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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.2 São Paulo maio/ago. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n2p281-292 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Efetividade de uma cartilha psicoeducativa sobre o TDAH em estudantes universitários

 

 

Clarissa Tochetto de OliveiraI; Marco Antônio Pereira TeixeiraII; Ana Cristina Garcia DiasIII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRS, RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRS, RS, Brasil
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRS, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a efetividade de uma cartilha on-line sobre o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) desenvolvida para estudantes universitários como uma forma de psicoeducação. Participaram deste estudo 241 pessoas com escolaridade superior incompleta ou completa. O nível de conhecimento sobre TDAH da amostra foi avaliado antes e depois da leitura da cartilha. Tanto os instrumentos de avaliação quanto a cartilha foram disponibilizados on-line. Os dados foram analisados por meio do teste de Wilcoxon. Os resultados mostraram que a cartilha on-line foi efetiva para aumentar o conhecimento sobre o TDAH dos participantes. Além disso, identificaram-se os conteúdos de maior e menor conhecimento da amostra, bem como aqueles nos quais a cartilha foi mais informativa. Conclui-se que a elaboração de materiais sobre o TDAH pode ser uma forma de informar sobre o transtorno e, também, uma fonte de informação complementar ao tratamento.

Palavras-chave: Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade; psicoeducação; estudantes universitários; informação; prevenção.


 

 

Introdução

O Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é caracterizado por um padrão persistente de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Trata-se de um transtorno crônico. Os sintomas iniciam antes dos 12 anos e tendem a permanecer ao longo da vida. Adultos com TDAH enfrentam problemas de desorganização, baixa capacidade de concentração, esquecimentos, dificuldades para finalizar tarefas, sensação crônica de excesso de atividades e incapacidade de planejar o futuro (American Psychiatric Association [APA], 2013).

Embora o problema seja crônico, ele não provoca, necessariamente, prejuízos contínuos. É possível que o portador do TDAH não apresente o mesmo nível de disfunção em todos os contextos de sua vida ou em um mesmo contexto o tempo todo. Os sintomas tendem a piorar em situações que demandam atenção constante ou que não apresentam atrativos para o indivíduo. Entretanto, os sinais do transtorno podem ser minimizados pelo controle rígido do sujeito, quando este se encontra em um ambiente novo ou quando está envolvido em atividades que despertam seu interesse (APA, 2013). Muitos indivíduos com o transtorno podem conseguir ingressar no ensino superior (DuPaul, Weyandt, O'Dell, & Varejao, 2009).

A prevalência do TDAH em estudantes universitários varia de 2% a 8% (DuPaul et al., 2009). Em revisão sistemática de literatura recente, verificou-se que estudantes universitários com TDAH claramente enfrentam dificuldades que seus pares sem o transtorno não encontram (Oliveira & Dias, 2015). Estudantes com TDAH tendem a apresentar menor bem-estar físico e psicológico, dificuldades de concentração e raciocínio, habilidades limitadas para estabelecer amizades e estudar, bem como menores níveis de autoeficácia profissional (Oliveira, Hauck-Filho, & Dias, 2016; Oliveira & Dias, 2017). As dificuldades de inibir e regular emoções negativas podem gerar problemas interpessoais e rejeição por colegas e professores (APA, 2013; Oliveira et al., 2016). No que se refere aos hábitos de estudo, estudantes com TDAH necessitam de vigilância constante para controlar a distração e a impulsividade (Oliveira et al., 2016). Além disso, a necessidade de se adaptar ao contexto universitário pode ser especialmente problemática para alunos com TDAH devido à necessidade de maior autonomia no gerenciamento do tempo no ensino superior (Oliveira & Dias, 2015). Todas essas dificuldades combinadas podem contribuir para que estudantes com esse transtorno acreditem não ser capazes de cumprir com as responsabilidades acadêmicas e profissionais (Oliveira et al., 2016).

