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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.19 no.3 São Paulo dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n3p242-255 

ARTIGOS
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Conhecimento e autoeficácia de memória em adultos: relações com indicadores socioeducacionais

 

Memory knowledge and memory self-efficacy in adults: relations with social and educational indicators

 

Conocimiento y autoeficacia de memoria: relaciones con indicadores socioeducativos

 

 

Camila Schorr MináI; Maxciel ZorteaII; Jaqueline de Carvalho RodriguesIII; Jerusa Fumagalli de SallesIV

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil
IIHospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil
IVUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo comparou o conhecimento e a autoeficácia de memória (metamemória) medidos por meio do Questionário de Metamemória em Adultos (MIA), em adultos entre 28 e 59 anos de idade, divididos em dois grupos de escolaridade: até o Ensino Médio (n = 20) e com Ensino Superior (n = 20) completos. Também foi investigada a associação entre metamemória e nível socioeconômico (NSE) e entre frequência de hábitos de leitura (HL) e escrita (HE) na amostra total. Os resultados mostraram que adultos com Ensino Superior completo relataram maior percepção de Controle, maiores Conhecimento e uso de Estratégias de memória em comparação ao outro grupo. Adultos com mais altos NSE, HL e HE relataram conhecer mais estratégias de memória e controlar melhor suas habilidades mnemônicas. Esses indicadores socioeducacionais podem estar associados a um funcionamento metacognitivo mais adaptado. O estudo discute o papel do perfil educacional e das atividades intelectuais de adultos saudáveis economicamente ativos.

Palavras-chave: metacognição; memória; fatores socioculturais; escolaridade; neuropsicologia.


ABSTRACT

This study compared Memory Knowledge and Memory Self-Efficacy (Metamemory), assessed by the Metamemory in Adulthood Questionnaire (MIA), in adults aged from 28 to 59 years, allocated in two educational level groups: up to complete Secondary Education (n = 20) and complete Undergraduates (n = 20). Moreover, we have examined the association between Metamemory and socioeconomic status (SES), and frequency of reading (RH) and writing (WH) habits in the total sample. Results showed that Undergraduate adults perceived themselves with more control over memory and more memory knowledge and usage of strategies compared to the other group. In general, adults with higher SES, RH and WH reported more memory Strategies and more Control over mnemonic abilities. These educational and socioeconomic indicators may be associated with a refined cognitive functioning. We discuss the role of educational profile and intellectual activities in healthy and economically active adults.

Keywords: metacognition; memory; sociocultural factors; schooling; neuropsychology.


RESUMEN

Este estudio comparó el Conocimiento y la Eficacia de la memoria (metamemoria), medido por el Cuestionario de Metamemoria para Adultos (MIA). Se evaluaron adultos entre 28 y 59 años, divididos en dos grupos: educación hasta la secundaria (n = 20) y educación superior completa (n = 20). También se investigó la asociación entre metamemoria y el nivel socioeconómico (NSE) y la frecuencia de los hábitos de lectura (HL) y escritura (HE) en la muestra total. Los resultados mostraron que los adultos con educación superior informaron una mayor percepción de Control, mayor Conocimiento y uso de Estrategias de memoria en comparación con el otro grupo. Los adultos con mayor NSE, HL, y HE relataron conocer más estrategias de memoria y controlar mejor sus habilidades mnemónicas. Estos indicadores sociales y educativas pueden estar asociados con un funcionamiento metacognitivo más adecuado. Este estudio analizó el papel del perfil educativo y de las actividades intelectuales de los adultos sanos económicamente activos.

Palabras-claves: metacognición; memoria; factores socio-culturales; educación; neuropsicología.


 

 

Introdução

A capacidade de monitorar e autorregular os processos cognitivos, denominada Metacognição, possibilita o desenvolvimento de estratégias mais complexas para melhor interagir com o meio. Uma das habilidades metacognitivas mais estudadas atualmente é a Metamemória, que se refere ao conhecimento, ao monitoramento e ao controle que uma pessoa tem sobre o próprio processo de memória e de aprendizagem (Dunlosky & Bjork, 2008). Ainda, a metamemória envolve sentimentos, emoções e autoeficácia para a memória (Yassuda, Lasca, & Neri, 2005).

