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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.19 no.2 São Paulo Aug. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n2p60-72 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Motivação para mudança em usuários de drogas e justiça: revisão de literatura

 

Motivación para el cambio en los usuarios de droga y la justicia: revisión de la literatura

 

 

Itamar José Félix JuniorI; Paulo Renato Vitória CalheirosII

IUniversidade Federal de Rondônia, RO, Brasil
IIUniversidade Federal de Rondônia, RO, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Modelo Transteórico é uma importante teoria para o estudo, avaliação e intervenção na motivação para mudança de comportamento relacionado às substâncias psicoativas inclusive entre pessoas envolvidas com a Justiça. Objetivou-se fazer uma revisão sistemática de literatura de estudos com a população envolvida judicialmente e que estejam profundamente relacionadas com o Modelo Transteórico. Foi realizada uma busca nas bases de dados Medline, SciELO, Pepsic e Web of Science das publicações nos últimos 16 anos. A partir da literatura encontrada (17 artigos), pode-se perceber que este ainda é um campo pouco estudado, mas com resultados promissores. No mundo todo, essa prática é utilizada como um fator para a ressocialização. O Brasil tem despontado com estudos com adolescentes infratores, avaliando a motivação e a intervenção motivacional. Sugere-se que sejam feitas mais pesquisas e que a justiça passe a investir mais no tratamento e subsequente motivação para tratamento.

Palavras-chave: modelo transteórico; justiça; estágios de mudança; substâncias psicoativas; tratamento.


RESUMEN

El Modelo Transteorico es una importante teoría en el estudio, evaluación e intervención en la motivación para el cambio de comportamiento relacionado a las sustancias psicoactivas, incluso entre personas involucradas con la justicia. Se ha intentado hacer una revisión sistemática de literatura de estudios con la población involucrada judicialmente y que están profundamente relacionadas con el Modelo Transteorico. Se realizó una búsqueda en las bases de datos Medline, SciELO, Pepsic y Web of Science de las publicaciones en los últimos 16 años. De la literatura encontrada (17 artículos), se puede percibir que todavía es un campo poco estudiado, pero con resultados prometedores. En todo el mundo esta práctica se utiliza como un factor para la resocialización. Brasil ha surgido con estudios con adolescentes infractores, evaluando la motivación e intervención motivacional. Se sugiere que se realicen más investigaciones y que la justicia pase a invertir más en el tratamiento y posterior motivación para el tratamiento.

Palabras-claves: modelo transteórico; justicia; estado de cambios; las sustancias psicoactivas; tratamiento.


 

 

Introdução

Por possuir aspectos bastante complexos e dinâmicos, a dependência química tem se tornado um campo de estudo e intervenção com vários modelos que precisam ser explorados. Uma das teorias que abarcam a problemática da dependência é o Modelo Transteórico de Motivação de Mudança Intencional de Comportamento (MTT) (Transtheoretical Model of Change), criado por James Prochaska e Carlo DiClemente na década de 1970. O modelo surgiu da integração sistemática de mais de 300 teorias de psicoterapia, juntamente com a análise das principais teorias de comportamento (Prochaska & Velicer, 1997). E pressupõe que a mudança duradoura de comportamentos disfuncionais se dê por meio de uma série de estágios, vivenciados ao longo do processo de mudança, quais sejam: Pré-Contemplação, Contemplação, Preparação, Ação e Manutenção (Norcross, Krebs & Prochaska, 2011).

A "Pré-Contemplação" é o estágio no qual a pessoa não percebe o próprio comportamento como problemático, por isso não considera a possibilidade de modificá-lo. O estágio da "Contemplação" é caracterizado pela consideração da mudança como uma possibilidade e pela avaliação das opções para a sua efetivação. Contudo, há a presença da ambivalência entre mudar ou permanecer o status quo, dificultando a ação concreta para a mudança (Szupszynski & Oliveira, 2008a). O estágio de "Preparação" é evidenciado pela especificidade de prontidão para mudança e compromisso em efetivá-la. Notabiliza-se aqui um aumento de responsabilidade, embora esse construto seja objeto de críticas devido à dificuldade na investigação empírica do desejo de mudança. A "Ação" consiste no quarto estágio, no qual a pessoa cria condições externas para a mudança (Prochaska, Norcross, & DiClemente, 2013). Segue-se a "Manutenção", na qual ocorre a consolidação das mudanças, dos ganhos obtidos e sua integração ao novo estilo de vida. A correta identificação do estágio em que o indivíduo se encontra no processo de mudança pode reduzir a resistência, muitas vezes caracterizada pelas dificuldades de aceitação, adesão e continuidade das estratégias de seu enfrentamento no tratamento, e na prevenção de recaídas. O lapso e a recaída são fatores naturais no processo de mudança.