Dada a prevalência do TDAH em estudantes universitários, é possível que muitos deles tenham o transtorno e não tenham sido diagnosticados, já que a realização do diagnóstico na vida adulta pode ser complexa (Pitts, Mangle, & Asherson, 2015). Em estudo realizado no Reino Unido, 45% da amostra relatou ter recebido o diagnóstico do TDAH de um médico ou outro profissional da saúde após os 18 anos de idade, já que o processo diagnóstico levou mais de um ano e foi realizado apenas após a visita a pelo menos três profissionais (Pitts et al., 2015). Não receber o diagnóstico do TDAH pode ser prejudicial aos portadores, uma vez que tendem a atribuir os sintomas do transtorno à irresponsabilidade, desmotivação e falta de esforço (Simmons, Jones, & Bradley, 2017). Além disso, o desconhecimento do diagnóstico impede que o indivíduo busque ajuda para controlar os sintomas e evitar seus prejuízos (Sprich & Safren, 2016).

Mesmo quando os indivíduos são diagnosticados com TDAH, a não adesão ao tratamento pode variar de 13,2% a 64,0% (McCarthy, 2014) por conta de fatores associados à falta de conhecimento sobre o transtorno e ao tratamento (Charach & Fernandez, 2013). No que se refere ao desconhecimento do TDAH, o fornecimento de informações sobre os sintomas do transtorno pode auxiliar no reconhecimento da ocorrência deles em si mesmo e na identificação dos sintomas em pessoas próximas, como familiares, alunos e colegas. A partir da suspeita de TDAH, pode-se buscar ajuda profissional para avaliação do caso. Quanto à não adesão ao tratamento do TDAH, faz-se necessário transmitir informações sobre as opções disponíveis, seus benefícios e suas limitações para que o indivíduo possa escolher o tratamento que melhor lhe convir. Por exemplo, sabe-se que o uso de medicação reduz os sintomas neurobiológicos do transtorno. Todavia, muitos adultos com TDAH continuam apresentando sintomas residuais mesmo com o uso da medicação ou não conseguem tolerar os efeitos colaterais dela, o que indica a necessidade de realizar tratamento psicológico adicional ao uso do fármaco, como psicoterapia (Sprich & Safren, 2016). Esta, por sua vez, busca desenvolver no paciente habilidades de organização e planejamento para lidar com procrastinação, esquecimentos e atrasos, bem como estratégias de priorização de tarefas, solução de problemas, gerenciamento de tarefas estressantes, redução da tendência à distração e para desenvolver o pensamento adaptativo (Sprich & Safren, 2016).

Uma das formas de transmitir informações sobre transtornos mentais é por meio da psicoeducação. Esta consiste em comunicar informações relevantes à população sobre determinado transtorno (diagnóstico, etiologia, funcionamento), seu tratamento e prognóstico, ao mesmo tempo que se busca esclarecer dúvidas e corrigir crenças distorcidas. Uma revisão sistemática de literatura recente verificou que a psicoeducação do TDAH tem sido destinada principalmente a familiares de pessoas com o transtorno, sendo menos frequentes intervenções psicoeducativas voltadas para adultos com TDAH (Oliveira & Dias, 2018). Estas, em geral, são conduzidas em formato de oito a 20 sessões grupais com foco nas características, no diagnóstico, nas causas e no tratamento do TDAH, bem como estratégias de planejamento e resolução de problemas (Hirvikoski, Waaler, Lindström, Bölte, & Jokinen, 2015; Vidal et al., 2013). Embora consultas com profissionais da saúde, como as anteriormente citadas, sejam fontes de informações bastante valorizadas, outras opções (como a internet) costumam ser utilizadas com maior frequência pela sua acessibilidade (Bauer et al., 2016).

O objetivo deste estudo é avaliar a efetividade de uma cartilha on-line sobre o TDAH em estudantes universitários como uma forma de psicoeducação que une o fácil acesso da internet com informações confiáveis decorrentes de evidência científica. Espera-se que este material possa ser útil tanto para estudantes universitários, que podem reconhecer os sintomas em si ou nos colegas e buscar ajuda profissional, quanto para profissionais da saúde que atendem esse público.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 241 pessoas (79,7% mulheres) com idade entre 18 e 64 anos (M = 28,92 anos, DP = 8,87). A maior parte da amostra era proveniente do estado do Rio Grande do Sul (68,5%), enquanto o restante era de São Paulo (7,9%), Santa Catarina (5,0%), Rio de Janeiro (3,7%), Paraná (3,3%) e demais estados brasileiros (11,6%). Os participantes possuíam ensino superior completo (58,1%, sendo 14,5% professores universitários) ou incompleto (41,5%).

