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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.3 São Paulo Sept./Dec. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n3p299-313 

ARTIGOS
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

Problemas emocionais e de comportamento e reprovação escolar: estudo de caso-controle com adolescentes

 

 

Angela Helena MarinI; Bruna Mainardi Rosso BorbaI; Alessandra Turini Bolsoni-SilvaII

IUniversidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, RS, Brasil
IIUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp, SP Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Considerando o sofrimento associado a dificuldades de aprendizagem e reprovação escolar, este estudo comparou os indicadores de problemas emocionais e de comportamento avaliados por adolescentes, seus pais e professores, entre grupos de alunos com e sem histórico de reprovação no ensino fundamental. Desenvolveu-se uma pesquisa transversal, do tipo caso-controle, da qual participaram 24 adolescentes com reprovação, equiparados a outros 24 adolescentes sem o mesmo histórico, além de 48 mães/pais e 21 professores que responderam, respectivamente, ao Inventário de Comportamentos Autorreferidos para jovens e ao Inventário dos Comportamentos de Crianças e Adolescentes. Também foram consideradas as notas dos adolescentes nas disciplinas de Português e Matemática. Os resultados evidenciaram que tanto problemas externalizantes quanto internalizantes associaram-se ao desempenho acadêmico e que professores identificaram mais problemas no grupo com reprovação quando comparados com pais e adolescentes. Ressalta-se a pertinência de se avaliarem diferentes informantes, de modo a contemplar a complexidade das variáveis investigadas.

Palavras-chave: adolescência; saúde mental; distúrbios do comportamento; desempenho escolar; fracasso escolar.


 

 

Introdução

A política de educação brasileira visa inserir todas as crianças na escola, além de garantir uma aprendizagem de qualidade que promova sua permanência. No entanto, apesar dos avanços obtidos em décadas anteriores, ainda persistem graves problemas educacionais e estruturais. Segundo os indicadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2015), mais de 22 milhões de crianças e adolescentes estão matriculados no ensino fundamental, mas cerca de 5,8% deles reprovam nos anos iniciais e 11,1% nos anos finais. Os índices de reprovação estão relacionados ao abandono escolar, especialmente entre o sexto e o nono ano desse nível de ensino, o que se constitui em um importante problema nacional que precisa ser observado e considerado.

A vivência da reprovação escolar associa-se negativamente ao interesse pela escola (Millones, Leeuwen, & Ghesquière, 2013; Moksnes, Lohre, Lillefjell, Byrne, & Haugan, 2016). Por exemplo, Nunes, Pontes, Silva e Dell'Aglio (2014), em estudo realizado com 610 adolescentes, apontaram que os alunos com histórico de reprovação tinham menos expectativas em relação à conclusão do ensino médio e ao planejamento de carreira. Além disso, tais alunos podem apresentar uma representação mais negativa de si, pelo fato de serem menos elogiados e receberem mais críticas dos professores (Osti & Brenelli, 2013), o que pode levar a estratégias de aprendizagem mais pobres e ao maior temor de pedir ajuda quando há dúvidas (Costa & Boruchovitch, 2010). Nesse sentido, estudos têm destacado o sentimento de culpa que adolescentes com histórico de reprovação manifestam, assim como seus familiares, atribuindo-o à desmotivação, dificuldades para aprender e relativas ao seu comportamento (Pezzi, Donelli, & Marin, 2016).

