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Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.3 São Paulo sept./dic. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n3p86-99 

ARTIGOS
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Rastreamento de sinais sugestivos de TEA em prematuros com muito baixo peso ao nascer

 

 

Vivian Renne Gerber LedermanI; Ana Lucia GoulartII; Amélia Miyashiro Nunes dos SantosII; José Salomão SchwartzmanII

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie – UPM, SP, Brasil
IIUniversidade Federal de São Paulo – EPM/Unifesp, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Prematuridade tem sido associada com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Diagnóstico precoce é relevante para essa população. Este estudo comparou a frequência de rastreamento positivo para sinais de TEA utilizando os questionários M-CHAT aos 18-24 meses (n = 60) e ABC aos 30-36 meses (n = 58) de idade corrigida em prematuros nascidos com peso < 1.500 g e investigou diagnóstico de TEA nos casos suspeitos com protocolo diagnóstico seguindo DSM-5. Dos prematuros, 6,7% foram positivos para M-CHAT e 5,2% para ABC. Diagnóstico de TEA foi confirmado para 3,3% das crianças. Houve baixa concordância entre M-CHAT e ABC (k = 0,241, p = 0,063). A frequência de sinais sugestivos de TEA detectada pelos dois instrumentos em diferentes momentos foi similar; e a taxa de diagnóstico de TEA, alta. O rastreamento aos 18-24 meses, acrescido de rastreamento aos 30-36 meses, aumenta a frequência de rastreamento positivo para sinais de TEA em prematuros.

Palavras-chave: autismo; Transtorno do Espectro do Autismo; prematuro; prematuro de muito baixo peso; prematuridade.


 

 

Introdução

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) caracteriza-se pelo desenvolvimento atípico na interação social e comunicação e pela presença de repertório comportamental marcadamente restrito de atividades e interesses (American Psychiatric Association, 2013). É um distúrbio que emerge num indivíduo geneticamente vulnerável, exposto a fontes externas de estresse, durante momentos críticos do desenvolvimento (Casanova, 2007). Entre os grupos de risco para TEA, destacam-se os bebês prematuros, prematuros de baixo peso (abaixo de 2.500 g ao nascer) e prematuros de muito baixo peso (abaixo de 1.500 g). Até o momento, as taxas de rastreamento de sinais sugestivos de TEA encontradas em prematuros apresentam variação entre 3,7% e 12,5%; no caso de crianças nascidas a termo, esse índice varia de 1% a 1,5% (Kuzniewicz et al., 2014; Gray, Edwards, O'Callaghan, & Gibbsons, 2015; Guy et al., 2015). O aumento de risco de TEA em prematuros ocorre por causa de maior morbidade materna, características do parto e complicações neonatais (Kuzniewicz et al., 2014).

Os prematuros frequentemente apresentam dificuldades em comunicação social, emocional e atenção compartilhada, características consistentes com sinais sugestivos de TEA (Johnson et al., 2010; De Schuymer, De Groote, Striano, Stahl, & Roeyers, 2011). Nessa população, a presença de alto número de atrasos no desenvolvimento faz com que rastreamentos específicos sejam de especial importância (Johnson et al., 2010).

Embora os atrasos no desenvolvimento podem, ou não necessariamente, confirmar o diagnóstico de TEA posteriormente, a identificação desses sinais através de instrumentos de rastreamento favorece a intervenção precoce e melhoria do quadro e encaminhamento precoce para diagnóstico (Hofheimer, Scheinkpf, & Eyler, 2014).

Entre os instrumentos disponíveis para rastreamento de sinais de TEA, destacam-se os questionários Modified Checklist for Autism in Toddlers - M-CHAT (Robins, Fein, Barton, & Green, 2001) e Autism Behavior Checklist - ABC (Krug, Arick, & Almond, 1980). Apesar de esses questionários não possuírem valor de diagnóstico, eles permitem selecionar casos suspeitos para futuras avaliações. Além da orientação para o rastrea-mento para sinais de TEA aos 18 e 24 meses de idade, Ozonoff et al. (2010) recomendam um rastreamento adicional após os 2 anos de idade, o que permite a observação de sinais que não estariam anteriormente presentes O diagnóstico de TEA, por sua vez, deve incluir exame clínico com anamnese, observação direta, avaliações neurop-sicológicas e multidisciplinares e testes complementares (Velloso et al., 2011).

