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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.19 no.3 São Paulo Dec. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n3p99-118 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Adaptação transcultural do programa "Everybody's Different" para a promoção da autoestima em adolescentes: processo de tradução para português do Brasil

 

Adaptación transcultural del "Everybody's Different" para promover la autoestima en los adolescentes: proceso de traducción ao portugués de Brasil

 

 

Gabriela Salim Xavier MoreiraI; Carmem Beatriz NeufeldII; Sebastião Sousa AlmeidaIII

IUniversidade de São Paulo, SP, Brasil
IIUniversidade de São Paulo, SP, Brasil
IIIUniversidade de São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Levando em consideração que os quadros de obesidade e de Transtornos Alimentares compartilham os mesmos fatores de risco à saúde, tais como insatisfação com a imagem corporal, baixa autoestima e comportamentos alimentares inadequados, e que programas de promoção da autoestima levam à aquisição de uma imagem corporal positiva, a qual está associada à saúde física e mental de adolescentes, o objetivo deste estudo foi realizar a adaptação transcultural do programa "Everybody's Different" para o Brasil, visando sua aplicação em adolescentes com idades entre 10 e 14 anos. Esse programa tem o objetivo de promover a imagem corporal positiva por meio da elevação da autoestima geral. Seguiram-se as principais recomendações internacionais para adaptação de instrumentos (traduções, síntese das traduções, retrotraduções, síntese das retrotraduções e comitê de juízes). Alguns termos não foram literalmente traduzidos, pois a equivalência cultural entre a versão original e o contexto brasileiro foi priorizada. Selecionou-se um vocabulário de fácil compreensão para a faixa etária e de abrangência nacional. O programa "Todos São Diferentes" encontra-se disponível para ser utilizado e avaliado na população brasileira, com a finalidade de investigar sua eficácia na prevenção de comportamentos de risco à saúde.

Palavras-chave: prevenção primária; promoção da saúde; autoestima; imagem corporal; adolescente.


RESUMEN

Los cuadros de trastornos de la alimentación y la obesidad comparten los mismos factores de riesgo a la salud, tales como insatisfacción con la imagen corporal, baja autoestima y comportamientos alimentarios inadecuados. Los programas de promoción de la autoestima conducen a la adquisición de una imagen positiva de su cuerpo, que se asocia con la salud física y mental de los adolescentes de. El objetivo del estudio fue la adaptación transcultural del "Everybody's Different" para Brasil, para su aplicación en los adolescentes de edades comprendidas entre los 10 y 14 años. Este programa tiene el objetivo de promover la imagen corporal positiva a través de la elevación de la autoestima general. Fueron seguidos las principales recomendaciones internacionales para la adaptación de instrumentos (traducción, síntesis de las traducciones, traducción de vuelta, síntesis de las traducciones de vuelta y resumen del panel de jueces). Algunos términos no se tradujeron literalmente, se dio prioridad a la equivalencia cultural entre la versión original y el contexto brasileño. Se seleccionó un vocabulario fácil de entender para el grupo de edad y en todo el país. El "Todos São Diferentes" está disponible para su uso y evaluación en la población brasileña, con la finalidad de investigar su eficacia en la prevención de conductas de riesgo para la salud son necesarios.

Palabras-claves: prevención primaria; promoción de la salud; autoestima; imagen corporal; adolescente.


 

 

Introdução

Os Transtornos Alimentares (TAs) caracterizam-se por graves perturbações no comportamento alimentar e na imagem corporal (Associação de Psiquiatria Americana - APA, 2013). Sua prevalência tem aumentado mundialmente, com maior frequência entre mulheres adolescentes ou adultas jovens, incidindo em até 3,2% delas (APA, 2013). Apesar de a prevalência dos TAs clássicos ser baixa quando comparada aos de outras doenças crônico-degenerativas, há uma incidência muito maior de crianças e adolescentes que apresentam comportamentos de risco para TAs, caracterizados pela presença de alguns dos seus sintomas clássicos, como restrição e/ou compulsão alimentar e comportamentos purgativos visando a perda de peso. De acordo com a revisão de Leal, Philippi, Polacow, Cordás & Alvarenga (2013), a frequência desses comportamentos variou de 1,1% a 39,04% em estudos nacionais.

