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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.2 São Paulo maio/ago. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n2p339-352 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Ocorrência de fratura de fêmur e rastreamento de sinais de depressão em idosos

 

 

Rosana Fortunato ModestoI; Edinalva Neves NascimentoII; Sandra Regina Gimeniz-PaschoalIII

IFaculdade de Ensino Superior e Formação Integral, FAEF, SP, Brasil
IISecretaria da Saúde de Marília, SP, Brasil
IIIUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Unesp, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Fraturas de fêmur em pessoas idosas podem causar problemas físicos, emocionais, familiares e sociais. O objetivo deste estudo foi identificar a ocorrência de fratura de fêmur e rastrear sinais de depressão em idosos. Analisaram-se dados de internação dos idosos de uma Secretaria da Saúde de um município paulista e realizaram-se entrevistas com 30 idosos em suas residências, com a aplicação da versão reduzida da Escala de Depressão Geriátrica. Verificou-se que, num período de um ano, ocorreram 94 internações de idosos por fratura de fêmur, principalmente por quedas em suas residências, resultando em perda da autonomia, dor e tristeza. Dos entrevistados, 28 (93%) apresentaram sinais de depressão, que variou de leve a severa. Concluiu-se que houve número elevado de internações por fratura de fêmur e sinais de depressão entre os idosos, sinalizando a necessidade de novas investigações e ações que modifiquem essa realidade.

Palavras-chave: assistência a idosos; fraturas de fêmur; depressão; assistência integral


 

 

Introdução

Em todo o mundo, a expectativa de vida tem crescido progressivamente, sendo notável algumas pessoas com mais de cem anos de idade (Rodrigues, Barbeito, & Alves Junior, 2016). O envelhecimento é um processo complexo e inerente a todas as estruturas do organismo. Com o passar do tempo, os tecidos vão se desgastando e, assim, comprometendo os órgãos e suas funções (Alencar, Bezerra, & Dantas, 2009). O comprometimento das estruturas corporais favorece riscos para quedas. A queda é um evento não intencional, e suas causas são multifatoriais, podendo ocorrer por fatores intrínsecos fisiológicos, patológicos e medicamentosos, e extrínsecos, como inadequação no ambiente e em calçados (Menezes & Bachion, 2008).

A maioria das quedas no ambiente do idoso ocorre por causa de iluminação inadequada, tapetes soltos, presença de degraus, superfícies escorregadias, entre outros. Isso pode provocar fratura de fêmur, braços, antebraços, face ou mesmo a morte, além de alterações psicológicas, como medo de cair e depressão (Menezes & Bachion, 2008). As quedas provocam consequências físicas, funcionais e psicossociais. As físicas são fraturas, hospitalização, imobilização e lesão neurológica. As funcionais são restrição de mobilidade, modificação de hábitos e dependência. Já as psicossociais são o medo de cair, mudança de domicílio, rearranjo familiar, isolamento social, depressão e diminuição de autoestima (Lopes & Dias, 2010).

Estudo realizado no Hospital Universitário de Patras, na Grécia, confirmou que as quedas em pessoas idosas provocam danos físicos que são imediatamente visíveis após a sua ocorrência, podendo também criar problemas significativos no estado psicológico dessas pessoas, como ansiedade, medo e isolamento social, associado ao evento de depressão (Mentis et al., 2017).

Existe uma correlação positiva entre os sintomas depressivos e a ocorrência da queda. Estudo realizado com 68 idosos em Vitória da Conquista, no estado da Bahia, 12 meses após o acidente, demonstrou que 48,5% dos idosos que caíram apresentaram condição depressiva, tais como medo, desânimo, irritabilidade, isolamento social e comprometimento na capacidade de sentir prazer na vida (Matias, Fonseca, & Matos, 2015). Os distúrbios depressivos podem ocasionar indiferença ao meio ambiente, alteração do nível de atenção, alteração de deambulação, diminuição de energia, redução da autoconfiança, reclusão e perdas cognitivas, especialmente entre os idosos institucionalizados (Borges, Rocha, Couto, & Mancini, 2013).

