SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número1Memória de trabalho, senso numérico e desempenho em aritméticaDificuldades de escrita em alunos do ensino fundamental índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.1 São Paulo jan./abr. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n1p179-188 

ARTIGOS
DESENVOLVIMENTO HUMANO

 

Rastreamento ocular: possibilidades e desafios do uso da tecnologia em amostras infantis

 

 

Gisane Novaes BalamI; Ana Alexandra Caldas OsórioII

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie, SP, Brasil
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A técnica de rastreamento ocular foi inicialmente dirigida a adultos, no entanto, ao longo das últimas décadas, tem se mostrado muito promissora em pesquisa com bebês, com diversos estudos demonstrando que sua utilização pode fornecer dados importantes sobre o surgimento e o desenvolvimento de processos cognitivos, sociais e emocionais na infância. O objetivo deste trabalho é sistematizar informações relativas ao uso do rastreamento ocular em bebês, incluindo os tipos de rastreadores disponíveis e suas vantagens e desvantagens, além de citar exemplos de estudos recentes. Embora exista uma quantidade e variedade significativa de estudos com essa abordagem em âmbito internacional, as publicações nacionais são escassas. O presente estudo apresenta uma análise da utilidade do rastreamento ocular em amostras infantis, a fim de auxiliar os pesquisadores na tomada de decisões metodológicas e estender sua aplicabilidade para além dos estudos existentes.

Palavras-chave: rastreamento ocular; bebês; crianças; desenvolvimento; avaliação.


 

 

Introdução

O olhar é um dos primeiros comportamentos a ser desenvolvido na primeira infância - mesmo recém-nascidos são capazes de dirigir o olhar seletivamente a objetos e a eventos que os cercam. A visão se aperfeiçoa rapidamente nos primeiros meses de vida, sendo os bebês cada vez mais atraídos por objetos e pessoas que se movem dentro do seu campo visual, especialmente estímulos com movimento biológico e faces humanas (Simion, Regolin, & Bulf, 2008). A visão é importante para detectar, identificar e compreender o que está acontecendo à nossa volta. De fato, ela está envolvida em praticamente tudo o que fazemos durante o período em que estamos acordados, sendo o olhar um importante acesso para o estudo da cognição - especialmente em bebês que ainda não desenvolveram a linguagem (Karatekin, 2007; Gredebäck, Johnson, & von Hofsten, 2009).

Assim, o surgimento de sistemas de rastreamento ocular capazes de fornecer dados sobre os processos que bebês e crianças utilizam para extrair informações, fazer inferências e previsões sobre eventos e estímulos, oferece uma extensão extraordinária aos convencionais métodos de avaliação da cognição infantil em amostras de desenvolvimento tanto típico como atípico. Contudo, avaliar características dos movimentos oculares era também, até recentemente, uma das tarefas mais difíceis de ser mensurada com objetividade. Essa dificuldade vem sendo superada com o desenvolvimento e o aprimoramento de equipamentos e softwares capazes de analisar com precisão e qualidade os movimentos oculares (Gredebäck, Johnson, & von Hofsten, 2009).

Atualmente, existem diferentes sistemas e tecnologias que medem os movimentos oculares para as mais diversas finalidades. Em estudos com bebês, o sistema de reflexão da córnea é o mais indicado, e a sua apresentação pode se dar de forma remota ou montada na cabeça, considerando os objetivos do estudo e analisando os benefícios de cada apresentação. As principais medidas obtidas com o uso da técnica são: fixações, sacadas, perseguição e dilatação pupilar. A partir dessas variáveis, é possível avaliar em qual local e por quanto tempo os indivíduos fixaram o olhar em determinados estímulos visuais estáticos ou dinâmicos, além do recrutamento momentâneo de recursos cognitivos e emocionais de acordo com as demandas da tarefa.

O presente artigo tem por objetivo sistematizar informações relativas à aplicabilidade da técnica de rastreamento ocular em bebês e crianças, abordando as principais medidas utilizadas, discutindo as vantagens, as desvantagens e as principais dificuldades na avaliação de amostras infantis. Além disso, serão apresentados estudos notáveis realizados em diversas áreas do desenvolvimento infantil que recorreram ao rastreamento ocular para a caracterização precoce do desenvolvimento típico e atípico.

