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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.2 São Paulo May/Aug. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n2p134-146 

ARTIGOS
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Evidências de validade concorrente para uso do Pfister com crianças do Ceará

 

 

Lucila Moraes CardosoI; Érica Ive Xavier LopesII; Tábatha Maranhão MarquesIII; Rebeca de Moura TarginoIV

IUniversidade Estadual do Ceará, Uece, CE, Brasil
IICentro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas do município de Fortaleza, CE, Brasil
IIIUniversidade Estadual do Ceará, Uece, CE, Brasil
IVUniversidade Estadual do Ceará, Uece, CE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo objetivou buscar evidências de validade concorrente para uso do Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC) em avaliação psicológica de crianças em diferentes fases do desenvolvimento. Participaram 197 crianças de Fortaleza-CE, sendo 54% do sexo feminino, com idades entre 6 anos e 11 anos e 6 meses (M = 8,56, DP = 1,47). Utilizou-se o teste ANOVA para comparar o desempenho no TPC de três grupos etários (6-7, 8-9 e 10-11 anos). A incidência de variáveis relacionadas a um menor desenvolvimento emocional ou cognitivo e a dificuldade para elaborar a estimulação recebida (tapete puro, tapete com início de ordem e síndrome de excitação afetiva) estiveram significativamente aumentadas em crianças mais novas, enquanto aquelas com mais idade tiveram aumento no indicador associado ao amadurecimento no trato das emoções e dos manejos defensivos (formação em camadas). O estudo corroborou outras pesquisas que envolveram evidências de validade do TPC para uso com crianças.

Palavras-chaves: avaliação psicológica; validade do teste; Teste das Pirâmides Coloridas; psicologia do desenvolvimento; infância.


 

 

Introdução

As teorias do desenvolvimento contribuem para a compreensão das pessoas ao estabelecerem características que são típicas de cada estágio do desenvolvimento, de modo que as mudanças comportamentais e físicas que marcam o surgimento de cada estágio constituem um padrão coerente. Os três principais aspectos do desenvolvimento estudados são o físico, o cognitivo e o psicossocial, os quais são interligados durante toda a vida (Pereira & Morais, 2016). Para este estudo, devem ser destacados aspectos relacionados ao desenvolvimento desde os 6 até os 11 anos, isto é, o final da segunda infância (de 3 a 6 anos), a terceira infância (de 6 a 11 anos) e o período do início da adolescência (dos 11 aos 20 anos).

No período de transição da segunda para a terceira infância, pode-se considerar que o desenvolvimento físico é constante, o pensamento egocêntrico começa a dar espaço à compreensão do ponto de vista dos outros, e há um aumento progressivo das capacidades mnemônicas e de linguagem. O autoconceito e a compreensão das emoções se tornam cada vez mais complexos, aumentando a independência, e, ainda que a família continue sendo o foco da vida social, outras crianças passam a ter cada vez mais importância. Já no período da adolescência, as mudanças físicas são rápidas e profundas, e o desenvolvimento cognitivo é marcado pela capacidade de pensar abstratamente e pelo uso do raciocínio científico, embora o pensamento imaturo persista em alguns comportamentos.

Há consenso entre as diversas teorias de que a infância é um período importante para o desenvolvimento, sendo fundamental que o desenvolvimento das crianças possa ser acompanhado para possibilitar uma vida saudável. A avaliação psicológica infantil pode ser destacada como um processo fundamental à identificação de aspectos que possam favorecer ou prejudicar o sujeito em períodos sensíveis e críticos do seu desenvolvimento (Borsa & Muniz, 2016). Considerando-se que um dos desafios às avaliações com crianças diz respeito à compreensão da linguagem infantil, nota-se a necessidade de desenvolvimento e aprimoramento de instrumentos que possibilitem à criança expressar-se e, por meio disso, sejam úteis na obtenção de informações importantes para a avaliação.

Observa-se que os testes psicológicos são potenciais recursos à avaliação infantil, e, desse modo, destaca-se a necessidade da legitimação de um rigor científico como forma de instrumentalizar os psicólogos com ferramentas confiáveis e que atendam ao propósito da avaliação (Hutz, 2015; Cardoso & Villemor-Amaral, 2017). Com o objetivo de garantir tal legitimidade, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), por meio da Resolução n. 002/2003, decretou alguns requisitos mínimos a que os testes psicológicos devem obrigatoriamente atender para serem considerados válidos para uso, destacando-se as suas evidências de validade, padronização, normatização e fidedignidade.