A motivação é caracterizada como um processo dinâmico. Assim, pode apresentar diferentes características em cada indivíduo e pode ser influenciada por fatores tanto externos quanto internos. A prontidão para a mudança é o ponto-chave para o trabalho do MTT e da Entrevista Motivacional.

A Entrevista Motivacional é uma abordagem terapêutica que ajuda as pessoas a reconhecerem e a agirem a respeito de seus problemas presentes ou potenciais e se fundamenta no MTT de Prochaska e DiClemente. Ela é aplicada a vários comportamentos ligados à saúde e auxilia na mudança de comportamento de uma forma mais persuasiva do que coerciva (Miller & Rollnick, 2000). Nesse sentido, a prontidão para a mudança está relacionada à conscientização do problema e do autoconhecimento acerca das suas possibilidades de mudar. Já a prontidão para o tratamento relaciona-se com os comportamentos de que o indivíduo dispõe para se tratar (procurar especialistas, clínicas etc.). Conceitualmente, uma pessoa pode procurar tratamento e iniciá-lo (prontidão para o tratamento), mas não estar pronta para mudar radicalmente (baixa prontidão para a mudança) (Szupszynski & Oliveira, 2008a).

Com relação à avaliação dos estágios motivacionais, vários estudos têm utilizado instrumentos para avaliar o aspecto motivacional para mudança comportamental, destacando-se, por serem os dois mais aplicados, a escala URICA (Rhode Island Change Assessment Questionnaire) (McCounaughy, Prochaska, & Velicer, 1983), que é dividida em quatro subescalas: pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção; e a escala SOCRATES (Stages of Change Readiness and Treatment Eargness Scale), criada por Miller e Tonigan (1996) e que possui três subescalas: reconhecimento, ambivalência e ação. Ambas as escalas possuem versões em português, com validade e confiabilidade mensuradas (Figlie, Dunn, & Laranjeira, 2004; Szupszynski & Oliveira, 2008b).

No campo do tratamento, Longshore, Prendergast e Farabee (2004) explicitam que as políticas de tratamento coercitivo para dependentes químicos se justificam na alta correlação entre o uso de drogas e crimes, assim a redução no consumo de drogas seria acompanhada por uma redução na atividade criminosa. Por fim, os usuários de drogas infratores que entrarem em tratamento involuntariamente, apesar de poderem não perceber que têm problema com drogas, têm a possibilidade de se beneficiarem com o tratamento (Longshore, Prendergast, & Farabee, 2004).

As avaliações da efetividade dos tratamentos que envolviam algum tipo de pressão legal foram descritas por Farabee, Prendergast, & Anglin (1998): 11 estudos demonstraram resultados positivos em relação ao consumo de drogas - em cinco estudos houve diminuição do uso após a intervenção; em quatro, não foi identificada diferença no consumo; e em dois, há o relato de resultados negativos, com aumento no consumo. Nessa avaliação, no entanto, eles não relacionaram os fatores motivacionais na eficácia desses estudos.

Vários estudos sobre o tema drogas e criminalidade explanam que há três fatores relacionados à criminalidade e ao uso de SPA: o narcotráfico, variáveis socioculturais e o efeito da substância psicoativa sobre o comportamento (Hoaken & Stewart, 2003; Oliveira, 2010). Em outro estudo com apenados, constatou-se uma forte correlação entre uso de drogas, reincidência criminal e tipo de crime (roubos) com agressividade, na qual a substância mais utilizada foi o álcool (Tavares, Scheffer, & Almeida, 2012).