Os TAs têm uma etiologia multifatorial, isto é, diferentes fatores interagem para o desenvolvimento e a perpetuação do transtorno (APA, 2013). Com certos aspectos etiológicos semelhantes, constitui-se a obesidade, que se caracteriza pelo acúmulo de gordura anormal ou excessivo, resultando, possivelmente, em prejuízos à saúde (World Health Organization [WHO], 2016). A obesidade não é um tipo de TA, tampouco uma doença psiquiátrica: é tratada como uma condição médica geral, sendo considerada uma doença crônica não transmissível pela Organização Mundial de Saúde. Atualmente, a obesidade é abordada como um grave problema mundial de saúde pública por sua crescente prevalência e comorbidades associadas (WHO, 2016).

Apesar da distinção existente entre os quadros de TAs e obesidade, ambos são resultados de mudanças nos padrões alimentares e alterações no peso corporal, e estão associados às mensagens confusas e conflitantes da mídia (Evans, Tovée, Boothroyd & Drewett, 2013). Em indivíduos com sobrepeso e obesidade, de todas as idades, também é comum a presença de uma insatisfação com a imagem corporal, associada à baixa autoestima e comportamentos alimentares de risco à saúde, como a prática de dietas restritivas, episódios de compulsão alimentar e habituar-se a "pular" refeições, além do uso de medicamentos para emagrecer e adoção de métodos purgativos (Bibiloni, Pich, Pons & Tur 2013; Mendes, Araújo, Lopes, & Ramos 2014).

As dificuldades e custos que envolvem o tratamento e remissão dessas condições justificam o desenvolvimento e a aplicação de estratégias de prevenção (Dunker, 2009; Oliveira, 2013). A prevenção de TAs e a obesidade, feita conjuntamente, diminui custos e elimina mensagens contraditórias sobre alimentação e imagem corporal, comuns em programas separados (Neumark-Sztainer, 2012). Dentre as estratégias preventivas disponíveis no contexto internacional, merecem destaque os programas que focam na redução da internalização do ideal de beleza e da comparação social, que aumentam a autoestima e que educam as pessoas a questionarem os ideais sociais de corpo (Grogan, 2010).

Essas diretrizes são pautadas, direta ou indiretamente, na promoção da imagem corporal positiva em razão das características que a constitui e que estão a ela associadas. Trata-se de um construto complexo, associado a diversos aspetos positivos, tais como apreciação corporal, aceitação e amor pelo corpo, conceptualização ampla de beleza, espiritualidade, positividade interna, filtragem das informações de modo protetivo ao corpo, comportamento confiante e autocuidado (Tylka, 2012).

Nesse panorama, destaca-se o programa "Everybody's Different" pelos bons resultados obtidos ao combinar, simultaneamente, o desenvolvimento da imagem corporal positiva e da autoestima geral com a educação em mídia. De acordo com a revisão de Watson et al. (2016), todos os programas preventivos universais recuperados na abordagem da autoestima utilizaram o manual do "Everybody's Different". O programa foca em elevar a autoestima englobando vários aspectos de si enquanto diminui a ênfase e a importância da aparência física, rejeitando os estereótipos culturais de corpo, os ideais da mídia e aceitando a diversidade em si e nos outros (O'Dea, 2007).

Desenvolvido na Austrália, o programa é uma abordagem preventiva primária e universal, uma vez que seu objetivo é reduzir ou eliminar fatores de risco em indivíduos saudáveis de modo universal, atingindo a população geral (Dunker, 2009). Originalmente, foi implementado em escolas e conduzido pelos próprios professores, previamente treinados (O'Dea & Abraham, 2000). O programa "Everybody's Different" melhorou significativamente a imagem corporal dos estudantes participantes, com idades entre 11 e 14 anos, em comparação àqueles que compuseram um grupo de controle. Os estudantes com comportamentos de risco para TAs e aqueles que estavam com sobrepeso ou obesidade se beneficiaram igualmente, apresentando melhora na satisfação com o corpo, redução na intenção de praticar dietas e diminuição dos comportamentos não saudáveis para controle do peso. Vários desses resultados se mantiveram após um ano de follow-up (O'Dea & Abraham, 2000).

