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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n1p47-60 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Aspectos emocionais presentes na vida de pacientes submetidos à amputação: uma revisão de literatura

 

 

Maíra Frizzi da Cunha BergoI; Helena Bazanelli PrebianchiII

IPontifícia Universidade Católica, Campinas, SP, Brasil
IIPontifícia Universidade Católica, Campinas, SP, Brasil

Endereço de correspondência

 

 


RESUMO

A sistematização do conhecimento sobre os aspectos emocionais em situação de cirurgia de amputação mostra-se necessária, tanto para a preparação e capacitação dos psicólogos que atuam na área como para os pacientes envolvidos.
OBJETIVO: revisão de literatura sobre os aspectos emocionais presentes na vida de pacientes submetidos à amputação de membros.
MÉTODO: revisão de literatura, priorizando um caráter retrospectivo. Os trabalhos foram selecionados em indexadores de produção científica (PePSIC, SciELO, LILACS), cobrindo o período de 2009 a 2014.
RESULTADOS: Dez artigos foram encontrados. Constatou-se que há escassez de publicações sobre o tema e as existentes, em sua maioria, são em periódicos de Enfermagem, não incluindo aspectos sobre relações familiares ou relação médico-paciente; a maior parte deles trata sobre os aspectos emocionais do paciente no período pós-operatório.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: a escassez de trabalhos, bem como as características dos existentes, apontam para a necessidade de novos e melhores estudos.

Palavras-chave: amputação; psicologia; aspectos emocionais; cirurgia; família.


 

 

Introdução

Em regra, uma cirurgia implica grande impacto sobre o bem-estar físico, social e emocional do paciente, com aumento dos níveis de ansiedade e estresse pelo distanciamento, mesmo que temporário, da rede de apoio social e familiar. Em cirurgia, amputação refere-se à retirada de um órgão ou de parte dele, situado em uma extremidade, como a língua, a mama, o intestino, o colo uterino, o pênis e os membros (De Luccia, Goffi, & Guimarães, 1996). As condições que levam à amputação de membros são: (a) infecção incontrolável, normalmente em situação de emergência; (b) dor crônica em pacientes com doença vascular sem outras possibilidades terapêuticas; (c) ossos e partes moles destruídos de forma irrecuperável devido a doenças vasculares ou traumatismo; (d) tumores malignos ou benignos; (e) deformidades com implicações funcionais que podem melhorar com o uso de próteses; e (f) deformidades estéticas que podem ser minimizadas com próteses (De Luccia et al., 1996; Krupski & Nehler, 2003; Marshall & Stansby, 2007).

No Brasil, não existe estatística precisa referente ao número de amputações realizadas por ano, mas sabe-se que, em 2011, cerca de 94% das amputações feitas pelo SUS foram no membro inferior (Ministério da Saúde, 2013).

Calcula-se que, de acordo com o Ministério da Saúde (2013), a causa mais frequente de amputações é vascular (75% em membros inferiores), associada ou não a diabetes, e a faixa etária desses pacientes amputados é, em média, 60 anos. As causas traumáticas (20%), prevalentes em acidentes de trânsito e ferimentos por arma de fogo, afetam, na sua maioria, jovens em idades produtivas de vida, e os tumores (5%), que podem ser benignos ou malignos (o mais comum é o osteossarcoma), acometem mais crianças e adolescentes ainda em fase de crescimento (Ramos, Mendonça, Okamoto, & Ingham, 2007).

O Ministério da Saúde (2013) afirma que a cirurgia de amputação tem por objetivo retirar o membro acometido e criar novas perspectivas para a melhora da função da região amputada. A reabilitação deverá contar com uma equipe multiprofissional que tem como projeto terapêutico a garantia de uma atenção integral, evitando a existência de condutas conflituosas. Em última análise, o objetivo é que o cuidado integral com a saúde da pessoa amputada tenha como resultado final a manutenção da sua saúde física e mental, bem como o desenvolvimento da sua autonomia e inclusão social.