Instrumentos

Questionário de caracterização dos participantes e avaliação da cartilha: continha questões sobre sexo, idade, estado, escolaridade, profissão e a saúde mental (diagnóstico de transtorno mental, tratamentos realizados) dos participantes. Após a leitura da cartilha, os participantes foram solicitados a avaliar sua utilidade, bem como questionados sobre a suspeita de possuir TDAH e o que estavam dispostos a fazer.

Questionário de avaliação de conhecimentos sobre o TDAH: esse instrumento foi construído especialmente para este estudo. O objetivo dele é avaliar os conhecimentos das pessoas sobre TDAH, podendo ser útil para avaliar a psicoeducação desse transtorno. Os itens foram construídos a partir dos tópicos geralmente abordados em intervenções psicoeducativas do TDAH e de outros instrumentos utilizados em pesquisas internacionais: características do TDAH, etiologia, curso, diagnóstico e tratamento (Oliveira & Dias, 2018). A primeira versão dos itens foi avaliada conforme a pertinência e dificuldade de cada um por cinco especialistas em TDAH e/ou na assistência a estudantes universitários. Todos os itens foram mantidos devido à sua pertinência. Os especialistas sugeriram troca de termos (por exemplo, "o TDAH é um problema de motivação" foi substituído por "o TDAH é causado por falta de esforço") e a inclusão de novos itens (por exemplo, "o tratamento do TDAH dura a vida toda"). Após realizadas as alterações sugeridas, realizou-se piloto com sete estudantes universitários de cursos variados (Comunicação Social, Odontologia, Medicina, Engenharia Elétrica, Ciências da Computação), que explicaram o que entenderam sobre cada item para verificar a clareza da redação. A redação dos itens foi revisada nessa etapa. Após essas alterações, os 22 itens foram randomizados para compor a versão final do instrumento. Os participantes deveriam responder aos itens de acordo com uma escala de três pontos que variava de "discordo totalmente" a "concordo totalmente". O escore total corresponde à soma dos itens a que o participante respondeu corretamente.

Cartilha TDAH em estudantes universitários: essa cartilha foi construída com o objetivo de servir como material impresso e on-line de psicoeducação sobre o TDAH para estudantes universitários. Ela contém informações sobre o que é o TDAH, possíveis causas, sintomas, como estes se apresentam na experiência universitária, impacto do transtorno na adaptação acadêmica e onde buscar ajuda profissional. A escolha por incluir essas informações baseou-se em estudos sobre psicoeducação do TDAH revisados por Oliveira e Dias (2018). A primeira versão do texto foi avaliada por três especialistas com experiência profissional e de pesquisa em TDAH e estudantes universitários. Após a realização das alterações sugeridas (como a inclusão de descrições das opções de tratamento), o texto foi diagramado por um designer. Teve-se o cuidado de organizar o texto em tópicos e de inserir elementos visuais para facilitar e encorajar a leitura. Fez-se um piloto com sete estudantes universitários de cursos e semestres variados. Eles consideraram a linguagem acessível, o que facilitou a identificação de sintomas apresentados no contexto universitário. A versão final pode ser acessada no link: <https://goo.gl/FkY2RL>.

Procedimentos

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria e devidamente aprovada (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 72074017.6.0000.5346). A divulgação da pesquisa foi realizada por meio de redes sociais e listas de E-mail. Aqueles que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Eletrônico. Os participantes responderam a todos os instrumentos, leram a cartilha on-line e, depois, responderam novamente ao questionário de avaliação de conhecimentos sobre o TDAH por meio da plataforma on-line Survey Monkey.