A compreensão que uma pessoa tem sobre como sua mente afeta diretamente seus julgamentos metacognitivos e suas decisões de controle sobre as funções cognitivas (Overschelde, 2008). No caso de um estudante que está se preparando para realizar uma prova, por exemplo, ele planejará estudar conforme o julgamento que faz do quanto acha que sabe sobre o conteúdo exigido (julgamentos metacognitivos ou monitoramento), assim, podendo fazer uma escolha de dedicar mais tempo de estudo para os conteúdos que considera mais difíceis (conhecimento sobre os processos de memória) e deixando para revisar os mais fáceis por último (decisões de controle). Ainda, esse mesmo estudante pode vivenciar sintomas de ansiedade devido ao estresse pela memorização, o que envolve sentimentos e emoções (Yassuda et al., 2005). Overschelde (2008) diferencia dois tipos de conhecimentos: conhecimento metacognitivo (metacognitive knowledge) e conhecimento metaestratégico (metastrategic knowledge). O primeiro é um conhecimento explícito e factual sobre como a mente funciona. O conhecimento metaestratégico estaria ligado a um conhecimento implícito e procedural sobre como utilizar a mente para alcançar objetivos. O autor afirma que crenças e expectativas sobre como os processos cognitivos afetam a memória, assim como crenças sobre as habilidades mnemônicas das pessoas, podem afetar os julgamentos metacognitivos e as decisões de como controlar a memória.

A teoria da autoeficácia de memória pressupõe que o nível de confiança de uma pessoa em suas habilidades regula e motiva diretamente seus comportamentos, que em relação à memória se dá por meio de um autojulgamento que a pessoa faz sobre a habilidade de desempenhar uma tarefa de memória com competência e confiança (Yassuda et al., 2005). Uma pessoa que possui baixa autoeficácia não despenderá de muitos esforços para realizar determinada tarefa, pois apresenta pouca motivação para se manter nela, perseverando por menos tempo do que aquele indivíduo que possui maior autoeficácia.

Uma outra abordagem sobre autoeficácia, partindo-se do referencial teórico da metamemória, traz o conceito em um nível mais geral, em que a autoeficácia de memória corresponderia a um julgamento mais generalizado, deduzido a partir de características específicas de determinada tarefa e situação (Beaudoin & Desrichard, 2011). Hertzog e Dixon (1994) afirmaram que a autoeficácia de memória é a percepção que um indivíduo tem de dominar ou de se sentir capaz em usar a memória eficazmente em situações de memorização.

O estudo da Metamemória tem trazido contribuições a várias áreas das ciências cognitivas, principalmente no processo de envelhecimento (Hertzog & Dunlosky, 2011) e de aprendizagem de crianças em período escolar (Dunlosky & Metcalfe, 2009; Rodrigues, Alves, Almeida, & Silva, 2014). No entanto, a Metamemória é pouco investigada em adultos jovens e de idade intermediária, com diferentes níveis socioeconômicos e educacionais. Além disso, o impacto do nível educacional no conhecimento e a autoeficácia de memória ainda não estão totalmente elucidados.

Sabe-se que o nível educacional, bem como as atividades ocupacionais e os hábitos de leitura e escrita estão associados a fatores protetivos contra o declínio cognitivo, assim como contra sintomas de demências na idade adulta (Lojo-Seoane, Facal, Guàrdia-Olmos, & Rabadán, 2014). Desenvolver atividades intelectuais dentro do ambiente de trabalho e a regularidade da prática de leitura e escrita pode promover o desenvolvimento de habilidades cognitivas, além de compensar a baixa escolaridade no desempenho em tarefas neuropsicológicas (Pawlowski et al., 2012). Ainda, o nível socioeconômico também tem se mostrado preditor de um adequado desempenho cognitivo (Hackman & Farah, 2009), pois uma melhor condição financeira poderia proporcionar um acesso a informações intelectuais. Ainda, uma melhor qualidade de vida, com acesso à educação, exercícios físicos, atividades de lazer e ocupação, pode influenciar de forma positiva a maturação de estruturas corticais e subcorticais cerebrais no envelhecimento (Solé-Padullés et al., 2009).