Os problemas emocionais e de comportamento e sua relação com a reprovação escolar têm sido alvo de interesse de diversos pesquisadores (Dazzani, Cunha, Luttigards, Zucoloto, & Santos, 2014; Millones et al., 2013). Os sintomas externalizantes, caracterizados pela oposição, agressão e impulsividade, são associados às interrupções frequentes durante a aula, o que tende a sobrecarregar o professor (Sutherland, Lewis-Palmer, Stichter, & Morgan, 2008). Já os sintomas internalizantes, que envolvem depressão, ansiedade, retraimento social, queixas somáticas, medo, preocupação em excesso, tristeza e timidez, podem gerar insegurança, isolamento e recusa escolar (Moksnes et al., 2016). Contudo, faz-se importante mencionar que não há consenso na literatura quanto à direção da associação entre problemas emocionais e de comportamento e reprovação escolar (Borba & Marin, 2017; Marturano & Elias, 2016). Enquanto alguns estudos apontam que os problemas emocionais e de comportamento levam a um pior rendimento escolar (Borba & Marin, 2017; Cia & Costa, 2012; Rocha, 2012), outros evidenciam que é este que propicia o desenvolvimento de tais problemas (D'Abreu & Marturano, 2010; Millones et al., 2013). No entanto, acredita-se que haja uma inter-relação entre tais variáveis, considerando que uma se apresenta como condição de risco para a outra (Algozzine, Wang, & Violette 2010).

Também há divergência quanto ao tipo de sintoma que está relacionado às dificuldades escolares e, consequentemente, à reprovação. Alguns estudos têm destacado os problemas externalizantes (Dazzani et al., 2014), enquanto outros têm indicado os problemas internalizantes (Moksnes et al., 2016; Svansdottir, Arngrimsson, Sveinsson, & Johannsson, 2015), e ainda há aqueles que apontaram que ambos estão associados à reprovação escolar (Millones et al., 2013). Por exemplo, o estudo brasileiro realizado por Bandeira, Rocha, Souza, Del Prette, & Del Prette (2006) constatou que os alunos com insucesso escolar apresentavam comportamentos internalizantes e externalizantes na avaliação de pais e professores.

Cabe ressaltar, ainda, que a associação entre os problemas emocionais e de comportamento e a reprovação escolar está entre as principais queixas que motivam a busca pelos serviços de saúde mental (Valverde, Vitalle, Sampaio, & Schoen, 2012). No entanto, a adesão aos tratamentos ainda é baixa, o que indica a necessidade de um maior entendimento dessa demanda, considerando-a não apenas sob uma perspectiva individual, mas também sistêmica. Nesse sentido, destaca-se a importância de incluir a avaliação de múltiplos informantes em relação aos problemas emocionais e de comportamento, para fins clínicos ou de pesquisa, contemplando, assim, diferentes contextos de desenvolvimento, como família e escola (Gomez, Vance, & Gomez, 2014). Além disso, as eventuais discrepâncias encontradas entre eles são valiosas na medida em que apontam a necessidade de considerar as características e demandas próprias de cada realidade (De Los Reyes, Thomas, Goodman, & Kundey, 2013).

Sendo assim, o presente estudo teve por objetivo comparar os indicadores de problemas emocionais e de comportamento avaliados por adolescentes, seus pais e professores entre grupos de alunos com e sem histórico de reprovação no ensino fundamental. Além disso, buscou-se examinar o desempenho dos adolescentes nas disciplinas de Português e Matemática, associando-os à severidade dos sintomas identificados pelos diferentes informantes. Considerando a literatura revisada, esperava-se que os adolescentes com reprovação escolar apresentassem mais indicadores dos problemas considerados.

 

Método

Delineamento e participantes

Trata-se de uma pesquisa do tipo caso-controle, de corte transversal e abordagem quantitativa, cuja amostra, selecionada por conveniência, foi composta por 24 adolescentes com histórico de reprovação que foram equiparados quanto ao sexo e ano escolar, além da configuração e do nível socioeconômico familiar a 24 adolescentes sem histórico de reprovação escolar (grupo-controle). Todos estavam matriculados em duas instituições públicas localizadas em um bairro de classe média baixa da cidade de Porto Alegre. Também fizeram parte do estudo 48 famílias, representadas pelas mães e pelos pais desses adolescentes, e 21 professores, que avaliaram o número correspondente de alunos contemplados nesta pesquisa.