Estudo prospectivo foi realizado em Taiwan entre os anos de 2003 e 2007, com 4.547 idosos com diagnóstico de fratura de fêmur. Incluíram-se na pesquisa apenas os participantes que não apresentavam sinais depressivos antes da fratura. Os resultados demonstraram que, após a fratura do fêmur 1,2% (n = 55), os pacientes passaram a apresentar depressão. Os sinais foram mais evidentes nos primeiros 200 dias e puderam ser percebidos até os três primeiros anos após a ocorrência (Chang et al., 2014). Da mesma forma, estudo realizado com 190 idosos com fratura de fêmur detectou comorbidades neuropsíquicas durante a internação, como depressão e demência (Cunha & Veado, 2006). A presença de depressão após uma fratura também é um fa-tor predisponente para a ocorrência de outras quedas nos próximos dois anos subsequentes (Berg1 et al., 2011).

Além da depressão, também foram identificadas outras comorbidades, como problemas respiratórios, arritmia e insuficiência cardíaca, bem como acidente vascular encefálico (Chang et al., 2014). Pesquisas revelaram que as fraturas de fêmur também estão associadas ao óbito do idoso. Estudo epidemiológico realizado em um hospital-escola da região central de São Paulo demonstrou que, dos 115 idosos que sofreram quedas, 48 tiveram fratura de fêmur. A fratura associou-se às doenças crônicas (especialmente insuficiência renal) e contribui para uma taxa de 7,1% de mortalidade intra-hospitalar (Daniachi, Santos Netto, Ono, Guimarães Polesello, & Honda, 2015). Esses dados corroboraram uma pesquisa bibliográfica que apresentou uma taxa de 21,85% de mortalidade no primeiro ano entre os idosos que fraturaram o fêmur (Mesquita et al., 2009)

Considerando as diferentes consequências advindas das quedas com fratura de fêmur em pessoas idosas e a necessidade de implantação de políticas públicas a respeito dessa temática, o objetivo deste trabalho foi identificar a ocorrência de fratura de fêmur e rastrear sinais de depressão em idosos que sofreram esse tipo de acidente.

 

Método

Este artigo faz parte de um projeto maior submetido pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de um município de médio porte do interior paulista à Secretaria de Vigilância à Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS), sendo aprovado e financiado pelo governo federal. A proposta de pesquisa teve parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), Protocolo n. 0800/2013.

Trata-se de um estudo descritivo, com levantamento de dados sobre sinais de depressão em idosos que fraturaram o fêmur entre setembro de 2010 a outubro de 2011. Foram adicionados os idosos que aceitaram participar do estudo e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os idosos residentes na área urbana do município de estudo e aqueles com residência encontrada durante a visita domiciliar. Quanto aos critérios de exclusão, foram suprimidos os que não concordaram com a realização da entrevista, os que residiam em área rural, os que foram a óbito, aqueles que mudaram para outras cidades e os que alteraram endereço dentro do próprio município de estudo, porém sem possibilidade de encontrar o novo local de moradia. Buscou-se a participação dos 94 idosos em todas as etapas da pesquisa, no entanto, participaram da primeira etapa (informações hospitalares) 94 idosos e da segunda etapa (realização das entrevistas), 30 idosos.

A coleta de informações foi realizada em três etapas: 1. levantamento das informações hospitalares; 2. realização da entrevista sobre a situação em que ocorreu a queda/ fratura de fêmur; 3. aplicação da versão reduzida da Escala de Depressão Geriátrica (Geriatric Depression Scale - GDS-15) de Yesavage et al. (1983).

Primeira etapa: levantamento das informações hospitalares

Na primeira etapa, realizou-se o levantamento das informações hospitalares dos idosos que foram internados por fratura de fêmur no período de um ano. Para isso, a SMS estabeleceu contato com os dois hospitais de referência à assistência do idoso do município de estudo e solicitou, via ofício, as planilhas de informações referentes à data de nascimento, procedimento realizado no hospital, data de admissão hospitalar, data de alta hospitalar, Classificação Internacional de Doenças (CID), custo da internação e endereço de residência.