O conceito de validade de um teste está diretamente relacionado ao nível em que as interpretações propostas para os dados do instrumento são sustentadas teoricamente e por meio de evidências empíricas (American Educational Research Association - AERA, American Psychological Association - APA, & National Council on Measurement in Education - NCME, 2014). Quanto a isso, é necessário destacar que a validade não se refere ao teste em si, mas às suas interpretações de acordo com diferentes contextos e grupos normativos, o que se vincula aos estudos que buscam evidências de validade a fim de que sejam fornecidos significados científicos para os dados provenientes de um teste. Ambiel e Carvalho (2017) discutem as diferentes formas pelas quais podem ser buscadas evidências de validade de um instrumento, evidenciando-se, para o presente estudo, o conceito de validade concorrente, na qual devem ser estabelecidas relações entre os dados do teste e outras variáveis externas.

Uma técnica de avaliação psicológica que tem acumulado estudos tanto no que diz respeito às suas qualidades psicométricas quanto às características lúdicas, favorecendo o uso com crianças, é o Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC). O TPC é uma técnica expressiva criada pelo suíço Max Pfister em 1951, pela qual se podem obter informações sobre aspectos cognitivos e emocionais da dinâmica da personalidade do sujeito avaliado, sendo destinado à aplicação em pessoas com idade acima de 6 anos. Uma vez que é de manejo simples, requer um curto espaço de tempo e não depende da expressão verbal, o que auxilia a pessoa a se expressar de um modo menos inibidor (Villemor-Amaral, 2012).

O instrumento é composto por três esquemas de pirâmides, as quais são preenchidas com quadrículos de cores e tonalidades diferentes, de acordo com o gosto do examinando. Entre os indicadores do TPC, pode-se citar a configuração final das pirâmides, chamada de aspecto formal, como um dos pontos fundamentais para análise do teste. Tal aspecto evidencia o nível de desenvolvimento afetivo e cognitivo do sujeito avaliado, uma vez que objetiva demonstrar com que grau de complexidade o estímulo colorido foi organizado (Villemor-Amaral, 2012, 2014). De acordo com Marques (1988, como citado em Farah, Cardoso, & Villemor-Amaral, 2014), o aspecto formal da pirâmide está diretamente relacionado à organização mental do indivíduo, indicando capacidade de abstração, discriminação, síntese e organização perceptiva, além de envolver aspectos cognitivos, orgânicos e emocionais do sujeito. Dessa forma, espera-se que sejam mais comuns elaborações menos organizadas em crianças e pré-adolescentes, e mais organizadas em adolescentes e adultos (Chagas, 2015; Villemor-Amaral, 2012).

No que se refere às cores no TPC, Villemor-Amaral (2014) salienta que elas podem ser divididas de acordo com as distinções da natureza do estímulo cromático causadas pelas diferenças nos comprimentos e nas frequências das ondas desses estímulos. Des-se modo, as cores podem ser caracterizadas como quentes (vermelho, laranja e amarelo) ou frias (azul, verde e violeta), considerando-se as primeiras como correspondentes a estados emocionais de maior excitação, quando comparadas às segundas. Além disso, existem também as chamadas cores acromáticas (cinza, preto e branco), que podem refletir contenção de sentimentos, inibições e negações. No TPC, os agrupamentos de determinadas cores revelam significados além daqueles representados pelos seus componentes isoladamente, o que caracteriza as chamadas síndromes cromáticas, outro indicador que deve ser destacado como fundamental para análise do teste (Villemor-Amaral, 2012, 2014).

Nos últimos anos, observou-se um aumento na quantidade de pesquisas brasileiras que visam buscar evidências de validade para uso do TPC com crianças. Nesse sentido, Villemor-Amaral, Pardini, Tavella, Biasi e Migoranci (2012), Farah et al. (2014), Villemor-Amaral, Biasi, Cardoso, Pavan e Tavella (2015) e Cardoso, Bessa e Targino (no prelo) conduziram estudos com crianças em diferentes regiões do Brasil.