Como previsto, comparações entre os grupos considerando o sexo (χ2 = 0,00, p = 1,00) e o ano escolar (χ2 = 0,14, p = 0,71) não os diferenciaram. Já a idade diferenciou os grupos (χ2 = 19,09; p = 0,00), e os adolescentes com 14 anos eram os que apresentavam maior número de reprovações (6 sem e 1 com histórico de reprovação tinham 12 anos; 17 sem e 8 com histórico de reprovação tinham 13 anos; 1 sem e 13 com histórico de reprovação tinham 14 anos; e 2 com histórico de reprovação tinham 15 anos).

No grupo com histórico de reprovação, os adolescentes tinham entre 12 e 14 anos (M = 13,67; DP = 0,70), sendo 13 do sexo feminino (54,2%) e 11 do sexo masculino (45,8%). Quanto à sua escolaridade, cinco cursavam o sexto ano (20,8%) e 19 o sétimo ano (79,2%) do ensino fundamental. As famílias foram representadas por 22 mães (91,7%) e dois pais (8,3%).

Em relação ao grupo sem histórico de reprovação, os adolescentes também tinham idade entre 12 e 14 anos (M = 12,79; DP = 0,51), sendo 13 do sexo feminino (54,2%) e 11 do sexo masculino (45,8%). Quanto à escolaridade, quatro cursavam o sexto ano (16,7%) e 20 o sétimo ano (83,3%) do ensino fundamental. As famílias foram representadas por 22 mães (91,6%) e 2 pais (8,3%).

Por fim, entre os professores participantes, que ministravam diferentes disciplinas, contemplando todas do currículo, cinco eram do sexo masculino (23,81%) e 16 do sexo feminino (76,19%). Todos tinham contato com os alunos avaliados há, pelo menos, seis meses antes da realização da pesquisa.

Instrumentos

Registro do rendimento escolar: foram consideradas as notas dos três trimestres avaliativos das disciplinas de Português e Matemática referentes ao ano letivo da realização da pesquisa (2015). A média final para aprovação das escolas participantes era 50 pontos, e o desempenho acadêmico foi classificado em fraco (0-49 pontos), médio (50-69 pontos) e alto (acima de 70 pontos), atendendo ao indicado pela própria escola. Optou-se pelas disciplinas de Português e Matemática, tendo em vista que incitam processos cognitivos complexos como o raciocínio analógico e o analítico (Oliveira, Boruchovitch, & Santos, 2008).

Inventário de Comportamentos Autorreferidos para Jovens de 11 a 18 Anos (Youth Self Report - YSR) (Achenbach & Rescorla, 2001): avalia a saúde mental de adolescentes com idade entre 11 e 18 anos, por meio de itens destinados à avaliação das competências e de indicadores autorreferidos de problemas emocionais e de comportamento. Para fins do presente estudo, foi utilizada apenas esta segunda parte, que contempla oito escalas que compõem três índices gerais: problemas internalizantes (ansiedade/depressão, isolamento/depressão e queixas somáticas), problemas externalizantes (comportamento desviante e comportamento agressivo) e total de problemas (engloba todos os itens de problemas de comportamento), além dos problemas sociais, de pensamento e de atenção. Em relação às propriedades psicométricas do instrumento, Bordin et al. (2013) revelaram que a confiabilidade média de teste-reteste foi de 0,82 e a consistência interna das escalas de problemas, medida por alfa de Cronbach, variou de 0,67 a 0,95. O YSR se encontra em processo de validação para a população brasileira, e já foram apontados adequados índices de consistência interna, com o índice RMSEA de 0,03, indicando bom ajustamento (Rocha, 2012).