Foi estabelecido contato com a pessoa responsável pela Área Técnica da Saúde do Idoso e solicitada autorização para acesso aos dados. Mediante consentimento, identificaram-se os endereços e as unidades de saúde dos idosos por meio do Sistema de Informação Ambulatorial (Sial) da SMS. Obtiveram-se, nessa fase, informações de 94 idosos que foram internados nos hospitais por fratura de fêmur no período de um ano. Dentre os 94 idosos da primeira etapa, excluíram-se 12 (quatro residentes em áreas rurais/distritos e oito que foram a óbito, segundo registro do Sial) para a realização da segunda etapa.

Segunda etapa: realização da entrevista sobre a situação em que ocorreu a queda/ fratura de fêmur

Para a realização da entrevista, foram realizadas 82 visitas domiciliárias, as quais foram realizadas nos períodos da manhã e da tarde, durante a semana e também aos sábados. Foi utilizado jaleco branco com crachá de identificação da primeira pesquisadora em todas as visitas. Para a localização dos endereços, por tratar-se de um município de médio porte, utilizaram-se o Google Maps e um aparelho de Global Positioning System (GPS).

O primeiro contato com o idoso foi estabelecido no portão da residência, momento em que houve a apresentação da primeira pesquisadora e explanação dos objetivos da pesquisa. Com o aceite de participação, os idosos permitiram a entrada nas residências para a coleta de informações.

Após a realização das 82 visitas domiciliárias, observaram-se que houve: óbito (n = 24), mudança de endereço relatada pelos vizinhos (n = 12), não autorização do esposo da idosa para a realização da entrevista (n = 1), moradia no asilo sem autorização da instituição para a realização da entrevista (n = 1) e endereço não encontrado (n = 14). Dessa forma, a amostra final foi composta de 30 idosos. Houve uma perda amostral de 52 idosos.

Os 30 idosos foram entrevistados, nessa etapa, sobre a situação em que ocorreu a queda/fratura de fêmur. As entrevistas foram realizadas entre 24 e 35 meses após a internação dos idosos, com média de 29,7 meses e desvio padrão de 3,3. Esse cálculo foi realizado com base na data de internação do idoso devido à indisponibilidade de informação a respeito do dia do acidente. Porém, estima-se que a data de internação seja bastante próxima da ocasião do evento ocorrido.

Os pesquisadores elaboraram um roteiro com 17 questões abertas, apresentando informações pessoais, dados gerais e questões específicas a respeito das situações nas quais ocorreu a fratura, com o objetivo de identificar o local, as causas e as consequências que esse evento provocou na vida do idoso e de seus familiares e amigos. Destaca-se que o roteiro de entrevista foi testado mediante a realização de um estudo-piloto com três idosos que sofreram fratura de fêmur de outro município, a fim de verificar a clareza do instrumento e se a linguagem era pertinente para a população-alvo do estudo.

Terceira etapa: aplicação da versão reduzida da GDS-15

Na terceira etapa, aplicou-se a versão reduzida da GDS-15 de Yesavage et al. (1983), logo após a entrevista da segunda etapa, para identificar os sinais de depressão entre os idosos que sofreram quedas/fratura de fêmur. Essa escala é constituída por 15 perguntas dicotômicas com respostas de "sim" e de "não", sendo atribuído um ponto para sim e zero ponto para não.

Segundo Almeida & Almeida (1999), a GDS-15 é um dos instrumentos mais frequentemente utilizados para rastreamento de depressão em idosos. Paradela, Lourenço, & Veras (2005) ratificam que esse teste permite rastrear sintomas depressivos em indivíduo geriátrico, podendo ser de grande valia no rastreamento de um indivíduo idoso com suspeita de depressão. Essa escala foi validada pelos três últimos autores em uma população geriátrica ambulatorial brasileira (semelhante ao público-alvo do trabalho em questão), sendo recomendada para ser aplicada em qualquer outro ambiente (hospitais, domicílios, instituições de longa permanência e atenção básica). Dessa forma, o instrumento torna-se válido para rastrear sinais depressivos em idosos brasileiros.

Análise de dados

A análise dos dados foi realizada quantitativa e qualitativamente, de maneira complementar, para melhor compreender a realidade estudada.

Na análise quantitativa, apresentaram-se os dados mais prevalentes e, na qualitativa, os recortes das falas dos participantes. Já as respostas do teste de depressão foram analisadas quantitativamente, somando-se as respostas negativas obtidas na aplicação do instrumento de 15 questões.