Considerando que prematuros são grupo de risco para TEA cujos atrasos no desenvolvimento podem ou não configurar posteriormente o diagnóstico, acreditamos ser importante avaliar instrumentos de rastreamento nessa população. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi comparar a frequência de rastreamento positivo para sinais de TEA utilizando os questionários M-CHAT aos 18-24 meses e ABC aos 30-36 meses de idade corrigida em crianças nascidas prematuras com muito baixo peso, e posterior avaliação de diagnóstico de TEA, de acordo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 (American Psychiatric Association, 2013), nos casos suspeitos.

 

Método

Participantes

Trata-se de um estudo prospectivo conduzido com amostra de conveniência de prematuros nascidos com muito baixo peso ao nascer. Os critérios de inclusão foram: prematuros entre 18 e 24 meses de idade corrigida, de ambos os sexos, nascidos antes de 37 semanas de idade gestacional e peso inferior a 1.500 g, acompanhados no ambulatório de prematuros da Universidade Federal de São Paulo. Nesse ambulatório, as crianças nascidas antes de 37 semanas de gestação com muito baixo peso são seguidas regularmente, desde a alta da unidade neonatal até a adolescência, por uma equipe multiprofissional constituída por pediatras, neuropediatras, fisioterapeutas, fono-audiólogos, terapeuta ocupacional, oftalmologistas, nutricionistas, psicólogas, dermatologistas, dentistas e assistente social. Os critérios de exclusão foram: presença de deficiências motoras, visuais e auditivas graves e/ou síndrome genética, conforme diagnóstico registrado nos prontuários das crianças pela equipe multiprofissional que acompanhou as crianças desde a alta da unidade neonatal. Os prematuros elegíveis para o estudo foram selecionados a partir de um banco de dados clínicos das crianças atendidas no referido ambulatório, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos para o presente estudo.

Instrumentos

Utilizaram-se dois instrumentos para rastreamentos de sinais de TEA: M-CHAT (Robins et al., 2001) e ABC (Krug et al., 1980), ambos traduzidos para o português (Losapio & Pondé, 2008; Marteleto & Pedromônico, 2005). O M-CHAT foi utilizado para o rastreamento de sinais de TEA entre 18 e 24 meses de idade corrigida, e o ABC entre 30 e 36 meses de idade corrigida.

O M-CHAT (Robins et al., 2001) é um questionário de rastreamento de sinais de TEA para crianças entre 16 e 30 meses, que possui sensibilidade de 0,85 e especificidade de 0,93. É composto por 23 questões a serem respondidas pelos pais ou responsáveis da criança. Cada questão do M-CHAT, se pontuada, vale 1 ponto. As questões 2, 7, 9,13, 14 e 15 são consideradas críticas para sinais de TEA, pois avaliam aspectos sociais e de atenção compartilhada, como apontar objetos, imitação e interesse social. As demais questões avaliam também estímulos sensoriais e aspectos de relacionamento e motores. Crianças que falham em três ou mais questões ou em duas consideradas críticas são rotuladas como rastreamento positivo para sinais de TEA (Losapio & Pondé, 2008).

O ABC (Krug et al. 1980) é composto de uma lista de comportamentos atípicos, foi desenhado para triagem a partir dos 18 meses de idade com suspeita de TEA e deve ser respondido pelos pais ou responsáveis da criança. Possui sensibilidade de 0,38 a 0,56 e especificidade de 0,76 a 0,97. É composto por 57 questões, relacionadas a cinco áreas: estímulo sensorial (ES), relacionamento (RE), uso do corpo e de objetos (CO), linguagem (LG) e postura social (PS). Cada questão tem pontuação que varia entre

1 e 4: 1 para comportamentos menos relacionados ao autismo (como vestir-se sozinho) e 4 para aqueles mais relacionados ao quadro (como girar em torno de si próprio). No trabalho original, os autores propuseram que pontuação final igual ou superior a 68 seria classificatória para autismo; pontuações entre 54 e 67 indicariam possibilidade moderada de autismo; pontuações entre 47 e 53 seriam inconclusivas; e, mediante pontuações inferiores a 47 pontos, a criança não seria considerada autista (Krug et al., 1980). Entretanto, para o Brasil, Marteleto e Pedromônico (2005) sugeriram que a pontuação adequada para caracterizar o indivíduo dentro do espectro do autismo, utilizando-se a tradução para o português, fosse de 49 pontos, o que aumenta a sensibilidade do instrumento, mantendo sua especificidade. Assim sendo, o presente estudo adotou essa pontuação.