Já entre a população carcerária, El-Bassel et al. (1998), em um estudo com mulheres, avaliaram a qualidade psicométrica da Escala URICA e o estágio de motivação com essa população. A partir do protocolo de inclusão, que definia alguns quadros de psicopatologia, a amostra foi dividida em cinco grupos, sendo: 1) negação; 2) não envolvidas; 3) ambivalente; 4) tomada de decisão; e 5) participação. Os resultados demonstraram que o grupo da "negação" teve escores acima da média na subescala da Pré-Contemplação, diferentemente do grupo "ambivalência", que ficou caracterizado por pontuar acima da média em todas subescalas.

Nos Estados Unidos, é comum que os programas de tratamento na justiça penal utilizem a coerção com usuários de SPA infratores para que entrem e permaneçam em tratamento, tendo esse fator - a coerção - influenciado na motivação para o tratamento. Um percentual significativo da população em tratamento medicamentoso, financiado pelo governo, é composto por pessoas que foram submetidas ao tratamento pelo sistema de justiça criminal (Prendergast, Greenwell, Farabee, & Hser, 2009). Um estudo realizado pelo National Institute on Drug Abuse (Nida), dos Estados Unidos, afirmou que o tratamento compulsório é tão eficiente quanto o voluntário, na qual indivíduos encaminhados compulsoriamente estavam menos motivados no início do tratamento, contudo, ao continuá-lo, passaram a refletir sobre si próprios e a reconhecer a necessidade de mudar (Kelly, Finney, & Moos, 2005). Outro estudo revisou os resultados de 50 pesquisas, tanto de modelos experimentais quanto de quase-experimentais, em presos com problemas com drogas, e demonstrou que os presos que passam por intervenções de tratamento são menos propensos a reincidir, comparado com os que não passam por nenhuma intervenção nas drogas (Wilson, Mitchell, & MacKenzie, 2006).

O Brasil concentra a quarta maior população carcerária do mundo e enfrenta uma crise que atinge todo o sistema. De acordo com o Oitavo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve um salto na população carcerária de 90 mil para 622 mil em 24 anos (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2014). Dessa população, 25,5% cumprem pena por tráfico de drogas, constituindo a maior causa de aprisionamento no país. Evidentemente, nessa conta não estão os mais de 20 mil adolescentes em medidas socioeducativas privativas de liberdade em que também se destaca o tráfico em 27% deles no ano 2012.

Felizmente, um importante passo foi dado na busca de melhor enfrentamento do problema com a implementação da Justiça Terapêutica (JT): a JT visa reduzir o dano social e tem oferecido ao usuário de drogas infrator uma avaliação de saúde para o recebimento do tratamento como medida alternativa (Silva, Queiroz, Queiroz, & Barbosa, 2009). Tratando-se de uma política inovadora no Brasil, há a necessidade de estudos que possam contribuir para a melhor motivação para tratamento desses usuários beneficiados por essa política pública. Dessa forma, o presente estudo se propôs a realizar uma revisão sistemática de literatura de artigos científicos e livros sobre intervenções e avaliações com o MTT entre usuário de drogas, que estavam em tratamento por motivação judicial.

 

Método

Para a análise de revisão de literatura, foi realizada pesquisas nas bases de dados Medline, SciELO, Scopus e Web of Science, com os descritores: Stages of Change AND prisoners, Stage of change AND offenders, Readiness to Change AND prisoners OR offenders, Stage of change AND adolescents. A Figura 1 demonstra como se deu a busca do presente estudo.

 

 

Entre os procedimentos adotados para a revisão de literatura, inclui-se a forma de seleção e inclusão dos artigos. Para que um artigo fosse incluído, ele deveria avaliar a motivação ou envolver métodos relacionados ao Modelo Transteórico, assim como ter sido elaborado com pessoas envolvidas em processos judiciais usuárias de substâncias psicoativas. Foram excluídos os artigos que avaliavam somente a motivação para mudança do comportamento criminoso ou que não abordavam o Modelo Transteórico ou estágios de mudança.