Para a classificação da suspeita de depressão, adotaram-se as orientações apresentadas por Almeida e Almeida (1999) e Paradela et al. (2005), ou seja, cada participante teve as respostas das 15 questões analisadas individualmente. Quando se observou a quantidade de até quatro respostas negativas, o participante foi classificado como "sem depressão"; entre 5 e 10 respostas negativas, como com "depressão leve a moderada", e acima de 10 pontos negativos, com "depressão severa".

 

Resultados

Referentes às informações hospitalares

Os dados da internação hospitalar revelaram que, no período de um ano, foram internados 94 idosos por fratura de fêmur nos dois hospitais do município, sendo 18 idosos no Hospital 1 e 76 idosos no Hospital 2. A idade mínima dos idosos foi de 62 anos e a máxima de 98 anos, com média de 64 anos. Os idosos investigados ficaram internados no Hospital 1 entre 3 e 19 dias, com média de 8,4 dias de internação. No Hospital 2, foram internados entre 1 e 81 dias, com tempo médio de 8,33 dias de internação. As internações hospitalares por fratura de fêmur costumam gerar um alto custo para o município, ou seja, no período de um ano, foram investidos valores equivalentes a 65 salários mínimos em um hospital e 218 salários no outro, o que equivale a um custo médio de três salários para cada idoso internado.

Referentes às informações da entrevista sobre a queda/fratura de fêmur

A amostra investigada mostrou que a maioria dos participantes era feminina (80%). Em relação ao estado civil, um era solteiro, três casados, três divorciados, nove viúvos e 14 separados. Quando fraturaram a perna, 20 idosos estavam na própria casa, quatro na rua, dois no trabalho e dois na casa do neto. Uma idosa caiu no ônibus circular e outra na escada rolante da Rodoviária Barra Funda, em São Paulo.

No que se refere ao ambiente domiciliar, a maioria caiu no quintal (n = 4), no quarto (n = 4) e na rua (n = 3). Por exemplo, uma senhora estava estendendo roupa no varal e escorregou na água que gotejava. Mesmo com dor, ela se arrastou até um portão de ferro e bateu constantemente até que uma criança ouviu o barulho e foi verificar o que estava acontecendo. Ela lhe entregou a chave por debaixo do portão e lhe solicitou que chamasse alguém para socorrê-la. Depois dessa situação, a idosa foi morar em uma edícula no fundo da casa da filha, mas referiu que preferia estar em seu lar.

Um total de 15 idosos informou que havia alguém próximo no momento da queda, especialmente os filhos (n = 6), os netos (n = 2), a esposa (n = 1) e até mesmo outro idoso (n = 1). Os idosos foram levados ao hospital pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - Samu 192 (n = 17) e pelos próprios familiares (filhos: n = 4; netos: n = 3). O que chamou a atenção foi o fato de uma idosa ir sozinha ao hospital. Ela informou que caiu e fraturou a perna, mas primeiramente foi comunicar à idosa que lhe prestava cuidados: "Você sabe, a gente tem que dar satisfação". Posteriormente, tomou o ônibus circular e foi sozinha ao hospital. Nesse período de permanência no ambiente hospitalar, essa senhora emagreceu 17 quilos e relatou que foi um período triste, de sofrimento e dor. Além disso, ficou sem trabalhar e sem ser remunerada para pagar suas dívidas, o que a deixou "nervosa e depressiva".

Oito idosos referiram ter sentido dor durante a internação hospitalar. Informaram que no hospital os enfermeiros elevavam a perna fraturada, causando uma dor insuportável. Eles não conseguiam dormir de tanta dor e chamavam constantemente os funcionários do hospital para ministrarem medicamentos que pudessem aliviar a dor. Um idoso comentou que, nesse período de internação, teve alucinações, vendo o teto cair sobre ele e pessoas andarem pela parede do quarto. Em se tratando da recuperação após internação hospitalar, oito idosos informaram que foi boa e sete disseram que tiveram muita dor. Os idosos que avaliaram positivamente referiram que estar em casa (mesmo com dor) era melhor do que dentro do hospital: "Não há comparação". Aqueles que pontuaram sentimentos negativos relataram que não conseguiam fazer a higiene pessoal e dependiam de outras pessoas para isso, especialmente da família (netos, filhos, irmãos, noras, mãe etc.).