 

Desenvolvimento

Tecnologias de rastreamento ocular: equipamentos e técnicas

O primeiro equipamento para a medição de movimentos oculares foi construído em 1908 por Edmund Huey. Desde então, as pesquisas prosperaram durante as décadas seguintes, e, a partir da década de 1970, os equipamentos foram aperfeiçoados, tornando-se menos invasivos e proporcionando maior precisão, além de se tornarem capazes de separar os movimentos oculares dos movimentos da cabeça. Atualmente, muitos sistemas de rastreamento ocular são automatizados e de fácil aplicabilidade, e, desde o início dos anos 2000, observa-se um significativo aumento de pesquisas utilizando o rastreamento ocular para as mais variadas finalidades (Aslin, 2012).

Existem diferentes sistemas e tecnologias capazes de medir os movimentos oculares, sendo o sistema de reflexão da córnea o mais apropriado para utilização em amostras infantis. Nesse sistema, os dados oculares são derivados dos reflexos gerados a partir da projeção de uma luz infravermelha no olho e da captação dos respectivos movimentos oculares por meio de uma câmera de vídeo (ou por um sensor óptico). É um método não invasivo cuja aplicabilidade se dá em larga e variada escala. Por ser o sistema mais utilizado nas diferentes faixas etárias - especialmente em amostras de bebês -, a seguir apresentaremos com mais detalhes suas especificidades.

Uso de sistemas de reflexão da córnea em amostras infantis: vantagens/desvantagens

O principal benefício do uso de um sistema de rastreamento ocular é a obtenção de um fluxo constante de informações em tempo real. Em comparação com a avaliação da direção do olhar por observação humana, os rastreadores ópticos oferecem uma importante melhora na resolução (tanto espacial quanto temporal) de informação relativa aos padrões de inspeção visual de estímulos. Contudo, algumas especificidades devem ser consideradas quando tratamos de estudos com crianças pequenas e bebês. O fato de ser uma técnica não invasiva e indolor, que normalmente é de curta duração e fácil aplicabilidade, é um fator que favorece sua utilização. No entanto, ao contrário de adultos cooperativos, bebês e crianças pequenas poderão não ser capazes de atender a solicitações verbais (mesmo simples), nem se manter em posição estável e controlada durante a tarefa (Oakes, 2012) - condições importantes para uma adequada coleta de dados oculares.

Quanto à configuração dos sistemas de reflexão da córnea, atualmente existem dois tipos disponíveis: montados na cabeça, em que as crianças precisam utilizar um acessório na cabeça; e os sistemas remotos que são totalmente não invasivos e registram o movimento ocular a distância, sendo integrados a um monitor.

Especificamente no caso de rastreadores do tipo remoto, a grande vantagem é o fato de não necessitarem de qualquer acessório ou dispositivo colocado na cabeça do bebê. Uma vez que a calibração tenha sido concluída com sucesso, os equipamentos são capazes de registrar os movimentos oculares quando a cabeça está relativamente parada e orientada ao estímulo. Entretanto, se o bebê movimentar excessivamente a cabeça, o rastreador perde a informação espacial da pupila e os dados deixam de ser registrados, fato que não ocorre com os rastreadores que são montados na cabeça. Se houver a perda dos dados pupilares por alguns instantes e depois a cabeça retornar à linha média, alguns rastreadores remotos são muito eficientes em recapturar a localização pupilar imediatamente. Contudo, haverá perda de dados e isso pode ser um grande problema nas pesquisas com bebês. De fato, crianças e bebês são mais susceptíveis à distração e têm mais dificuldade em manter a atenção em uma cena-alvo, e isso implica que os pesquisadores estabeleçam regras claras e limites precisos dos dados que serão aceitos/excluídos para que se obtenha resultados confiáveis e válidos para a análise (Oakes, 2010).

Por sua vez, os equipamentos montados na cabeça são projetados para serem leves e pequenos e, portanto, adequados para as atividades em que é oportuno que o participante tenha total liberdade de movimento - o que constitui certamente uma vantagem, permitindo avaliações mais ecológicas. Dessa forma, é possível avaliar padrões de rastreamento ocular no ambiente onde a criança se movimenta, em vez da visualização de estímulos em uma tela de computador. Porém, o seu uso pressupõe o posicionamento de um equipamento na cabeça, bem como o transporte de equipamentos adicionais de registro dos dados (por exemplo, um smartphone ou um notebook) - aspectos que podem ser problemáticos em bebês e em crianças pequenas.