A abordagem de atenção pré-operatória, em termos gerais, envolve a avaliação física detalhada do paciente, os esclarecimentos sobre o prognóstico funcional, as discussões sobre dor fantasma e sobre as metas de reabilitação de curto, médio e longo prazo. Alguns autores (Pinto, 2001; Ramos & Salles, 2003) afirmam que, na fase pré-operatória de uma amputação, devem ser avaliadas a amplitude de movimento das articulações e a força muscular, tanto do segmento envolvido como dos membros contralaterais, o grau de independência do indivíduo para a realização das Atividades de Vida Diária (AVDs), o condicionamento físico, o suporte social e a forma de enfrentamento.

Em virtude das condições de saúde da população, documentadas pelo Ministério da Saúde (2013), constata-se que a atuação da Psicologia com pessoas amputadas tornou-se uma demanda crescente. Seja por uma doença, seja por um trauma, a amputação é um fenômeno complexo, cujas consequências para os indivíduos e reabilitação não podem ser equacionadas apenas pelo uso de próteses (Atherton & Robertson, 2006).

Os programas de reabilitação do paciente amputado não podem deixar de considerar os aspectos psicológicos envolvidos, por exemplo, as mudanças na imagem corporal, no sentimento de identidade pessoal e na qualidade de vida (Senra, Oliveira, Leal, & Vieira, 2012). Em estudo de Luchetti, Cutti e Montebarocci (2013), foi indicada uma correlação entre percepções distorcidas de autoimagem e adaptação geral/social à prótese entre amputados e essa relação exerce um impacto significativo sobre a qualidade de vida, particularmente no que se refere às limitações nas atividades físicas e mentais.

Abordagens visando o controle da dor, o ganho ou a manutenção das amplitudes de movimento e a força muscular devem ser instituídas sempre que possível. A British Society of Rehabilitation Medicine, em 2003, já indicava que a preparação psicológica prévia do paciente reforça a habilidade dele em lidar com o processo operatório e em aceitar a prótese na fase de reabilitação.

O atendimento ao paciente submetido à cirurgia de amputação de membros possui peculiaridades em relação a outras cirurgias. O processo de retirada de um membro engloba uma complexidade de fenômenos psicológicos e de interações da tríade paciente-família-equipe (Gabarra & Crepaldi, 2009). O medo de perder uma parte visível do corpo torna real a sensação de desintegração corporal. A decisão de amputar é difícil tanto para a equipe de saúde como para o paciente e seus familiares (Boccolini, 1995; De Luccia, 2004). A atuação da psicologia auxilia o processo de amputação em períodos pré (Cavalcanti, 1994; Price & Fisher, 2002) e pós-cirurgia (Boccolini, 1995; De Benetto, Forgione, & Alves, 2002; Price & Fisher, 2005; 2007).

Várias mudanças causadas pela amputação podem ocorrer, tais como dificuldades com as habilidades básicas e as atividades diárias, perda de independência, sentimentos de inferioridade, problemas relativos ao bem-estar, mudanças negativas em sua vida profissional, mudanças de identidade e mudanças em sua vida afetiva ou sexual (Senra, Oliveira, Leal, & Vieira, 2012). Para Sabino, Torquato, & Pardini (2013), após a amputação, o paciente comumente passa por uma série de reações emocionais, pode vivenciar um desajustamento ao ter de lidar com a dependência forçada e a perda da autoestima. Os pacientes podem apresentar diferentes reações e sentimentos, como tristeza, revolta, choque, aceitação, pensamentos de raiva e ideação suicida (Sabino et al., 2013).

O trabalho da Psicologia em situações de amputação pode ser visualizado em pesquisas (Horgan & MacLaclan, 2004; Wald & Álvaro, 2004) e intervenções (Fitzpatrick, 1999; Rybarczyk, Edwards, & Behel, 2004; Price & Fisher, 2002; 2005; 2007). Esses autores (Rybarczyk, Edwards, & Behel, 2004; Price & Fisher, 2007) sugerem a realização de pesquisas longitudinais e qualitativas para a compreensão de lacunas existentes na área, como as formas de enfrentamento dos pacientes amputados em curto e longo prazo e a influência do suporte marital e social na reabilitação.