Procedimento

Este estudo foi conduzido após aprovação dos comitês de ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie n. 497,957 (13/12/2013) e da Universidade Federal de São Paulo n. 604,039-0 (22/01/2013) e assinatura do Termo de Consentimento por todos os pais ou responsáveis dos participantes.

Inicialmente, aplicou-se o questionário M-CHAT aos responsáveis pelos prematuros incluídos no estudo, com idade corrigida entre 18 e 24 meses, durante a visita de rotina ao ambulatório. As crianças que rastrearam positivamente nessa etapa foram encaminhadas ao serviço de psicologia ou fonoaudiologia. Um ano após a primeira avaliação, os participantes foram submetidos à segunda avaliação com o questionário ABC. Após a segunda avaliação, com 36 meses de idade corrigida, os prematuros rastreados positivamente em algum dos dois instrumentos, M-CHAT e/ou ABC, foram encaminhados ao Laboratório TEA-MACK da Universidade Presbiteriana Mackenzie para avaliação diagnóstica. Apresentou-se o diagnóstico de TEA, de acordo com os critérios do DSM-5 (American Psychiatric Association, 2013), com base em avaliação multidisciplinar, seguindo o protocolo de avaliação do Laboratório TEA-MACK, que inclui anamnese, avaliações neuropsicológicas, de linguagem e comunicação, além de avaliações de cognição social, física, neurológica e de rastreamento visual (Velloso et al., 2011).

Os dados socioeconômicos, as características clínicas dos prematuros incluídos neste estudo e a evolução clínica durante o período de hospitalização na unidade de tratamento intensivo neonatal foram coletados dos prontuários.

Análise estatística

Para a análise estatística, utilizou-se o programa SPSS for Win/v.17.0 (IBM SPSS Statistics, Somers, NY), considerando significante p < 0,05. Variáveis numéricas foram expressas em médias e desvios padrão ou medianas e comparadas pelo teste t de Student (distribuição normal) ou pelo teste de Mann-Whitney (distribuição não normal). As variáveis categóricas foram expressas em frequências absolutas e percentuais, e comparadas pela prova do qui-quadrado (χ2) ou pelo teste exato de Fisher.

Para verificar o grau de concordância entre os resultados dos instrumentos M-CHAT e ABC, calculou-se o coeficiente de concordância Kappa.

 

Resultados

Dos 116 prematuros elegíveis para o estudo, 66 responsáveis (56,9%) aceitaram participar do estudo. Do total de prematuros, excluíram-se seis crianças (9,1%): uma por síndrome genética e cinco por paralisia cerebral. Dessa forma, 60 crianças nascidas prematuras com muito baixo peso foram incluídas no estudo (Figura 1). A Tabela 1 apresenta as características maternas e neonatais.

A primeira avaliação dos 60 prematuros foi realizada na idade corrigida entre 18 e 24 meses, com média de 20 ± 2,0 meses. Os questionários M-CHAT foram preenchidos por 53 mães (88,3%), 4 pais (6,7%), 2 avós (3,4%) e 1 cuidador responsável por criança em situação de abrigo (1,7%). Um ano depois, o questionário ABC foi preenchido por perfil semelhante: 50 mães (86,3%), 5 pais (8,6%), 1 avó (1,7%), 1 tio (1,7%) e 1 cuidador (1,7%). Todos os pais ou responsáveis confirmaram contato com a criança e assistência diária a ela.

No M-CHAT, quatro prematuros foram rastreados positivamente (6,7%; IC 95%: 2,6 - 15,9%). Todas as crianças apresentaram prejuízos em atenção compartilhada, como não apontar objetos, interesse em outras crianças ou levar objetos para os pais. Somente uma pontuou sensibilidade auditiva (Figura 1).

Os prematuros que pontuaram positiva e negativamente no M-CHAT apresentaram idade gestacional similar (28,5 ± 1,5 versus 29,0 ± 3,1 semanas, p = 0,646) e também similar média de peso ao nascer (1.163 ± 405 versus 1.135 ± 226 gramas, p = 0,898), respectivamente, bem como apresentaram evolução clínica similar durante a hospitalização na unidade de terapia neonatal.

Em relação à distribuição de pontuação de M-CHAT em toda a amostra, 32% das crianças não pontuaram nenhuma questão e 68% pontuaram ao menos uma questão. Questões relacionadas à sensibilidade auditiva apresentaram pontuações altas: a questão 11, relacionada à sensibilidade a barulho, foi pontuada por 51% dos prematuros e a questão 20, relacionada a prejuízos auditivos, por 23%. Menos de 10% dos prematuros pontuaram em qualquer outra questão.

