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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.19 no.2 São Paulo ago. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n2p117-130 

ARTIGOS
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Norma pessoal de reciprocidade: evidências de validade e precisão de uma medida

 

Personal norm of reciprocity: evidendence of validity and reliability of a measure

 

Norma personal de reciprocidad: evidencias de validez y precisión de una medida

 

 

Valdiney Veloso GouveiaI; Anderson Mesquita do NascimentoII; Alex Sandro de Moura GrangeiroIII; Tailson Evangelista MarianoIV; Layrtthon Carlos de Oliveira SantosV

IUniversidade Federal da Paraíba, PB, Brasil
IIUniversidade Federal da Paraíba, PB, Brasil
IIIUniversidade Federal da Paraíba, PB, Brasil
IVUniversidade Federal da Paraíba, PB, Brasil
VUniversidade Federal da Paraíba, PB, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo objetivou adaptar para o contexto brasileiro o Questionário Norma Pessoal de Reciprocidade (QNPR), reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna. Participaram 203 universitários, com idade média de 20,6 anos (DP = 4,54). Os dados foram analisados separadamente para crenças e comportamentos em reciprocidade. A primeira parte referente às crenças na reciprocidade contou com nove itens, com alfa de Cronbach de 0,66 e saturações variando de 0,33 a 0,65; na parte referente aos comportamentos em reciprocidade, dois componentes emergiram: o primeiro denominado reciprocidade negativa contou com nove itens, com saturações variando de 0,46 a 0,80 e alfa de Cronbach de 0,85 enquanto o segundo componente foi denominado reciprocidade positiva, e contou com sete itens e saturações variando de 0,46 a 0,76, com alfa de Cronbach de 0,74. Concluiu-se que esses achados apoiam a adequação psicométrica deste instrumento, que apresenta evidências de validade e precisão.

Palavras-chave: reciprocidade; cooperação; retaliação; medida; validade.


ABSTRACT

This study aimed at adapting to the Brazilian context the Personal Norm of Reciprocity Questionnaire (PNRQ), gathering evidence of its factorial validity and internal consistency. 203 students participated, with average age of 20.6 years (SD = 4.54). Data were analyzed separately for beliefs and behaviors in reciprocity. The first part refers to the beliefs of reciprocity had nine items with Cronbach's alpha of 0.66 and saturations ranging from 0.33 to 0.65. The part referring to reciprocity behavior emerged two components, the first called negative reciprocity had nine items, with saturations ranging from 0.46 to 0.80 and Cronbach's alpha of 0.85 as the second component was called positive reciprocity, and had seven items and saturations ranging from 0.46 to 0.76, with Cronbach's alpha of 0.74. We have concluded that these findings support the psychometric adequacy of this instrument, which shows evidence of validity and reliability.

Keywords: reciprocity; cooperation; retaliation; measure; validity.


RESUMEN

Este estudio objetivó adaptar al contexto brasileño el Cuestionario Norma Personal de Reciprocidad (CNPR), reuniendo evidencias de su validez factorial y consistencia interna. Participaron 203 universitarios, con edad media de 20,6 años (DP = 4,54). Los datos se analizaron por separado para las creencias y comportamientos en la reciprocidad. La primera parte se refiere a las creencias en la reciprocidad y contó con nueve ítems, con alfa de Cronbach de 0,66 y saturaciones entre 0,33 y 0,65. La parte relacionada a los comportamientos en reciprocidad surgió dos componentes, el primero llamado reciprocidad negativa contó con nueve ítems, con saturaciones entre 0,46 y 0,80 y alfa de Cronbach de 0,85. El segundo componente llamado reciprocidad positiva, contó con siete ítems y saturaciones entre 0,46 y 0,76, con alfa de Cronbach de 0,74. Se concluyó que estos resultados apoyan la adecuación psicométrica de este instrumento, que presenta evidencias de validez y precisión.