Trata-se de um estudo quase experimental, caracterizado por grupos experimental e de controle não aleatórios (Creswell, 2010). Para tanto, a amostra foi classificada em três grupos: a) profissionais da saúde capacitados para trabalhar com pacientes com TDAH, ou seja, psicólogos, médicos e pedagogos (n = 25); b) pessoas em tratamento para o TDAH (n = 35); e c) demais participantes do estudo (n = 181). Supôs-se que os participantes do primeiro grupo (psicólogos, médicos e pedagogos) e do segundo (pessoas em tratamento para o TDAH) possuíssem maior nível de conhecimentos sobre o transtorno do que o restante da amostra, e, portanto, a cartilha não seria efetiva para esses grupos (considerados de controle). Os dados foram submetidos a análises descritivas e ao teste não paramétrico de Wilcoxon, em virtude da distribuição não normal dos dados e da necessidade de comparações de medidas repetidas intra e entre grupos. As análises foram realizadas no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 19.0.

 

Resultados

O objetivo deste estudo foi avaliar a efetividade de uma cartilha on-line sobre o TDAH em estudantes universitários como uma forma de psicoeducação. A Tabela 1 apresenta as médias e os desvios-padrão dos escores de conhecimentos sobre o TDAH antes e depois da leitura da cartilha. Verifica-se que as pessoas em tratamento para o TDAH são as que possuem maior nível de conhecimento sobre o transtorno antes da leitura da cartilha, seguidas do grupo de profissionais. Após a leitura da cartilha, o grupo de profissionais e o de pessoas em tratamento para o TDAH apresentaram escores semelhantes e superiores ao do restante da amostra.

O teste de Wilcoxon indicou que a leitura da cartilha on-line gerou mudança estatisticamente significativa nos conhecimentos da amostra como um todo sobre o TDAH em estudantes universitários (Z = -8,784, p < 0,001), evidenciando um maior nível de conhecimento depois da leitura da cartilha. Quando comparados os grupos por meio do mesmo teste, verificou-se que o grupo de pessoas em tratamento para o TDAH apresentou escores estatisticamente superiores aos escores do grupo composto pelo restante da amostra (Z = 4,123, p < 0,001) antes da leitura da cartilha, conforme esperado. Após a leitura, os escores do grupo de profissionais e do grupo de pessoas em tratamento para o TDAH foram superiores aos escores do restante da amostra (Z = 4,075, p < 0,001 e Z = 3,221, p = 0,004, respectivamente), embora a leitura da cartilha tenha beneficiado todos os grupos no que se refere ao aumento do nível de conhecimento sobre o TDAH em estudantes universitários.

A Tabela 2 mostra a porcentagem de respostas corretas sobre o TDAH antes e depois da leitura da cartilha on-line. O item com maior frequência de respostas corretas antes e depois da leitura da cartilha diz respeito ao fato de o TDAH ser decorrente da falta de esforço para prestar atenção (item 8), enquanto o item com menor frequência de respostas corretas corresponde ao número de casos de esse transtorno ter aumentado nas últimas décadas (item 17). A maior diferença encontrada (acima de 30%) na frequência de respostas corretas antes e depois da leitura da cartilha corresponde à origem neurobiológica do TDAH (item 11) e ao fato de indivíduos com TDAH agirem sem pensar (item 19). Já a menor diferença encontrada (abaixo de 5%) na frequência de respostas corretas corresponde ao fato de a origem do TDAH estar associada à falta de esforço (item 8), à possibilidade de ser um transtorno exclusivo da infância (item 9), ao uso de lista de sintomas para realização do diagnóstico (item 12), ao fato de os sintomas poderem ser extintos com a força de vontade (item 13) e ao número de casos ter aumentado nas últimas décadas (item 17).

Após a leitura da cartilha, os participantes foram questionados sobre sua utilidade como fonte de informação sobre o TDAH. Mais da metade da amostra avaliou o material como "muito útil" (66,5%) e "útil" (30,1%), enquanto o restante respondeu "mais ou menos útil" (2,9%) e "pouco útil" (0,4%).

Os participantes também foram questionados se suspeitavam que poderiam ter TDAH. A maior parte da amostra respondeu "não" (48,1%), enquanto o restante respondeu "sim" (35,0%) e "não sei" (16,9%).