O segundo rastreamento com o questionário ABC foi aplicado a 58 prematuros e ocorreu entre 30 e 36 meses, com média de idade corrigida de 33,6 ± 1,8 meses. O questionário ABC foi aplicado a 58 prematuros entre 30 e 36 meses de idade corrigida. Nessa avaliação, a frequência de crianças que apresentaram sinais positivos de TEA foi 3 (5,2%; IC95%: 1,8%-14,1%), sendo dois novos casos suspeitos e um previamente rastreado com M-CHAT (Figura 1). Os três prematuros apresentaram alta pontuação nas cinco categorias do ABC, com comprometimentos importantes em todas elas: estímulo sensorial, relacionamento, uso de corpo e objetos, linguagem e postura social. Não se observaram diferenças significativas nas características neonatais nem na idade gestacional (29,0 ± 3,0 versus 28,9 ± 3,0 semanas, p = 0,968) ou peso ao nascer (1.367 ± 210 versus 1.126 ± 237g, p = 0,091) entre os que foram rastreados positiva ou negativamente. Entretanto, houve diferença significativa na presença de infecção urinária durante a gestação, presente em 100% das mães dos prematuros rastreados positivamente e apenas 18,2% das mães dos prematuros rastreados negativamente (p = 0,009).

 

 

As mães dos prematuros que rastrearam positiva e negativamente para M-CHAT apresentaram escolaridade similar (mediana 11,0 versus 11,0 anos, p = 0,921), bem como renda familiar (mediana U$ 375 versus U$ 300, p = 0,970). O mesmo resultado foi observado em relação às mães dos prematuros que pontuaram positiva e negativamente com o ABC: 11 versus 11 anos de escolaridade (p = 0,939) e renda familiar média U$ 300 versus U$ 345 (p = 0,259).

A mediana da pontuação dos prematuros no ABC foi similar para aqueles que haviam pontuado positiva ou negativamente no M-CHAT (28,5 versus 13,0, p = 0,097), respectivamente (Figura 2).

 

 

Dos quatro prematuros (duas meninas e dois meninos) que haviam pontuado positivamente no M-CHAT, somente um menino pontuou positivamente também no ABC (positivo em ambos os instrumentos). Percebeu-se aumento dos sintomas: não apenas prejuízos na atenção compartilhada, já detectado com M-CHAT, mas também prejuízos na linguagem, nos estímulos sensoriais e na postura social (79 pontos no ABC).

No questionário ABC, três meninos foram rastreados positivamente: além dos prematuros já mencionados, havia outros dois novos casos suspeitos que não foram rastreados com M-CHAT (90 e 99 pontos no ABC respectivamente). Houve baixa concordância entre os questionários M-CHAT e ABC (teste exato de Fisher, p = 0,196; coeficiente de concordância Kappa = 0,241; p = 0,063).

Após os 36 meses de idade, os seis prematuros rastreados positivamente em qualquer dos instrumentos, M-CHAT ou ABC, foram encaminhados ao Laboratório TEA-MACK para avaliação diagnóstica. Dois meninos (3,3%) foram diagnosticados como TEA, de acordo com o DSM-5 (American Psychiatric Association 2013): um foi rastreado positivamente com ambos os instrumentos e o outro apenas no segundo rastreamento com questionário ABC. Ambos apresentaram déficits persistentes em comunicação e interação social, além de padrões de comportamento e interesses restritos e repetitivos. Esses prejuízos estavam de acordo com os sinais apontados durante o rastreamento com ABC. Um dos prematuros possuía idade gestacional de 27,3 semanas e peso ao nascer de 970 gramas, e o outro nasceu com 32,1 semanas de gestação e peso de 1.475 g.