O artigo de Villemor-Amaral et al. (2012) foi o primeiro com vistas a buscar por evidências de validade para utilização do TPC com crianças, dando destaque à sensibilidade do teste para identificar diferenças no desenvolvimento emocional e cognitivo. A amostra foi composta por 85 crianças, estudantes de escolas públicas, de 6 (n = 38) e 12 anos (n = 47), sem histórico de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico e sem queixas específicas na escola. Os dois grupos foram comparados em relação à frequência das cores, síndromes cromáticas, aspecto formal e fórmula cromática. Os resultados indicaram um nível de desenvolvimento intelectual inferior nas crianças de 6 anos, bem como aumento de extroversão e egocentrismo, com tendência à projeção dos afetos de maneira tímida e insegura. As crianças de 12 anos apresentaram indicativos de insegurança, retraimento e maior controle na expressão das emoções, sendo estes relacionados à diminuição da espontaneidade infantil.

Farah et al. (2014) realizaram um estudo que tinha como objetivo buscar evidências de validade e precisão do TPC para crianças de 6 a 10 anos. Para tanto, administraram o TPC e o House-Tree-Person (HTP) em 200 crianças do interior de São Paulo. As variáveis selecionadas para o estudo foram aspecto formal, frequência das cores e cores por dupla, sendo utilizados os testes estatísticos qui-quadrado, t de Student e a correlação de Pearson para análise de dados. Inicialmente, foi realizado um estudo de concordância entre juízes, havendo uma concordância de 88% entre avaliadores no aspecto formal. Houve mais incidência do aspecto formal tapete furado (38%) quando comparado aos outros indicadores. Já no que diz respeito às cores, houve predomínio da cor vermelha (17%), seguida do verde (16%) e do azul (15%). O estudo adotou como variável externa ao TPC grupos extremos de acordo com o HTP, sendo um composto por 17 crianças que tiveram poucos indicadores esperados e o outro por 36 crianças que tiveram um número acentuado de indicadores. Os resultados indicaram que as crianças com menor habilidade para lidar com demandas emocionais cotidianas apresentaram também indícios de atuar com repressão ou descarga abrupta de emoções.

Villemor-Amaral et al. (2015) estudaram a influência dos aspectos relacionados ao sexo e à idade na escolha das cores no TPC. O estudo contou com 734 protocolos de crianças de São Paulo e Minas Gerais, sendo 206 pertencentes a adultos, com idades entre 19 e 78 anos (57% do sexo masculino), e 528 protocolos de crianças, com idades entre 6 e 12 anos (41% do sexo masculino). Os dados foram analisados por meio do teste t de Student, sendo realizadas comparações do uso das diferentes tonalidades das cores azul e vermelho em função do sexo e, posteriormente, em função de faixa etária. No que diz respeito à comparação entre mulheres adultas e meninas, pode-se destacar uma tendência maior das meninas de utilizar tonalidades mais enegrecidas de azul e vermelho, o que pode estar associada a uma maior necessidade de repressão das emoções, representando uma fase caracterizada por pouco amadurecimento. Na comparação realizada entre o desempenho de homens adultos e meninos, destaca-se o uso significativo do vermelho, associado à tonalidade mais esbranquiçada, por parte dos meninos. As autoras discutem o caráter cultural que perpassa a escolha das cores, na medida em que a representatividade delas está diretamente relacionada a padrões socialmente construídos. Destaca-se, nesse sentido, a escolha preponderante de tonalidades mais claras, que sugerem maior fragilidade por mulheres e crianças, enquanto cores mais enegrecidas ou vibrantes foram mais frequentes em homens, o que pode denotar força ou energia.