O programa ainda está de acordo com as principais recomendações da literatura para o desenvolvimento de estratégias de prevenção de TAs e obesidade, isto é, incluir estudantes do sexo masculino, apresentando bons resultados; dispor de um protocolo com maior número de sessões (nove sessões semanais com duração de 50 a 80 minutos), quando comparado a outros programas; apresentar metodologia interativa; possuir bons resultados em follow-up longo, seguindo as principais recomendações com o mínimo de um ano de intervalo; envolvimento com os pais e com o ambiente escolar (Dunker, 2009; O'Dea, 2007, 2012).

O programa já foi implementado em alguns estudos no Canadá (McVey, Davis, Tweed & Shaw, 2004), com alterações quanto à estrutura de conteúdos e duração, e na Suécia (Ghaderi, Martensson & Schwan, 2005); e algumas de suas atividades foram incorporadas em programas nos Estados Unidos (Phelps, Sapia, Nathanson & Nelson 2000) e Inglaterra (Stewart, Carter, Drinkwater, Hainsworth & Faiburn, 2001), obtendo bons resultados na maioria dos casos.

O desenvolvimento de adaptações culturais de ações interventivas de um país para o outro é um processo demorado que requer uma avaliação cuidadosa do contexto local, sobretudo em relação às normas culturais e práticas familiares. Após avaliar a pertinência do programa preventivo à população local, deve-se realizar a tradução de suas atividades para organização de seu protocolo e aplicação subsequente em estudos-piloto (Kumpfer, Pinyuchon & Whiteside, 2008).

No que se refere especificamente aos procedimentos de tradução, sua sistematização pode ser baseada nas diretrizes utilizadas para a adaptação transcultural de instrumentos avaliativos. De acordo com as diretrizes internacionais propostas por Beaton, Bombardier, Guillemin & Ferraz (2002), essas etapas iniciam-se por duas traduções do material original para a língua-alvo, visando garantir que possíveis discrepâncias possam ser identificadas. Em seguida, uma síntese dessas traduções deve ser feita, baseando-se nas eventuais diferenças entre as versões traduzidas. A etapa seguinte consiste na retrotradução da versão-síntese, a qual, totalmente às cegas, é vertida para o idioma original a fim de testar se os conteúdos traduzidos refletem a versão original, verificando, assim, sua validade. A avaliação da equivalência entre as versões deve ser feita por um comitê de avaliadores, composto tanto por membros da equipe de pesquisa quanto pelos tradutores envolvidos.

Diante dos diversos fatores de risco aos quais a população infantojuvenil brasileira está exposta, incluindo aqueles relacionados ao desenvolvimento dos TAs, obesidade e comportamentos alimentares de risco à saúde, torna-se imperativa a implementação de programas preventivos. Dessa forma, o presente estudo tem por objetivo descrever o processo de tradução das atividades que constam no protocolo do programa "Everybody's Different" (O'Dea, 2007) para o contexto brasileiro, como parte da primeira etapa do procedimento de adaptação transcultural.

 

Método

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (protocolo nº. 35025514.7.0000.5407).

O processo de adaptação transcultural das atividades do programa foi realizado com base nas recomendações de Beaton et al. (2002), a saber: traduções, síntese das traduções, retrotraduções, síntese das retrotraduções e comitê de juízes. A fim de manter o conteúdo das atividades do programa, priorizou-se a avaliação das equivalências: semântica (reciprocidade dos significados das palavras); idiomática (manutenção do sentido em expressões coloquiais); cultural (coerência das situações descritas); e conceitual (permanência do mesmo significado do construto). Nesse sentido, também foram consideradas as variações linguísticas e as diferenças de valores e de costumes (Beaton et al., 2002; Hambleton, 2005).

As atividades foram extraídas de O'Dea (2007), seguindo-se o protocolo descrito em O'Dea & Abraham (2000). Assim, as atividades que contemplam os objetivos das sessões do programa originalmente descrito por O'Dea e Abraham (2000) foram incluídas no protocolo brasileiro, e consiste em nove sessões consecutivas semanais com duração de 50 a 80 minutos.