Dentre os 30 idosos participantes, 20 informaram que os amigos não ajudaram no cuidado. Eram antigos amigos (de 20 a 30 anos) que não apoiaram em nada. Relataram que "essas pessoas foram amigas somente quando eles tinham saúde" e que "no momento em que mais precisaram os amigos não foram presentes". Todos informaram que ocorreram mudanças nas suas atividades sociais. A maioria (n = 24) deixou de sair de casa para não dar trabalho aos filhos porque, na opinião deles, locomover-se com andador atrapalha a rotina familiar. Eles preferem ficar em casa a pedir apoio físico.

No que se refere ao uso de medicamentos, 20 idosos informaram que faziam uso antes da fratura, o que ampliou para 24 idosos após a queda. Os idosos receberam, na maior parte das vezes, acompanhamento médico em serviços especializados (fisioterapia, neurologia e geriatria) e médicos da família. Os idosos informaram que a fratura poderia ter sido evitada se tivessem tido mais atenção e mais cuidado. Inclusive uma delas relatou que não deveria ter subido no sofá velho para retirar a roupa do varal.

Referentes aos dados da GDS-15

A frequência de respostas em cada categoria da GDS-15 está apresentada na Tabela 1.

A maioria dos participantes referiu que não estava satisfeita com a vida após a queda, pois, com a fratura de fêmur, deixou de fazer muitas coisas que fazia. Informaram que trabalharam a vida toda e que naquele momento se encontravam em situação de dependência dos outros para tudo, até mesmo para fazer a higiene pessoal. Alguns, inclusive, passaram a tomar banho sentado em uma cadeira, outros deixaram de fazer ações mais simples a que estavam acostumados, como ir até o fogão e retirar suas refeições. Referiram que uma perna ficou mais curta do que a outra e que esse "defeito" dificultava a caminhada, tornando a vida mais difícil: "Se for para viver dependendo de outras pessoas, é melhor que Deus reveja minha vida na Terra".

Grande parte dos idosos informou que não saía mais de casa com medo de cair e de passar por tudo no hospital novamente. Após a cirurgia, precisavam ficar com pontos por 15 dias, e, como o corte abria na hora do banho, tinham que retornar ao hospital e refazer o procedimento. Segundo alguns idosos, "foi muito sofrido" ter que voltar ao centro cirúrgico.

Os idosos afirmaram que a vida se tornou vazia após a fratura de fêmur, pois eles "não serviam mais para nada". Com a queda "tudo acabou, pois nem andar direito conseguiam mais". Outros disseram que "estarem vivos realmente era um milagre".

Após a fratura do fêmur, relataram que vivem com muita dor e não conseguem andar normalmente, precisando de um andador para poder se locomover. Quando questionados se sentem-se bem com a vida a maior parte do tempo, disseram que não, uma vez que deixaram de fazer muitas coisas que faziam. Com a fratura de fêmur, a vida deles mudou por completo, e essa mudança foi para pior, pois não conseguiam mais sair de casa e ir ao banco receber sua aposentadoria. Relataram que trabalharam a vida inteira e hoje têm que ficar dependendo de outras pessoas, que não podiam colocar os dois pés no chão e andar como uma pessoa normal. Tudo isso os deixava angustiados.

Já os outros disseram ser difícil e, às vezes, se pegavam pensando na vida que tinham antes da queda. Eles se aborreciam, choravam e, às vezes, brigavam com quem estivesse por perto, mas logo em seguida "agradeciam a Deus por estarem vivos". Vários idosos temiam que algo de ruim lhes acontecesse e muitos disseram que não se sentiam alegres a maior parte do tempo. Justificaram que não havia alegria porque não podiam mais fazer as ações simples que sempre fizeram, como tomar banho sozinho, preparar as refeições, receber a aposentadoria, ir ao mercado, ir à igreja e trabalhar para complementar a renda familiar. A maioria se sentia desamparada com frequência, pois teve que mudar os hábitos, deixar a própria casa para morar com outras pessoas ou os familiares mudaram para a casa deles.