Assim, a sistematização do conhecimento sobre os aspectos emocionais em situação de cirurgia de amputação mostra-se necessária tanto para a preparação e capacitação dos psicólogos que atuam na área quanto para os pacientes envolvidos. Nesse sentido, o presente estudo objetivou uma revisão de literatura sobre os aspectos emocionais presentes na vida de pacientes submetidos à amputação de membros.

 

Método

Os estudos analisados foram selecionados a partir da consulta na Biblioteca Virtual de Saúde- BVS-Psi, composta de diferentes bases de dados. Para a busca, foram determinados os seguintes descritores: "psicologia", "amputação", "pacientes", "pacientes amputados" e "aspectos emocionais". Os descritores foram buscados nas palavras-chaves.

Os critérios de inclusão foram: ser um trabalho publicado no período de 2009 a 2014, ter como público-alvo pessoas submetidas à amputação (de qualquer parte do corpo), abordar aspectos psicológicos dos pacientes amputados, ser publicação nos idiomas inglês e português. Por sua vez, os critérios de exclusão foram: capítulos de livros, publicações em anais de eventos e artigos com texto completo disponível. Salienta-se que não houve restrição quanto aos métodos dos estudos.

De acordo com a natureza e os objetivos do estudo, os trabalhos selecionados foram codificados em oito critérios: tipo de estudo, método utilizado, referência a aspectos emocionais durante a hospitalização, referência a aspectos emocionais no pós-operatório, referência a aspectos emocionais após a hospitalização, à relação médico-paciente e às influências da família e, finalmente, caracterização da amputação. Os critérios identificados foram analisados em termos de sua frequência.

Realizou-se, também, a tabulação da frequência do número de publicações no período considerado nesta pesquisa (2009 a 2014) e das áreas de enfoque dos periódicos envolvidos.

 

Resultados

Atendendo aos critérios de inclusão propostos para o estudo, foram selecionados 10 artigos. Os procedimentos de etapas de avaliação e de obtenção dos trabalhos utilizados estão ilustrados na Figura 1.

Com relação ao número de publicações, a Figura 2 apresenta a frequência destas no período abarcado pela pesquisa. Como se pode observar, a quantidade de trabalhos sobre o tema foi maior em 2009, com acentuado decréscimo em 2010. Em 2011, constatou-se o aumento no número de publicações, com sucessivos decréscimos em 2012 e em 2013. Finalmente, em 2014, encontrou-se uma retomada na ocorrência de estudos aos níveis de 2011, porém ainda menor que a frequência observada em 2009.

 

 

Os resultados também evidenciaram que as publicações ocorreram exclusivamente em periódicos que se inserem na Enfermagem (4) e na Psicologia (3) e com enfoque Multidisciplinar.

Métodos utilizados

Com relação ao método de estudo, destaca-se que, entre o material selecionado, a maior parte dos trabalhos (6) corresponde a estudos qualitativos, exploratórios e de cunho descritivos. Quanto aos outros artigos, dois são estudos de caso, um é uma revisão de literatura e um é um estudo quantitativo.

Nos estudos qualitativos, o instrumento mais utilizado (cinco trabalhos) foi a entrevista semiestruturada com análise de conteúdo (Gabarra & Crepaldi, 2009; Marques et al., 2014; Sales et al., 2012; Seren & Tilio, 2014; Vargas et al., 2013). Dois estudos fizeram reflexões acerca das teorias psicanalíticas (Carvalho, Serra, & Guimarães, 2011; Galván & Amiralian, 2009). Foi utilizado também em um dos estudos (Silva et al., 2009) a livre associação de palavras; em outro, a entrevista Fenomenológica (Batista, 2012) e, por fim, no estudo quantitativo (Cox, Williams, & Weaver, 2011), fez-se uso dos questionários World Health Organization Qualityof Life Scale (WHO- QOL BREF) e Functional Independence Measure (FIM).