Com relação à taxa de amostragem, os sistemas remotos são frequentemente superiores aos sistemas montados na cabeça, podendo chegar a 2000 Hz. Isso acrescenta detalhes e precisão no registro das informações, além de permitir uma calibração mais rápida, o que é muito relevante em pesquisas com bebês (Corbetta et al., 2012).

Medidas de rastreamento ocular

Uma informação importante a ser considerada em pesquisas com rastreio ocular é que o equipamento precisa ser previamente ajustado às especificidades de cada participante por meio de um processo chamado calibração. A calibração serve para relacionar a exata localização do olhar do participante em relação ao ambiente, é durante esse processo que o sistema grava o centro da pupila e a relação córnea-reflexo por referência a uma coordenada x, y no monitor. A movimentação excessiva da cabeça e possíveis erros de interpretação do software de análise são dois grandes problemas que podem comprometer o processo de calibração e consequentemente o conjunto de dados (Goldberg & Wichansky, 2003).

As medidas básicas dos movimentos oculares que podem ser mensuradas através da técnica de rastreio ocular são: fixações, sacadas, rastreio ocular lento e dilatação pupilar.

• Fixações: referem-se ao momento em que os olhos estão relativamente fixos, assimilando ou decodificando a informação. Em geral, a duração da fixação fica maior à medida que aumenta a dificuldade da tarefa e, consequentemente, a necessidade de coletar mais informações. Em uma tarefa de leitura, por exemplo, a maior frequência de fixações de determinada palavra pode ser indicativa de maior complexidade na interpretação dessa palavra.

• Sacadas: são definidas como movimentos oculares balísticos que ocorrem em escalas de tempo muito curtas (de 30 a 120 milissegundos) entre as fixações e tem como função principal trazer os objetos à visão foveal. Uma sacada normalmente coincide com um deslocamento da atenção visuoespacial para o objeto, portanto, assim como as fixações, as sacadas também demonstraram estar correlacionadas com os níveis variáveis de carga cognitiva (Karatekin, 2007). A figura a seguir ilustra as duas medidas citadas: os círculos representam as fixações (quanto maior o seu diâmetro, maior o tempo de cada fixação) e os traços entre as fixações são as sacadas.

 

 

• Rastreio ocular lento: para rastrear pequenos objetos que se movem com relativa lentidão, utilizamos a habilidade/movimento ocular chamada perseguição ou rastreio ocular lento. São movimentos suaves, não balísticos, que mantêm o objeto dentro da visão foveal durante uma trajetória em que a velocidade do olhar corresponde à velocidade do alvo perseguido (Karatekin, 2007). Enquanto o rastreio ocular lento se desenvolve rapidamente, os movimentos da cabeça (que geralmente são necessários para acompanhar a trajetória do movimento) se desenvolvem de forma bem mais lenta, havendo uma distância de meses na aquisição de ambas as habilidades.

• Dilatação pupilar: o principal fator que regula o diâmetro pupilar é a quantidade de luz; no entanto, o tamanho da pupila também varia em função do recrutamento específico de recursos cognitivos. A capacidade de inferir a carga cognitiva das respostas pupilares é conhecida como pupilometria, cujo campo de pesquisa abrange os efeitos de influências psicológicas, processos perceptivos e atividades mentais sobre o tamanho da pupila. Além disso, a dilatação pupilar pode ser utilizada como indexadora da reação emocional perante um estímulo visual. As respostas pupilares fornecem uma medida contínua, independentemente de o participante estar ciente de tais mudanças, sendo, portanto, uma das poucas medidas diretas de recrutamento de recursos extremamente sensível aos processos cognitivos subjacentes. Por fim, uma vez que as respostas pupilares podem ser medidas de forma não invasiva, estão presentes desde o nascimento e podem ocorrer na ausência de processos voluntários e conscientes, elas constituem uma ferramenta muito promissora para o estudo de pré-verbais (por exemplo, lactentes) ou não verbais.