Cardoso et al. (no prelo) buscaram possíveis influências nas escolhas cromáticas a partir das diferenças entre os sexos. O estudo contou com uma amostra de 197 crianças, com idades entre 6 anos e 11 anos e 6 meses (média = 8,56, DP = 1,47), residentes em Fortaleza-CE, sendo 91 (46%) do sexo masculino e 106 (54%) do sexo feminino. A análise foi realizada por meio da comparação dos indicadores aspecto formal, processo de execução, frequência de uso das cores e síndromes cromáticas, sendo utilizado, para tanto, o teste t de Student. Os resultados indicaram maior utilização de azul 3, vermelho 2, verde 3 e preto pelos meninos, enquanto as meninas fizeram uso mais frequente de vermelho 1, violeta 1 e violeta. No que se refere à fórmula cromática, os meninos apresentaram maior incidência da ampla e flexível, quando comparados às meninas, além de um processo de execução desordenado. Tais dados sugeriram que aos meninos podem ser associadas características relativas a um possível distanciamento de situações muito estimulantes, ao passo que os indicadores que sobressaíram nas meninas da amostra apontam para atitudes de caráter mais impulsivo e possíveis aspectos associados à fragilidade estrutural.

Os estudos ora citados favorecem a indicação para uso do TPC com crianças entre 6 e 11 anos de diferentes estados brasileiros. Tendo em vista a importância das especificidades inerentes ao processo de desenvolvimento infantil, bem como a realização constante de estudos de evidências de validade dos instrumentos de avaliação psicológica, o presente estudo objetiva buscar evidências de validade concorrente do TPC para uso em avaliação de crianças cearenses, considerando, para tanto, diferentes faixas etárias como critério de comparação.

 

Método

Participantes

O presente estudo foi realizado a partir de uma amostra composta por 197 estudantes de escolas das redes pública e privada da cidade de Fortaleza, sendo 106 (54%) do sexo feminino e 91 (46%) do sexo masculino, com idades variando entre 6 anos e 11 anos e 6 meses (média = 8,56, DP = 1,47). A amostra foi organizada em três agrupamentos de acordo com a faixa etária, sendo 54 (27,4%) crianças com idades entre 6 e 7 anos, 78 (39,6%) com idades entre 8 e 9 anos e 65 (33%) entre 10 e 11 anos. Durante o processo de composição da amostra, foram estabelecidos critérios de inclusão a fim de minimizar possíveis influências na uniformidade dos dados, destacando-se a necessidade de a criança não apresentar histórico de ajuda psicológica ou psiquiátrica, estar cursando a série correspondente à sua faixa etária e ter um desempenho considerado mediano ou superior no Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, o qual foi utilizado como uma medida de controle de possíveis variáveis intervenientes relacionadas ao processo cognitivo dos sujeitos. Adicionalmente, as crianças deveriam ter o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos responsáveis, bem como declarar que concordaram em colaborar com o estudo por meio do registro no Termo de Assentimento.

Instrumentos

Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC), versão para crianças e adolescentes (Villemor-Amaral, 2014)

Trata-se de um método autoexpressivo que tem como objetivo avaliar aspectos da personalidade, dando destaque à dinâmica afetiva e ao funcionamento cognitivo do indivíduo. O teste está com parecer favorável para uso no site do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi) desde 2005 (CFP, 2017) e possui estudos psicométricos com amostras de crianças e adolescentes brasileiros. No que se refere à fidedignidade, foram realizados estudos de consistência entre avaliadores sobre as variáveis que possuem algum grau de subjetividade na codificação, isto é, aspecto formal e fórmula cromática. Villlemor-Amaral (2012) obteve 86% de concordância para o aspecto formal e 92,4% de concordância para a fórmula cromática. Farah et al. (2014) obtiveram concordância de 88% das codificações para aspecto formal, não sendo realizadas análises relacionadas à fórmula cromática. Além disso, em todos os estudos citados por Villemor-Amaral (2014), obtiveram-se correlações consideradas moderadas ou excelentes a partir do cálculo do coeficiente Kappa para aspecto formal e fórmula cromática.

Para o estudo normativo do TPC, a amostra foi composta por estudantes de 11 escolas do interior de Minas Gerais e São Paulo, seis públicas e cinco particulares. Ao todo, participaram do estudo 528 crianças, 309 do sexo feminino e 219 do sexo masculino, com idades variando de 6 a 12 anos. As pesquisas desenvolvidas ao longo dos anos apresentaram resultados importantes para as evidências de validade do TPC para crianças, conforme já apresentados na introdução.

Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (Angelini, Alves, Custódio, Duarte, & Duarte, 1999)

Conhecido no Brasil como "Escala Especial", o instrumento Matrizes Progressivas Coloridas de Raven é um teste de inteligência não verbal que avalia o fator geral "g" proposto por Spearman. Destina-se a crianças com idades entre 5 anos e 11 anos e 6 meses, idosos ou pessoas com algum nível de comprometimento intelectual. O instrumento é composto por três séries (A, Ab e B), cada uma com 12 itens distribuídos em ordem crescente de dificuldade. Cada item consiste em uma imagem ou matriz em que falta uma parte, cabendo ao testando escolher, entre seis opções, aquela que completa o item corretamente. A aplicação pode ser realizada de maneira individual ou coletiva.

O teste possui estudos psicométricos com amostras brasileiras e encontra-se com parecer favorável no Satepsi (CFP, 2017). Os resultados dos estudos realizados mostraram aumento progressivo no desempenho de acordo com a idade, evidenciando a validade pelo critério idade cronológica (Angelini et al., 1999). Além disso, foi utilizado o método das metades de Spearman-Brown para obter a correlação entre os itens pares e ímpares para cada sexo, em cada faixa etária, e para a amostra total. Obteve-se o coeficiente corrigido de 0,92 para o sexo masculino, 0,90 para o feminino e 0,92 para a amostra total. Adicionalmente, na análise da consistência interna, a maioria dos itens apresentou correlações item-total variando de 0,3 a 0,8.

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada por graduandos do curso de Psicologia de uma universidade pública cearense, todos membros de um laboratório de estudos em avaliação psicológica que funciona na instituição de ensino. Os estudantes passaram por um treinamento semanal durante seis meses, totalizando 96 horas. O treinamento foi organizado pela coordenadora da pesquisa e possibilitou aos estudantes conhecer os instrumentos e se capacitar para utilizá-los seguindo as normas de aplicação e codificação.

Os membros do laboratório entraram em contato com escolas públicas e privadas de Fortaleza, buscando firmar parcerias para facilitar a composição da amostra. Em seguida, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e devidamente aprovado por ele, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 26205614.1.0000.5534. Após aprovação, os contatos com as escolas foram retomados e feito contato com os responsáveis pelas crianças, os quais assinaram um TCLE. Cada participante da amostra concordou com sua colaboração por meio do Termo de Assentimento.

Foram aplicados o teste de Raven e o TPC, nesta ordem, em todas as crianças da amostra. A administração dos instrumentos foi realizada em sessão individual com duração média de 60 minutos.

Todos os protocolos dos instrumentos de participantes que seguiram os critérios de inclusão da amostra e não tiveram os critérios de exclusão foram codificados pelo examinador. Todos os protocolos codificados foram revisados por algum pesquisador da equipe do laboratório que não fosse o aplicador daquele protocolo e tiveram a codificação conferida pela coordenadora da pesquisa.

 

Resultados

Primeiramente, verificou-se a adequação das variáveis codificadas por meio do índice Kappa, que possibilita checar a consistência entre os avaliadores. Para realizar o Kappa, sortearam-se 25% dos protocolos que passaram pela análise de um segundo avaliador às cegas. Os resultados indicaram boa confiabilidade dos dados analisados [aspecto formal da pirâmide I (Kappa de 0,93, p < 0,001), da pirâmide II (Kappa de 0,86, p < 0,001) e da pirâmide III (Kappa de 0,88, p < 0,001), e fórmula cromática (Kappa de 0,92, p < 0,001)].

Após conferência da consistência entre os avaliadores, transferiram-se os dados para o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Em seguida, os três grupos das diferentes faixas etárias foram comparados por meio da ANOVA, utilizando-se o teste post hoc de Tukey para identificar quais grupos apresentavam diferenças entre si. As variáveis do TPC comparadas entre os grupos foram aspecto formal, fórmula cromática, frequência de cores e síndromes cromáticas. A análise estatística demonstrou diferenças consideradas significativas em cada agrupamento etário. Na Tabela 1, são apresentados os aspectos formais que tiveram diferenças estatisticamente significativas.