Inventário dos Comportamentos de Crianças e Adolescentes entre 6 e 18 Anos (Child Behavior Checklist - CBCL) (Achenbach & Rescorla, 2001): afere a competência social e a presença de problemas emocionais e de comportamento em crianças e adolescentes de acordo com a percepção dos pais/cuidadores. Assim como para o YSR, foi considerado apenas o segundo nível do inventário, que apresenta os mesmos indicadores como desfecho. Embora não haja validação do CBCL para a população brasileira, Silvares, Rocha e Emerich (2016) revelaram que foram encontrados bons índices de consistência interna para uma amostra de crianças e adolescentes não encaminhada para serviços de saúde mental (α = 0,95) e para outra encaminhada para atendimento em um serviço de psicologia de Porto Alegre (α = 0,95).

Inventário dos Comportamentos de Crianças e Adolescentes - Relatório para Professores (Teacher's Report Form - TRF) (Achenbach & Rescorla, 2001): avalia o funcionamento adaptativo, composto por desempenho acadêmico, dedicação ao trabalho escolar, comportamento apropriado, aprendizagem e felicidade, além de problemas internalizantes e externalizantes. O instrumento se constitui como uma medida paralela ao CBCL, que foi desenvolvida para, quando usados em conjunto, proporcionar uma compreensão global do funcionamento da criança/adolescente em diferentes ambientes, devendo ser respondido pelo professor que conheça o aluno há, pelo menos, dois meses, critério que foi cumprido no presente estudo. Bordin et al. (2013) afirmam que o instrumento é um dos mais utilizados no mundo, apresentando boa confiabilidade teste-reteste (0,90) e consistência interna, medida pelo alfa de Cronbach, variando de 0,72 a 0,97. Entretanto, as validações do instrumento ainda estão sendo conduzidas no Brasil por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Procedimentos éticos e de coleta de dados

Inicialmente, foi realizado contato presencial com a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, com vistas à autorização do estudo, e duas escolas da cidade de Porto Alegre/RS foram selecionadas por conveniência, considerando a localização acessível às pesquisadoras. Após, o estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 47369215.2.0000.5344.

As famílias foram contatadas por meio de palestras informativas, além de reuniões para entrega de avaliações. Aqueles que aceitavam participar assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e levavam um envelope contendo Carta de Apresentação da Pesquisa, instruções quanto aos procedimentos de preenchimento do CBCL e o instrumento propriamente dito. O prazo de preenchimento para os responsáveis foi de uma semana, os quais, depois, deveriam reenviar os instrumentos pelos adolescentes. O material era recolhido na própria escola.

Os adolescentes, por sua vez, foram abordados em sala de aula, com a devida liberação da direção da escola e aprovação do professor responsável pela disciplina, para assinarem o Termo de Assentimento e responderem coletivamente ao YSR. Por fim, com os professores, foi agendado um dia e horário em que estivessem disponíveis na escola para assinarem o TCLE e responderem ao TRF. Tendo em vista a extensão do instrumento, o período do início da coleta (terceiro trimestre do semestre letivo) e o fato de muitos dos adolescentes participantes fazerem parte de uma mesma turma, todos os professores dos anos finais foram convidados a participar e orientados, individualmente, sobre quem deveriam considerar para avaliação a fim de não os sobrecarregar. Assim, nenhum deles preencheu mais de sete inventários.

Procedimentos de análise dos dados

As respostas aos instrumentos YSR, CBCL e TRF foram analisadas a partir do ASEBA-PC. Para fins deste estudo, não se consideraram as escalas orientadas pelos critérios do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV). Os escores das escalas contempladas foram classificados em clínico (percentis a partir de 70), borderline ou limítrofe (percentis entre 65 a 69) e não clínico (percentis abaixo de 65), mas, neste estudo, optou-se por incluir os adolescentes categorizados como limítrofes na categoria clínica, conforme recomendação de Achenbach e Rescorla (2001). Essa classificação não representa um diagnóstico, porém auxilia na identificação de fatores de risco que indicariam a necessidade de ajuda profissional.

