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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.2 São Paulo maio/ago. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n2p107-119 

ARTIGOS
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Correlação entre ansiedade e consumo de álcool em estudantes universitários

 

 

Érika Correia SilvaI; Adriana Marcassa TucciII

IUniversidade Federal de São Paulo, Unifesp, SP, Brasil
IIUniversidade Federal de São Paulo, Unifesp, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A ansiedade é um transtorno que afeta consideravelmente os estudantes universitários e que, muitas vezes, está associada ao consumo abusivo de álcool. O objetivo do estudo foi avaliar a correlação entre a ansiedade, o padrão de consumo de álcool e suas consequências entre estudantes universitários, antes e após uma intervenção breve. Os estudantes passaram para um padrão de consumo de álcool de baixo risco, e houve uma redução das consequências associadas ao uso após a intervenção, mas os níveis de ansiedade se mantiveram semelhantes. Os resultados sugerem que o consumo de álcool e suas consequências estão correlacionados com a ansiedade. No entanto, a intervenção não promoveu alteração nos níveis de ansiedade, assim como a correlação não foi mantida após a intervenção. Dessa maneira, é também importante o desenvolvimento de intervenções preventivas específicas para a ansiedade nos serviços de apoio aos estudantes universitários.

Palavras-chave: estudantes; ansiedade; consumo de álcool; prevenção; universidade.


 

 

Introdução

A prevalência dos transtornos de ansiedade tem aumentado nas últimas décadas devido às grandes transformações ocorridas nos âmbitos econômico, social e cultural, que, somadas às ocorridas na sociedade moderna, tornam a vida atual cada vez mais competitiva. Somando-se a isso, ingressar no ensino superior representa uma nova fase na vida dos estudantes que implica mudanças e necessidade de adaptação e integração a esse novo contexto, podendo gerar níveis mais elevados de ansiedade (Pereira & Lourenço, 2012).

A ansiedade é um transtorno que afeta, consideravelmente, a população de estudantes universitários. Durante a formação acadêmica, o estudante tem que lidar com diversas situações que envolvem maior carga de responsabilidade, pressões, cobranças e interação social, o que pode contribuir significativamente para o aumento do nível de ansiedade que, muitas vezes, vem associado a sentimentos de inferioridade, incapacidade e impotência. Diversos estudos apontam que o estresse crônico e prolongado pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de manifestações psicopatológicas, como a ansiedade (Morais, Mascarenhas, & Ribeiro, 2010). Schmidt, Dantas, & Marziale (2011) explicam que, apesar de o estresse e a ansiedade terem conceituações diferentes e próprias, existem compreensões que afirmam uma relação complexa e estreita entre ambos, pois, ante uma situação estressora, a resposta de enfrentamento do indivíduo pode não ser eficaz ao ponto de eliminar o estressor ou solucionar a situação estressora, provocando uma ativação fisiológica frequente e intensa, que poderá desencadear ansiedade ou transtornos mentais.

A ansiedade pode interferir no processo de adaptação dos estudantes universitários e levá-los a apresentar redução da concentração e da atenção, com reflexo na aprendizagem, além de dificuldade para a aquisição de habilidades sociais e de comportamentos assertivos, essenciais para um melhor desenvolvimento pessoal e acadêmico (Brandtner & Bargadi, 2009). Para aliviar os sintomas físicos e psicológicos da ansiedade, os estudantes podem fazer mais facilmente uso de álcool por causa das propriedades ansiolíticas presentes nessa substância. Nessa direção, a literatura vem mostrando haver relação entre a presença de ansiedade e o consumo de álcool, sendo a ansiedade um fator motivador para o abuso dessa substância (Keyes, Hatzenbuehler, & Hasin, 2011; Low, Lee, Johnson, Williams, & Harris, 2008). Especificamente em relação ao consumo de álcool em estudantes universitários, Kerr-Corrêa, Andrade, Bassit, & Boccuto (1999) identificaram que 6,5% dos estudantes consomem álcool com a finalidade de reduzir os sintomas de ansiedade. Além disso, Chiapetti e Serbena (2007) demonstraram que um dos motivos que mantêm o consumo de álcool nessa população está associado à redução da ansiedade.