O teste de Tukey indicou que a diferença significativa na variável tapete puro e formação em camadas ocorreu entre os grupos de 6-7 anos e 10-11 anos, e o tapete com início de ordem teve diferença entre os grupos de 6-7 anos e 8-9 anos. Já a variável tapete furado apresentou diferença marginalmente significativa entre 6-7 anos e 8-9 anos e significativa entre 8-9 anos e 10-11 anos.

Na Tabela 2, são indicadas as variáveis que tiveram diferenças significativas por meio da ANOVA. Por meio do teste Tukey, verificou-se que vermelho 1 (Vm1), marrom 2 (Ma2) e a síndrome de excitação afetiva tiveram aumento significativo na faixa etária 6-7 anos. Na faixa etária 8-9 anos, foi considerado significativo o aumento em branco (Br) e cinza (Ci), bem como a síndrome incolor. Em seguida, fez a correlação de Pearson entre a idade das crianças e a frequência de cada cor. Observou-se correlação positiva com a frequência de branco (r = 0,164, p = 0,021) e amarelo 1 (r = 0,147, p = 0,040), e correlação negativa com cinza (r = -0,138, p = 0,054) e marrom 2 (r = -0,155, p = 0,029). Todas as correlações foram fracas.

 

Discussão

A incidência das variáveis tapete puro e tapete com início de ordem esteve significativamente aumentada na faixa etária 6-7 anos, conforme observado na Tabela 1. Resultado semelhante foi obtido em estudo de Villemor-Amaral (2014), em que se verificou aumento na frequência de tapetes puro e com início de ordem nas crianças de 6 anos. A configuração do tipo tapete aponta para um menor grau de desenvolvimento emocional ou intelectual, sendo o tapete puro sugestivo de adaptação à situação, enquanto o tapete com início de ordem reflete uma forma de transição em busca de equilíbrio emocional e é indicativo de maior potencial para se organizar, embora este ainda não esteja estabilizado (Villemor-Amaral, 2012, 2014).

O tapete furado esteve mais frequente na faixa etária 8-9 anos. Tal aspecto formal se relaciona à dissociação no curso do pensamento, sugerindo dificuldades relacionadas ao modo como o pensamento flui. Villemor-Amaral (2014) destacou que essa variável tem apresentado incidência relativamente alta em crianças e em adultos considerados não pacientes psiquiátricos, dado observado de maneira similar nos estudos de Farah et al. (2014) e Chagas (2015).

O aspecto formal relativo à formação em camadas teve aumento significativo na faixa etária 10-11 anos. As formações em camadas são organizações intermediárias que sugerem processo de amadurecimento no trato com as emoções e os manejos defensivos, indicando personalidade ainda em formação, não estabilizada e vulnerável (Villemor-Amaral, 2012). Os aspectos ora citados estão em conformidade com características esperadas em crianças com idades que se aproximam da adolescência, visto que representam um processo de organização emocional mais estruturado do que os tapetes, mas ainda não alcançaram o nível de maturidade representado pelas estruturas no Pfister (Villemor-Amaral, 2014). Tais dados se apresentam em conformidade com a pesquisa desenvolvida por Chagas (2015), na qual as formações também foram observadas mais frequentemente em adolescentes.

Na Tabela 2, observam-se as variáveis relacionadas à frequência das cores e às síndromes cromáticas que tiveram diferenças entre os grupos. As crianças do grupo etário entre 6-7 anos apresentaram aumento significativo das cores vermelho 1 e marrom 2. O uso do vermelho reflete estados mais excitados de extroversão, irritabilidade e impulsividade, assim como o uso do marrom que, de maneira adicional, reflete energia, ação e dinamismo. De acordo com Villemor-Amaral et al. (2012), a impulsividade representada pela incidência do vermelho, associada à conotação de relacionamentos de caráter mais primitivo do marrom, pode refletir descargas abruptas e regressão.

Pode-se supor que o aumento de tonalidades, associadas a agitação, movimento e ação, esteja relacionado às mudanças físicas dessa etapa do desenvolvimento, por tratar-se de um período caracterizado por grande evolução das habilidades motoras gerais e refinadas das crianças. Essa amplitude e o aperfeiçoamento motor contribuem para a descoberta do mundo e socialização, influenciando diretamente no modo como as crianças lidam com suas emoções, corroborando a compreensão do aumento da síndrome de excitação afetiva nessa faixa etária.

