% dos utentes eram casados, os quais viviam com o cônjuge, ao passo que 65,4% viviam sozinhos (Roibás et al., 2010). No que concerne aos utentes que utilizaram serviços relacionados ao uso abusivo de drogas "no último ano", em 1991-1992, 56,9% eram casados; no entanto, em 2001-2002, esse número decresceu para 49,4%; há que se destacar que, ainda assim, essa data é anterior aos estudos que referem esses utentes como majoritariamente não casados, que eram de 2009 e 2010. Esses utentes também têm sido associados a altas taxas de prevalências de patologias orgânicas e distúrbios psicológicos, e 64,2% tinham diagnóstico de doenças somáticas e 58%, patologias psiquiátricas associadas (Roibás et al., 2010).

A depressão major é comum, quer nos jovens, quer nos idosos (Lofwall et al., 2005) e, nessa população, foi associada a prevalências mais altas de consumo de cannabis e menores de uso de álcool (Blazer & Wu, 2009). Verificou-se, ainda, que os idosos tiveram mais episódios depressivos major "no último ano" (Han et al., 2009). Ainda na população em estudo, são encontrados altos níveis de morbidade física em geral (Beynon et al., 2009; Lofwall et al., 2005), especialmente Velocidade de Hemosedimentação (VHC) elevada (Beynon et al., 2009) e doenças cardiovasculares (Schlaerth et al., 2004); comparativamente aos mais jovens. Os utentes apresentam maior quantidade de medicamentos prescritos e médias significativamente mais baixas de qualidade de vida relacionada à saúde. No entanto, tantos os idosos quanto os jovens apresentam altos níveis de problemas psiquiátricos "ao longo da vida" e saúde geral pobre, comparativamente às normas da população geral (Lofwall et al., 2005).

Em locais de tratamento de utentes com problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas, a substância mais comumente consumida pelos idosos foi o álcool, com prevalências de 83,8% (Pillon et al., 2010), 72,9% (Roibás et al., 2010) e 75,6% (Lofwall et al., 2005). No primeiro estudo (Pillon et al., 2010), seguem-se o abuso de medicamentos (2,6%) e o álcool juntamente com cocaína ou crack (2,6%), seguidos da cannabis (2,1%); no segundo estudo (Roibás et al., 2010), heroína (43,2%) e cocaína (34,6%) e, no terceiro estudo (Lofwall et al., 2005), cocaína (73,2%), seguida da cannabis (41,5%) e dos sedativos/hipnóticos (36,6%).

Relativamente às admissões em serviços de tratamento especializado em abuso de drogas, o álcool também foi a droga mais comumente utilizada nessa faixa etária. No entanto, foi a única droga cuja taxa de admissão decresceu entre 1992 e 2005. Já as admissões relacionadas ao uso abusivo de heroína, cocaína, opioides prescritos, cannabis e metanfetaminas aumentaram nesse período. É de ressalvar que as admissões por uso de heroína decresceram significativamente, mas apenas no período entre 2002 e 2005, nas pessoas com faixa etária entre 50-54 anos. As drogas ilícitas mais comumente usadas nessa faixa etária foram heroína e cocaína (Lofwall et al., 2008). O consumo do álcool mantém taxas mais elevadas, com quase 60% "no último ano", seguido do uso da cannabis (2,6%) e cocaína (0,41%). Para 15% dos indivíduos que utilizaram duas ou mais drogas "no último ano", a percentagem de diagnóstico de transtornos relacionados ao uso de substâncias, nessas faixas etárias, é menor relativamente ao álcool (3%), à cocaína (0,18%) e à cannabis (0,12%) (Blazer & Wu, 2009).