Assim, muitos deles preferiam ficar em casa a fazer coisas novas, pois sempre que saíam de casa tinham que pedir ajuda para locomoção. Outros referiram que tinham mais problema de memória do que outras pessoas, que andavam muito cansados de lutar com a vida e que a idade tinha colaborado muito para que isso tivesse acontecido. Informaram que no hospital sentiram dor e passaram por situações de fome, me-do, angústia, tristeza e descaso de alguns profissionais da área da saúde. Os idosos referiram falta de energia para realizar atividades e perda da esperança na vida, haja vista que deixaram de andar.

A frequência de participantes nas Classificações de Sinais de Depressão da GDS-15 está representada no Gráfico 1.

 

 

Discussão

Os dados quantitativos dos hospitais permitiram verificar que a fratura de fêmur ocorreu principalmente na população feminina (80%), sendo maior do que o percentual encontrado na literatura. Pesquisa realizada por Martini, Guerra, Mendes, & Echevest (2012) identificou um acometimento em 68% das mulheres. O estudo de Matias et al. (2015) verificou em 60,3% da população feminina. Novas investigações são necessárias para avaliação dessa variável, a fim de verificar se é uma característica locorregional ou se a população feminina está se tornando cada vez mais vulnerável a esse tipo de lesão.

Outro fator a ser destacado é a idade dos idosos, pois, neste estudo, a média foi de 62 anos, 78 anos na pesquisa de Martini et al. (2012) e 73,1 anos no trabalho de Matias et al. (2015), o que levanta a hipótese de que os acidentes podem estar mais cedo nesse ciclo de vida. As situações de risco foram mais evidentes no domicílio dos idosos e no entorno, corroborando o estudo de Jahana & Diogo (2007), em que a maioria dos acidentes ocorreu em casa ou na rua próxima da moradia. A literatura confirma que o ambiente domiciliar apresenta situações de risco para as pessoas idosas, como presença de móveis instáveis, escadas inclinadas ou sem corrimão, rampas ou degraus, tapetes avulsos, iluminação inadequada, pisos escorregadios, presença de animais domésticos, uso de chinelos ou sapatos em más condições ou inadequados e fios elétricos soltos (Yamazaki & Ferreira, 2013).

Considerando que as situações de risco nas residências são passíveis de pequenas mudanças, sugere-se a implementação de políticas públicas municipais pela Secretaria da Saúde do município estudado, no sentido de promover ações de prevenção de acidentes em idosos. Essas ações poderiam ser realizadas pelas unidades básicas de saúde, especialmente pelos agentes comunitários, que realizam frequentemente visitas domiciliares no território. Seria desejável que os serviços especializados de reabilitação (fisioterapia, neurologia e geriatria), citados pelos participantes deste estudo, também realizassem ações de prevenção nas residências dos idosos. Este estudo permitiu identificar ainda situações de risco em áreas públicas de grande circulação de pessoas, como ruas, calçadas e rodoviária, o que pode chamar a atenção de profissionais do planejamento urbano para projetos de recuperação desses locais. Segundo Menezes & Bachion (2008), a melhoria na iluminação das ruas é indicada como uma possível ação. Além disso, a revisão de projetos de acessibilidade urbana poderia contemplar todos esses requisitos e, dessa forma, promover ambientes públicos mais seguros, especialmente para a população idosa.

Muito além disso, as informações qualitativas obtidas por meio das entrevistas revelaram que o prejuízo social e emocional foi impactante na vida desses idosos, uma vez que mudou a rotina e o relacionamento da família e dos amigos em relação à pessoa que sofreu a queda e a lesão. Os dados da entrevista apresentam estreita relação com os resultados da GDS-15 de Yesavage et al. (1983), especialmente na interrupção das atividades diárias. Interromper ações cotidianas e depender dos familiares para a realização das atividades rotineiras foram frequentemente citadas pelos idosos participantes. Essa situação de dependência contribui para a presença de depressão em pessoas idosas, conforme sinalizou estudo realizado em Bagé, no Rio Grande do Sul, quando se aplicou a GDS-15 em 1.593 pessoas acima de 60 anos (Bretanha et al., 2015). Destaca-se que nesse estudo 93% dos participantes apresentaram sinais de depressão variando de leve a severa, o que pode ser considerada uma taxa elevada quando comparada com os resultados encontrados em Vitória da Conquista (48,7%) (Matias et al., 2015) e Taiwan (1,2%) (Chang et al., 2014), referentes aos idosos que tiveram fratura de fêmur.

