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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n1p200-210 

ARTIGOS
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

Dificuldades de escrita em alunos do ensino fundamental

 

 

Débora Cecílio FernandesI; Selma de Cássia MartinelliII

IUniversidade Estadual do Centro-Oeste, PR, Brasil
IIUniversidade Estadual de Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo da presente pesquisa foi avaliar e analisar as principais dificuldades de escrita apresentadas por alunos do 2º ao 5ºano do Ensino Fundamental utilizando o modelo de Rasch. Participaram da pesquisa 413 alunos de escolas públicas, sendo 227 (55%) do sexo feminino. Os participantes foram avaliados com o Teste de Avaliação da Escrita, nos subtestes sílabas, palavras e pseudopalavras. Os dados foram analisados a partir do modelo de Rasch. Verificou-se que sílabas com estrutura mais complexa, como consoante-consoante-vogal-consoante, foram mais difíceis. As palavras mais difíceis apresentaram a possibilidade de um fonema ser representado por mais de um grafema e continham acento. Nas pseudopalavras mais difíceis, era necessário empregar regras ortográficas bem definidas, como o uso do "m" antes de "p" e "b". Os resultados obtidos podem auxiliar o professor a antecipar as prováveis dificuldades dos alunos e plane- jar estratégias pedagógicas diferenciadas.

Palavras-chave: ortografia; escrita; avaliação; modelo de Rasch; ensino fundamental.


 

 

Introdução

A escrita é um sistema muito complexo de aquisição simbólica que envolve vários processos cognitivos (Capovilla, Gutschow, & Capovilla, 2004; Vega Cuetos, Sánchez Ramos, & Hernández Ruano, 2002), pois pode ser referente à escrita de uma palavra isolada ou de elaborações mais intricadas, como a construção de textos. Além disso, a aquisição da escrita é lenta e dificultosa, exigindo alguns anos de esforço por parte dos alunos.

Nesse contexto, vários estudos de Berninger, entre eles Abbott e Berninger (1993), apoiam um modelo teórico de leitura e de escrita, no qual os processos de escrita envolvem desde a geração de ideias do que se pretende escrever, a transformação de tais ideias em uma representação da linguagem (palavras, frases e discursos), passando pela transcrição, até a geração de texto (palavras, frases e discursos). O processo de transcrição se refere à combinação do conhecimento ortográfico com os movimentos motores necessários para a produção das letras e das palavras. A autora destaca ainda o papel das funções executivas e da memória de trabalho.

Especificamente no caso da língua portuguesa falada no Brasil, vários autores, como Faraco (2016), Morais e Rios Leite (2012) e Lemle (2009), apontam uma série de especificidades que devem ser levadas em conta na aprendizagem da linguagem escrita. Nesse sistema alfabético, alguns fonemas podem ser representados por mais de uma maneira e alguns grafemas representam mais de um som. A escrita possui uma série de propriedades linguísticas, espaciais e temporais, como: a relação entre letras e sons (uma letra pode representar um ou vários sons e um som pode ser representado por várias letras); a correspondência quantitativa entre letras e sons (cada palavra se escreve com determinada quantidade de letras, que nem sempre correspondem ao número de fonemas que a formam); as variações entre o modo de pronunciar as palavras e a forma de escrevê-las; a posição de cada letra no espaço gráfico e a direção da escrita; a linearidade (uma letra ser escrita após a outra) e a segmentação (pausas decorrentes do caráter descontínuo da escrita).

Assim, nesse sistema notacional, a ortografia tem um papel importante, uma vez que sistematiza a maneira de escrever cada palavra da língua. Mesmo tendo o alfabeto uma quantidade limitada de letras e de sinais e as normas ortográficas regulando esse sistema, apropriar-se desse sistema notacional tem se mostrado muito mais complexo do que se poderia supor (Nunes & Bryant, 2014), o que tem motivado os pesquisadores à realização de estudos voltados para a análise e a intervenção na escrita infantil (Zorzi, 1998; Santos & Maluf, 2010; Batista & Capellini, 2011; Capellini et al., 2011; Rosa Neto, Xavier, & Santos, 2013; Caliatto & Fernandes, 2014).