As análises foram conduzidas considerando os escores T referentes a cada subesca-la e escala dos instrumentos, visto que eles padronizam os resultados, não havendo interferência do número de itens (Rocha, 2012). Utilizou-se estatística não paramétrica (teste Mann-Whitney) para comparação entre as medidas de problemas emocionais e de comportamento e reprovação escolar. Ainda foram feitas comparações (teste qui-quadrado) entre os indicadores de problemas emocionais e de comportamento classificados como clínicos e não clínicos, considerando o histórico de reprovação escolar e o desempenho nas matérias de Português e Matemática, qualificado como fraco, médio e alto. Adicionalmente, fez-se análise de correlação de Pearson entre as medidas gerais dos instrumentos (problemas externalizantes, internalizantes e totais) e as notas brutas gerais de Português e Matemática.

 

Resultados

Os dados derivados das análises estatísticas realizadas encontram-se dispostos a seguir. As Tabelas 1 e 2 descrevem, respectivamente, os achados das comparações dos indicadores de problemas emocionais e de comportamento, considerando as medidas numéricas (escores padronizados) e categóricas (classificação da severidade dos sintomas como clínicos ou não clínico) entre os grupos com e sem histórico de reprovação escolar. Todas as análises conduzidas estão de acordo com os objetivos, uma vez que comparam e associam os indicadores gerais e específicos de problemas emocionais e de comportamento com indicadores de desempenho acadêmico. Destaca-se que, na avaliação realizada pelos próprios adolescentes (YSR), nenhum dos indicadores examinados diferenciou os grupos quanto à variável ter ou não histórico de reprovação.

De acordo com a Tabela 1, mães/pais e professores avaliaram os adolescentes com histórico de reprovação como tendo maiores escores em comportamento agressivo e total de problemas externalizantes. Na aferição dos professores (TRF), os adolescentes desse grupo também exibiam, com mais frequência, os comportamentos de isolamento social, total de problemas internalizantes e problemas totais.

Conforme a Tabela 2, contemplou-se a severidade dos indicadores avaliados (clínico e não clínico) em relação à reprovação escolar e observou-se que, no exame das mães/pais (CBCL), houve a indicação de mais problemas clínicos externalizantes entre os jovens com reprovação. Já na avaliação dos professores (TRF), eram os problemas de comportamento internalizantes, especialmente ansiedade/depressão, que ocorriam com mais frequência no mesmo grupo.

A Tabela 3 apresenta as comparações quanto ao desempenho escolar (fraco, médio, bom), considerando a severidade dos indicadores de problemas emocionais e de comportamento avaliados (clínico e não clínico), diferenciando-os entre as disciplinas de Português e Matemática (seis grupos de comparação). No relato das mães/pais, as comparações sinalizaram que tanto problemas internalizantes quanto externalizantes são mais relatados para os grupos de adolescentes com desempenho fraco e médio para a Matemática. Considerando as respostas dos professores (TRF), constatou-se que os adolescentes do grupo não clínico apresentaram melhor desempenho escolar (médio e bom) em comparação àqueles que eram do grupo clínico para os indicadores de comportamentos desviante e agressivo, em relação à disciplina de Português; e para os indicadores de problemas de atenção, comportamento desviante, agressivo e total de externalizantes, no tocante à disciplina de Matemática. Destaca-se que as escalas gerais do TRF (internalizante, externalizante e problema total) não diferenciaram estatisticamente os grupos.

A Tabela 4 apresenta as correlações encontradas entre as variáveis de interesse do estudo, ou seja, os indicadores gerais de problemas emocionais e de comportamento (comportamento internalizante, comportamento externalizantes e total de problemas) e as notas obtidas nas disciplinas de Português e Matemática (médias). Os dados representam os três informantes considerados: adolescentes, mães/pais e professores.