 

Discussão

Neste estudo, a porcentagem de prematuros rastreados positivamente para sinais de TEA com M-CHAT aos 18-24 meses de idade corrigida e com ABC um ano depois foi de 6,7% (quatro prematuros) e 5,2% (três prematuros), respectivamente. Dos seis prematuros rastreados positivamente com qualquer um dos dois instrumentos, dois meninos tiveram diagnóstico de TEA confirmados aos 36 meses de idade, representando 3,3% da amostra. A concordância entre M-CHAT e ABC, cada um aplicado em diferente idade, foi baixa como demonstrado com o coeficiente Kappa. O prejuízo na atenção compartilhada, observada em todos os rastreados positivamente, é um sinal sugestivo de TEA relevante, e sua presença reforça a necessidade de rastreamento e diagnóstico precoce dessa população. Nossos resultados enfatizam a recomendação da American Academy of Pediatrics (AAP) para rastreamento de sinais compatíveis com TEA aos 18-24 meses de idade e também sugerem o seguimento de crianças em risco durante a infância, como prematuros, já que elas podem apresentar sinais de TEA após essa faixa etária (Ozonoff et al., 2010).

Não se encontraram características clínicas perinatais que pudessem identificar po-sitividade no M-CHAT ou ABC, já que se observaram similares idades gestacionais, peso ao nascer e evolução clínica tanto em prematuros que pontuaram positivamente como naqueles que pontuaram negativamente nos dois questionários. A única exceção encontrada foi em relação à taxa de infecção urinária materna na gestação. Apesar da amostra reduzida, esses resultados concordam com o estudo de Hadjkacem et al. (2016) que, ao compararem crianças com TEA e os irmãos não afetados, apontaram infecção urinária durante a gestação como possível fator de risco para TEA.

Nossos resultados estão de acordo com estudos recentes que indicam que prematuros e crianças nascidas com muito baixo peso apresentam maior risco nos rastreios para sinais de TEA (Gray et al., 2015). Alguns fatores ambientais podem modular uma predisposição genética para TEA, como corioamnionite e hemorragia maternas, uso de ventilação mecânica e infecções no período neonatal. Kuzniewicz et al. (2014) mostraram que o TEA era três vezes mais prevalente em crianças nascidas antes das 27 semanas de gestação, quando comparadas às nascidas a termo, e ainda encontraram aumento nos sinais de TEA com a diminuição da idade gestacional, na presença de fatores de risco ambientais. Em nosso estudo, os dois meninos com diagnóstico de TEA eram de muito baixo peso ao nascer e com idade gestacional abaixo de 33 semanas.

Encontrou-se baixa concordância entre os rastreamentos positivos com M-CHAT e ABC, com somente um (25%) dos quatro prematuros rastreados positivamente no M-CHAT, o qual também foi rastreado positivamente no ABC. Os outros dois prematuros rastreados positivamente no ABC não haviam sido rastreados com M-CHAT. O rastreamento para TEA aos 18-24 meses é recomendado pela AAP e ajuda a aumentar a possibilidade de intervenção e diagnóstico precoces, porém um segundo rastreamento posterior seria importante para incluir crianças que ainda não demonstram atrasos de desenvolvimento no primeiro momento de rastreamento. É possível que grupos de risco, como os prematuros ou grupos com maiores atrasos no desenvolvimento, se avaliados apenas uma única vez aos 18-24 meses, acabem levando a aumento nos resultados falso-positivos, enquanto um rastreamento em dois momentos poderá ser mais efetivo para identificar as crianças com TEA (Gray et al., 2015; Hardy, Haisley, Manning, & Fein, 2015). O M-CHAT-R/F (Robins et al. 2014) tem sido utilizado em substituição ao M-CHAT por ser um instrumento com melhor sensibilidade e especificidade, e, portanto, possuir maior poder de rastreamento. Além da redução do número de questões, o M-CHAT-R/F pressupõe entrevista de seguimento para aqueles casos que pontuaram acima de três questões, o que favorece a distinção entre suspeitos de TEA.

No caso de prematuros, a entrevista posterior poderia favorecer a redução de falso--positivos, uma vez que atrasos superados da prematuridade podem ser tomados como sinais de TEA numa primeira avaliação sem entrevista de seguimento. Entretanto, não foi possível utilizar esse instrumento no presente estudo por causa de sua in-disponibilidade no nosso meio.