A utilização de técnicas focadas e de curta duração, denominadas de intervenções breves, tem se tornado uma forma de cuidado e de prevenção ao consumo excessivo de álcool e objetiva a redução de danos do uso dessa substância (Higgins-Biddle & Barbor, 2000). Entre universitários, vêm sendo desenvolvidos trabalhos preventivos com esse objetivo, e uma das intervenções mais conhecidas é o Brief Alcohol Screening and Intervention for College Students (BASICS).

Dimeff e colaboradores do Centro de Pesquisas em Comportamentos de Dependência da Universidade de Washington desenvolveram o BASICS, uma intervenção breve específica para ser aplicada em estudantes universitários. Essa intervenção foi desenvolvida considerando os problemas associados ao abuso de álcool entre universitários e tem como objetivo a redução do consumo de álcool e dos problemas associados a esse consumo nessa população (Dimeff, Baer, Kivlahan, & Marlatt, 2002).

O BASICS é baseado nos pressupostos da redução de danos e tem como objetivo, por meio de ações educativas, ensinar os estudantes a consumir álcool de maneira moderada. Caracteriza-se como uma intervenção preventiva para universitários que apresentam um padrão de uso de risco ou nocivo de álcool, ou seja, estudantes que já apresentam ou podem apresentar consequências negativas associadas a esse consumo, como falta às aulas, envolvimento em acidentes ou em atos de violência (Dimeff et al., 2002).

A intervenção BASICS foi planejada para ajudar os universitários a tomar melhores decisões com relação ao consumo de álcool. Não visa ao confronto ou ao julgamento sobre o comportamento de consumo, ao contrário, visa à compreensão e à empatia por meio de orientações para promover a redução dos efeitos negativos do consumo e favorecer a reflexão sobre a possibilidade de ter escolhas mais saudáveis (Dimeff et al., 2002; Fachini, Aliane, Martinez, & Furtado, 2012).

Dois estudos de revisão da literatura que tinham como objetivo avaliar a eficácia do BASICS identificaram expressiva eficácia na mudança de comportamento dos estudantes, como redução do consumo de álcool e dos problemas associados (Amaro et al., 2010; Fachini et al., 2012). Murphy et al. (2001), além de avaliarem a eficácia do BASICS, compararam esse método com uma intervenção educativa, baseada em um vídeo educativo de 30 minutos de duração com conteúdos relacionados às consequências acadêmicas e interpessoais resultantes de consumo abusivo de álcool. Na comparação com a intervenção educativa, o BASICS obteve resultados mais satisfatórios na redução do consumo e em suas consequências nessa população.

No Brasil, o primeiro trabalho preventivo, utilizando o BASICS, teve início em 2000 e apresentou resultados favoráveis. Os estudantes que passaram pela intervenção reduziram tanto a frequência como a quantidade de consumo, e isso influenciou na redução das consequências negativas (Simão et al., 2008). No entanto, ainda são escassos na literatura científica estudos que avaliem o efeito do BASICS nos níveis de ansiedade e sua relação com o padrão de consumo de álcool na população de estudantes universitários (Lopes & Rezende, 2013). Considerando a necessidade de estudos que avaliem se intervenções específicas para o consumo de risco de álcool podem ter efeito no nível de ansiedade, este estudo teve como objetivo avaliar a correlação entre o nível de ansiedade, o padrão de consumo de álcool e suas consequências entre estudantes universitários, antes e depois de uma intervenção breve.

 

Método

Este estudo é descritivo, quantitativo e de delineamento longitudinal, com coleta de dados realizada entre janeiro de 2013 e maio de 2014.

Participantes

Participaram deste estudo 42 estudantes, de ambos os sexos, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os critérios de inclusão no estudo foram: ter idade acima de 18 anos e cursar Ciências Biológicas, Ciências Ambientais, Farmácia e Bioquímica, Área de Química (Química, Engenharia Química e Química Industrial) e Ciências - Licenciatura, do primeiro ao quinto ano. Além disso, para participar da intervenção, o estudante deveria ter apresentado um padrão de consumo de álcool com uma das seguintes características: de risco, nocivo ou provável dependência. Os critérios de exclusão do estudo foram: idade menor do que 18 anos, curso de graduação diferente dos mencionados anteriormente no critério de inclusão e caracterização do padrão de consumo de álcool como sem risco. A amostra foi realizada por conveniência e de acordo com a aceitação dos estudantes em participar da pesquisa.