Temas dos estudos

Os temas abordados nos estudos foram categorizados para a análise, como apresentado a seguir.

Aspectos emocionais durante a hospitalização

Essa categoria indica se constam ou não, no artigo, os aspectos emocionais do paciente durante a hospitalização e no pré-operatório e quais os aspectos emocionais presentes.

Dos estudos analisados, seis não referem os aspectos emocionais do paciente durante a hospitalização. O aspecto emocional mais frequentemente citado (em dois estudos) foi o sentimento de rejeição à cirurgia. Batista & Luz (2012) e Vargas et al. (2013) relatam que, ao vivenciarem o diagnóstico de amputação, os pacientes mostraram-se relutantes em aceitar o fato.

Em seguida, os sentimentos de tristeza, acompanhados do comportamento de choro, foram reportados em um dos estudos. Seren e De Tilio (2014) relatam que, ao receber o diagnóstico da amputação, o paciente apresentou sintomas depressivos, como tristeza, perda do apetite e episódios de choro. Carvalho et al. (2011) trazem relatos de um paciente que diz ter chorado muito no momento do diagnóstico. Os demais aspectos que apareceram na análise, sendo cada um deles citado em um dos estudos, foram: ansiedade, desespero, negação, ideação suicida, sintomas depressivos e sentimento de culpa.

Aspectos emocionais no pós-operatório

Essa categoria indica se são encontrados no artigo os aspectos emocionais do paciente no pós-operatório e quais são esses aspectos.

Quatro dos estudos analisados não fazem referência aos aspectos emocionais no pós-operatório. Em três estudos, o sentimento mais encontrado é a insegurança: Carvalho et al. (2011); Galván e Almiralian (2009) e Sales et al. (2012) fazem menção à insegurança do paciente em relação ao futuro após a cirurgia.

Seren e De Tilio (2014) relatam que, ao acordarem da cirurgia de amputação, os pacientes apresentaram dificuldades em aceitar a realidade e choraram muito. De acordo com Vargas et al. (2013), os pacientes também demonstraram negação da realidade. No relato de caso de Carvalho et al. (2011), o paciente apresentou questões de recuperação do membro perdido e chorou muito ao saber que o membro não se regeneraria, totalizando três dos estudos que fazem menção ao sentimento de negação da realidade, acompanhado de tristeza e/ou choro.

Os sentimentos de incompletude e problemas com a autoestima puderam ser verificados no estudo realizado por Carvalho et al. (2011), em que, além do problema da autoimagem, o paciente apresentou também medo de ser rejeitado pelos outros, medo de como as pessoas o olhariam. Em outro estudo, Seren e De Tilio (2014) fazem menção à presença de membro fantasma.

Os seguintes aspectos referentes ao pós-operatório foram citados em um artigo cada: Vargas et al. (2013) identificaram nos pacientes o desejo de tornar-se independente por meio do uso da prótese, e Sales et al. (2012) observaram em alguns pacientes sentimentos de aceitação e vontade de lutar.

Aspectos emocionais após a hospitalização

Nessa categoria, analisa-se a apresentação ou não, no artigo, dos aspectos emocionais do paciente depois da hospitalização e quais deles perduraram após o período do pós-operatório.

Os aspectos emocionais mais frequentes (encontrados em três estudos) após a hospitalização foram o sofrimento causado pela perda de independência e, consequentemente, pela dependência do outro e a sensação de isolamento social. Um participante no estudo de Seren e De Tilio (2014) relatou que a amputação o deixou muito restrito. No estudo de Silva et al. (2009), os participantes representaram-se como incapazes e inúteis por serem dependentes de outras pessoas. Além disso, Batista & Luz (2012) concluíram que havia um sofrimento nos pacientes provocado pela dependência de outros e dificuldades de realizar atividades. A sensação de isolamento social apareceu nos estudos de Batista & Luz (2012), de Gabarra & Crepaldi (2009) e de Sales et al. (2012): os pacientes relataram situações de preconceito e estigma social em decorrência do membro amputado e de funções que não são mais capazes de exercer. Em três estudos (30%), não há registros dos aspectos emocionais dos pacientes após a hospitalização. Os demais aspectos foram observados em um estudo cada: Batista & Luz (2012) trazem em seu estudo relatos de pacientes que apresentaram medo de futura cirurgia de amputação em decorrência do diabetes. No único estudo quantitativo analisado, Cox et al. (2011) indicaram que o agravo à autoimagem é inversamente proporcional ao nível da amputação.