Palabras-claves: reciprocidad; cooperación; represalia; medida; validez.


 

 

Nas interações sociais, é comum que os indivíduos recompensem quem os favoreça e punam aqueles que os prejudiquem. Esse tipo de comportamento é conhecido como reciprocidade, sendo um princípio básico da maioria das sociedades humanas, orientando as pessoas de diversas culturas ao longo da história, figurando também em leis civis e escritos de crenças religiosas (Hastings & Shaffer, 2008). De fato, assume-se que uma das hipóteses menos controversas em ciências sociais é a de que os seres humanos têm uma tendência geral para retribuir (Gouldner, 1960). Entretanto, segundo Perugini, Galluci, Presaghi, & Ercolani (2003), não há uma unidade conceitual entre os pesquisadores que estudam a reciprocidade. O que se observa é certa conformidade ao considerá-la como uma norma social definidora de um padrão de comportamento recíproco (Gouldner, 1960). Adotando esse entendimento, pode-se concebê-la como um mecanismo capaz de conduzir a formas de predisposições positivas e negativas de comportamento, desencadeando uma ação recíproca em função de um contexto específico.

A reciprocidade vem sendo tema de estudos em diversas disciplinas, como Sociologia (Axelrod, 1984), Economia (Dohmen, Falk, Huffman, & Sunde, 2009) e Neurociência (Knoch, Pascual-Leone, Meyer, Treyer, & Fehr, 2006). Porém, isso não é nenhuma surpresa; várias das relações que as pessoas estabelecem são regidas por esse princípio universal, definindo como uma obrigação o ato de retribuir um favor recebido. Esse construto se manifesta em diversos comportamentos cotidianos, como retornar um favor, vingar-se de alguém, fazer trocas proporcionais ou punir um mau comportamento recebido anteriormente. Nesse marco, a norma de reciprocidade parte de duas exigências básicas: (a) deve-se ajudar quem oferece ajuda; e (b) não se deve prejudicar quem proporciona benefícios. Essa norma é evocada em diversas situações, mesmo que não haja uma prescrição legal correspondente; sempre que alguém faz um favor, oferece ajuda ou beneficia outra pessoa, prescreve-se como obrigação moral a retribuição do benefício recebido (Perugini et al., 2003).

A reciprocidade, portanto, visa reagir a um comportamento com outro da mesma valência, isto é, uma ação positiva é retribuída com ações positivas e uma ação negativa com aquelas negativas (Perugini & Galucci, 2001). De acordo com Perugini et al. (2003), a reciprocidade é um objetivo, não somente um meio para atingi-lo, podendo-se identificar um tipo de reciprocidade em que o comportamento e sua motivação são convergentes, apresentando-se como uma norma internalizada. Desse modo, ela é vista como uma preferência individual, pois vai representar uma tendência pessoal a se comportar de maneira recíproca, independentemente de ser ou não usada estrategicamente (Perugini & Gallucci, 2001). Alguns estudos dão suporte a essa ideia, indicando que o comportamento recíproco se apresenta mesmo quando as pessoas interagem anonimamente umas com as outras (Goren & Bornstein, 1999; Rind & Strohmetz, 1999).

Esse, contudo, não é um construto unidimensional, como se poderia pressupor. A propósito, Perugini et al. (2003) entendem que é possível distinguir diferentes dimensões da reciprocidade, correspondendo às crenças e aos comportamentos correspondentes. Entende-se que mesmo que a maioria das pessoas endosse determinadas crenças, isso não é garantia de que dita crença terá implicação na conduta do indivíduo. Sendo assim, pode-se pressupor que crenças e comportamentos configuram duas dimensões independentes (Cotterell, Eisenberger, & Speicher, 1992). Por exemplo, se considerada como uma motivação interna, a reciprocidade deve levar a um comportamento, sem que necessariamente seja acompanhada por uma crença de que é vantajoso fazê-lo ou que a maioria das pessoas o faça (Perugini & Galucci, 2001).