Destaca-se que o foco de interesse deste estudo também está na investigação do desempenho em escrita. No entanto, para tal, foi usado o Teste de Avaliação da Escrita (Martinelli et al., 2015), instrumento que vem sendo desenvolvido para avaliar a escrita de sílabas, palavras, pseudopalavras, frases e construção textual de alunos do Ensino Fundamental. Dessa forma, o presente estudo se refere a uma exploração inicial do instrumento e do desempenho dos alunos. Assim posto, o objetivo deste estudo foi avaliar e analisar as principais dificuldades de escrita apresentadas por alunos do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental mediante o uso do modelo de Rasch.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 413 alunos do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, sendo 227 (55%) deles do sexo feminino. Os alunos cursavam o 2º, 3º, 4º e 5º ano da rede pública estadual de duas escolas de um município do interior do estado de São Paulo. Do total de crianças, 65 (15,7%) cursavam o 2º ano, 112 (27,1%), o 3º, 139 (33,7%), o 4º, e 97 (23,5%), o 5º ano.

Instrumentos

Teste de Avaliação da Escrita- TAE (Martinelli et al., 2015): O TAE foi desenvolvido tomando como referência os conhecimentos acumulados pelos estudos da Psicologia Cognitiva, mais especificamente os aspectos presentes no sistema de escrita alfabético e relativos aos processos de codificação, de planejamento de ideias e de composição de textos, tais como os referenciados anteriormente. O instrumento é composto por um subteste de ditado de sílabas, de palavras, pseudopalavras, frases e composição da escrita. Ele permite avaliar alguns aspectos da escrita: a ortografia regular e arbitrária, regras ortográficas, regras de pontuação e acentuação, uso de maiúsculas, além da composição de um texto narrativo. O teste é contextualizado a partir de uma história gravada em vídeo, que tem como enredo um dia de aula regular na escola. O vídeo tem duração de 1 minuto e 30 segundos e deve ser apresentado aos alunos no início do teste.

Com base nos elementos presentes na história infantil, foram propostas as atividades de escrita do instrumento. A primeira atividade consta da escrita de 17 sílabas ditadas em que foram contempladas as estruturas silábicas consoante-vogal (cv), vogal-consoante (vc), consoante-consoante-vogal (ccv), consoante-vogal-vogal (cvv), consoante-vogal-vogal-consoante (cvvc), consoante-consoante-vogal-consoante (ccvc), consoante-consoante-vogal-vogal-consoante (ccvvc). Nessa atividade, a finalidade é avaliar regras de codificação pelo uso da representação fonema-grafema (por exemplo: ta, noi, bli, guas).

O subteste de palavras é composto por 25 itens, sendo contempladas as palavras de ortografia regular e arbitrária e as que devem respeitar as regras ortográficas, assim como o emprego de acentos (por exemplo: sala, mochila, roupa, gargalhada, carteira). No terceiro subteste, são ditadas 17 pseudopalavras (por exemplo: quentico, lequipa, teneda, gutapoca, forinfura), no qual está prevista a escrita de pseudopalavras que exigem o emprego das regras ortográficas.

Na sequência, os alunos devem escrever frases que lhe são ditadas, totalizando seis (por exemplo: os alunos gostaram da atividade; a aula mais interessante aconteceu no pátio da escola). As etapas finais do instrumento contemplam atividades sobre as habilidades de composição escrita. Na primeira atividade de composição, o estudante deverá escrever frases com base em uma cena da história (em um total de três frases), e na última, o estudante terá de escrever um breve texto para o final da história. Para fins deste estudo, foi analisada a escrita de sílabas, palavras e pseudopalavras.

A análise do instrumento pelo modelo de Rasch (1960) indicou que as informações psicométricas obtidas dos subtestes de ditado de sílabas, palavras e pseudopalavras foram satisfatórias e permitem o seu uso para a avaliação das crianças. Nesse sentido, para o subteste de sílabas, obteve-se uma média de infit de 1,00 e de outfit de 1,06, considerados índices de ajuste adequados (Linacre, 2009). O índice mais elevado de infit foi 1,23 e do outfit, foi 1,67, e nenhum deles representa um desajuste preocupante. O índice de Reliability dos itens foi muito alto: 0,99.