No relato dos adolescentes (YRS), apenas o total de problemas de comportamento se associou, de forma negativa e fraca, com o seu desempenho em Matemática. Na avaliação das mães/pais (CBCL), os dados não revelaram correlações significativas. No entanto, contemplando a aferição dos professores (TRF), algumas correlações foram observadas: a ocorrência de problemas externalizantes e de total de problemas foi associada negativamente com o desempenho geral (média entre as notas de Português e Matemática), o desempenho em Português e o desempenho em Matemática. Dentre essas, a correlação mais importante encontrada, por ser moderada, foi a associação negativa entre o total de problemas e o desempenho em Matemática.

 

Discussão

Com base nos resultados apresentados, constatou-se que, no grupo de alunos com reprovação escolar, os problemas emocionais e de comportamento foram identificados com maior frequência. Especificamente na avaliação de mães/pais, os adolescentes com histórico de reprovação escolar foram identificados como exibindo mais comportamento agressivo e total de comportamento externalizante, inclusive em nível clínico para esse último, em relação aos alunos sem o mesmo histórico. Tais resultados confirmam achados da literatura, que destacam que, quando esses sintomas estão presentes, os pais costumam ser acionados porque eles comprometem tanto a dinâmica de sala de aula como as relações com seus pares e professores (Bordin et al., 2013; Dazzani et al., 2014).

No que diz respeito ao desempenho escolar, houve associação entre indicadores clínicos de problemas externalizantes e também internalizantes percebidos pelos pais e o desempenho classificado como fraco ou médio na disciplina de Matemática. Sabe-se que o questionamento de regras e limites é importante para um desenvolvimento saudável, mas também pode ser considerado pelas mães e pelos pais, que costumam estar mais distantes nessa fase, como comportamento desafiador e problemático (Lubenko & Sebre, 2010). Nesse sentido, acredita-se que eles possam estar associando o menor rendimento escolar a tal comportamento.

Já na avaliação dos professores, os adolescentes com histórico de reprovação escolar foram indicados como apresentando mais isolamento social, total de problemas internalizantes e problemas totais, além de reconhecerem-nos como clínicos para o total de problemas internalizantes, especialmente na escala de ansiedade/depressão, em comparação aos alunos sem o mesmo histórico. Tal dado contraria, em parte, o estudo de Lyra, Assis, Njaine, Oliveira e Pires (2009), que indica os problemas externalizantes como os mais identificados e associados às dificuldades escolares, uma vez que parece existir uma tendência a subestimar a severidade dos problemas internalizantes, por chamarem menos atenção em sala de aula.

No entanto, como alertam Moksnes et al. (2016), adolescentes com sintomas internalizantes costumam apresentar um estilo negativo de avaliar a si mesmos e as novas descobertas, sendo provável que, diante de uma situação de fracasso escolar, venham a nutrir pensamentos de desvalorização, desesperança e pessimismo, que podem ter sido percebidos pelos seus professores por causa da expressão de sua intensidade. Contudo, os comportamentos externalizantes também foram associados às notas obtidas pelos adolescentes, considerando o desempenho nas disciplinas de Português e Matemática. Consoante a esse dado, os professores reconheciam que os adolescentes que obtinham melhor desempenho em Português e Matemática eram aqueles que foram classificados como não clínicos em relação ao comportamento desviante e agressivo, e aos problemas de atenção, desviante, agressivo e total de externalizantes, respectivamente.

O maior número de relações entre os indicadores de problemas emocionais e de comportamento com o desempenho na disciplina de Matemática pode estar sinalizando que o déficit na capacidade de entender os significados de operações e algoritmos, que exige habilidades de processo de raciocínio e resolução de problemas (Millones et al., 2013), pode acarretar mais emoções negativas, como desapontamento, frustração, pânico e raiva (Martínez-Sierra & García-González, 2015). Assim, é possível que tais sentimentos venham a desencadear ou intensificar a manifestação de sintomas internalizantes e externalizantes.

Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de os adolescentes não reconhecerem como clínicos seus problemas emocionais e de comportamento. Na avaliação deles, o único dado significativo encontrado foi a relação entre o fraco desempenho na disciplina de Matemática e o total de problemas. Portanto, os adolescentes deste estudo, particularmente os com histórico de reprovação, não parecem aproximar suas dificuldades escolares a tais problemas, talvez pelo fato de se sentirem responsabilizados ou até mesmo culpados pelo menor rendimento escolar que apresentam, como também foi evidenciado no estudo de Pezzi et al. (2016). Assim, acredita-se que são necessárias mais investigações que possibilitem examinar outras variáveis associadas ao fenômeno.

Em conjunto, constatou-se que são os professores os que identificaram mais problemas emocionais e de comportamento entre os adolescentes, os quais foram associados à reprovação escolar e ao desempenho geral, bem como ao desempenho nas disciplinas de Português e Matemática. É plausível supor que eles, por serem os responsáveis por avaliar os alunos em relação ao seu desempenho escolar, estejam atentos e sejam mais sensíveis a identificar indicadores dos problemas avaliados. Apesar disso, os pais também apresentaram dados interessantes sobre os indicadores de problemas emocionais e de comportamento entre os adolescentes com histórico de reprovação, que não podem ser desconsiderados quando se pensa em formas de intervir para evitar a reprovação escolar, dada a importância das consequências que esta pode desencadear, como a evasão, indicada como um propulsor ao envolvimento com drogas e criminalidade (Rumberger, 2011), o que poderá afetar as escolhas educacionais e profissionais futuras. Nesse sentido, acredita-se que psicologia tem muito a contribuir com a educação não por meio apenas da elaboração de laudos, pareceres e encaminhamentos, mas também pela escuta e pelo acolhimento dos alunos, de seus pais e professores que sofrem e precisam ser orientados na superação do fracasso escolar (Pezzi et al., 2016).

Destaca-se que o fato de a amostra ter derivado apenas de escolas públicas situadas em bairros com característica de carência socioeconômica e ter incluído somente os anos finais do ensino fundamental pode ser considerado um viés do presente estudo. Além disso, é sabido que outras variáveis relativas à família, como idade, sexo e escolaridade dos pais, podem ter influência sobre a reprovação escolar dos filhos, mas essas informações não foram coletadas e ponderadas. Portanto, sugere-se que novas pesquisas as contemplem, assim como atentem a variáveis contextuais da escola. Cia e Costa (2012) já haviam alertado que recursos didáticos pobres, greve escolar e mudança de professor, presentes no âmbito público, são fatores de risco à ocorrência ou manutenção de problemas emocionais e de comportamento nos alunos, assim como Gomes (2016) indicou que os recursos do ambiente familiar estão relacionados ao rendimento escolar dos filhos.

Acredita-se que o presente estudo traz contribuições para o delineamento do tipo caso-controle, possibilitando avaliar com maior precisão a associação entre os indicadores de problemas emocionais e de comportamento e a reprovação. Ressalta-se a pertinência de ter a avaliação por diferentes informantes, que trouxeram dados complementares quanto aos comportamentos e à sua associação com o desempenho escolar de adolescentes. A partir dos achados desta pesquisa, sugere-se a realização de novos estudos de caso-controle, com amostras maiores e representativas, avaliando o motivo das reprovações, juntamente com uma avaliação cognitiva dos alunos, a fim de aprofundar o entendimento da relação entre os problemas emocionais e de comportamento com o desempenho escolar dos alunos. Assim, ampliar-se-ia a compreensão de que o sucesso/fracasso acadêmico dos estudantes não depende somente de fatores orgânicos ou cognitivos, mas também de fatores sociais e emocionais, que precisam ser considerados perante a complexidade do fenômeno.

 

Referências

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Endereço de correspondência:
Angela Helena Marin
Avenida Unisinos, 950, sala E01-109
São Leopoldo, RS. CEP: 93022-750
E-mail: angelahm@unisinos.br

Submissão: 24.5.2017
Aceite: 27.7.2018

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