Quanto ao aspecto comportamental, a reciprocidade apresenta duas formas: uma positiva e outra negativa. Os indivíduos podem ser mais sensíveis a uma ou a outra, indicando-se, por exemplo, sua disposição à cooperação ou à retaliação, respectivamente. No caso, a norma de reciprocidade positiva afirma que as pessoas devem ajudar ou recompensar aquelas que as prestaram um favor ou cooperaram anteriormente (Perugini & Galucci, 2001). Esse tipo de reciprocidade reflete um comportamento pró-social, sugerindo que pessoas com preferências pró-sociais são mais suscetíveis ao comportamento recíproco correspondente ao do parceiro de interação, quando comparadas àquelas mais individualistas (Ackermann, Fleiß, & Murphy, 2014). Com relação à reciprocidade negativa, aqueles que endossam essa norma agem de modo a, percebendo tratamento desconsiderado de alguém, considerar aceitável proceder à retaliação (Restubog, Garcia, Wang, & Cheng, 2010). Essa é especialmente relevante quando for violada a norma sobre como as pessoas devem ser tratadas, de modo que os indivíduos julgam que a vingança é justificada em razão da violação de normas morais, reafirmando padrões de condutas consideradas socialmente adequadas (Barclay, Whiteside, & Aquino, 2014).

Tendo em conta os aspectos anteriormente mencionados, Perugini et al. (2003) desenvolveram o Questionário Norma Pessoal de Reciprocidade (QNPR). Sua atenção foi dirigida à reciprocidade como uma norma internalizada, sugerindo esse questionário com o fim de medir diferenças individuais na propensão de segui-la. Nessa direção, visando conhecer a adequação dessa medida, os autores contaram nesse primeiro estudo com uma amostra de 200 participantes da Itália. Elaboraram-se inicialmente 116 itens que consideraram aspectos comportamentais da norma de reciprocidade, adotando o formato lógico "Se A faz α para mim, eu faço β para A", sendo α e β de mesma valência (positiva ou negativa).

O conjunto inicial de itens foi posteriormente reduzido a 68, considerando os critérios de unicidade (representação não redundante) e validade aparente. Desse montante, 52 itens focavam aspectos comportamentais positivos ou negativos de reciprocidade, 16 itens consideravam crenças sobre ambas as formas de reciprocidade como norma comumente utilizada. Tais itens foram respondidos em escala tipo Likert, variando de 1 (Muito falso para mim) a 7 (Muito verdadeiro para mim), contando com uma pontuação mediana (4), correspondendo a neutro; no caso, o respondente precisava indicar em que medida cada um dos itens caracterizava sua forma de pensar ou se comportar.

A partir da versão anteriormente descrita, procedeu-se a uma análise de componentes principais, considerando separadamente os itens que representavam os comportamentos positivos e negativos (n = 52) e aqueles que tratavam de crenças (n = 16), uma vez que foram concebidos como dimensões diferentes do construto. Coerente com o teoricamente admitido, os itens comportamentais se agruparam em dois componentes principais, explicando 27,7% da variância; o primeiro agrupou itens da forma negativa de reciprocidade, enquanto o segundo reuniu aqueles de reciprocidade positiva. Ressalta-se que 19 itens da dimensão comportamental apresentaram cargas fatoriais baixas (λ < |0,30|) ou cargas elevadas em mais de um fator, tendo sido assim excluídos. Ademais, visando obter medidas breves que refletissem as formas positiva e negativa de reciprocidade, a versão final considerou apenas os 9 itens com maiores saturações, resultando em uma versão com 18 itens igualmente distribuídos nos dois tipos de comportamentos de reciprocidade. No que se referiu às crenças na reciprocidade, a análise de componentes principais revelou um componente geral, explicando 22,6% da variância; todos os itens apresentaram saturações acima de |0,30|. Procedeu-se ao mesmo critério de contar com número reduzido de itens, selecionando-se os nove que apresentaram maiores saturações.