Desafios do uso do rastreamento ocular em população infantil

Conforme já mencionado, embora a técnica de rastreamento ocular seja de fácil aplicabilidade e aceitação em amostras infantis, existem algumas limitações e dificuldades que a pesquisa com bebês e crianças pequenas impõe, o que a torna bastante desafiadora. A primeira dificuldade pode anteceder a coleta dos dados, surgindo na elaboração da tarefa que será apresentada. Devido à vasta variedade de paradigmas encontrada na literatura, ao elaborar uma tarefa que atenda aos objetivos propostos, o pesquisador pode se deparar com dúvidas como: Por quanto tempo um estímulo visual deve ser apresentado? Qual a duração total ideal da tarefa? Quantos ensaios são necessários? Como retomar a atenção dos participantes ao longo da tarefa? Além disso, em estudos realizados com bebês e crianças pré-verbais, a comunicação fica limitada, inviabilizando alguns recursos muito utilizados em adultos, por exemplo, solicitar que o participante pressione uma tecla em resposta a determinado comando ou estímulo. Em pesquisas com adultos colaborativos, a manutenção do foco atencional e do engajamento na tarefa já se mostra um desafio, pois, no caso da população infantil, esse desafio aumenta consideravelmente. Se a tarefa apresentada não for cuidadosamente ajustada ao nível de desenvolvimento cognitivo da criança, por exemplo, ela poderá ser facilmente ignorada, e irá desviar o olhar para qualquer outro evento ao seu redor.

Outra dificuldade imposta é em relação ao posicionamento ideal das crianças e especialmente dos bebês. Alguns autores (Ellis et al., 2015, Jones & Klin, 2013) citam o uso de cadeirinhas próprias para bebês, enquanto outros (Telford et al., 2016) indicam que o bebê deve ficar sentado no colo da mãe para que se sinta mais confortável e seguro. De fato, o comportamento do bebê tende a ser mais natural se ele estiver no colo da mãe. Contudo, a liberdade de movimentos é maior e pode comprometer a estabilidade do tronco e da cabeça, que são necessárias para que o equipamento seja capaz de captar os dados oculares (no caso do uso de sistemas remotos). Em ambos os posicionamentos sugeridos pela literatura, poderão surgir dificuldades na captação de dados, resultando em elevada perda amostral.

Alguns cuidados devem ser tomados ao se trabalhar com população infantil, a fim de minimizar a perda de dados, por exemplo, a sala onde irá ocorrer a coleta de dados oculares não deve apresentar estímulos visuais ou auditivos que possam competir com o foco atencional. Assim, idealmente, a sala de coleta de dados deverá ter pouca ou nenhuma decoração (principalmente dentro do campo de visão do bebê/criança durante a apresentação dos estímulos), evitando-se o trânsito de pessoas no seu exterior. Além disso, o acompanhante deve ser orientado a evitar ao máximo a comunicação com o bebê durante a tarefa, bem como a comunicação com o pesquisador, pois qualquer estímulo pode fazer com que a criança se distraia.

Estudos de rastreamento ocular em amostras infantis típicas e atípicas

Os dados obtidos em pesquisas de rastreamento ocular em amostras infantis já foram utilizados para elucidar uma grande variedade de processos cognitivos, tais como: atenção visuoespacial (Richmond, Zhao, & Burns, 2015), processamento de memória (Richmond & Nelson, 2009), linguagem (Ellis et al., 2015), compreensão da ação motora (Biro, 2013), processamento de faces (Frank et al., 2014), além do processamento de informações sociais (Telford et al., 2016) e análise de processos socioemocionais (Biro et al., 2014), entre outros.

Nesta seção, apresentaremos alguns estudos realizados nos primeiros anos de vida (desde o nascimento até os dois anos) para exemplificar a amplitude da utilização do rastreamento ocular e sua contribuição em estudos com amostras típicas e atípicas (na detecção precoce de alterações no neurodesenvolvimento).