Outro estudo também reporta decréscimo (entre 1991-1992 e 2001-2002) nos transtornos por uso de álcool "no último ano", nos consumos de álcool "ao longo da vida" e nos abstêmios, que também figuravam em menor número. Já os consumos de álcool sem diagnóstico de transtorno "no último ano" aumentaram, bem como as perturbações por uso de álcool "ao longo da vida" e os que "consomem atualmente" pelo menos 12 doses de bebida em um ano. Os consumos de drogas ilícitas aumentaram, quer "ao longo da vida" (mas não "no último ano"), quer no "uso atual", bem como os transtornos por uso de drogas "no último ano" e "ao longo da vida"; e o número de pessoas que nunca consumiram drogas diminuiu (Sacco et al., 2013). Entre 2002 e 2007, o uso de substâncias "no último ano" aumentou para as drogas ilícitas, inclusivamente a cannabis e o abuso de medicamentos, e esses utentes foram também considerados como consumidores de álcool. A maior parte dos utentes (90%) iniciou o consumo antes dos 30 anos (Han et al., 2009) e apresenta média de idade mais precoce para o primeiro uso de drogas, comparativamente aos mais jovens (Lofwall et al., 2005). Em população que recorreu aos serviços de urgências, a droga majoritariamente encontrada foi a cocaína (62,6%), e em 85% desses era o único resultado positivo; seguida dos opiáceos (15,9%), com 64,7% desses utentes apenas com consumo de opiáceo e, por fim, a cannabis (14%), dos quais 40% só tinham consumido essa substância. Na mesma população (dos utentes que estavam positivos), 42% consumiam álcool (Schlaerth et al., 2004).

O uso de cannabis também tem aumentado nessa população, bem como a prevalência de drogas ilícitas, especialmente na população urbana. Especificamente, o uso de cannabis, anfetaminas, cocaína e LSD "ao longo da vida", em pessoas com idade entre 50-54 anos, aumentou 10 vezes mais a partir de 1993 (Fahmy et al., 2012). Apesar de os doentes não considerarem a nicotina como uma droga de abuso e, por esse motivo, nem sempre a reportarem aos profissionais, ou estes também não os questionarem (Pillon et al., 2010), o uso de drogas "ao longo da vida" relaciona-se ao consumo de tabaco (Han et al., 2009), e 49,5% dos utentes que apresentaram teste positivo a drogas eram fumadores (Schlaerth et al., 2004). No entanto, esse consumo "ao longo da vida" e "no último ano" decresceu entre os anos de 1991-1992 e 2001-2002 (Sacco et al., 2013). As admissões voluntárias, nessa faixa etária, têm diminuído, quer para as drogas ilícitas, quer para as ilícitas e o álcool, porém as admissões pelos serviços de justiça criminal aumentaram entre 1992 e 2005 (Lofwall et al., 2008).

Em estudo relativo a programas clínicos de manutenção, os idosos apresentaram percentagens de testes de urina positivos significativamente mais baixas do que a dos jovens para opiáceos, e também mais baixas, porém sem alcançar significância estatística, para cocaína, cannabis e benzodiazepínicos (Lofwall et al., 2005).

Estudo relativo à história de uso de droga injetável reportou que, entre 1979 e 2002, a média de idade de uso injetável "no último ano" aumentou de 21 para 36 anos, e do uso "ao longo da vida" de 36 para 42 anos. Entre 2000 e 2002, 59,4% das pessoas que reportavam uso injetável situavam-se entre os 35 e 49 anos. Estima-se que, devido aos baby boomers, em 2015 as pessoas com 55 anos terão maior probabilidade de já ter injetado drogas do que as que terão 25 anos (Armstrong, 2007). Porém, os consumidores mais velhos têm níveis mais baixos de comportamentos de alto risco do que os mais jovens, e a cada aumento de cinco anos na idade encontram-se reduções significativas do uso de droga injetável em público, partilha de material injetável e problemas relacionados a esse comportamento de alto risco, e o grupo mais velho se refere a indivíduos com 35 anos ou mais (Horyniak et al., 2013).

Os estudos endossam a necessidade de conduzir mais investigações acerca do fenómeno (Beynon et al., 2009; Schlaerth et al., 2004), especialmente para avaliar as necessidades desse grupo etário (Pillon et al., 2010), de modo a facilitar o estabelecimento de tratamentos específicos (Lofwall et al., 2008; Roibás et al., 2010), bem como de políticas e infraestrutura de tratamento que lhes sejam sensíveis (Fahmy et al., 2012). Apesar das dificuldades burocráticas e económicas encontradas em diferentes países e contextos socioculturais, as respostas planeadas devem ser mais adequadas às vulnerabilidades e aos recursos dos utentes (por exemplo, é importante que o seu alojamento não seja limitado no tempo) (Roibás et al., 2010). A triagem daqueles que apresentam fatores de risco aumentado deve ser refinada (Han et al., 2009) e os profissionais de saúde devem questionar os pacientes acerca do uso de drogas ilegais e devem manter-se alertas para a possibilidade de respostas menos sinceras (Schlaerth et al., 2004).