Portanto, fatores socioeducacionais, assim como hábitos de leitura e de escrita, favorecem o aumento da reserva cognitiva (Gindri et al., 2012). Essa reserva refere-se a recursos cognitivos aos quais o cérebro recorre frente a um processo patológico, causado por alguma condição clínica de origem neurológica, por exemplo, para melhor lidar com as consequências causadas por essa doença (Stern, 2009). Os indicadores de reserva cognitiva, na vida de idosos antes do início da demência, que mais se associaram com a cognição no envelhecimento foram educação e habilidades de leitura, relacionando-se com cognição global, memória e habilidades visuoespaciais (Jefferson et al., 2011). Tratando-se especificamente do campo da memória, o estudo de Lojo-Seoane et al. (2014) encontrou que o nível educacional contribui para um melhor desempenho em memória episódica e memória de trabalho em adultos. É importante ressaltar que o desempenho de memória está relacionado com alguns aspectos da metamemória, como a autoeficácia (Beudoin et al., 2011).

Apesar de estudos envolvendo a metamemória e níveis educacional e socioeconômico, assim como hábitos de leitura e de escrita, serem escassos na literatura brasileira e internacional (Yassuda et al., 2005), essas variáveis têm impacto em indivíduos adultos jovens e de idade intermediária, que constituem a parcela economicamente ativa da população. Entender melhor como esses indicadores se relacionam com processos metacognitivos é necessário para otimizar estratégias de aprendizagem em contextos acadêmicos diversos ou aperfeiçoar técnicas de reabilitação cognitiva na clínica neuropsicológica, assim como ajudar indivíduos a potencializar seu desempenho de memória em suas demandas cotidianas e de trabalho. Compreender como atuam nossos processos de memória, conhecer nossa capacidade cognitiva e as mudanças que ocorrem na aquisição de novas informações pode melhorar nosso desempenho de memorização, assim como crenças e atitudes frente nossa memória podem influenciar a habilidade mnemônica.

A partir desse contexto, o objetivo deste estudo foi comparar o Conhecimento e a Autoeficácia de memória de adultos jovens e de idade intermediária e de diferentes níveis educacionais. Além disso, buscou-se estudar a relação entre metamemória (o Conhecimento e a Autoeficácia de memória) e nível socioeconômico (NSE) e entre frequência de hábitos de leitura e escrita.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta por 40 adultos divididos em dois grupos de acordo com o nível educacional, conforme apresentado na Tabela 1. Foram critérios de inclusão: ter no mínimo quatro anos de estudo formal, ser monolíngue falante do português brasileiro, não ter diagnóstico neurológico ou psiquiátrico, nem dificuldades de visão e audição não corrigidas. Realizou-se análise da classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP (2012) para verificar o nível socioeconômico dos participantes.

Observou-se que o grupo com maior nível educacional apresentou também maior nível socioeconômico [F(38) = 4,47, p < 0,001, d = 1,42] e mais frequentes hábitos de leitura [F(38) = 4,00, p < 0,001, d = 1,26] e escrita [F(38) = 3,07, p = 0,004, d = 0,98]. Não houve diferença significativa de idade entre os grupos (t(38) = - 0,97, p = 0,34).

Procedimentos e Instrumentos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob o protocolo nº 21717, e fez parte de um estudo mais amplo sobre metamemória. A aplicação dos instrumentos ocorreu individualmente em salas de coleta de dados da universidade, com duração média de 30 minutos. Inicialmente, os adultos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, preencheram uma ficha de dados sociodemográficos com dados como idade, sexo, anos de estudo, NSE e frequência de hábitos de leitura (HL) e de escrita (HE). A frequência de HL foi autorrelatada, nesta ficha, por meio de quatro itens (livros, revistas, jornais e outros materiais), em escala likert de cinco pontos: 4 = todos os dias; 3 = alguns dias por semana; 2 = uma vez por semana; 1 = raramente; e 0 = nunca. A frequência de HE foi informada para textos, recados e outros materiais, utilizando-se escala idêntica (Pawlowski et al., 2012).