Finalmente, os participantes foram questionados sobre o que estavam dispostos a fazer a partir da leitura da cartilha. Apenas 10,1% dos participantes responderam que não fariam nada. O restante respondeu: "buscar ajuda profissional" (36,1%), "buscar mais informações sobre o TDAH" (34,9%) e "outro" (18,9%). As respostas desta última categoria (outro) foram analisadas e agrupadas em quatro temas conforme a similaridade do conteúdo: a) participante já está em tratamento (33,33%), b) compartilhar essa informação com pessoas que apresentam comportamentos semelhantes aos descritos na cartilha (17,78%), c) adotar essa cartilha nos atendimentos clínicos (2,2%), d) buscar compreender melhor a dificuldade alheia (2,2%).

 

Discussão

Os resultados mostraram efetividade da cartilha psicoeducativa on-line para uma amostra de adultos brasileiros com escolaridade de ensino superior incompleto e completo, visto que o número de acertos no questionário de avaliação de conhecimentos sobre o TDAH aumentou de forma significativa após a leitura do material. Esse resultado vai ao encontro de outras pesquisas sobre intervenções psicoeducativas do TDAH que, mesmo assumindo formatos diferentes (encontros presenciais, manual com resumo dos conteúdos trabalhados, discussões em grupo), também aumentaram o conhecimento sobre o transtorno de pacientes, familiares e professores do ensino fundamental (Aguiar et al., 2014; Bai, Wang, Yang, & Niu, 2015; Hirvikoski et al., 2015). Logo, os participantes parecem se beneficiar da psicoeducação independentemente do formato adotado.

A frequência de respostas corretas sobre o TDAH antes e depois da leitura da cartilha permite identificar os conteúdos de maior e menor conhecimento da amostra estudada. Verifica-se que os participantes parecem compreender que o TDAH não está relacionado à falta de esforço para prestar atenção. Esse resultado pode indicar uma redução do estigma associado ao transtorno em função de maior conhecimento sobre ele (Simmons et al., 2017). Os participantes também demonstraram saber que o TDAH pode persistir na vida adulta, o que sugere conhecimento atualizado sobre esse transtorno, uma vez que os critérios diagnósticos para adultos foram incluídos recentemente no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 (APA, 2013). Todavia, ainda é necessário explicar que a prevalência do TDAH não aumentou nas últimas décadas. A ideia de que houve aumento no número de casos do TDAH nos últimos anos pode ser decorrente da maior divulgação do transtorno (por causa da maior discussão sobre ele nos meios de comunicação) e do acesso aos tratamentos disponíveis. Contudo, ainda assim, as taxas de diagnóstico e tratamento não excedem as estimativas de prevalência do TDAH, ou seja, o número de pessoas diagnosticadas e tratadas para esse transtorno é menor que o número de casos existentes na população. Isso se deve à falta de reconhecimento do transtorno por parte das pessoas para que possam buscar ajuda (Polanczyk, Willcutt, Salum, Kieling, & Rohde, 2014).

Esse material parece ter sido claro na transmissão da informação sobre a origem neurobiológica do TDAH e o fato de indivíduos com TDAH agirem sem pensar. Essas duas afirmações estão relacionadas, uma vez que os fatores neurobiológicos são responsáveis pela dificuldade de manter a atenção, de inibir reações impulsivas e de pensar antes de agir (Salum et al., 2014). No entanto, a cartilha não foi clara o suficiente quanto à insuficiência do uso exclusivo de uma lista de sintomas para a realização do diagnóstico. A verificação isolada da presença de sintomas não é necessariamente indicativa do TDAH, visto que esse transtorno é caracterizado por sintomas comuns a outras condições clínicas, como presença de dificuldades de concentração na depressão, agitação na ansiedade e impulsividade na bipolaridade. O diagnóstico do TDAH é realizado por médicos ou psicólogos para que seja possível a efetivação de um diagnóstico diferencial, baseado na combinação de critérios diagnósticos e grau de prejuízo em mais de um ambiente, de preferência informado por mais de uma pessoa além do próprio paciente (APA, 2013). A cartilha também parece ter falhado ao informar sobre a estabilidade da prevalência do transtorno, que não aumentou nos últimos anos, conforme já foi discutido.