As orientações para a condução das atividades foram submetidas apenas à tradução simples. Assim, somente o conteúdo das atividades a ser disponibilizado aos alunos foi submetido a todas as etapas do procedimento de adaptação transcultural descritos a seguir. A primeira etapa (Tradução inicial) consistiu na realização de duas traduções independentes da língua original para a língua portuguesa do Brasil por dois tradutores bilíngues que possuem a língua-alvo como sua língua materna, sendo que um deles tinha conhecimento sobre o tema de estudo, enquanto o outro não tinha conhecimento nenhum. A segunda etapa (Síntese das traduções) foi realizada pelos dois tradutores que participaram da etapa anterior para a avaliação das diferenças entre as duas traduções. Com base na versão original das atividades, foi produzida a síntese das traduções. A terceira etapa (Retrotradução) teve como objetivo verificar a validade da tradução, assegurando que as atividades traduzidas reproduzissem, com exatidão, o conteúdo das originais. Nessa etapa, foram feitas duas retrotraduções por dois tradutores bilíngues, que não possuem conhecimento sobre o assunto abordado, e cuja língua materna é a língua de origem do material que está sendo traduzido. Em seguida, foi feita uma síntese das duas versões retrotraduzidas.

A quarta etapa (Comitê de Especialistas) foi composta por um dos tradutores que supervisionou todas as traduções anteriores e por um pesquisador com experiência na área de estudo. O objetivo dessa etapa foi firmar todas as versões produzidas das atividades, realizando alterações, quando necessário, até a obtenção de um consenso entre os envolvidos quanto à equivalência entre as versões para a produção da versão final. Visou-se atingir as equivalências (semântica, idiomática, cultural e conceitual), para que as atividades sejam compreendidas pela população-alvo.

 

Resultados

A primeira parte do programa "Todos São Diferentes" é direcionada para o manejo de estresse. São destinadas duas sessões para essa etapa: a primeira envolve discussões em grupos para dialogar sobre formas saudáveis de lidar com o estresse e a segunda, exercícios de relaxamento.

O maior objetivo da Atividade 1 é transmitir aos alunos meios saudáveis de lidar com o estresse, ou seja, ensiná-los sobre os benefícios de adotar comportamentos adequados ao identificarem os sinais do estresse. A principal modificação nessa atividade foi a transformação da primeira pergunta em uma frase afirmativa. Pensou-se que a orientação "Faça uma lista de algumas coisas que fazem você se sentir 'estressado'" emerge mais situações estressantes do que a pergunta "Quais são as coisas que fazem você se sentir 'estressado'?", já que a mudança não provocou nenhuma alteração no conteúdo proposto pela atividade. Os conteúdos da versão original e das versões de síntese das traduções e retrotraduções dessa atividade são apresentados no Quadro 1.

Nesse primeiro quadro e nos demais a seguir, os conteúdos referentes à síntese das traduções consistem nas versões finais de cada atividade, isto é, referem-se ao resultado do procedimento de síntese das traduções após a avaliação do Comitê de Especialistas. As principais alterações discutidas pelos especialistas são apresentadas nas descrições de cada atividade.

A segunda parte do programa é composta por dez atividades que objetivam a formação de um senso positivo de si mesmo, explorando a própria individualidade do adolescente e de seus colegas. Com essas atividades, espera-se que os adolescentes baseiem sua autoestima em diferentes aspectos e não somente no tamanho do próprio corpo, identificando os distintos fatores que fazem com que as pessoas sejam diferentes e únicas; respeitem e tolerem o próximo, aprendendo a apreciar a diversidade; e desenvolvam um senso positivo de si mesmos, exercitando o reconhecimento de suas qualidades e das qualidades de outrem. Assim, a atividade 2 do programa "Todos São Diferentes" tem o objetivo de ampliar as possibilidades de caracterização do indivíduo para além dos atributos físicos, diminuindo a importância da aparência física. Não foram necessárias modificações na estrutura das frases ou alterações necessárias para garantir a equivalência entre as versões. A versão original e a síntese das traduções e das retrotraduções dessa atividade são apresentados no Quadro 1. A terceira atividade recapitula a atividade anterior, resumindo e reforçando que a singularidade e a diversidade são normais e aceitáveis. Traduzida como "Bingo na sala de aula", essa atividade lúdica consiste em vários quadros com características pessoais que devem ser preenchidos pelos nomes dos colegas de classe. O vencedor é o aluno que consegue completar todos os quadros primeiro. Essa foi a atividade cujo conteúdo demandou maiores modificações em razão das diferenças culturais. Como exemplo, cita-se a alteração de "Simpsons" para "Malhação" como programa que a faixa etária gosta de assistir, e a modificação de "sabe soletrar" para "é bom em matemática" como tarefa de dificuldade para os alunos em culturas diferentes. No Quadro 2, consta a versão final dessa atividade. Em razão do tamanho dessa atividade, optou-se por apresentar somente sua versão final, diferentemente dos outros casos em que são descritas todas as versões. Assim, a Atividade 3 é apresentada no Quadro 2, enquanto as demais atividades são agrupadas nos outros quadros.