Por fim, contando com uma nova amostra de 951 participantes, os mesmos autores buscaram, em um segundo estudo, reunir evidências da adequação dessa medida com independência do país [Itália (n = 370) e Reino Unido (n = 581)] e sexo [masculino (n = 363) e feminino (n = 588)]. Foi realizada uma análise dos componentes principais para cada parte do questionário, que revelou a mesma quantidade de componentes do estudo 1, ou seja, dois componentes (reciprocidade positiva e negativa) para os comportamentos, explicando conjuntamente 40,8% da variância; e um componente para as crenças na reciprocidade, explicando 27,6% da variância. Esses apresentaram coeficientes aceitáveis de consistência interna para propósitos de pesquisa [reciprocidade negativa (α = 0,83), reciprocidade positiva (α = 0,76) e crenças na reciprocidade (α = 0,67)]. Esses coeficientes foram aproximadamente os mesmos nas amostras da Itália e do Reino Unido, variando menos de 0,05.

Nesse mesmo estudo, Perugini et al. (2003) realizaram análises fatoriais confirmatórias, observando indicadores de ajuste que sugerem ser uma medida promissora. Especificamente, no caso dos países, em relação aos comportamentos de reciprocidade, embora o CFI tenha ficado abaixo do ponto de corte recomendado na literatura (i.e., 0,90), esse indicador foi meritório (0,85), além de ser observado um valor de RMSEA satisfatório (0,059, PClose = 0,14); resultados similares foram observados para o sexo dos participantes [CFI = 0,84 e RMSEA = 0,077 (PClose = 0,07)]. No caso das crenças na reciprocidade, os resultados foram igualmente similares quando comparados os países [CFI = 0,80 e RMSEA = 0,085 (PClose = 0,06)] e sexos [CFI = 0,83 e RMSEA = 0,079 (PClose = 0,18)].

A importância de adaptar tal medida ao contexto brasileiro também fica evidente por sua utilização em outras pesquisas em contexto internacional (Dohmen et al., 2009; Schindler, Reinhard, & Stahlberg, 2012). Por exemplo, Dohmen et al. (2009) observaram, por meio do QNPR, que a reciprocidade positiva está relacionada ao recebimento de salários mais altos e trabalho mais produtivo, enquanto a reciprocidade negativa está relacionada à probabilidade maior de estar desempregado. Adicionalmente, Schindler et al. (2012) encontraram evidências de que a saliência de mortalidade é capaz de aumentar significativamente a relevância da norma de reciprocidade, mensurada pelo QNPR.

Em suma, observa-se que a medida de reciprocidade, considerando suas duas partes (comportamentos e crenças), reúne indicadores de ajuste que podem ser considerados aceitáveis para propósitos de pesquisa. Dada a escassez de medidas a respeito no Brasil, assim como a importância do construto reciprocidade, que pode explicar parte dos comportamentos pró e antissociais, decidiu-se adaptá-la para esse contexto, reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 203 estudantes universitários do curso de Psicologia de uma instituição de ensino superior pública de João Pessoa (PB). A maioria dos participantes foi do sexo feminino (77,8%) e solteira (87,7%), apresentando idades entre 17 e 50 anos (M = 20,6, DP = 4,54). Tratou-se de uma amostra de conveniência, tendo participado as pessoas que, presentes em sala de aula no momento da coleta dos dados, dispuseram-se a colaborar voluntariamente.