Jones e Klin (2013) utilizaram o rastreamento ocular remoto (com taxa de amostragem de 60Hz) para realizar uma avaliação longitudinal de bebês a partir dos dois meses de idade que tinham alto risco para desenvolver sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA). O objetivo do estudo foi investigar sinais anteriores à manifestação dos sintomas clínicos. Para isso, 110 bebês foram avaliados em dez momentos distintos do desenvolvimento (entre os 2 e os 24 meses de vida). Os bebês foram divididos entre alto (n = 59) e baixo (n = 51) risco para TEA, sendo o primeiro grupo composto por irmãos de crianças diagnosticadas. Durante a tarefa, os bebês visualizavam um vídeo que continha cenas em ambiente natural onde uma atriz simulava um contexto de brincadeira. Em cada vídeo, foram delimitadas quatro áreas de interesse: olhos, boca e corpo da atriz e objetos ao redor. Resumidamente, os autores observaram um crescente aumento de fixações visuais na região da boca em bebês de desenvolvimento típico dos 2 aos 6 meses. Contudo, entre os lactentes de alto risco para TEA, as curvas de crescimento do engajamento visual social seguiram um curso de desenvolvimento diferente. Dos 2 aos 24 meses de idade, a fixação visual na região dos olhos diminuiu significativamente. Esses resultados indicam que, nos primeiros meses de vida, o mecanismo básico de interação social adaptativa não é imediatamente diminuído, ao contrário, ele começa em níveis normativos antes do declínio. Com base nos resultados obtidos, os autores sugerem que haja uma estreita janela de desenvolvimento que oferece uma oportunidade promissora para intervenção precoce.

Em outro estudo, Telford et al. (2016) compararam bebês prematuros com bebês a termo de 6 a 10 meses (n = 100) e apresentaram aos lactentes três categorias de estímulos sociais de crescente complexidade. A primeira tarefa consistia em rastrear faces e foram apresentados rostos de homens e mulheres com expressões faciais neutras; na segunda tarefa, foram apresentados cinco estímulos visuais ao mesmo tempo, sendo uma foto de rosto humano, uma imagem distorcida da mesma foto (em que os pixels foram alterados de forma a torná-la irreconhecível) e outras três imagens não sociais (por exemplo: carro, celular e pássaro). A última tarefa, denominada preferência visual social, era composta por dois estímulos que ocupavam toda a tela, em que, de um la-do, era apresentado um estímulo social (por exemplo, a imagem de uma criança em contexto cotidiano) e, do outro lado, uma imagem não social (como cenas e objetos do cotidiano sem a presença humana). Como resultado, os autores obtiveram que os bebês prematuros fixaram o olhar por menos tempo em imagens com conteúdo social do que os bebês a termo nas três tarefas solicitadas, concluindo que a técnica de rastreamento ocular forneceu evidências precoces de cognição social atípica no grupo prematuro.

No campo da linguagem, Ellis et al. (2015) utilizaram o sistema remoto de rastreamento ocular (500 Hz), a fim de avaliar 14 bebês de 18 meses com atraso de linguagem e 14 bebês com desenvolvimento típico de linguagem comparados em idade e nível cognitivo, em uma tarefa que examinou o processamento lexical de duas palavras novas (sendo ambas pseudopalavras criadas para o experimento). Na fase de teste, o objetivo era ensinar aos bebês as novas palavras, e para isso eles ouviam uma das palavras ao mesmo tempo que o estímulo visual que a representava era apresentado - nessa fase, os bebês ouviram e viram os estímulos 14 vezes. Na fase de teste, os bebês ouviam uma das novas palavras e dois estímulos visuais eram apresentados (sendo um deles a imagem-alvo). Para considerar que a palavra foi aprendida, os pesquisadores analisaram a latência da primeira fixação para a imagem-alvo, e, segundo esse critério, não houve diferença significativa entre os grupos avaliados. No entanto, houve diferença entre os grupos quando se comparou o tempo total das fixações para a imagem-alvo, o que seria indicativo que os bebês com atraso de linguagem podem ter diferentes representações emergentes de palavras novas do que seus pares típicos.

Diversos estudos abordaram a dilatação pupilar como um indicador da excitação emocional das crianças em resposta a estímulos sociais (Nuske, Vivanti, & Dissanayake, 2015). No estudo de Hepach, Vaish e Tomasello (2012), foi avaliada a dilatação pupilar de crianças típicas de dois anos de idade, e observou-se que ela apresentou níveis similares quando as próprias crianças ajudaram alguém em necessidade ou quando a ajuda veio de terceiros, e níveis distintos quando a pessoa não recebeu ajuda de ninguém. Esses resultados demonstram que a motivação intrínseca para o comportamento de ajuda nas crianças pequenas não foi motivada para a obtenção de algum benefício, mas que residiu no fato de a pessoa necessitar de ajuda. A velocidade do início da ação de ajudar foi diretamente proporcional ao aumento da pupila, ou seja, quanto mais rápida se deu a dilatação pupilar, mais rapidamente o comportamento de ajuda foi verificado.