Por fim, foi administrado o Questionário de Metamemória em Adultos - MIA (Dixon & Hultsch, 1983a; 1983b), adaptado no Brasil por Yassuda et al. (2005), que consiste em 108 questões em escala Likert de 5 pontos que buscam avaliar conhecimentos, percepções e sentimentos das pessoas sobre sua memória (Yassuda et al., 2005). O MIA avalia sete dimensões (subescalas) da metamemória, divididas em dois fatores, a saber: Conhecimento (subescalas Estratégia, Tarefa e Meta) e Autoeficácia (subescalas Capacidade, Controle e Mudança), com a subescala Ansiedade relacionada a ambos os fatores (ver Tabela 2 para detalhes). O instrumento possui boa consistência interna (alpha de Cronbach de 0,79 para o instrumento como um todo) e adequada estabilidade temporal (correlações moderadas a fortes entre teste e reteste; Yassuda et al., 2005).

Algumas questões são de concordância (a = concordo totalmente; b = concordo; c = não sei; d = discordo; e = discordo totalmente) e outras de frequência (a = nunca; b = raramente; c = algumas vezes; d = frequentemente; e = sempre). Os escores do Questionário MIA são obtidos a partir da soma de itens individuais para se alcançar os escores de cada subescala. Além disso, é possível avaliar os fatores conhecimento e autoeficácia, somando-se os escores das respectivas subescalas, excetuando-se o da subescala de ansiedade que, por não diferenciar os fatores conhecimento e autoeficácia, não foi incluída neste cálculo.

Delineamento e análise de dados

O estudo consistiu em um delineamento misto, comparativo de grupos e correlacional, com amostragem por conveniência. Comparou-se o desempenho dos grupos com Ensino Superior Completo e com até Ensino Médio Completo (variável independente) nos escores totais e das subescalas do Questionário MIA (variável dependente). No estudo correlacional, foram relacionados os escores do Questionário MIA com nível socioeconômico e hábitos de leitura e escrita. Também foram testadas correlações com idade e sexo, a fim de identificar a influência desses confundidores.

Desse modo, para as análises dos dados, foram realizadas análises descritivas (média e desvio-padrão) e análises inferenciais. Foram feitas correlações de Pearson (para idade) e de ponto bisserial (para sexo), e análises de comparação de médias entre grupos, incluindo teste t ou seu correlato não paramétrico, teste Mann-Whitney, para diferenças de grupo e análise de covariância (ANCOVAs). Para as ANCOVAS, utilizou- -se sexo como covariável (idade não teve influência significativa), uma vez que mulheres apresentaram maiores escores de Estratégia (r = - 0,408, p = 0,009) e Meta (r = - 0,390, p = 0,013) do que homens (p < 0,05).

 

Resultados

Na comparação do desempenho em Conhecimento e Autoeficácia de memória entre os grupos de ensino superior completo e de até ensino médio completo (Tabela 3), foi observado que adultos com ensino superior completo relataram maior percepção de Controle [t(38) = 3,12, p = 0,003, d = 0,98] e maior Conhecimento de memória [t(38) = 2,82, p = 0,008, d = 0,89] em relação ao segundo grupo. Para as subescalas Estratégia e Meta do Questionário MIA, observou-se que adultos com ensino superior completo (M = 3,5; DP = 0,4) relataram maior uso de Estratégias em relação ao grupo com até ensino médio completo (M = 3,0, DP = 0,6), com diferenças estatisticamente significativas [F(1, 37) = 9,02, p = 0,05, η2 = 0,196]. Nas subescalas Tarefa, Meta, Capacidade, Mudança e Ansiedade, bem como para o fator Autoeficácia, não houve diferenças significativas entre os grupos (p > 0,05).

 

Discussão

Correlações realizadas entre as subescalas do Questionário MIA e as variáveis NSE, HL e HE encontram-se na Tabela 4. Houve correlações moderadas e positivas apenas entre os escores das subescalas Estratégia e Controle do Questionário MIA com NSE, HL e HE.

 

Discussão

O presente trabalho comparou as habilidades metacognitivas, especificamente Conhecimento e Autoeficácia de memória, em adultos jovens e de idade intermediária, entre distintos níveis educacionais. Em seguida, analisou-se a relação entre o NSE e os HL e HE e as habilidades metacognitivas na amostra total.