Instrumentos

Os participantes responderam a perguntas demográficas (idade, sexo e estado civil) e ao Questionário Norma Pessoal de Reciprocidade (QNPR), o qual foi elaborado originalmente em língua inglesa por Perugini et al. (2003) e compõe-se de duas partes. A primeira é formada por nove itens, medindo a dimensão de crenças na reciprocidade (e.g.: tenho medo das reações de uma pessoa que eu já tenha tratado mal; ajudar alguém é a melhor política para ter certeza de que ele/ela irá ajudá-lo no futuro); e a segunda abarca 18 itens igualmente distribuídos para representar dois fatores da dimensão comportamental da reciprocidade: negativa (e.g.: estou disposto a investir tempo e esforço para retribuir uma ação injusta; se alguém é mal-educado comigo, eu me torno mal-educado) e positiva (e.g.: se alguém faz um favor para mim, estou pronto para retribuí-lo; se alguém é prestativo comigo no trabalho, terei prazer em ajudá-lo). Conforme indicado previamente, esses itens são respondidos em escala tipo Likert de sete pontos.

O QNPR foi traduzido do original em inglês para o português por meio da técnica de tradução reversa (back translation). Portanto, o questionário foi traduzido do inglês para o português por um pesquisador bilíngue, e, posteriormente, essa versão foi retraduzida para o inglês por um segundo psicólogo também bilíngue. Finalmente, as duas versões foram comparadas com a colaboração de um terceiro pesquisador com habilitação em língua inglesa. Não foi identificada nenhuma necessidade de modificar substancialmente qualquer item da versão em português, que foi empregada nesse estudo, estando disponível ao leitor que a deseje solicitar a um dos autores.

Procedimento

Os pesquisadores entraram em contato com uma instituição pública de ensino superior com o intuito de obter permissão para a realização da pesquisa. Após a autorização, realizaram-se as aplicações dos questionários com o auxílio de dois colaboradores devidamente treinados, que escolheram as salas de aula de acordo com a conveniência dos professores e estudantes. Obtida a permissão, os questionários foram aplicados em ambiente coletivo de sala de aula, porém respondidos individualmente. Os colaboradores se apresentaram e solicitaram a participação dos estudantes presentes, dando-lhes as instruções para o preenchimento do questionário, explicando os objetivos da pesquisa e permanecendo em sala de aula até o término da aplicação para esclarecer eventuais dúvidas. Foi indicado que a participação seria voluntária e que as respostas eram anônimas. O tempo médio para concluir a participação foi de aproximadamente 10 minutos. Essa pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da Universidade Federal da Paraíba (CEP/UFPB), sob o protocolo de nº 853.004/14. Foram respeitados todos os princípios éticos para a realização de pesquisas com humanos, conforme a resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Análise dos dados

Foi utilizado o pacote estatístico PASW (versão 18) para o tratamento dos dados. Inicialmente foram calculadas estatísticas descritivas (medidas de tendência central e dispersão) e realizou-se um teste t de Student (para amostras independentes) para verificar o poder discriminativo dos itens. Em seguida, procurou-se conhecer a adequação da matriz de correlações interitens para realizar uma análise dos componentes principais, utilizando dois indicadores: o critério de Kaiser-Meyer-Olkim (KMO), que deve ser superior a 0,60 para dar suporte à realização desta análise, e o Teste de Esfericidade de Bartlett, cujo valor do qui-quadrado necessita ser estatisticamente significativo (Tabachnick & Fidell, 2013). Em seguida, com a finalidade de conhecer o número de componentes a extrair, checaram-se diferentes critérios (Kaiser, Cattell e Análise Paralela). Por fim, foi calculada a consistência interna dos componentes resultantes, utilizando-se o coeficiente alfa de Cronbach.

 

Resultados

Preliminarmente, esclarece-se que, seguindo os passos adotados quando da elaboração da medida original (Perugini et al., 2003), os itens foram divididos em duas partes, correspondendo às crenças (nove itens) e aos comportamentos (18 itens), analisando-os separadamente. Isso se justifica em razão de as dimensões envolvidas pertencerem conceitualmente a domínios diferentes. Desse modo, os resultados são apresentados inicialmente para os itens relativos à crença na reciprocidade e, posteriormente, para aqueles referentes aos comportamentos negativos e positivos.