Após a busca nas bases de dados, primeiramente foi realizada a leitura completa dos títulos. Para aqueles estudos que apontassem a elegibilidade do tema pelo título era feita a leitura do resumo, que visa a necessidade de aprofundamento; os artigos que não se enquadravam nos critérios de inclusão foram eliminados e os que se enquadravam foram lidos na íntegra. Após essa fase, uma reanálise foi realizada para verificar a proximidade dos artigos com o tema de interesse, restringindo-se a revisão apenas aos artigos inteiramente relacionados aos temas MTT, uso de drogas e justiça. O levantamento foi produzido durante o mês de março de 2016.

Ao todo foram encontrados 529 artigos na busca inicial, com os descritores anteriormente citados. Depois dos procedimentos de refinamento foram selecionados 35 artigos. Após a análise, os artigos repetidos nas diferentes bases de dados foram excluídos, restando quatro artigos publicados em revistas nacionais e treze artigos em periódicos não brasileiros, totalizando 17 artigos. Os temas identificados nos artigos foram separados e divididos em dois eixos: a) estudos com adolescentes; e b) estudos com adultos.

 

Resultados

Por meio da busca realizada nas bases de dados anteriormente citadas, foi encontrado um número baixo de artigos que estivessem relacionados aos referidos temas. O levantamento aponta que a maioria das pesquisas foi realizada em diferentes países de variados continentes. A subdivisão em eixos buscou facilitar o enquadramento dos estudos. O Quadro 1 apresenta a síntese dos estudos encontrados:

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi revisar a literatura publicada sobre a motivação em especial sob a ótica do Modelo Transteórico, com a temática do tratamento viabilizado por encaminhamento judicial ou dentro do sistema prisional. Há de ressaltar que pesquisadores de vários países têm se interessado pela mudança de comportamento, seja aditivo, seja referente a outros comportamentos problemáticos, tais como em pessoas com pendências judiciais. Numerosos estudos demonstram que a motivação é preditiva de participação ativa no tratamento e na conclusão, com resultados promissores entre pacientes gerais de tratamento e também dos encaminhados pelo sistema de justiça (De Leon, Melnick, & Tims, 2001).

Uma parcela dos estudos encontrados relaciona a problemática do uso de substâncias por adolescentes infratores, na qual se encontra os estudos brasileiros. Essa faixa etária está presente na faixa de risco, uma vez que o desenvolvimento neurocognitivo e social pode ser prejudicado pelo uso de drogas. Os estudos também demonstram que o estágio de Pré-Contemplação é o mais presente nessa população, configurando assim um desafio aos profissionais. As intervenções motivacionais, como o MTT e a Entrevista Motivacional, aparecem como as intervenções mais utilizadas e estiveram presentes na maioria dos estudos com adolescentes (Slavet et al., 2006; Andretta & Oliveira, 2008; Hemphill & Howell, 2000). Além de que novas abordagens motivacionais foram testadas e sua eficácia demonstrada, como o TRIP (Treatment Readiness and Induction Program), que visa aumentar a motivação preparando os adolescentes para o tratamento (Becan et al., 2015).

O estágio da Pré-Contemplação é característico de indivíduos que não têm uma consciência clara sobre a real dimensão de seus problemas, por isso são consideradas pessoas menos motivadas. Dessa forma, é necessário que alguma solução seja oferecida e esteja sustentada nessa premissa. Por conta disso, os estudos que procuraram embasar a Entrevista Motivacional e outras técnicas como suporte de promoção à mudança são importantes, pois seus resultados e conclusões sinalizam um importante caminho que ações no campo podem seguir. Essa promoção é considerada ponto-chave para a mudança, fazendo com que a pessoa avance nos estágios até alcançar a Manutenção. Também é importante destacar que o trabalho motivacional visto nesses estudos alavanca mudanças em vários aspectos da vida, inclusive auxiliando-os nos processos de tomada de decisão, autoconsciência, premeditação (pensar antes de agir) e pensamento positivo como foco, até a fim de evitar recaídas (Becan et al., 2015).