Instrumentos

Para a coleta de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos:

Questionário de Caracterização Sociodemográfica dos Estudantes: desenvolvido para levantamento de perfil sociodemográfico da amostra de estudantes.

The Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT): desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (Babor, Higgins-Biddle, Saunders, & Monteiro, 2001) e validado para a população brasileira por Lima et al. (1999). Com confiabilidade de 0,81 (alfa de Cronbach), o AUDIT possui dez questões, com pontuação que varia de 0 a 4. Esse instrumento foi utilizado para identificar o padrão de consumo de álcool dos estudantes, como uso de baixo risco (de 0 a 7 pontos), uso de risco (de 8 a 15 pontos), uso nocivo (de 16 a 19 pontos) ou provável dependência (acima de 20 pontos). Para este estudo, foi considerado consumo de baixo risco, pontuações de 0 a 7, e consumo de risco, pontuações entre 8 e 20 pontos (Babor et al., 2001, Lima et al., 1999).

Rutgers Alcohol Problem Index (RAPI): desenvolvido por White e Labouvie (1989). Apresenta confiabilidade de 0,92 (alfa de Cronbach) e foi utilizado para avaliar as consequências associadas ao uso de álcool, sendo um instrumento constituído por 23 itens, com uma escala do tipo Likert que varia de 0 a 4. As respostas a esse instrumento indicam o número de vezes em que um dado comportamento ocorreu em decorrência do consumo de bebidas alcoólicas. Assim, quanto maior a pontuação, maior o número de vezes em que um determinado evento ocorreu (Dimeff et al., 2002; White & Labouvie, 1989).

Inventário de Ansiedade de Beck (BAI): desenvolvido por Beck, Epstein, Brown, & Steer (1988) e traduzido e validado por Cunha (2001) para uso na população brasileira. Apresenta alfa de Cronbach de 0,92, com evidências de validade de conteúdo, discriminante, convergente e fatorial (Cunha, 2001). O BAI foi utilizado para medir a intensidade dos sintomas de ansiedade. O instrumento é composto por 21 afirmações que descrevem sintomas de ansiedade durante a última semana. O indivíduo deverá avaliar, de acordo com a gravidade e a frequência de cada item, como se sentiu em uma escala que varia de 0 a 3 pontos, e, quanto maior for a pontuação total, maiores serão a gravidade e a frequência do sintoma avaliado (Cunha, 2001).

Procedimentos

O AUDIT foi aplicado em todas as salas de aula após autorização da direção da universidade e dos docentes. Utilizou-se esse instrumento para triar os estudantes com consumo de baixo risco ou com consumo de risco. No total, 1.200 estudantes responderam ao AUDIT, dos quais 181 (15,1%) foram classificados como possuindo um consumo de risco e convidados, por meio de E-mail, para participar do estudo. Dos 181 estudantes inicialmente identificados, 51 concordaram em participar da intervenção (grupo controle ou grupo experimental). No entanto, houve desistência de nove estudantes até a finalização da coleta de dados. Dessa forma, concluíram todas as etapas da pesquisa 42 estudantes universitários, os quais foram distribuídos aleatoriamente em um grupo controle ou experimental (intervenção breve - BASICS), de acordo com a ordem de sua participação na pesquisa. O primeiro estudante a participar foi direcionado para o grupo controle, o segundo, para o grupo experimental e assim por diante.

O BAI e o RAPI foram preenchidos pelos 42 estudantes em três momentos (avaliação inicial, após seis meses e após um ano). Esses estudantes também foram reavaliados pelo AUDIT. Além disso, todos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando sua participação voluntária, livre de riscos ou prejuízos, e autorizaram o contato para convidá-los a participar de um grupo controle ou experimental, caso atingissem um escore mínimo que detectasse um consumo de risco do álcool (AUDIT > 8).