Crenças na Reciprocidade

Quanto ao poder discriminativo dos itens, para cada construto, calculou-se a respectiva pontuação total, identificando o valor mediano e, a partir desse, definindo os grupos inferior e superior. Os participantes separados nesses grupos-critério foram posteriormente comparados, item a item, empregando o teste t de Student para comparar suas respectivas médias. Todos os nove itens discriminaram satisfatoriamente entre os participantes (t > 4, p < 0,05).

Em seguida foram calculados os indicadores que avaliam a adequação de se proceder a uma análise fatorial a partir da matriz de correlações. No caso, os valores observados apoiaram este tipo de análise: KMO = 0,68 e Teste de Esfericidade de Bartllet, χ2 (36) = 233,27, p < 0,001 (Tabachnick & Fidell, 2013). Em seguida, objetivou-se conhecer o número de fatores a serem extraídos dessa matriz, realizando-se uma análise de componentes principais sem fixar rotação ou número de fatores a extrair. Nesse caso, consideraram-se três critérios: (1) Kaiser (valores próprios iguais ou superiores a 1); (2) Cattell (scree plot, isto é, distribuição gráfica dos valores próprios, considerando o ponto em que se configura um "cotovelo"); e (3) análise paralela (simulação dos valores próprios, comparando-os com os reais observados no critério de Kaiser). Segundo o critério de Kaiser, foram encontrados três componentes com valores próprios superiores a 1 (2,51, 1,17 e 1,11), explicando conjuntamente 53,4% da variância total. No entanto, ao observar a distribuição gráfica desses valores próprios (Cattell), verificou-se como sendo mais adequado reter apenas um componente.

Com o fim de dirimir dúvidas, realizou-se a análise paralela, utilizando como referência os valores do banco de dados (203 participantes e 9 variáveis), realizando 1.000 simulações, cujos valores próprios superiores a um foram 1,32, 1,21, 1,13 e 1,05. Essa análise deu suporte à existência de um único componente, pois o valor próprio do segundo componente observado (1,17) foi inferior àquele da análise paralela (1,21). Com base nas análises anteriormente citadas, optou-se por fixar a extração de um único componente, procedendo-se a uma nova análise de componentes principais, considerando a saturação mínima de |0,30| para que o item fosse retido no componente. Os resultados a respeito são sumarizados na Tabela 1:

De acordo com a Tabela 1, o componente reuniu nove itens cujas saturações variaram de 0,33 (item 8. Se eu não deixar uma boa gorjeta no restaurante, eu espero que no futuro não serei bem atendido) a 0,65 (item 7. Eu evito ser indelicado com as pessoas porque eu não quero que os outros sejam indelicados comigo), que pode ser adequadamente denominado como crenças na reciprocidade. Esse componente apresentou valor próprio de 2,51, explicando 27,9% da variância total. Quanto à sua consistência interna, seu alfa de Cronbach (α) foi 0,66.

Comportamentos de Reciprocidade Negativa e Positiva

No que se refere ao poder discriminativo dos itens dessa dimensão, procedeu-se do mesmo modo que no tópico anterior. Portanto, definiram-se os grupos-critério inferior e superior, que foram comparados item a item por meio do teste t de Student. Excetuando os itens 4 (t = 1,71, p > 0,05; Se alguém me pede informação educadamente, eu fico realmente feliz em ajudar) e 12 (t = 1,47, p > 0,05; Se alguém me empresta dinheiro como um favor, sinto que deveria dar a ele/ela de volta mais do que o estritamente devido), todos os demais discriminaram satisfatoriamente (t > 2, p < 0,05). Desse modo, decidiu-se excluir os dois itens mencionados das análises posteriores.