O subteste de palavras também apresentou resultados satisfatórios. A média do infit foi 1,00 (DP = 0,13) e do outfit foi 1,25 (DP = 1,05). O item com maior infit obteve 1,40 e com o maior outfit, 6,25. Esse valor de outfit é preocupante, por isso foi realizada uma análise de ajuste individualizada para cada item. Observou-se que esse item se refere à palavra "bola" e foi o único que apresentou um desajuste severo, o que indica que crianças com uma habilidade alta erraram a escrita dessa palavra, provocando tal desajuste. Finalmente, o índice de Reliability dos itens foi 0,99.

No caso do subteste de pseudopalavras, as médias do infit e do outfit dos itens foram, respectivamente, 1,00 (DP = 0,8) e 0,97 (DP = 0,12). O infit mínimo foi 0,84 e o máximo, 1,14. Os valores de outfit variaram de 0,70 a 1,21. O índice de Reliability foi 0,98. Todos os indicadores desse subteste também foram satisfatórios.

Procedimentos de coleta de dados

Os procedimentos éticos foram cumpridos de acordo com a Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e o projeto foi aprovado sob o parecer nº 1.421.568. A aplicação do TAE ocorreu em pequenos grupos, na própria escola, em um único dia e em horário regular de aula dos alunos. Foi inicialmente explicado às crianças de que tratava a atividade e, na sequência, iniciou-se a transmissão do vídeo, por meio de data show, com duração de 1,30 minutos. Ao final do vídeo, foi realizado um ditado de sílabas, palavras e pseudopalavras que eram repetidas, caso necessário, apenas uma única vez.

Procedimentos de análise de dados

Para a análise dos dados, foi utilizado o modelo de Rasch (1960). Trata-se de um modelo probabilístico de um parâmetro: o da dificuldade dos itens. O modelo estima simultaneamente os parâmetros das pessoas e dos itens mediante o método de máxima verossimilhança. A estimação conjunta é também independente, o que possibilita generalizar as estimativas de dificuldade dos itens de modo independente da amostra utilizada ao mesmo tempo que permite generalizar as estimativas das pessoas independentemente do conjunto de itens que foi respondido (Fernandes, Prieto, & Delgado, 2015).

Para que seja possível utilizar o modelo de Rasch, é necessário que os dados obtidos empiricamente se ajustem ao modelo. O ajuste indica se as pessoas responderam aos itens conforme o previsto pelo modelo. Nesse sentido, o modelo prevê que pessoas com nível alto de habilidade acertem itens mais difíceis que aquelas com níveis mais baixos. Igualmente, é previsto que participantes com nível mais baixo de habilidade errem itens difíceis e acertem itens fáceis. O ajuste revela a discrepância entre as respostas esperadas e as obtidas.

Para o presente estudo foram considerados os critérios de ajuste de Linacre (2002), que afirma que valores entre 0,5 e 1,5 revelam divergências pouco relevantes, enquanto os valores de 1,5 a 2,0 indicam discrepâncias moderadas. Quando o indicador exceder o valor 2,0, o desajuste é considerado aberrante. Valores inferiores a 0,5 manifestam maior ajuste do que esperado, mas considera-se que, nesses casos, o ajuste foi devido ao acaso e, portanto, não chega a prejudicar a medida. Com relação aos índices de fidedignidade, foram utilizados os valores do Item Separation Reliability, que podem variar entre 0 e 1 e indicam a precisão dos itens, ou seja, se a localização dos itens e das pessoas na escala da variável latente é replicável (Linacre, 2009).

 

Resultados

As análises realizadas a partir do modelo de Rasch da escrita geraram os parâmetros de habilidade dos alunos e de dificuldade dos itens. Inicialmente, são apresentadas as informações relativas aos alunos e, posteriormente, os mapas de Wright e os valores dos itens mais difíceis de cada subteste. Na Tabela 1 constam as informações relativas às pontuações totais, a habilidade dos alunos (medida Rasch), o erro de medida e os indicadores de ajuste, infit e outfit para todos os subtestes.

No subteste de sílabas, ressalta-se que a média do parâmetro da habilidade das crianças foi alta e os valores mínimo e máximo da habilidade revelaram uma boa variabilidade da distribuição das crianças ao longo da escala logit. Além disso, os indicadores de ajuste foram satisfatórios, conforme os critérios de Linacre (2002). O Person Reliabitity Index foi relativamente baixo.