Vargas et al. (2013), em estudo qualitativo que relatou a experiência de pacientes diabéticos submetidos à psicoterapia de grupo, observaram os sentimentos de independência e maior aceitação, juntamente com o retorno às atividades, enfrentamento e pensamento positivo após frequentarem a psicoterapia de grupo.

Relação médico-paciente

Refere-se à presença ou à ausência da relação médico-paciente no estudo e às possíveis influências dessa relação na recuperação do paciente.

A maior parte dos estudos (7 de 10) não faz referência à relação médico-paciente. Dos três estudos analisados que fazem menção à relação médico-paciente, dois trazem relatos dos pacientes. Em Marques et al. (2014), pacientes reclamaram de descaso e de falta de informação por parte do médico em relação à cirurgia de amputação; no estudo de Batista & Luz (2012), os pacientes apresentaram discursos de transferência de responsabilidade, isto é, os pacientes passaram a depender da autorização do médico para tomar certas decisões. Em outro artigo, Gabarra & Crepaldi (2009) indicam comportamentos que os médicos poderiam adotar para facilitar o processo de reabilitação, tais como: atenção individualizada, escuta ativa, criação de espaço para o paciente fazer perguntas, uso de linguagem acessível, estímulo à participação ativa no processo de cirurgia e acolhimento do sofrimento do paciente.

Influências da família

Essa categoria indica se o estudo revela a presença ou a ausência da família no período de hospitalização e as possíveis influências desta na recuperação do paciente.

Não fazem referência às influências da família seis dos artigos selecionados. Em outros três, Marques et al. (2014), Seren & De Tilio, (2014) e Vargas et al. (2013) trazem em seus estudos a presença da família como fundamental para a retomada de vida do paciente e no processo de reabilitação.

Um estudo de caso relata a ausência da família durante o processo de cirurgia e de reabilitação do paciente como um influenciador negativo, pois o paciente apresenta queixas de saudade da família durante o período em que esteve hospitalizado.

Categorização da amputação

Essa categoria indica o motivo da amputação, a quantidade de membros amputados e qual (ou quais) é esse membro.

Dos dez artigos analisados, quatro deles fazem menção a acidentes em geral, como etiologia da cirurgia de amputação, enquanto outros quatro citam o Diabetes Mellitus como a causa da amputação do membro. Considerando as outras etiologias mencionadas, a trombose aparece em dois estudos como a causa da amputação. Um estudo cita infecções como etiologia em um paciente mencionado nos estudos, e, em um estudo, a amputação foi em decorrência de três tiros que o paciente sofreu.

 

Discussão

Os estudos analisados tiveram objetivos distintos, tendo em comum o foco no paciente amputado. Os resultados relativos à frequência de publicações revelaram que, apesar do reconhecimento pelo Ministério da Saúde, em 2013, da necessidade de se oferecer Diretrizes de Atenção à Pessoa Amputada para oferecer orientações às equipes multiprofissionais no cuidado à saúde da pessoa com amputação de membro, as pesquisas sobre o tema ainda são escassas.

Também contrários à determinação do Ministério da Saúde (2013), os resultados obtidos quanto às áreas de enfoque das publicações mostram que são os enfermeiros e os psicólogos que têm se debruçado sobre o tema, fato que não condiz com o multiprofissionalismo e a interdisciplinaridade do tema. Visto que o atendimento à saúde do paciente cirúrgico engloba diversas áreas do conhecimento e uma série de procedimentos executados por diferentes profissionais, devemos trabalhar para compor um conjunto integrado de cuidados ao procedimento cirúrgico. Nesse sentido, Turra et al. (2011) ressaltam a importância de desenvolver e aperfeiçoar modos sistematizados de atendimento que melhorem o sistema de comunicação interdisciplinar.