Os indicadores KMO (0,83) e Teste de Esfericidade de Bartlett [χ2 (120) = 1.087,02, p < 0,001] apoiaram a adequação da matriz de correlações para efetuar a análise dos componentes principais. Com o objetivo de conhecer a estrutura fatorial dos itens comportamentais dessa medida, realizou-se uma análise de componentes principais sem fixar rotação ou número de componentes a extrair, considerando, neste caso, os critérios de Kaiser, Cattell e Análise Paralela. De acordo com o critério de Kaiser, três componentes emergiram (4,52, 2,94 e 1,18), explicando conjuntamente 54,1% da variância total. A distribuição gráfica também evidenciou a possibilidade de extrair três componentes, com a inflexão da curva sendo formada após o terceiro componente. Por fim, recorreu-se à análise paralela para dirimir dúvidas sobre a quantidade de fatores a extrair. Utilizando como referência os parâmetros do banco de dados (203 participantes e 16 variáveis), realizando 1.000 simulações, observaram-se oito valores próprios superiores a 1. Contudo, o valor próprio do terceiro componente observado no critério de Kaiser (1,18) foi inferior àquele encontrado na análise paralela (1,31), evidenciando a existência de uma estrutura de dois componentes.

Tomando em conta os resultados previamente descritos, considerando principalmente aqueles da análise paralela por ser esta técnica mais robusta, além das evidências teóricas subjacentes (Perugini et al., 2003), optou-se por realizar uma nova análise de componentes principais, fixando a extração de dois componentes, adotando-se rotação varimax, e saturação mínima de |0,30| para que o item fosse retido no fator. Os resultados dessa análise são mostrados na Tabela 2.

É possível verificar na Tabela 2 que o primeiro componente reuniu nove itens com saturações variando entre 0,46 (Item 14. Estou disposto a investir tempo e esforço para retribuir uma ação injusta) e 0,80 (Item 16. Eu sou gentil e bom se os outros se comportam bem comigo, caso contrário é olho por olho). Ele apresentou valor próprio de 4,52, explicando 28,3% da variância total, sendo coerentemente nomeado como comportamento de reciprocidade negativa. Sua consistência interna (alfa de Cronbach) foi de 0,85.

O segundo componente reuniu os sete itens remanescentes da análise prévia, apresentando saturações variando entre 0,46 (Item 5. Se alguém sugere pra mim os números ganhadores de uma loteria, eu certamente darei a ele/ela uma parte dos meus ganhos) e 0,76 (Item 6. Se alguém é prestativo comigo no trabalho, terei prazer em ajudá-lo). Esse apresentou valor próprio de 2,94, explicando 18,4% da variância total. Pareceu evidente nomeá-lo como reciprocidade positiva. Seu alfa de Cronbach (α) foi de 0,74.

 

Discussão

O presente estudo teve como objetivo principal adaptar e conhecer evidências de validade fatorial e consistência interna do Questionário Norma Pessoal de Reciprocidade. Estima-se que esse objetivo tenha sido alcançado, uma vez que foram reunidas provas da estrutura fatorial dessa medida, partindo de análises exploratórias, usando critérios robustos para verificação da quantidade de componentes a serem extraídos. De fato, os itens relativos às crenças na reciprocidade se organizaram em uma estrutura de um componente, enquanto aqueles comportamentais mostraram uma estrutura de dois componentes, sugerindo que a versão brasileira aqui apresentada corrobora a estrutura encontrada no estudo original (Perugini et al., 2003). Além disso, os componentes apresentaram coeficientes adequados de consistência interna, que foram próximos aos verificados quando da construção do QNPR. No estudo original de desenvolvimento da escala (Perugini et al., 2003), o alfa de Cronbach da amostra total foi de 0,83, 0,76 e 0,67 para reciprocidade negativa, reciprocidade positiva e crença na reciprocidade, respectivamente. Tais valores foram bastante similares aos encontrados neste estudo (0,85, 0,74 e 0,66).