 

Discussão

Este estudo teve por objetivo analisar a produção científica sobre o uso de substâncias psicoativas, bem como as condições sociodemográficas e clínicas de idosos. A maior parte dos estudos revisados foi desenvolvida nos Estados Unidos, o que corrobora achados da revisão de Rosen, Hunsaker, Albert, Cornelius, & Reynolds (2011). Relativamente às características sociodemográficas, estudos apresentam predominância de idosos do sexo masculino e de baixa escolaridade, especialmente no que se refere ao consumo de drogas ilícitas. No entanto, os níveis educacionais têm vindo a aumentar. A desocupação laboral também foi evidenciada, confirmando resultados de outro estudo (EMCDDA, 2010), o que acarreta baixo rendimento, uma associação que tem sido cada vez mais evidenciada pela literatura. O consumo de drogas ilícitas tem sido associado ao grupo dos indivíduos não casados e que habitam isoladamente. Já outro estudo referiu que esses indivíduos vivem mais sozinhos do que os consumidores mais jovens, o que pode ter relação com o próprio avanço da idade (EMCDDA, 2010). Os resultados apontam para a alta prevalência de condições patológicas orgânicas e psíquicas, tal como referido em outro estudo (EMCDDA, 2010), destacando-se as doenças infeciosas e a depressão major.

O álcool continua a ser a droga mais comumente usada, no entanto, o consumo tem vindo a diminuir, ao contrário do que se observa em relação às substâncias ilícitas. Não parece existir unanimidade acerca da substância ilícita mais utilizada, e essa varia possivelmente devido aos diferentes tipos de recolha de dados e dos locais nos quais as amostras são obtidas. Há um destaque para os policonsumos, ou seja, o consumo simultâneo de várias substâncias ilícitas, e também se realça sua combinação com álcool e tabaco; no entanto, o uso de nicotina não costuma ser documentado em parte dos estudos.

A literatura descreve a possibilidade de os idosos responderem melhor ao tratamento (EMCDDA, 2010; Rosen et al., 2011). De fato, na presente revisão, constataram-se algumas referências a essa situação, e os idosos que se encontram em programa de manutenção de tratamento apresentam menor quantidade de consumos e, apesar de a idade de uso de drogas injetáveis estar a aumentar, os mais velhos ainda são menos associados a esse comportamento de alto risco. No entanto, as pessoas idosas inseridas em programa de manutenção de metadona têm mais dores corporais comparativamente às normas populacionais da mesma idade e sexo (Lofwall et al., 2005).

Por fim, a referência à necessidade de disponibilizar mais estudos na área foi recorrente nos artigos revisados, bem como de formalizar opções de tratamento e de prover infraestruturas específicas. A falta de deteção das dificuldades desses utentes adia a possibilidade do início da intervenção precoce (Pillon et al., 2010), o que reforça a necessidade de compreender a situação desses indivíduos nas mais diferentes áreas de vida (Roibás et al., 2010), de documentar as suas necessidades singulares (EMCDDA, 2010), de definir fatores de proteção específicos e de investigar também os seus cuidadores, bem como os fatores socioeconómicos, ambientais e clínicos associados à problemática (Simoni-Wastila & Yang, 2006). Desse modo, mais estudos relacionados às características desses utentes poderão contribuir para o conhecimento e a compreensão dos fatores envolvidos no fenómeno, facilitando a identificação do problema pelos profissionais de saúde, com a deteção precoce de suas necessidades e adequação das respostas e recursos para otimizar os efeitos benéficos do tratamento, favorecendo assim a reinserção e a melhoria da qualidade de vida.

Os estudos recuperados na presente revisão apresentam algumas limitações que devem ser pontuadas. A indefinição do termo "idoso" nos estudos sobre consumo de álcool e/ou outras drogas e o uso indiferenciado dessa terminologia dificulta a comparação entre os diversos estudos. Por vezes, os artigos fazem referência às estatísticas de consumos sem explicitarem a classificação diagnóstica utilizada (uso, abuso ou dependência). Para além desse problema conceitual, alguns estudos centram-se apenas no consumo da droga principal, enquanto outros se detêm nas múltiplas drogas consumidas. Os tipos de consumo também são diversificados nos diferentes estudos, desde o uso recreativo ao transtorno por uso de substâncias. Já Rosen et al. (2011) referem que as formas de avaliar o diagnóstico de transtornos mentais variam consideravelmente, algo que também se mostrou presente nesses estudos. No entanto, Hulse (2002) refere que o DSM-IV identifica de forma menos precisa esse tipo de consumidor, em comparação com a CID-10. Isso porque o diagnóstico de abuso ou de dependência no DSM-IV centra-se em consequências sociais, legais, interpessoais e profissionais, que, devido às mudanças de estilo de vida que incidem nessa faixa etária, poderá não ser tão aplicável, reforçando a necessidade já apontada de definir formas específicas de avaliação e diagnóstico para essa população (Gfroerer et al., 2003; Rosen et al., 2011; Hulse, 2002).