Em nosso estudo, a frequência de rastreamento positivo com M-CHAT e ABC foi semelhante, entretanto detectaram crianças diferentes. Esse resultado destaca não apenas os diferentes momentos do desenvolvimento de sinais de TEA, mas também a possível perda desses sinais por alguns prematuros. O desenvolvimento típico infantil é variável, e algumas crianças apresentam atrasos no desenvolvimento que naturalmente são superados nos meses seguintes (Hofheimer et al., 2014). Intervenções ajudam a minimizar ou mesmo corrigir esses atrasos. Em nosso estudo, as crianças que rastrearam positivamente o M-CHAT foram encaminhadas para intervenções. Dos quatro prematuros que apresentaram sinais sugestivos de TEA aos 18-24 meses de idade, duas meninas não mais os apresentaram aos 30-36 meses. Entretanto, ao final das avaliações, dois meninos tiveram diagnóstico de TEA, o que está de acordo com a literatura, sendo TEA mais prevalente em meninos do que em meninas, numa taxa de 1:4 (Zwaigenbaum, Bryson, & Garon, 2013). As intervenções, no intervalo entre os dois rastreamentos, poderiam ter contribuído para que parte das crianças com sinais sugestivos de TEA na primeira avaliação não pontuasse na segunda avaliação, uma vez que os atrasos inicialmente rastreados poderiam ter sido superados em alguns casos por causa da intervenção, o que poderia representar uma limitação do estudo.

Após os 24 meses de idade, alguns sinais sugestivos de TEA tornam-se mais aparentes, seja pelo autismo regressivo ou pelo fato de que outros marcos do desenvolvimento já foram atingidos. Isso pôde ser observado durante nosso estudo quando dois prematuros rastrearam positivamente para TEA entre 30 e 36 meses de idade, porém não apresentavam sinais compatíveis com TEA e não foram rastreados positivamente antes com M-CHAT aos 18 meses de idade. Em relação ao autismo regressivo, discute-se se os sinais estavam presentes desde o início de maneira muito sutil e, portanto, de difícil percepção, ou se de fato surgiram após os 24 meses de idade. De toda maneira, o rastreamento aos 18-24 meses favorece o diagnóstico precoce para TEA, e este pode ser determinado até 18 meses antes, o que não ocorre em crianças não rastreadas (Daniels & Mandell, 2013).

Apesar de o diagnóstico de TEA ser mais frequente em prematuros, comportamentos sugestivos de TEA, como dificuldade de comunicação, reciprocidade social, hiper-sensibilidade sensorial e movimentos repetitivos, podem, eventualmente, ter um significado diferente e devem ser analisados dentro do quadro de complicações da prematuridade (Hofheimer et al., 2014). O diagnóstico de TEA pode ser parte extrema e severa de um perfil mais global de prejuízos funcionais, cognitivos e atencionais dos prematuros (Johnson et al., 2010). Independentemente de esses sinais sugestivos de TEA serem corroborados ou não por posterior diagnóstico de TEA, o prematuro poderá ter ganhos com as intervenções apropriadas (Zanon, Backes, & Bosa, 2017). Assim, o rastreamento precoce para sinais de TEA pode ser clinicamente relevante não apenas para o diagnóstico de TEA, mas também para identificar um grupo de crianças que pode posteriormente apresentar dificuldades ou sequelas do desenvolvimento (Johnson et al., 2010; Guy et al., 2015).

Entre as limitações do estudo, citamos a pequena amostra de conveniência utilizada e a falta de grupo controle, o que impede conclusões definitivas. Crianças nascidas a termo não foram incluídas neste estudo, uma vez que este foi realizado num ambulatório de referência para prematuros. Também como limitação citamos a falta de instrumentos diagnósticos como o Autism Diagnostic Interview - Revised (ADI) ou Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS), não disponíveis no local no momento do estudo. A utilização de avaliação multidisciplinar para diagnóstico seguindo o DSM-5 buscou sanar esse aspecto. Outra limitação do estudo foi a impossibilidade de avaliação completa de toda a amostra aos 36 meses de idade, mesmo para os que não foram rastreados com sinais sugestivos de TEA.

Concluímos que a frequência de sinais sugestivos de TEA entre prematuros nascidos com muito baixo peso, avaliados com M-CHAT aos 18-24 meses e com ABC aos 30-36 meses de idade, foi similar, e a confirmação de diagnóstico de TEA após os 36 meses, de acordo com os critérios do DSM-5, foi alta. O rastreamento aos 18-24 meses de idade acrescido de um rastreamento aos 30-36 meses aumenta a frequência de rastreamento positivo para sinais de TEA em prematuros.

 

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Mailling address:
Vivian Renne Gerber Lederman
Alameda Franca, 660/15
São Paulo, SP. CEP: 01422-000
E-mail: vlederman26@gmail.com

Submissão: 22.4.2018
Aceite: 27.7.2018

 

 

Nota dos autores: Agradecemos a todas as famílias do Ambulatório de Prematuras da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina que concordaram em participar deste estudo.

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