Orientações/diretrizes a futuras pesquisas

Dado o aumento expressivo de estudos usando equipamento de rastreamento ocular em bebês e crianças pequenas nas últimas décadas, Oakes (2010) propôs uma lista com oito orientações para pesquisadores que pretendem publicar seus dados: a) Descrever detalhadamente aspectos relativos à apresentação dos estímulos - por exemplo, apresentando dados sobre a distância dos bebê em relação ao equipamento (que deverá ser constante), o tamanho das imagens apresentadas e o ângulo visual total da área de visualização; b) Fornecer detalhes sobre o sistema de rastreamento ocular usado - os sistemas diferem significativamente do nível de variáveis muito importantes, como a taxa de amostragem (um equipamento que registra dados a uma taxa de 50 Hz fornece informação de qualidade muito distinta de um equipamento de 2000 Hz) ou como o sistema retoma o registro perdido devido a movimentos de cabeça, piscar de olhos ou outras situações muito comuns na avaliação de amostras infantis; c) Descrever detalhadamente o procedimento de calibração - por exemplo, indicando o número de pontos de calibração usados, o tipo de estímulo utilizado (como uma bola vermelha ou o desenho de uma estrela do mar) e a sua posição; d) Apresentar procedimentos usados para lidar com dados ausentes - por exemplo, aplicação de filtros para corrigir dados ausentes devidos a piscar de olhos; e) Apresentar informação sobre como os dados oculares foram processados - que tipo de filtros foram aplicados previamente às análises e em que momento foram aplicados (como durante ou após a coleta); f) Especificar procedimentos e parâmetros de redução dos dados - dada a enorme quantidade de dados resultantes, os pesquisadores deverão especificar se recorreram a alguma estratégia de seleção e redução de dados; g) Fornecer informação sobre como as áreas de interesse foram definidas - por exemplo, se as áreas foram desenhadas manualmente ou definidas de acordo com a esquadria de pixels, se são formas regulares ou irregulares, se são as mesmas para cada estímulo; e h) Fornecer informação detalhada sobre os critérios de exclusão - por exemplo, definir casos excluídos por não ter sido atingido o número mínimo de ensaios válidos, qual o tempo mínimo de fixação/número mínimo de sacadas para um ensaio ser considerado válido etc.

 

Conclusão

Desde os primeiros estudos dirigidos ao rastreio ocular até os dias atuais, é notável a evolução dos equipamentos e da tecnologia envolvida, sendo crescente e vasta sua utilização. Entre os diferentes tipos de rastreadores oculares disponíveis, aqueles que utilizam a técnica de reflexão da córnea são os mais utilizados por serem não invasivos e indolores, além de serem mais precisos e automatizados, permitindo uma boa interface homem-computador. Os rastreadores oculares utilizados em bebês podem ser remotos ou montados na cabeça, e cada modalidade possui suas vantagens e desvantagens. A escolha do equipamento e do método a ser utilizado irá depender do objetivo do estudo, da população-alvo e obviamente da relação custo-benefício.

Considerando que em âmbito nacional as pesquisas com rastreio ocular em bebês e crianças são escassas, este levantamento teórico buscou fornecer informações para estimular e auxiliar pesquisadores na tomada de decisões metodológicas, pontuando itens importantes a serem considerados nas pesquisas com bebês, a fim torná-la mais aplicável e disponível a outros pesquisadores, propiciando maior e melhor utilização dessa tecnologia.

Este estudo recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Fundo Mackenzie de Pesquisa (MackPesquisa).