Os estudos aqui presentes também apresentam diferentes métodos, demonstrando a grande diversidade de formas de avaliar o estágio de mudança, além de apresentarem resultados diferentes. Um ponto de destaque são alguns estudos internacionais que demonstraram que a coerção para o tratamento nessa população tem efeitos positivos e que são políticas que visam diminuir as consequências do uso no futuro e também do crime. Os estudos indicam que o reconhecimento do problema é a chave para a pessoa mudar e isso poderia ser feito com as abordagens motivacionais. Nesse ínterim, vale destacar que as possibilidades de mudanças aumentam com a utilização de recursos ambientais e sociais (escola, trabalho, grupo de amigos, uso de tempo livre, grupos de apoio e grupos de ajuda mútua) (Calheiros, Oliveira & Andretta, 2006).

A ligação entre redução de uso de drogas e redução na criminalidade é uma das tônicas para o investimento no tratamento de pessoas com problemas com a justiça. Seria razoável esperar que algum órgão governamental ou não governamental parceiro do sistema judicial, oferecendo tratamento, possa ajudar a diminuir os problemas com drogas do infrator, mas não necessariamente reduzir seu comportamento criminoso (Longshore, Prendergast, & Farabee, 2004). A preocupação com a modificação de comportamento de uso de SPA na população carcerária é tema desses estudos e tem se intensificado nos últimos anos (Rosen et al., 2004). Nesse ínterim, a avaliação e a intervenção da motivação e sua aplicação nos sistemas de justiça são de suma importância.

Os programas descritos nas pesquisas deste artigo também demonstram que ao se conhecer o estágio de motivação de mudança que o indivíduo se encontra, pode-se esquematizar um plano de trabalho com objetivos e ferramentas para esse determinado estágio, respeitando o momento da pessoa. Igualmente, tais estratégias de intervenção geralmente requerem aliança terapêutica e sua permanente avaliação (Polaschek & Ross, 2010). Tais estudos também abrem brechas para compreensões acerca da eficácia de tratamentos para essa população, como em adolescentes (Aveyard, Lancashire, Almond, & Cheng, 2002), valendo-se dos bons modelos para poderem ser seguidos no Brasil.

Nos Estados Unidos, é comum que o sistema de justiça de cada estado, em parceria com as universidades, faça estudos sobre os tratamentos oferecidos para essa população, principalmente relacionados à motivação (Garner, Knight, Flynn, Morey, & Simpson, 2007). Esse fato não ocorre ainda no Brasil com certa seriedade, até por conta de não haver, nos presídios brasileiros, procedimentos sistematizados de tratamento para álcool ou outras drogas, idênticos aos encontrados nos Estados Unidos. No Brasil, o tratamento ocorre, em sua grande maioria, fora das prisões e os encaminhamentos ainda não são feitos de maneira sistematizada.

Alguns artigos da literatura encontrada se valeram da questão de superação a resistência ao tratamento, muitas vezes característica da ambivalência. Acerca desse conflito, Szupszynski e Oliveira (2008a) explanam que os usuários de drogas podem até reconhecer os malefícios envolvidos em seus comportamentos, mas, ainda assim, seguem atraídos pelo comportamento aditivo, não apresentando motivação alguma para iniciar ou manter um tratamento. Os estudos demonstraram que, por conta desse fator, o tratamento mesmo que imposto pela justiça poderia apresentar algum efeito benéfico se forem trabalhadas as questões motivacionais, visando superar a ambivalência e iniciar a mudança de comportamento.

Por fim, considera-se que o encaminhamento para o tratamento pela justiça é um passo primordial a ser dado, na qual se pode dar à pessoa o protagonismo de sua vida em escolher mudar, ou dar opções em relação à mudança, bem como reavaliar sua condição em relação à justiça. Outro ponto fundamental é a realização de mais estudos nessa área, a fim de demonstrar a eficácia de técnicas de motivação com essa população, visando superar as barreiras à aderência e ao sucesso no tratamento.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Itamar José Félix Junior
Av. Jatuarana nº 5695. Condomínio Rio Bonito, bloco 8A, apartamento 201. Bairro Floresta
Porto Velho, Rondônia, Brazil. CEP 76806-001
E-mail: itamar. junior44@hotmail.com

Submissão: 3.8.2016
Aceitação: 20.6.2017

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