A Tabela 1 apresenta o número de estudantes que participaram de cada momento de avaliação do presente estudo (avaliação inicial, após seis meses e após um ano), sendo possível identificar uma perda de três estudantes após seis meses da intervenção e outros nove participantes após um ano; totalizando 42 estudantes que foram avaliados nos três momentos do estudo.

 

Intervenção breve

A intervenção breve utilizada neste estudo foi o BASICS. Essa intervenção caracteriza-se por apresentar dois encontros de até 50 minutos, espaçados por um intervalo de 15 dias, nos quais são coletadas informações específicas sobre o consumo de álcool do estudante e fornecido feedback personalizado com orientações sobre como beber de maneira moderada e não prejudicial à saúde.

A intervenção breve - BASICS - foi aplicada apenas nos estudantes do grupo experimental, e aos participantes do grupo controle ofereceu-se a intervenção após o término da avaliação dos integrantes do grupo experimental no momento do último follow-up (um ano após a intervenção). Durante esse período, os participantes do grupo controle não sofreram qualquer intervenção que pudesse modificar seu comportamento em relação ao consumo de álcool e às suas consequências.

 

Análise dos dados

A tabulação dos dados foi realizada por meio do programa estatístico R, versão 3.0.1 (R Core Team, 2013). A análise descritiva da variável de caracterização sociodemográfica abrangeu frequência absoluta (N) e frequência relativa (%). A análise das variáveis padrão de consumo de álcool, consequências associadas a esse consumo e nível de ansiedade abrangeu média e erro padrão. Para comparações entre os três momentos de avaliação (inicial, após seis meses e após um ano), utilizaram-se o modelo de análise de variância com medidas repetidas (ANOVA) e, posteriormente, o método de comparações múltiplas de Bonferroni. Essa análise foi efetuada com a amostra total dos participantes deste estudo, por não terem sido detectadas diferenças significativas entre os grupos experimental e controle, após a intervenção, nas variáveis estudadas. Assim, os dados foram analisados conjuntamente para essas variáveis. Para verificar a correlação entre o padrão de consumo de álcool, consequências desse consumo e o nível de ansiedade, utilizou-se o coeficiente de correlação linear de Pearson. Essa análise de correlação também foi realizada com a amostra total dos participantes deste estudo, visto que não houve diferenças significativas entre os grupos experimental e controle após a intervenção. Assim, todos os dados foram analisados conjuntamente para as variáveis estudadas. O nível de significância adotado foi de p < 0,05.

 

Considerações éticas

Este estudo seguiu as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Resolução n. 196/96) e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 08723112.8.0000.5505.

 

Resultados

A análise dos resultados não identificou diferença estatística entre o perfil dos estudantes dos grupos controle e experimental no que se refere às variáveis sociodemográficas. Ambos os grupos apresentaram características bastante similares e, por isso, foram indicados de forma agrupada. Desse modo, a Tabela 2 apresenta a análise descritiva das características sociodemográficas da amostra de estudantes universitários (42), que foi composta em sua maioria por estudantes do sexo feminino (52,4%), da faixa etária de 18 a 24 anos (78,6%), solteiros (95,2%) e com idade média de 22,69 (DP = 3,72). Além disso, 97,6% não possuíam filho(s), 52,8% declararam não possuir preferência religiosa e 58,5% residiam com familiares, sendo 47,6% da classe socioeconômica B (B1 e B2) e 38,1% da classe C (C1 e C2). Com relação ao curso, 9,5% eram de Ciências Biológicas, 16,7% de Ciências Ambientais, 14,3% de Ciências - Licenciatura, 16,7% de Farmácia e Bioquímica e 42,8% da Área de Química (Engenharia Química, Química e Química Industrial), dos quais 57,2% eram de cursos de período integral, 9,5% do vespertino e 33,3% de cursos noturnos. Além disso, 45,2% dos estudantes não praticavam atividade física, e a maioria, 90,2% dos estudantes, não apresentava o hábito de fumar.

Considerando que não houve diferença significativa entre os grupos experimental e controle em relação às variáveis estudadas, a saber: padrão de consumo de álcool (p = 0,721), consequências associadas ao consumo de álcool (p = 0,416) e nível de ansiedade (p = 0,325), a Tabela 3 apresenta esses dados relativos à amostra total do estudo.