Além da escassez, observa-se que os aspectos metodológicos dos trabalhos analisados não favorecem a generalização dos resultados ou constroem base sólida para o conhecimento sobre o paciente amputado, pois a maioria refere-se a estudos qualitativos, exploratórios e de cunho descritivo. Observou-se ainda que aspectos cruciais, como o impacto da relação médico-paciente e o suporte familiar, nos períodos pré e pós-operatório não receberam a devida consideração, a despeito do que a literatura sobre o assunto sinaliza.

Ao realizarem um trabalho de pesquisa no qual entrevistaram 50 pacientes sobre suas relações com os médicos, Pereira & Azevedo (2005) mostraram que 35 (70%) dos pacientes não consideraram suficientes as informações oferecidas pelos médicos, e que para 32 (64%) dos pacientes a relação médico-paciente interfere diretamente na evolução do caso. Fitzpatrick (1999 apud Gabarra & Crepaldi, 2009) destaca pontos fundamentais na postura da equipe médica: atenção individualizada do cirurgião em relação ao paciente, escuta ativa com a capacidade de observar os detalhes, criação de espaço para perguntas e respostas honestas, uso de linguagem acessível, apresentação de fotos, vídeos e materiais de leitura sobre a cirurgia e sua reabilitação posterior para oferecer ao paciente a sensação de controle e estimular a participação ativa no processo de decisão. Rodrigues (2011) também assinala a necessidade de diálogo entre médico e paciente, visto que os médicos são os protagonistas no manejo hospitalar e eles devem ser os primeiros a acolher o sofrimento do paciente. Em Marques et al. (2014), pacientes, inclusive, relataram que essa relação com os médicos foi inexistente durante seus períodos se internação, pois não receberam as informações necessárias sobre o que estava acontecendo com seus corpos. A existência dessa relação mostra-se ainda mais necessária com o trabalho de Batista & Luz (2012), que concluíram que alguns pacientes tendem a transferir suas responsabilidades para o médico e a depender da autorização deste para realizar certas tarefas, portanto, é imprescindível que essa relação ocorra para que o paciente não fique com questões a serem respondidas.

Os achados de Pereira & Azevedo (2005), que apontam a interferência da relação médico-paciente na reabilitação de pacientes amputados, foram confirmados por Morais (2014), que elaborou entrevistas com esse tipo de paciente, as quais revelaram que a comunicação eficaz com a equipe médica e a transmissão de informação correta, em alguns participantes do estudo, facilitou o processo de aceitação da amputação. É necessário lembrar que os resultados do presente estudo indicaram que o sentimento mais frequente é a negação, a importância da relação médico-paciente é ressaltada devido aos efeitos positivos que a boa comunicação pode ter. Tanto é assim que o Ministério da Saúde aponta em suas diretrizes:

No momento de dar a notícia para a família e o paciente que fará a cirurgia de amputação, deve-se ressaltar que esta é parte importante do tratamento. Devem ser apresentados a sua necessidade e os seus pontos positivos em termos de qualidade de vida. Uma equipe de profissionais capacitados para lidar com esse assunto é fundamental para o ajuste da pessoa e da família à nova situação (Ministério da Saúde, 2013, p. 22).

Além disso, ainda segundo o Ministério da Saúde, é importante informar ao paciente sobre o destino que será dado à parte amputada. No Brasil, é possível sepultar ou, quando há consentimento do paciente, usar para estudos e pesquisas. Conhecer qual encaminhamento será dado ao membro amputado facilita a aceitação do processo por parte do paciente (Ministério da Saúde, 2013).