A síndrome de excitação afetiva é composta pela combinação das cores laranja, violeta e verde, e, de acordo com Villemor-Amaral (2012), é frequente em indivíduos egocêntricos ou ansiosos, que não conseguem elaborar as estimulações recebidas. O aumento dessa variável nessa faixa etária pode ser relacionado a características egocêntricas e dificuldade para pensar e agir de maneira empática, na medida em que a criança se encontra tão centrada no próprio ponto de vista que acredita que todos pensam, sentem e percebem o mundo da mesma forma que ela, conforme também foi comentado por Peralta e Oliveira (2017).

Também se verificou uma maior incidência de branco e cinza no grupo de 8-9 anos. O branco está associado à fragilidade estrutural, estabilidade precária, vulnerabilidade e ausência de mecanismos de controle. O cinza relaciona-se a carência afetiva, sentimento de vazio, ansiedade, insegurança, repressão dos afetos, cautela e restrição dos contatos emocionais (Villemor-Amaral, 2012). Nota-se também que essas duas cores tiveram correlação com a idade, favorecendo a associação das interpretações feitas.

Como consequência do aumento dessas cores, a síndrome incolor também apresentou aumento nesse agrupamento. De acordo com Villemor-Amaral (2012), a síndrome incolor é formada pela frequência de preto, branco e cinza, e está relacionada à função de negar, atenuar ou reprimir estímulos, à fuga de situações afetivas ou estimulantes.

Segundo Villemor-Amaral (2014), o aumento na frequência do uso de branco e preto, como também da síndrome incolor, geralmente é observado em crianças maiores de 11 e 12 anos. No estudo de Villemor-Amaral et al. (2012), observou-se o aumento das cores branco e preto em crianças maiores, bem como maior frequência da síndrome incolor. O aumento desses tons em crianças maiores está relacionado com o período da puberdade, marcado por transformações físicas e psíquicas.

Curiosamente, na faixa etária intermediária dos 8-9 anos, verificou-se aumento de variáveis relacionadas à inabilidade em expressar as emoções e ao sofrimento psíquico. O desenvolvimento psicossocial envolve o desenvolvimento emocional e do autoconceito, sendo afetado não somente pela estrutura familiar e pelas amizades, assim como pela realidade social vivenciada na escola (Peralta & Oliveira, 2017). Esses são fatores que atuam diretamente no manejo da criança em relação às emoções e, consequentemente, à personalidade em formação. Tais dados carecem de uma maior investigação, sendo interessante que mais estudos sejam desenvolvidos a fim de verificar aumento na frequência de indicadores relativos a dificuldades emocionais nessa faixa etária.

Diante do exposto, os resultados da aplicação do TPC em crianças cearenses, analisados à luz de teorias do desenvolvimento, evidenciam concordância entre as variáveis aumentadas em cada faixa etária, o que, para a literatura do desenvolvimento humano, é esperado nos períodos averiguados. O estudo também corrobora as pesquisas de Villemor-Amaral et al. (2012), Farah et al. (2014), Chagas (2015), Villemor-Amaral et al. (2015) e Cardoso et al. (no prelo), na medida em que se une a estas em relação às evidências de validade do teste para uso com crianças, ratificando a possibilidade de uso do TPC com crianças, o que potencialmente deverá contribuir para a realização de avaliações psicológicas infantis adequadas, conforme defendido por Borsa e Muniz (2016).

A presente pesquisa foi realizada com um número limitado de crianças e restringiu-se à capital cearense, não havendo dados de municípios do interior do estado. Portanto, seria interessante aumentar o tamanho da amostra e envolver crianças de outros municípios. Por fim, acredita-se que este estudo colaborou para o desenvolvimento de evidências de validade para uso do TPC, proporcionando um uso responsável do instrumento baseado em critérios científicos descritos por Cardoso e Villemor-Amaral (2017), Hutz (2015) e Ambiel e Carvalho (2017).

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Lucila Moraes Cardoso
Rua das Aroeiras, n. 94, casa 21, Passaré
Fortaleza, CE, Brasil. CEP: 60743-820
E-mail: lucila.cardoso@uece.br

Submissão: 14.1.2017
Aceite: 4.4.2018