Na Tabela 3, pode-se observar que houve redução significativa do escore geral do AUDIT, que caracteriza o padrão de consumo de álcool, entre a avaliação inicial e após seis meses (p = 0,001) e entre a avaliação inicial e após um ano (p = 0,001). Com relação ao RAPI, que identifica as consequências negativas do consumo de álcool, os dados revelam que houve redução significativa entre o momento inicial e após seis meses de avaliação (p = 0,002) e entre o momento inicial e após um ano (p = 0,002). Apesar de o nível de ansiedade também ter diminuído entre o primeiro, segundo e terceiro momentos de avaliação, não foi detectada diferença significativa entre os diferentes momentos de avaliação (p = 0,077).

Entretanto, os estudantes com consumo de risco de álcool, nos três momentos de avaliação, foram os que mais apresentaram níveis moderado e grave de ansiedade, em comparação com os estudantes com consumo de baixo risco.

A Tabela 4 apresenta os coeficientes de correlação linear de Pearson entre as variáveis AUDIT, RAPI e BAI nos três momentos de avaliação. É possível observar correlação positiva entre o consumo de álcool (AUDIT) e o nível de ansiedade (BAI) no primeiro momento (r = 0,63; I. C. = 0,40-0,78) e entre as consequências do consumo (RAPI) e o nível de ansiedade (BAI) no primeiro momento de avaliação (r = 0,58; I. C. = 0,34-0,75). Também foi identificada correlação positiva entre as consequências do consumo de álcool e o nível de ansiedade no segundo (r = 0,41; I. C. = 0,12-0,64) e no terceiro momentos de avaliação (r = 0,33; I. C. = 0,03-0,58).

 

Discussão

O presente estudo avaliou uma intervenção breve desenvolvida para estudantes universitários para favorecer a diminuição do consumo de álcool e suas consequências e detectou mudança significativa no padrão de beber e nas consequências manifestadas pelos estudantes após a realização da intervenção. No entanto, apesar de o nível de ansiedade também ter diminuído após a intervenção, essa mudança não se mostrou significativa. Por essa razão, sugere-se a realização de estudos capazes de avaliar os efeitos que intervenções com o objetivo de diminuir a ansiedade possam ter sobre o consumo de álcool entre estudantes que apresentem padrão de risco de consumo de álcool, a fim de detectar possíveis alterações tanto no consumo, suas consequências, quanto no nível de ansiedade, podendo favorecer uma mudança mais duradoura em relação a esses comportamentos e sintomas.

Este estudo identificou correlação positiva entre o nível de ansiedade, o consumo de álcool e as consequências desse consumo entre os estudantes universitários, sugerindo que o nível de ansiedade está correlacionado com o consumo de álcool e suas consequências, de maneira que, à medida que se aumenta o nível de ansiedade, elevam-se o consumo de álcool e suas consequências ou vice-versa. No entanto, a correlação entre o padrão de consumo de álcool e o nível de ansiedade não se manteve após a intervenção. Dessa maneira, enquanto os estudantes passaram para um padrão de consumo de álcool de baixo risco, os níveis de ansiedade se mantiveram semelhantes ao momento anterior à intervenção. Esse resultado sugere que intervenções específicas para estudantes com padrões de consumo de álcool de risco não afetam diretamente os níveis de ansiedade, sendo necessário o desenvolvimento de intervenções específicas para lidar com a ansiedade, haja vista que ela é um fator de risco para o comportamento de uso de álcool de maneira mais abusiva (Chiapetti & Serbena, 2007; Kerr-Corrêa et al., 1999; Keyes et al., 2011; Low et al., 2008).

Kerr-Corrêa et al. (1999) e Chiapetti e Serbena (2007) encontraram relação entre ansiedade e consumo de álcool entre universitários, identificando que o consumo de álcool ocorre para minimizar os sintomas de ansiedade, o que reforça a correlação encontrada no presente estudo na direção de que quanto maior for a ansiedade, maiores serão o consumo de álcool e as consequências desse consumo na população estudada.