A quarta atividade refere-se a uma tarefa em que o aluno deve desenhar o contorno de sua mão em uma folha de papel e preencher três dedos com três qualidades respectivamente. Em seguida, os alunos preenchem os dedos faltantes com características positivas uns dos outros e depois discutem, em grupo, as características que obtiveram. A instrução para essa atividade foi elaborada com base nas orientações ao professor, descritas no programa "Everybody's Different". Essa atividade foi excluída do agrupamento de atividades do programa "Todos São Diferentes", pois há outras atividades semelhantes no mesmo, podendo ser incluída em versões mais extensas do programa.

No lugar dessa atividade, inseriu-se uma outra que aborda a crítica e a mídia (media literacy activities), extraída do livro "Everybody's Different" (O'Dea, 2007), já que dentre os objetivos do programa está a redução da busca da perfeição irreal. Escolheu-se a atividade que aborda os estereótipos masculinos e femininos, tema que também é citado no cronograma publicado por O'Dea & Abraham (2000). Essa atividade visa explorar os estereótipos masculinos e femininos da sociedade ocidental, e transmitir a ideia que não temos que seguir os estereótipos, isto é, cada um é um indivíduo com uma aparência única, reforçando a ideia de singularidade. Assim, na Atividade 4 do programa "Todos São Diferentes", traduzida como "Censurando os estereótipos", o profissional ou facilitador explica aos alunos o que são estereótipos e explora os estereótipos masculinos e femininos. Em seguida, os alunos, em grupo, recortam estereótipos de revistas e oralmente fazem críticas aos estereótipos para todos os colegas. A versão original, síntese das traduções e retrotraduções dessa atividade são apresentados no Quadro 1.

A quinta atividade que compõe o programa é realizada em duplas e um aluno deve apresentar o outro para a classe. Os alunos discutem suas características e decidem o que torna a outra pessoa interessante e diferente, legal, e o que a torna uma boa amiga. Novamente, o foco reside no fato de que "Todos São Diferentes" e que todos têm alguma coisa diferente, única e valiosa a oferecer. A maior alteração dessa atividade foi no título, também para garantir a equivalência cultural. Os conteúdos da versão original e sínteses das traduções e retrotraduções dessa atividade são apresentados no Quadro 1.

Em seguimento, a sexta atividade consiste em uma "autopropaganda" que os alunos devem fazer de si mesmos, sendo orientados a preencher a atividade com as suas principais qualidades. Após todos concluírem seu "anúncio", o facilitador mistura os cadernos e os redistribui, certificando-se que ninguém pegou o próprio caderno. Os alunos se revezam lendo as informações e tentam adivinhar de quem é o anúncio. O foco dessa atividade são os pontos fortes de cada um, aceitando também os pontos fracos. Não foram necessárias modificações na estrutura das frases. A versão original, síntese das traduções e retrotraduções dessa atividade são apresentados no Quadro 3.