Com relação ao subteste de palavras, observa-se que a média do parâmetro de habilidade foi alto mas inferior ao do subteste de sílabas. Os valores mínimo e máximo mostram que houve uma distribuição muito ampla das habilidades das crianças. Novamente, observa-se índices de ajuste satisfatórios, conforme os critérios adotados. O índice de Reliability foi alto, o que indica uma boa confiança nos parâmetros de habilidade das crianças.

No caso do subteste de pseudopalavras, a média do parâmetro de habilidades foi levemente inferior a 0,0. A distribuição das habilidades foi ampla, conforme observado pelas pontuações mínimas e máximas obtidas. Os valores de infit e de outfit se adequaram bem aos critérios estabelecidos por Linacre (2002). O índice de Reliability pode ser considerado adequado.

A Figura 1 mostra os mapas de Wright dos itens e das pessoas nos três subtestes. No lado esquerdo de cada mapa, são apresentadas as localizações das crianças na escala de habilidade de escrita, enquanto no lado direito de cada mapa estão localizados os itens.

A Tabela 2 mostra o nível de dificuldade dos itens mais difíceis de cada subteste. São exibidos, ainda, os valores de pontuação total, erro de medida e de ajuste. Ainda são indicados nessa mesma tabela os valores de dificuldade das sílabas, palavras e pseudopalavras mais difíceis do TAE- nota-se que tais itens foram extremamente difíceis. Os valores de erro de medida e de ajuste foram adequados para todos eles.

 

Discussão

O objetivo do presente estudo foi avaliar e analisar as principais dificuldades linguísticas apresentadas por alunos do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental, mediante o uso do modelo de Rasch. O modelo de Rasch considera a pontuação total como estatístico suficiente para a estimação dos parâmetros de dificuldade das pessoas e dos itens. Por isso, os itens mais difíceis indicam os itens que receberam menos acertos por parte dos alunos.

Como apresentado nos resultados, as sílabas de maior facilidade de representação foram as que tinham a estrutura de vc e cv, enquanto as sílabas "lhões" e "vras" foram identificadas como as mais difíceis desse subteste. Nesse momento, faz-se importante também destacar que a escrita "vras" e "vraz" foi considerada como acerto. É possível afirmar que as duas sílabas possuem uma estrutura mais complexa (ccvvc e ccvc), e que, no caso da sílaba "lhões", ainda existia a possibilidade de erro em decorrência do que Zorzi (1998) denominou apoio na oralidade (por exemplo, liões) ou por permitir a representação da nasalidade pelo uso do "m" ou "n" (lhoens, lioens).

Nesse sentido, Morais (2007) afirma que o emprego das formas que representam o som nasal é um complicador no período de aquisição da escrita, uma vez que, no português, o som nasal pode ser representado pelo "m" ou o "n" em final de sílaba (por exemplo, bambu e banda), pelo til (manhã), pelo dígrafo nh (minha, galinha) ou ainda por contiguidade, na qual a sílaba seguinte inicia com a consoante, como é o caso de cama, cana, banana (Caliatto & Fernandes, 2014). Embora não tenha sido objetivo deste estudo apontar o tipo de erro cometido, pode-se considerar a hipótese, com base nos autores supracitados, de que essas foram as principais possibilidades de erro das sílabas mais difíceis.

Destaca-se que, no entanto, no caso específico da sílaba "lhões", devido às diversas possibilidades de erro, seria importante uma análise mais detalhada dos tipos de erros mais frequentes para que se possa determinar com mais precisão qual é a dificuldade dos alunos e, assim, pensar em ações pedagógicas. Essa análise inicial do instrumento não indicou que pode ser algum tipo de problema com a construção do item, ao se considerar os valores de ajuste. No entanto, análises futuras podem ser consideradas para uma compreensão mais pormenorizada do item.

No subteste de palavras, a correspondência biunívoca de fonemas-grafemas não era suficiente para grafar corretamente as palavras, uma vez que também exigia o conhecimento de que um fonema pode ser representado por diferentes grafemas, de regras ortográficas, assim como o emprego de acentos. Verificou-se que, nesse subteste, os participantes apresentaram nível de habilidade mais baixo em comparação com o de subteste de sílabas, o que pode ser observado pelas médias de habilidade das crianças e a inspeção visual do mapa de Wright.