Os estudantes com padrão de consumo de álcool de risco foram os que apresentaram níveis de ansiedade moderado e grave, considerados mais nocivos, corroborando os achados de outros estudos (Keyes et al., 2011; Low et al., 2008). Os resultados deste estudo ainda apontam que houve aumento das consequências do consumo de álcool no terceiro momento de avaliação, indicando que a mudança de comportamento dos estudantes sofreu alterações, apresentando mais consequências negativas associadas ao uso de álcool com o passar do tempo. Assim, é importante ressaltar que se deve pensar em formas preventivas para manter o padrão de consumo de álcool sem risco entre os estudantes de maneira sistemática e regular, pois, muitas vezes, as intervenções breves resultam em mudanças temporárias, o que poderia acarretar no aumento do consumo de álcool com o passar do tempo (Dimeff et al., 2002).

A literatura vem apontando que a ansiedade pode ser desencadeada por eventos estressores e se tornar patológica se esses eventos forem prolongados ou intensos. O estresse pode, então, ser entendido como um fator de risco para o desencadeamento da ansiedade nos estudantes universitários (Margis, Picon, Cosner, & Silveira, 2003; Schmidt et al., 2011). Somando a isso, Pereira e Lourenço (2012) apontam que a presença de ansiedade pode dificultar o desenvolvimento saudável do estudante e comprometer sua saúde, seu bem-estar e sua qualidade de vida, além de trazer prejuízos ao desenvolvimento pessoal e social. No entanto, geralmente, o foco das intervenções preventivas sobre o consumo de álcool visa ao consumo em si, não considerando os fatores associados e que desencadeiam maior consumo dessa substância. Dessa forma, sugere-se que também sejam trabalhados os fatores que influenciam e desencadeiam o consumo excessivo de álcool, o que pode trazer resultados ainda mais favoráveis à população de universitários.

Pode-se pensar, então, na importância de serviços de apoio e orientação aos estudantes. Pressupomos que os estudantes conseguem identificar os sintomas de estresse e ansiedade e procurar ajuda, mas geralmente isso só ocorre quando os sintomas se agravam e ocorrem prejuízos pessoais e sociais, por isso a importância da existência de serviços de apoio e orientação ao estudante dentro do ambiente universitário (Brandtner & Bargadi, 2009). Além disso, reforçam-se a necessidade de um bom acolhimento e maior atenção ao estudante durante sua formação acadêmica. Esse acolhimento poderá auxiliar na prevenção de sofrimento psíquico e possíveis problemas psicológicos que podem se agravar ao longo da graduação caso não sofram intervenções devidas e eficazes.

 

Conclusão

No próprio ambiente acadêmico, podem ser desenvolvidas estratégias preventivas, principalmente as baseadas na política de redução de danos que visem modificar crenças, atitudes e comportamentos que beneficiem a saúde mental do estudante universitário. O presente estudo encontrou correlação positiva entre o padrão de consumo de álcool, suas consequências e o nível de ansiedade. No entanto, a intervenção proposta, que tinha como objetivo modificar o padrão de consumo excessivo e de risco de álcool, não alterou significativamente os níveis de ansiedade detectados antes e depois da aplicação dela. Além disso, a correlação entre o padrão de consumo de álcool e os níveis de ansiedade não se manteve após a intervenção. Por essa razão, faz-se necessário o desenvolvimento de abordagens e enfoques que objetivem o treinamento de habilidades e estratégias para lidar com os fatores estressantes que podem vir a desencadear sintomas de ansiedade durante a fase da vida na universidade, já que esses últimos podem conduzir ao uso abusivo de álcool nessa população.

Atualmente, a maioria das universidades federais possui profissionais da área da saúde que podem desenvolver trabalhos preventivos em relação a esses temas e, especificamente, em relação ao consumo de álcool, tendo em vista que os universitários são uma população de risco para o consumo mais abusivo dessa substância. Este estudo ainda revelou a necessidade de trabalhar o estresse e a ansiedade dos estudantes como uma forma de prevenir esse consumo mais arriscado de álcool.

 

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Endereço para correspondência:
Adriana Marcassa Tucci
Rua Silva Jardim, 136, Vila Mathias
Santos, SP. CEP: 11015-020
E-mail: atucci@unifesp.br

Submissão: 1.12.2016
Aceite: 2.5.2018