A pouca visibilidade dada às relações familiares nos estudos analisados constitui-se lacuna indesejável à compreensão e à atenção à saúde da pessoa amputada. Rodrigues (2011) aponta que, com a amputação, pode ocorrer um abalo na identidade social do paciente, sustentado nos lugares e nos papéis profissionais e familiares. Reconhecidamente, a família é crucial no processo de desenvolvimento dos indivíduos que a compõem (Guimarães, 2015). A partir da família, pode-se compreender hábitos saudáveis e de risco, estratégias de enfrentamento e a vivência no processo de adoecimento. Dessa maneira, é possível afirmar que as reações familiares influenciarão o estabelecimento de novas referências identitárias pelo paciente.

Os dados deste estudo, que indicam que os aspectos emocionais que acompanham o processo de amputação se diferenciam de paciente para paciente e dependem, também, da etiologia da amputação, corroboram o trabalho de Turra et al. (2011), o qual sinaliza que a história de vida pessoal e o momento histórico-social interferem na patogenicidade do adoecimento e na interpretação dos sintomas por parte do paciente. Há pacientes que passam pela cirurgia em decorrência de doenças vasculares, por exemplo, e eles podem se sentir aliviados pela dor que sentiam anteriormente no membro que será retirado. Rodrigues (2011) relata que pacientes atendidos em psicoterapia de grupo que foram submetidos à cirurgia de amputação por conta de doenças vasculares disseram se sentir menos angustiados pelo fim da dor e pela possibilidade da cura. Já pacientes que sofrem a amputação em decorrência de processos traumáticos reagem de maneira diferente, mostrando-se mais angustiados e inseguros em relação ao futuro. Carvalho et al. (2011), ao elaborarem um relato de caso de um paciente de 14 anos que teve o antebraço direito amputado em decorrência de choque elétrico, afirmam que ele trouxe maiores questões sobre como seria a própria vida dali para frente e sobre a autoimagem.

Outra questão que também diverge em dependência das reações dos pacientes à cirurgia e aos dados coletados pelos autores dos estudos é a protetização. Alguns pacientes mostraram-se bastante esperançosos após a cirurgia por depositarem a confiança de ter de volta sua independência no uso da prótese, como no caso do estudo de Rodrigues (2009), no qual a paciente relata acreditar que com a prótese será mais independente e se sentirá animada novamente para realizar suas atividades.

No entanto, Rodrigues (2011), ao realizar atendimento a pacientes com amputação em reabilitação com prótese, descreve que muitos deles recusaram-se a utilizar a prótese por diversos fatores, como dor no coto e dificuldade de adaptação. Entretanto, os especialistas continuaram a insistir no uso da prótese acreditando que seria a melhor solução para o paciente que perdeu um membro, independentemente de sua vontade.

 

Considerações finais

O presente estudo objetivou uma revisão de literatura sobre os aspectos emocionais presentes na vida de pacientes submetidos à amputação de membros. A fim de contribuir para o trabalho do psicólogo em equipes multidisciplinares, esperava-se obter conhecimento e levantar discussões acerca dos aspectos emocionais presentes em pacientes amputados, como ansiedade, depressão, estratégias de enfrentamento, autoimagem e reintegração corporal no processo cirúrgico e pós-cirúrgico.

Contudo, os resultados indicaram escassez de trabalhos sobre o tema, características metodológicas limitadas dos artigos existentes e, principalmente, pouca consideração com aspectos cruciais aos processos de enfrentamento dos pacientes amputados e sua reabilitação. Ainda que limitada pelo pequeno número de trabalhos selecionados e pela falta de dados mais recentes do Ministério da Saúde, esta pesquisa evidencia que há muito por se fazer na direção de melhor compreender o paciente amputado e atender às suas necessidades.

As lacunas existentes na área, por exemplo, as formas de enfrentamento dos pacientes amputados em curto e longo prazo, a influência do suporte familiar e social na reabilitação, o quanto a protetização causa ou não sofrimento subjetivo, são desafios aos pesquisadores e profissionais da saúde para maiores e melhores estudos sobre o tema.

 

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Endereço para correspondência:
Maíra Frizzi da Cunha Bergo
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Av. John BoydDunlop, s/n, Jardim Ipaussurama
Campinas, SP
E-mail: maira.fcb@puc-campinas.edu.br

Submissão: 3.3.2017
Aceite: 1.11.2017

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