Nas comparações entre os grupos, observou-se que o grupo com menor nível educacional apresentou menor percepção de Controle sobre a memória e menor Conhecimento geral de memória. As percepções sobre Controle são importantes para o uso adaptativo e estratégico da memória, pois informam que a pessoa sabe o quanto é capaz de memorizar quando lhe é apresentado um material novo. No estudo de Lineweaver & Hertzog (1998), pessoas com menor percepção de Controle atribuíram seu desempenho de memória a fatores que não poderiam controlar, como contexto e tarefas de memorização, habilidade inata de memória, sorte etc. Portanto, é possível que a relação entre nível educacional e Capacidade de memória seja mediada ou moderada pelas percepções de Controle de memória. Assim, é provável que pessoas mais escolarizadas vivenciem um maior número de situações nas quais a frequência de estudo tenha sido importante para memorizar e ter um melhor desempenho em tarefas que exigem habilidades mnemônicas, o que favorece sua percepção de Controle.

A característica de Controle da memória está intimamente relacionada ao conceito de autoeficácia proposto por Hertzog e Dixon (1994), que se refere à percepção que um indivíduo tem de usar a memória eficazmente em situações de memorização. Além disso, o instrumento utilizado para a avaliação da metamemória, o Questionário MIA, assevera a formação do fator Autoeficácia, que inclui a subescala Controle, bem como as subescalas Capacidade e Mudança. Portanto, sugere-se que um maior nível educacional tem também um importante papel na autoeficácia de memória em adultos jovens e de idade intermediária. Não foram obtidos dados dos motivos que fizeram as pessoas de menor escolaridade interromperem seus estudos. Contudo, talvez suas crenças negativas em relação a tarefas mnemônicas tenham contribuído para o pior desempenho escolar e a consequente interrupção dos estudos. Pesquisas futuras poderiam melhor elucidar essa questão, a fim de contribuir com medidas públicas de intervenção em casos de evasão escolar.

Ainda com relação às análises de comparação de grupos, o escore inferior de Conhecimento geral de memória do grupo de adultos com mais baixo nível educacional sugere que eles conhecem menos as condições em que a memorização é mais difícil (ou fácil) e a importância de possuir uma boa Capacidade de memória. Portanto, pode-se supor que o menor escore de Estratégia seja resultado de um menor conhecimento estratégico em si, e não necessariamente de menor frequência de uso dessas estratégias.

Observou-se que os participantes do grupo com ensino superior completo possuem profissões com mais demandas intelectuais, que exigem maiores recursos mnemônicos. Em virtude disso, esses indivíduos podem perceber que utilizam com frequência estratégias mnemônicas, controlando e conhecendo melhor a própria memória em comparação ao grupo com até ensino médio completo, cujos indivíduos desempenham ocupações com menor demanda intelectual. Estudos longitudinais, como o de Fisher et al. (2014), abordam que passar a vida em profissões com níveis mais elevados de complexidade associam-se a altos níveis de funcionamento cognitivo antes da aposentadoria. Essa discussão possui relevância no cenário brasileiro, uma vez que respalda o desenvolvimento de políticas de incentivo ao maior envolvimento de adultos em atividades intelectuais no trabalho ou em ambiente informal.

Ainda que a subescala Estratégia faça parte do fator Conhecimento de memória, é importante observar que o Questionário MIA avalia Estratégia em termos de frequência de uso (escala Likert de 5 pontos: nunca; raramente; às vezes; frequentemente e sempre). Assim, as diferenças encontradas entre os grupos podem ter sido em função de: a) menor conhecimento de estratégias de memória em adultos de mais baixo nível educacional; ou b) menor uso de estratégias de memória por esses indivíduos.

Apesar das diferenças específicas quanto à Estratégia e ao Controle de memória, entende-se, como Hertzog e Dixon (1994) já expuseram, que as características da metamemória, como Meta, Capacidade, Ansiedade etc., estão relacionadas entre si e são importantes para a metamemória. No processo de aprendizagem formal, por exemplo, uma pessoa saber sobre o quanto ela consegue memorizar o conteúdo, encontrar estratégias que sejam eficazes na hora de estudar as informações necessárias e entender como ela regula sua capacidade mnemônica é indispensável para se ter êxito na vida acadêmica.