A sétima atividade que compõe o programa envolve a exploração de qualidades admiráveis nos outros. Os alunos são incentivados a, primeiramente, pensar em alguém que eles admirem e, depois, articular as características admiráveis dessa pessoa. Eles também devem ser orientados para escolherem pessoas históricas, de sua comunidade e de seu ambiente cultural. Por outro lado, não são incentivados a escolherem celebridades, ao menos que possam descrever com confiança algo que, de fato, seja admirável dessa pessoa e que não englobe o aspecto físico, tais como seus talentos, conquistas etc. Os conteúdos da versão original e sínteses das traduções e retrotraduções dessa atividade são apresentados no Quadro 3.

A oitava atividade do programa "Todos São Diferentes" trata da identificação de características positivas em si mesmos e nos outros, como uma extensão da atividade anterior. No programa original, a professora disponibiliza uma lista de qualidades e pede, oralmente, para que os alunos criem cartões com essas qualidades ou com outras que desejam, escolhendo cartões para si mesmos e para os colegas. A instrução para essa atividade foi elaborada com base nas orientações ao professor, descritas no programa "Everybody's Different". Abaixo da instrução, foram disponibilizadas algumas qualidades - não traduzidas da lista original.

A nona atividade, originalmente do programa "Everybody's Different", refere-se à rede de apoio social de cada indivíduo. O objetivo da atividade é que o aluno observe as pessoas que têm em sua vida e meio social, reconhecendo aquelas que se preocupam com ele, que são os amigos etc. Optou-se por excluir essa atividade do programa "Todos São Diferentes" em razão da necessidade de redução do cronograma de atividades, considerando a viabilidade de sua aplicação no contexto escolar. Ainda pensou-se que a exclusão dessa atividade teria pouco impacto na adaptação do programa, já que seu objetivo principal não corresponde ao foco central do programa. Caso essa atividade seja incluída em uma versão mais extensa do programa, a instrução para sua aplicação pode ser elaborada com base nas orientações ao professor, descritas no programa "Everybody's Different"; assim como conduzido na atividade anterior, uma vez que o seu conteúdo deve ser desenvolvido pelo próprio aluno participante e não há perguntas sistematizadas como na maioria das atividades. Assim, a Atividade 9 do programa "Todos são Diferentes" corresponde às atividades relativas à comunicação, à escuta e à resolução de conflitos, apresentados no programa original como a décima atividade. Esse conjunto agrupa duas atividades que focam na identificação e expressão das emoções, no aprimoramento das habilidades sociais e relações interpessoais. Na primeira dessas atividades, os alunos praticam suas habilidades de comunicação com "O jogo do ouvinte", em que os alunos devem se juntar em duplas com colegas com os quais pouco conversam para treinar estas habilidades. Em seguida, preenchem o "Teste rápido: Você é um bom ouvinte?" para avaliarem sua capacidade de escuta, com base na atividade anterior. Em ambas as atividades, não foram realizadas modificações na estrutura das frases e também não foram necessárias alterações para garantir a equivalência entre as versões. Os conteúdos da versão original e das versões de síntese das traduções e retrotraduções da Atividade 9 são apresentados no Quadros 3 e 4.

Todas as atividades foram impressas e encadernadas na mesma ordem aqui apresentadas. Foi também desenvolvida uma capa para o caderno de atividades, por um profissional específico de computação gráfica e design. Foi solicitado a esse profissional que elaborasse alguns personagens com características físicas e de aparência distintas, de modo que cada um estivesse visivelmente representando alguma habilidade ou preferência.

 

Discussão

Os procedimentos de tradução das atividades do programa "Todos São Diferentes" foram cumpridos adequadamente, de modo semelhante aos procedimentos de tradução empregados na adaptação transcultural de instrumentos avaliativos, com base nas orientações de Beaton et al. (2002). Os tradutores foram cuidadosamente selecionados, respeitando sua origem e seu conhecimento do tema em estudo, tanto para o procedimento de tradução das atividades quanto para a retrotradução das mesmas.

A fim de manter o conteúdo das atividades do programa, priorizou-se a equivalência entre as versões, com destaque para avaliação da equivalência cultural, uma vez que algumas atividades abordam hábitos e diferenças de valores e costumes entre a cultura australiana e a brasileira (Beaton et al., 2002; Hambleton, 2005). O significado literal de um termo não implica necessariamente na mesma compreensão de um mesmo conteúdo para diferentes culturas. Houve também o cuidado de selecionar um vocabulário de fácil compreensão para a faixa etária e de abrangência nacional, evitando, assim, aqueles que são utilizados regionalmente.