 

Referências

Aslin, R. N. (2012). Infant eyes: A window on cognitive development. Infancy, 17(1),126-140. doi:10.1111/j.1532-7078.2011.00097.x        [ Links ]

Biro, S. (2013). The role of the efficiency of novel actions in infants' goal anticipation. Journal of experimental child psychology, 116(2),415-427. doi:10.1016/j.jecp.2012.09.011        [ Links ]

Biro, S., Alink, L. R., van IJzendoorn, M. H., & Bakermans-Kranenburg, M. J. (2014). Infants' monitoring of social interactions: The effect of emotional cues. Emotion, 14(2),263. doi:10.1037/a0035589        [ Links ]

Corbetta, D., Guan, Y., & Williams, J. L. (2012). Infant Eye-Tracking in the Context of Goal-Directed Actions. Infancy, 17(1),102-125. doi:10.1111/j.1532-7078.2011.0093.x        [ Links ]

Ellis, E. M., Borovsky, A., Elman, J. L., & Evans, J. L. (2015). Novel word learning: An eye-tracking study. Are 18-month-old late talkers really different from their typical peers? Journal of communication disorders, 58,143-157. doi:10.1016/j.jcomdis.2015.06.011        [ Links ]

Frank, M. C., Amso, D., & Johnson, S. P. (2014). Visual search and attention to faces during early infancy. Journal of experimental child psychology, 118,13-26. doi:10.1016 j.jecp.2013.08.012        [ Links ]

Goldberg, J. H., & Wichansky, A. M. (2003). Eye tracking in usability evaluation: A practitioner's guide. In The Mind's Eyes: Cognitive and Applied Aspects of Eye Movements (pp. 493-516). Elsevier Science: Oxford.         [ Links ]

Gredebäck, G., Johnson, S., & von Hofsten, C. (2009). Eye tracking in infancy research. Developmental neuropsychology, 35(1),1-19. doi:10.1080/87565640903325        [ Links ]

Hepach, R., Vaish, A., & Tomasello, M. (2012). Young children are intrinsically motivated to see others helped. Psychological Science, 23(9),967-972. doi:10.1177/ 0956797612440571        [ Links ]

Jones, W., & Klin, A. (2013). Attention to eyes is present but in decline in 2-6-monthold infants later diagnosed with autism. Nature, 504(7480),427-431. doi:10.1038/nature12715        [ Links ]

Karatekin, C. (2007). Eye tracking studies of normative and atypical development. Developmental review, 27(3),283-348. doi:10.1016/j.dr.2007.06.006        [ Links ]

Nuske, H. J., Vivanti, G., & Dissanayake, C. (2015). No evidence of emotional dysregulation or aversion to mutual gaze in preschoolers with autism spectrum disorder: an eye-tracking pupillometry study. Journal of autism and developmental disorders, 45(11),3433-3445. doi:10.1007/s10803-015-2479-5        [ Links ]

Oakes, L. M. (2010). Infancy Guidelines for Publishing Eye-Tracking Data. Infancy, 15(1),1-5. doi:10.1111/j.1532-7078.2010.00030.x        [ Links ]

Oakes, L. M. (2012). Advances in eye tracking in infancy research. Infancy, 17(1),1-8. doi:10.1111/j.1532-7078.2011.00101.x        [ Links ]

Richmond, J. L., Zhao, J. L., & Burns, M. A. (2015). What goes where? Eye tracking reveals spatial relational memory during infancy. Journal of experimental child psychology, 130,79-91. doi:10.1016/j.jecp.2014.09.013        [ Links ]

Richmond, J., & Nelson, C. A. (2009). Relational memory during infancy: evidence from eye tracking. Developmental science, 12(4),549-556. doi:10.1111/j.1467-7687.2009.00795.x        [ Links ]

Simion, F., Regolin, L., & Bulf, H. (2008). A predisposition for biological motion in the newborn baby. Proceedings of the National Academy of Sciences, 105(2),809-813. doi:10.1073/pnas.0707021105        [ Links ]

Telford, E. J., Fletcher-Watson, S., Gillespie-Smith, K., Pataky, R., Sparrow, S., Murray, I. C., & Boardman, J. P. (2016). Preterm birth is associated with atypical social orienting in infancy detected using eye tracking. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 57(7),861-868. doi:10.1111/jcpp.12546        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Ana Alexandra Caldas Osório
Rua Piauí, 181, 10º andar
CEP: 01241-001. São Paulo, SP, Brasil
E-mail: ana.osorio@mackenzie.br

Submissão: 17.5.2017
Aceite: 1.11.2017

Creative Commons License