Nas análises de correlação, Estratégia e Controle de memória foram os elementos que estabeleceram maior relação com o nível educacional, o NSE e as HL e HE para essa amostra. Com relação à educação, o uso de estratégias que envolvam processos metamnemônicos na aprendizagem pode ser eficaz nos programas de educação de jovens e adultos, por exemplo, considerando que há uma alta parcela dessa população no Brasil que ainda não terminou o ensino fundamental e recorre a esses programas. A retomada dos estudos por esses jovens e adultos muitas vezes é mais difícil, seja pelo tempo fora de um ambiente acadêmico, seja por uma dificuldade já existente anteriormente com os conteúdos escolares. Ajudar a desenvolver mecanismos de autoconhecimento e de autorregulação da aprendizagem pode ser útil para que esse processo seja mais eficiente e menos penoso para o aluno adulto.

O menor NSE e reduzidos HL e HE relacionaram-se ao menor Controle e Conhecimento estratégico de memória. Esse dado é relevante ao se considerar a importância da educação e de outros aspectos, como exercícios físicos, atividades de lazer e ocupação no funcionamento neurológico (Solé-Padullés et al., 2009) e cognitivo. Esses fatores são entendidos como indicadores de aumento da reserva cognitiva, aumentando a eficácia das redes neurais ou ajudando a utilizar vias compensatórias (Gindri et al., 2012; Jefferson et al., 2011), o que facilita um melhor desempenho em tarefas que exigem amplas capacidades cognitivas. Portanto, as percepções e os conhecimentos de memória parecem estar associados à maior busca por experiências com materiais escritos em adultos saudáveis. Assim, quem percebe maior Controle e Conhecimento estratégico de memória expõe-se com maior frequência a tarefas que requerem habilidades cognitivas mais complexas e aumentam sua eficácia de redes neurais. Estudos futuros poderiam analisar o desempenho desses adultos em tarefas mnemônicas, a fim de identificar a relação entre este e a capacidade de metamemória.

Solé-Padullés et al. (2009) acrescentaram que maior reserva cognitiva em sua amostra estava relacionada com cérebros maiores e atividade neural reduzida durante o processamento cognitivo, sugerindo uma utilização mais eficaz das redes cerebrais. No presente estudo, foi possível identificar a relação do maior NSE e HL e HE com maior percepção de Controle e uso de estratégias pelos participantes. Desse modo, sugere-se que maior NSE e mais hábitos de leitura e de escrita tenham relação com uma atividade cerebral mais eficiente, em função da sua relação íntima com a reserva cognitiva (Jefferson et al., 2011; Lojo-Seoane et al., 2014), o que pode supostamente incluir maior percepção de controle de memória e maior uso de estratégias mnemônicas adequadas. O contato mais frequente com materiais escritos talvez seja o meio pelo qual a metacognição desses participantes esteja mais aperfeiçoada, uma vez que a leitura e escrita envolvem, por si só, um processo autorregulatório que envolve estabelecimento de metas, organização de informações, avaliação e revisões (Wischgoll, 2016), cuja finalidade é a compreensão textual. Portanto, pode ser entendida como um treino diário de habilidades metamnemônicas e metacognitivas.

 

Conclusão

O presente estudo inova na área da Psicologia Cognitiva e da Neuropsicologia Cognitiva ao examinar a relação do nível educacional com a forma como as pessoas pensam a própria memória. Entre as limitações desse estudo está o reduzido número de participantes nos grupos, que compromete o poder estatístico e o uso de análises estatísticas mais robustas, além de o grupo com até ensino médio completo ser heterogêneo em termos de escolarização. Esses achados instigam a investigação, em estudos futuros, do quanto as percepções e as crenças negativas de memória poderiam influenciar o desempenho de adultos em tarefas cognitivas exigidas no ambiente escolar. Dificuldades nesse desempenho por parte dos alunos pode inclusive estar associado à permanência mais breve deles na escola. Para futuras pesquisas, também sugere-se considerar o desempenho em tarefas neuropsicológicas de memória dos participantes, além da medida de metamemória, para aprofundar o entendimento da relação entre as duas funções cognitivas em adultos.

 

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Endereço para correspondência:
Camila Schorr Miná
Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 114, Bairro Santa Cecília
Porto Alegre, RS. CEP: 90035-003
E-mail: csm.psico@gmail.com

Submissão: 15.2.2016
Aceite: 27.6.2017

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