As alterações finais foram discutidas e aprovadas por um Comitê de Especialistas formados por um dos tradutores que supervisionou todas as traduções anteriores e por um pesquisador com experiência na área do estudo. O critério da escolha do número de especialistas foi por conveniência, não sendo possível a participação de todos os tradutores participantes nas fases anteriores. Ainda assim, não foi utilizado nenhum instrumento que avaliasse a concordância entre os especialistas participantes. Tais condições reforçam ainda mais a necessidade, já prevista, de um estudo piloto para a consolidação da versão final das atividades produzidas no presente estudo, garantindo as equivalências entre as versões. A consulta à população-alvo é a última etapa prevista nas diretrizes de Beaton et al. (2002), complementando os procedimentos de tradução realizados nessa primeira fase do processo de adaptação transcultural,

As diretrizes e discussões quanto à adaptação cultural de intervenções, tanto no âmbito do tratamento quanto no da prevenção, pouco focam os procedimentos envolvidos na tradução das mesmas (Barrera & Castro, 2006; Castro, Barrera, & Holleran Steiker, 2010; Kumpfer et al., 2008). Desse modo, os procedimentos sistematizados para a tradução das atividades adotados no presente estudo agregam rigor metodológico à adaptação transcultural do programa "Everybody's Different" para o contexto brasileiro. Considerando que as adaptações culturais de ações interventivas de um país para o outro necessitam de uma avaliação cuidadosa do contexto local, sobretudo no que se refere aos padrões culturais e familiares, os procedimentos de tradução e retrotradução realizados, juntamente com a avaliação das equivalências entre as versões original e brasileira, visaram garantir que a estrutura e o conteúdo originais sejam mantidos em outro contexto sociocultural (Kumpfer et al., 2008).

Posto isto, o programa "Todos São Diferentes", resultante da tradução do programa australiano "Everybody's Different", encontra-se disponível para ser aplicado e avaliado na população adolescente brasileira, para a avaliação de evidências de sua eficácia, concluindo o processo de adaptação transcultural. Originalmente, foi avaliado em adolescentes com idades entre 11 e 14 anos (O'Dea & Abraham, 2000), enquanto outros estudos delimitam o público alvo como adolescentes muito jovens (Ghaderi et al., 2005; McVey et al., 2004). Optou-se por considerar a referência da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) (2011) que distinguem a fase inicial da adolescência como a idade correspondente dos 10 aos 14 anos, como público alvo de aplicação do programa "Todos São Diferentes".

Ressalta-se que somente o conteúdo estrito que compõe as atividades foi traduzido de acordo com os procedimentos da adaptação transcultural. As demais orientações e instruções que são descritas para condução das atividades foram apenas traduzidas para o português pela pesquisadora principal, que possui domínio sobre a língua e o tema em estudo. Assim, é fundamental que o profissional que utilize o programa "Todos São Diferentes" tenha acesso às orientações apresentadas por O'Dea (2007).

Diante da necessidade de estratégias mais efetivas e de maior abrangência para a prevenção de insatisfação com a imagem corporal, baixa autoestima e comportamentos alimentares de risco, o programa "Todos São Diferentes" torna-se uma estratégia potencialmente promissora, em virtude dos bons resultados apontados nos estudos internacionais supracitados.

O presente estudo disponibiliza aos pesquisadores, portanto, uma abordagem preventiva primária e universal a ser testada em futuros estudos quanto à sua eficácia na prevenção, a curto e longo prazos, de indicadores negativos à saúde dos adolescentes, para que possa ser aplicado em escolas brasileiras. Aos profissionais da saúde, incluindo psicólogos, nutricionistas, enfermeiros e educadores físicos, e professores da educação infantil e básica, o programa "Todos São Diferentes" deve servir de fonte de informação, no sentido de guiá-los quanto à postura diante dessas questões vivenciadas por seus clientes e alunos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Sebastião Sousa Almeida
Av. Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre
Ribeirão Preto - SP. CEP: 14049-900
E-mail: sebasalm@usp.br

Submissão: 16.6.2017
Aceite: 22.8.2017

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