Embora a cartilha tenha contribuído para aumentar o conhecimento sobre o TDAH da amostra em geral deste estudo, os resultados também mostraram que esse material parece ter sido mais efetivo nos grupos que tinham alguma relação com o transtorno, ou seja: grupo de profissionais que trabalham com ele e grupo de pacientes em tratamento. Uma explicação possível para isso é que as pessoas que convivem de alguma forma com o TDAH tenham lido a cartilha com mais atenção do que aquelas que não apresentam sintomas, nem diagnóstico ou mesmo não atendem indivíduos com esse transtorno.

Mais de 90% da amostra estudada avaliou a cartilha como "muito útil" e "útil" como fonte de informação sobre o TDAH. Os participantes relataram que a leitura da cartilha os motivou a buscar ajuda profissional, buscar mais informações sobre o transtorno, compartilhar esse material com outras pessoas que apresentam comportamentos semelhantes aos descritos, a adotá-la nos atendimentos clínicos que realizam e a compreender melhor as dificuldades dos outros. Esses resultados vão ao encontro de alguns benefícios da psicoeducação sobre transtornos mentais. A psicoeducação pode servir como uma primeira fonte de informação para que os indivíduos reconheçam sintomas em si e busquem ajuda profissional (Lannin, Vogel, Brenner, Abraham, & Heath, 2016). De fato, neste estudo, 14,52% da amostra estava em tratamento para TDAH, e 35,0% relataram suspeitar que pudessem ter TDAH depois da leitura da cartilha. Em outros casos, a psicoeducação também pode servir como um estímulo para buscar mais informações sobre o transtorno ou para compartilhá-las com outras pessoas (amigos, familiares e até pacientes) que possam se beneficiar desse conhecimento, especialmente quando é realizada por meio de materiais escritos, como manuais, cartilhas, panfletos etc. (Bauer et al., 2016; Oliveira & Dias, 2018). O maior conhecimento sobre determinado transtorno mental é útil tanto para buscar ajuda quando necessário quanto para compreender melhor as dificuldades alheias, diminuindo o estigma dessa condição clínica (Simmons et al., 2017).

Este estudo possui algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados apresentados. A primeira delas se refere ao uso de um instrumento para avaliar conhecimentos do TDAH que está em fase de construção. Embora tenham sido adotados procedimentos para se certificar da validade de conteúdo, ainda não foram verificadas as validades interna e externa do questionário. Outra limitação diz respeito à obtenção dos dados de que os participantes leram a cartilha na íntegra por meio de apenas uma pergunta fechada, visto que a coleta foi realizada via plataforma on-line.

A principal contribuição deste estudo foi verificar a efetividade de um formato de psicoeducação baseado nas duas principais fontes de informação preferidas por adultos: profissionais da saúde (autores da cartilha) e internet (cartilha on-line) (Bauer et al., 2016). Esse formato combina informações confiáveis, busca anônima e fácil acesso. As informações podem ser consideradas confiáveis, uma vez que são provenientes de pesquisas científicas atuais e transmitidas por profissionais da saúde em linguagem acessível ao público, com o intuito de evitar mal-entendidos pelo uso de termos técnicos. Além disso, a produção deste material passou por um teste-piloto. Pessoas leigas leram a cartilha e explicaram o que compreenderam sobre o texto para que os ajustes necessários de linguagem fossem efetuados. Já sua disponibilidade on-line é responsável pela busca anônima, pois o indivíduo não precisa se identificar, e, pelo fácil acesso, já que pode ser lida de qualquer lugar, desde que se tenha um aparelho com internet, ao contrário do que uma consulta com profissional da saúde requer (presença física).

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Clarissa Tochetto de Oliveira
Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 117, Rio Branco
Porto Alegre, RS, Brasil. CEP: 90035-003
E-mail: clarissa.tochetto@gmail.com

Submissão: 4.12.2017
Aceite: 2.5.2018