Os resultados deste subteste revelaram que as palavras mais difíceis levavam acento (régua, relógio e história), mas que também era necessário o domínio de outras regras para a sua correta representação gráfica, como o uso do g e j no caso da palavra "relógio" e o uso do h no início da palavra. Uma pesquisa que permite comparação com o subteste de palavras foi levada a cabo por Caliatto e Fernandes (2014), que usaram o modelo de Rasch para estimar a dificuldade das palavras de um ditado e discutiram as complexidades linguísticas presentes nas palavras mais difíceis.

Com relação à dificuldade da palavra "régua", dois complicadores podem ser pensados. Em primeiro lugar, o uso do acento que também foi ressaltado por Caliatto e Fernandes (2014) por estar presente em várias das palavras mais difíceis do ditado. Em segundo lugar, a sílaba "gua" pode ter sido outro fator de complexidade da escrita. Como apoio a essa hipótese, o mapa de Wright do subteste de sílabas mostra que a sílaba "guas" foi a terceira mais difícil do subteste de sílabas, o que indica que os alunos apresentam dificuldade nessa combinação linguística.

No caso da palavra "história", Caliatto e Fernandes (2014) identificaram que entre as palavras mais difíceis também estavam algumas que continham a letra "h" e argumentaram que esses erros podem ser decorrentes do fato de essa letra não representar nenhum som e ser de uso arbitrário. Novamente, o acento pode ter sido um dificultador adicional.

De modo geral, convém ressaltar que o presente estudo e o de Caliatto e Fernandes (2014) identificaram alguns aspectos da língua portuguesa como complicadores para a aquisição da escrita, como: o acento, o uso de dígrafo, como em chácara, burrico, vizinho, além de sons que podem ser representados por mais de uma maneira. A dificuldade do uso de dígrafos se deve à união de duas letras para formar um único fonema (Morais, 2007).

A escrita de pseudopalavras, por serem totalmente desconhecidas, é uma tarefa que exige que os alunos façam a conversão de fonemas para grafemas de forma mais pura. Como os alunos nunca foram expostos a essas palavras, eles não possuem uma representação armazenada delas, o que os impede de recuperar informações armazenadas previamente, como a forma visual das palavras, e os obriga a recorrer ao processo de conversão fonema-grafema e ao uso de regras ortográficas. Pode-se verificar que esse foi o subteste com média de habilidade dos alunos mais baixa. As pseudopalavras mais difíceis foram "buampoca", seguida de "zatimbum". Apesar de não ter sido realizada uma análise do tipo de erro cometido pelos alunos, as dificuldades mais aparentes dessas pseudopalavras são o uso de regras ortográficas bem definidas, como o uso do "m" antes de "p" e "b", e o emprego do "z" inicial. Não ter aplicado adequadamente tais regras pode ter produzido o erro dessas pseudopalavras. A aplicação equivocada das regras pode ter sido influenciada pelo fato de os alunos não possuírem nenhuma representação mnemônica das pseudopalavras que pudessem servir de apoio à escrita.

O presente estudo contribuiu para a compreensão das dificuldades linguísticas contidas nas palavras, com destaque para o uso de acentos, dígrafos, som nasal e erros devido a mais de uma possibilidade de escrita. Esse tipo de pesquisa oferece pistas aos professores sobre as potenciais dificuldades em ortografia da Língua Portuguesa de alunos em fase de alfabetização, o que possibilita fazer previsões acerca dessas dificuldades que os alunos encontrarão e planejar antecipadamente estratégias pedagógicas diferenciadas. Este estudo, porém, não investigou os tipos de erros cometidos pelos alunos, o que impede de indicar com mais precisão quais foram os erros mais comuns apresentados nas palavras que contêm mais de uma possibilidade de erro. Como perspectiva de pesquisas futuras, sugere-se a análise dos erros dos alunos, além de estudos psicométricos do TAE.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Débora Cecílio Fernandes
Rua Bauru, 2399, Bairro Boqueirão
Guarapuava, Paraná. CEP: 85022-330
E-mail: debora.cecilio@gmail.com

Submissão: 1.6.2016
Aceite: 1.11.2017

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