Com base na classificação de Lopes & Dias (2010), a consequência psicossocial mais presente nas falas dos idosos que participaram desta pesquisa foi o medo de cair, corroborando o estudo de Ribeiro, Souza, Atie, Souza, & Schilithz (2008) que revelou que a maioria dos idosos passou a sentir medo de cair novamente após a queda. Em entrevistas realizadas com 72 idosos do município do Rio de Janeiro que caíram, também se verificou que a maioria passou a sentir medo e outros abandonaram as atividades habituais. Além disso, houve dificuldade para dormir e sentimento de tristeza, contribuindo para a presença de sintomas depressivos (Ribeiro et al., 2008).

Neste trabalho, as entrevistas foram realizadas entre 24 e 35 meses após a internação dos idosos. A literatura revela que os sinais depressivos são frequentemente identificados nos primeiros 200 dias, mas ainda podem ser percebidos nos três primeiros anos após a fratura (Chang et al., 2014). O rastreamento realizado neste estudo está dentro do prazo preconizado pela literatura, mas, mesmo assim, sugere-se a realização de novos estudos longitudinais para verificar se os sinais de depressão melhoram ou desaparecem com o tempo.

Pode-se afirmar que este estudo atingiu o objetivo proposto, ou seja, demonstrou que há sinais de depressão nos idosos que sofreram fraturas de fêmur após queda, principalmente humor depressivo. Por tratar-se de um estudo exploratório e descritivo, não houve o propósito de fazer uma análise correlacional, sendo esse tipo de estudo sugestivo para futuras pesquisas, inclusive com investigação da causa do óbito, confronto com dados epidemiológicos e levantamento de informações nos serviços de saúde envolvidos. Os resultados deste trabalho também não podem ser generalizados para outros municípios, pois cada um apresenta característica epidemiológica e índice de desenvolvimento humano diferentes, mas podem incentivar a realização de outros trabalhos de levantamento e, preferencialmente, de intervenção, em parceria com as universidades ou mesmo com os serviços públicos de saúde.

A elevada taxa de morbimortalidade após fratura de fêmur identificada neste estudo sugere a realização imediata de ações de intervenção pelo sistema de saúde, uma vez que a literatura revela que idosos que caíram se tornaram mais propensos a um novo acidente (Berg1 et al., 2011) e que, quando somada aos sinais de depressão, há um aumento de risco para óbito (Mesquita et al., 2009). Para os idosos que apresentaram os sinais de depressão, sugere-se envolver os psicólogos da rede municipal de saúde na elaboração de projetos terapêuticos que amenizem os sinais depressivos. As evidências científicas mostraram que a Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (TCC) se mostrou eficaz na redução da sintomatologia de depressão após sete sessões de psicoterapia (Lobo et al., 2012).

A sistematização dos resultados deste trabalho permitiu uma discussão com o Departamento de Atenção Básica e as áreas técnicas de Saúde do Idoso e de Saúde Mental do município, provocando a implantação de políticas públicas municipais de prevenção de quedas entre as pessoas idosas, especialmente na faixa etária de maior risco, para evitar as consequências negativas decorrentes desses episódios, especialmente sinais de depressão. São necessários novos estudos que investiguem o que este e outros municípios estão fazendo nesse sentido, quais ações foram planejadas e quais estão sendo realizadas, bem como os parceiros envolvidos e os resultados obtidos. Além disso, mesmo a literatura tendo sinalizado a prevalência de óbitos após a queda, é fundamental investigar se a fratura isoladamente foi responsável pelos sinais de depressão ou que outras comorbidades contribuíram para o falecimento dos idosos. Sugere-se, ainda, averiguar a história pregressa de sintomas psiquiátricos entre os idosos e seus familiares para correlacionar com os sinais depressivos identificados após a fratura de fêmur, sendo essas as limitações encontradas no presente estudo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rosana Fortunato Modesto
Rua Lucia Aparecida Tonon Rodrigues, 139. Jardim Brasil
Garça, SP, Brasil. CEP
E-mail: rosana_psique@hotmail.com

Submissão: 23.2.2017
Aceite: 27.3.2018