Outra limitação encontrada nos estudos revisados refere-se ao delineamento metodológico, tendo em vista que algumas investigações utilizaram amostras pequenas e de conveniência (Rosen et al., 2011). Ademais, à exceção dos estudos realizados nos serviços de urgências hospitalares, as recolhas de informação foram baseadas em autorrelato, o que pode influenciar os dados, quer pela distorção da memória dos pacientes, quer pelo desejo de aceitação social (Han et al., 2009). Por fim, há que considerar que é preciso aprimorar o NE das publicações, a fim de proporcionar bases mais sólidas para orientar a prática profissional. As limitações mencionadas acabam por influenciar também as conclusões da presente revisão.

Estudos futuros devem considerar amostras maiores, quer com utentes em tratamento, quer com aqueles que estão sem tratamento (Rosen et al., 2011); devem observar as consequências clínicas do uso "ao longo da vida" (Fahmy et al., 2012) e buscar compreender se os consumos nessa faixa etária representam um padrão de uso contínuo desde jovens, com recaída após abstinência, novo uso, ou até a combinação dessas possibilidades (Lofwall et al., 2008). Os pesquisadores devem se empenhar em priorizar os delineamentos metodológicos robustos que propiciem NE mais consistentes.

O uso de drogas ilegais por idosos caracteriza-se como um problema de saúde que tem sido negligenciado pelas políticas públicas, apesar de implicar alto custo social, com repercussões em termos de sobrecarga financeira (Schlaerth et al., 2004). Por conseguinte, as intervenções junto a essa população devem ser eficientes e com custo-eficácia (EMCDDA, 2010), sem esquecer-se da prevenção e da promoção de saúde por meio de um esforço de atuação intersetorial. Deve ser estimulada a prática de atividade física e o engajamento em atividades de lazer para a promoção de um estilo de vida saudável.

Também devem ser desenvolvidos cuidados clínicos diretos, serviços, treinamento de pessoal e orientações de medicação apropriados a essa população (EMCDDA, 2010; Gfroerer et al., 2003; Rosen et al., 2011), inclusivamente para os tratamentos de substituição; bem como devem ser integrados os profissionais experientes no tratamento de drogas nos serviços geriátricos (EMCDDA, 2010). É desejável mais investimentos em pesquisas que visem à utilização de instrumentos diagnósticos adaptados transculturalmente e validados para a deteção do uso e o abuso de substâncias nessa população.

Esta revisão reforça a necessidade de sofisticar a produção de conhecimento nessa área, especialmente em Portugal, tendo em vista que não foram encontrados estudos no contexto português. Considerando a elevada taxa de envelhecimento da população, o aumento das condições crónicas decorrentes da transição epidemiológica, bem como os custos sociais e de saúde associados, conclui-se que é preciso conhecer a realidade do uso de substâncias lícitas e ilícitas na população idosa para que se possa dimensionar seu impacto na saúde pública.

Devido ao já esperado aumento do número de idosos dependentes de substâncias psicoativas, às suas vulnerabilidades (físicas, psicológicas e sociais) específicas e à escassa literatura existente, especialmente no contexto europeu, é necessário investir em pesquisas sobre as características e as necessidades sociais e de saúde dessa população, que possibilitem o desenvolvimento de tratamentos capazes de oferecer as respostas que deverão ser implementadas nos próximos tempos. Isso permitirá sensibilizar e capacitar os profissionais com conhecimentos acerca dessa população, estabelecendo diferenças sutis entre as diversas faixas etárias, de modo a facilitar o desenvolvimento de instrumentos de avaliação, bem como os métodos e os locais de rastreio desses utentes e o desenho de futuras estratégias de prevenção, de intervenção e de promoção de saúde.

 

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