Este estudo dá conta de uma medida simples, contando com apenas 25 itens, que, isoladamente ou em conjunto, cumprem o que é recomendado na literatura no que diz respeito à qualidade de suas propriedades psicométricas (Hutz, Bandeira, & Trentini, 2015). Desse modo, esse instrumento pode ser utilizado em pesquisas futuras e aprimorar a compreensão acerca da reciprocidade. Além disso, a relevância deste estudo também se justifica pela ausência, em contexto nacional, de instrumentos que mensurem a reciprocidade, já que foi encontrada apenas uma publicação no Brasil que desenvolve um instrumento para mensurá-la, porém voltado para o contexto específico do trabalho, mais especificamente na reciprocidade percebida entre o empregado e a empresa (Siqueira, 2005).

Apesar da relevância do presente estudo, ele não está isento de potenciais limitações, sobretudo no tocante à natureza amostral. Como a amostra foi coletada por conveniência e restringe-se a estudantes universitários de Psicologia, não é possível estender as médias dos níveis de reciprocidade para toda a população brasileira. Contudo, cabe afirmar que o objetivo do estudo não foi esse, mas sim observar a estrutura fatorial mais adequada para a escala de reciprocidade em contexto brasileiro, o que se confia ter sido alcançado com a estratégia metodológica empregada. Nessa direção, é possível afirmar que o QNPR se apresenta como uma ferramenta importante para a mensuração da reciprocidade, possibilitando mensurar adequadamente como as pessoas diferem em relação à essa norma, já que alguns indivíduos podem ser extremamente recíprocos, enquanto outros o são em menor medida (Perugini et al., 2003). Tais diferenças são importantes porque a reciprocidade também pode se apresentar como uma forma de comportamento pró-social em sua forma positiva, visto que existem evidências sugerindo que pessoas com preferências pró-sociais têm maior propensão a retribuir uma interação pró-social de um parceiro do que aquelas mais individualistas (Ackermann et al., 2014).

Por fim, mesmo tendo sido alcançados os objetivos deste estudo, não significa que se esgotam todas as possibilidades de pesquisa acerca da adequação da medida objeto de análise. Concretamente, estima-se que são necessários novos estudos que tenham em conta a possibilidade de oferecer evidências adicionais sobre seus parâmetros psicométricos em outros contextos culturais, envolvendo pessoas de diferentes áreas de atuação e faixas etárias. Ademais, será importante checar evidências de invariância fatorial dessa medida, considerando o sexo dos participantes, por exemplo.

De modo semelhante, poder-se-á pensar em comprovar sua estabilidade temporal (teste-reteste) e evidências de validade preditiva (considerando medidas como perdão, altruísmo e gratidão), mas também validade discriminante, enfocando, sobretudo, a desejabilidade social como um potencial viés de resposta presente em medidas desse tipo, que revelam um sentido de conduta politicamente correta. Do ponto de vista prático, essa escala poderá ser utilizada em estudos de delineamento experimental, uma vez que permite medir a reciprocidade via autorrelato e comparar com os resultados oriundos de medidas comportamentais, tornando possível avaliar se os indivíduos têm uma tendência geral para retribuir e o quanto variações situacionais podem afetar esta tendência. Por último, caberá conhecer ainda os correlatos da reciprocidade, tomando em conta, por exemplo, os valores humanos. Nessa direção, estima-se que pessoas que dão maior importância aos valores interativos e suprapessoais são mais predispostas a crenças e condutas de reciprocidade (Gouveia, Milfont, & Guerra, 2014), e que também se caracterizariam por traços mais altruístas (Gouveia, Santos, Athayde, Souza, & Gusmão, 2014).

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Valdiney Veloso Gouveia
Universidade Federal da Paraíba
Cidade Universitária, s/n - Campus 1, Bloco C - 2º andar, sala 01, Bairro Castelo Branco II
CEP 58051-9000 - João Pessoa, PB - Brasil
E-mail:vvgouveia@gmail.com

Submissão: 8.5.2015
Aceitação: 20.6.2017

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